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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Estes dias que passam 330

d'oliveira, 11.01.15

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Impressões a quente

Neste exacto momento ninguém se atreve a avançar números sobre a manifestação de Paris. Para quem conhece Paris e viu o percurso Republique Nation completamente entupido, para quem viu que a abertura de percursos complementares até à Bastilha de pouco serviram, para quem viu engarrafamentos de gente em todas as ruas que convergiam para este enorme triângulo do 11º bairro, também não é possível fazer contas.

Entre muitas imagens dadas pela longa reportagem da TV5 (e algumas eram extraordinárias) fica a sensação da grande serenidade dos manifestantes, do empenhamento cidadão (e vários entrevistados diziam isso mesmo (on est ici comme citoyens, voilá!), do apelo constante à recusa da mistura entre Islão e terrorismo radical islamista (e a este propósito uma imagem belíssima de duas mulheres muçulmanas que ocultavam os seus cabelos num véu azul, branco e vermelho. Uma delas trazia ao colo o seu bebé e tudo nelas transmitia a ideia de que eram francesas, se sentiam bem em França e que isso as obrigava a estar ali dizendo isso mesmo.

O mesmo se poderia dizer de uma portuguesa chamada Olga que trazia um filho pela mão e que fortemente comovida explicou com clareza porque ali estava. (Aliás é bom recordar que se viram inúmeras bandeiras portuguesas na manifestação, sinal de uma comunidade integrada e bem adaptada).

Os jornalistas começam a apostar entre milhão e meio e dois milhões de manifestantes em Paris a que se juntam outro milhão e meio de manifestantes na “província” (e ontem já se teriam manifestado mais de setecentas mil pessoas).

Que seis horas depois do começo da manifestação ainda haja cerca de trezentos mil a marchar na noite fria dá que pensar.

E anima, convenhamos.

Poderá, afinal, não ser tão próxima a entrada triunfal de Marine Le Pen no Eliseu. Assim seja!

A propósito desta harpia moderna a quem uma burka não ficaria mal para nos poupar o espectáculo duma valquíria deslavada a quem Cabu chamou numa imortal caricatura “o homem do momento”, é bom lembrar algumas das suas propostas (abolição de Schengen, restabelecimento da pena de morte e deixo-vos adivinhar o resto) , recordemos a declaração do excelso pai (Desolé je ne suis pás Charlie: lamento mas não sou Charlie) que soaria a provocação mas não passa de uma trivialidade. Aliás, alguém respondeu Se ele dissesse que era Charlie eu passaria a afirmar-me imediatamente “Le Pen”.

Deixemos todavia estas fétidas presenças e passemos à habitual canalhice nacional, nossa: um descerebrado pensando ser a encarnação do cruzado Osberno escreveu na parede da mesquita de Lisboa a data da conquista da cidade aos mouros.

Como provocação é ridícula, como História é uma imbecilidade. Desde que Portugal é Portugal sempre houve muçulmanos entre nós (basta recordar as “mourarias” em numerosas terras do Sul, as lendas da “mourinha encantada” (essas em todo o lado) e, desde que Portugal se afirmou como império, sempre houve vassalos muçulmanos, nomeadamente em Moçambique desde o século XVI.

Durante a guerra de África, houve mesmo quem aclamasse os muçulmanos contrapondo-os ao traidores indianos. Na AR (e antes se não estou em erro, houve um que outro deputado muçulmano mormente da Guiné). A comunidade muçulmana portuguesa não é numerosa mas tão pouco é ignorada. Ainda neste Natal, se bem lembro, a mesquita abriu-se a muitos portugueses sem abrigo para um jantar de Natal numa manifestação de tolerância, respeito e piedade que honra um dos cinco pilares do Islão, o socorro aos mais necessitados. Querem melhor prova de tolerância inter-confessional?

O palerma que foi vomitar o seu ódio na parede da mesquita é apenas isso: um fenómeno do Entroncamento no que toca a estupidez. Tem vocação de oxiúro, está tudo dito!

    

  

 

 

 

Estes dias que passam 329

d'oliveira, 09.01.15

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A estupidez é um dos resultados da austeridade ou, pelo menos, parece

 

A srª deputada Ana Gomes é incapaz de fechar a mimosa boquinha. Em vendo uma câmara de televisão, um microfone, ou mesmo, presume-se, um tubo de aspirador, atira uma frase bombástica seja ela qual for.

Que semelhante criatura seja deputada já não surpreende. A profissão, mesmo na versão, deputado europeu, está tão desclassificada na opinião pública que é necessário uma certa coragem para alguém se candidatar.

Quanto ao partido que lhe dá passagem para Bruxelas e Estrasburgo, também começa a ser natural que recorra a este tipo de personagens.

A incapacidade de levar a cabo um discurso político coerente e de esquerda permite esta amálgama de que a srª Gomes é apenas a ponta avantajada do iceberg.

Afirmar que o terrorismo é um resultado da austeridade é tão cretino como afirmar o inverso.

Ao que parece os Estados Unidos estavam em austeridade comatosa para que uma dúzia de filhos da puta entendesse melhorar a economia americana estampando dois aviões contra o World Trade Center!

Os benfeitores da Rote Armée Fraktion, filhos da grande burguesia alemã, os intelectuais de Prima Linea , os excitados de Action Direct e mais uma boa dúzia de criaturas vindas de braço dado com terroristas de Extrema Direita (veja-se a Noruega, os dourados da Grécia ou um par de miseráveis “guerilleros de Cristo Rei”, primos da militaragem golpista sul americana, devem estar contentes onde quer que estejam: afinal eles até eram boa gente: apenas foram motivados pela austeridade.

Arre!

 

Sobre esta frase absolutamente reacionária apenas desejaria que algum dos redactores do Charlie Hebdo pudesse criar o “boneco” apropriado mesmo se a criatura visada nem sequer essa atenção mereça.

Conta-se que Camilo terá respondido a uma carta mais ou menos do seguinte modo: Exº Senhor. A sua carta acaba de passar ao ventre da mãe terra pelo esófago da latrina.

O mesmo acontecerá indubitavelmente à pesporrante imbecilidade da frase da srº Gomes

 

 

Ajudar a Grécia?!

José Carlos Pereira, 08.01.15

A Grécia mergulhou numa enorme convulsão política nos últimos anos, fruto da crise financeira que se abateu sobre o país e o resto da Europa. É certo que os gregos abusaram da sorte, ao longo de muitos anos, mas não é menos verdade que a Europa, com a Alemanha à cabeça, acudiu tarde e a más horas à Grécia, como se de um filho enjeitado se tratasse.
O pesado resgate financeiro não podia deixar de fazer mossa na estrutura política e partidária grega. Depois de muitas conturbações, a escassas semanas de novas eleições legislativas, o Syriza, partido nascido da contestação às condições impostas pelo resgate internacional, vai à frente na maioria das sondagens e pode mesmo vencer as eleições.
Dessa possibilidade até à enorme discussão sobre se a Grécia vai ou não cumprir as condições impostas pelo resgate e se permanece ou sai do euro foi um pequeno passo. Uns proclamam que a Europa aguentaria “deixar cair” a Grécia, outros apelam aos valores da comunhão e da solidariedade entre países irmanados pelo mesmo ideal europeu.
Pois bem, a Alemanha, com a maior desfaçatez, e certamente com receio das repercussões de uma vitória do Syriza, já veio dizer que, após as eleições, estará disposta a renegociar as condições de pagamento da dívida grega, independentemente do partido vencedor. Em cima da mesa poderá estar, nomeadamente, a extensão de maturidades do empréstimo ou a redução das taxas de juro praticadas. Falinhas mansas, curiosamente proferidas por uma deputada do SPD, que certamente pretendem influenciar a livre opção dos gregos, pois deixam entender, sub-repticiamente, que será mais fácil um acordo de princípio com o centro-direita da Nova Democracia do que com os “radicais” do Syriza.
Esta intervenção alemã, assim a modos como que “eu, que sempre desconfiei de ti, agora ajudo-te desde que tenhas juizinho”, é extemporânea e infeliz. Então se havia essa disponibilidade, para a Grécia e para outros países, como Portugal, por que não intervir mais cedo, aliviando há mais tempo a austeridade que se abate sobre os cidadãos e as políticas que dificultam o investimento e o emprego?

diário político 202

d'oliveira, 07.01.15

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A infamia absoluta 

 

Em nome de Alá ou de Maomé ou de qualquer outra coisa mata-se alegremente. Não que sectários de outras religiões do Livro ou não não matem também. 

Todavia, oss que matm em nome do Islão (de um Islão bem só deles, exclusivo e exclusivista) tem dado nas vistas, ultimamente. 

Agora, num repelente, miserável ataque, dizimaram a redacção de "Charlie Hebdo". Doze mortos entre eles Charb, Cabu e Wollinsky. 

Conta o pincel da sátira a kalashnikov dos assassinos. 

Exactamente no mesmo dia em que começam a ser selecionados os membros do juri que integrará o tribunal de Boston onde se julga outro assassino que mesmo contra toda a evidência grita a sua inocência. 

quem como eu é leitor assíduo do Chalie Hebdo como já fora, desde os anos 6o, leitor do Harakiri sente-se de luto e invadido pela raiva. Desculpem lá os do pensamento correcto mas, neste momento (depois talvez acalme), só me acodem desejos de que os assassinos cobardes morram de morte violenta e dolorosa. 

Começo a pensar que a bonomia com que se encara o multiculturalismo e se compreende o Islão na Europa (quando nos territórios muçulmanos nem uma Igreja se consegue abrir)  deve ser repensada. O ataque à redacção do "charlie..." não pode, de modo algum, ficar impune. Não se pode aceitar que a liberdade de imprensa sofra outro castigo que não os de um tribunal tanto mais que esse meio está à disposição dos "crentes" muçulmanos franceses. 

Este ataque vai, aliás, reforçar a extrema Direita francesa mesmo se "Charlie hebdo" nunca a poupasse.

Não me espantarei se, de repente, começarem a ser atacadas mesquitas ou outros locais de reunião de muçulmanos. Por muito menos isso já ocorreu. Só que depois deste massacre haverá seguramente mais gente a admiti-lo, quiçá a aplaudi-lo.

Não o desejo, mas também não daria um passo para (como tantas vezes fiz) voltar à rua a protestar

contra a alegada islamofobia dos franceses. 

Primeiro, a comunidade muçulmana, os seus imans e restantes dignitários religiosos e políticos terão de mostrar de que lado estão: da civilização laica e democrática ou da charia selvagem e primitiva?

d'Oliveira fecit 7-1-15 

estes dias que passam 320

d'oliveira, 06.01.15

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2014 duas palavras

 

Os leitores, se os há aí desse lado do ecrã, desculparão esta bizarria de fazer mais um resumo do ano depois de tantos e tão assinalados comentadores o terem feito.

De todo o modo há diferenças: eles são, regra geral, chorudamente pagos enquanto este escriba gasta dedos e computador absolutamente à borla. Eles são conhecidos, tem escritório em jornais e televisões (e rádio, esquecia-me da rádio) e têm sempre razão mesmo quando se contradizem. Cá por casa, esforço-me por não me desmentir e desconfio sempre da razão absoluta. Apenas consigo pensar que, nas circunstâncias actuais, com o que se sabe, talvez esteja dentro de um leque de probabilidades razoável.

Deixemos, porém, estas parcas reflexões e vamos ao que interessa.

Escolhi duas palavras já bastante gastas, no fio, até, para caraterizar o ano que passou. Elas são: corrupção e segredo de justiça.

Da corrupção falou-se muito, houve julgamentos, condenações mas, de facto, ainda não houve condenados, tantos e tais os recursos que foram apresentados. Vejamos com mais detalhe: quer a corrupção activa quer a passiva começam por serem difíceis de provar. É preciso apanhar os seus agentes com a mão na massa, com a boca na botija (agora, mais singelamente, o telefone) e extrair daí, sem margem a dúvidas, os factos constitutivos da corrupção. Tanto mais que a eternamente proposta lei sobre o enriquecimento sem causa vai sendo sucessivamente postergada com os mais variados argumentos, dentre eles um imoderado uso a subversão do ónus da prova.

Suponhamos um político cujos rendimentos por razões da própria “entrega” à causa pública sejam conhecidos. Subitamente, é apenas uma hipótese, começa a andar em carros de alta cilindrada, a frequentar os melhores restaurantes, a vestir-se nos melhores alfaiates, a morar em casas reconhecidamente caras. Ou a comprar quintas paradisíacas no Alentejo ou no Douro. Tiradas as hipóteses de herança ou de totoloto a pergunta impõe-se: “donde é que vem a massa daquele gajo?”, questiona-se o povinho que, de bolso vazio, vê os fins de mês aproximarem-se com medonha rapidez.

Se houvesse uma qualquer lei sobre enriquecimento ilícito talvez houvesse hipóteses de chegar ao beneficiado pelo toque de Midas e interpela-lo: “Ó meu donde é que te vem o cacau?”

Eu bem sei que não há lei e que, por muito fumo que a súbita e milagreira felicidade financeira faça, não se consegue ver uma ponta de fogo, que digo?, uma miserável fagulha.

Mas, poderão retorquir-me, que sempre se apanha aqui e ali um corruptor e um par de corrompidos, como ocorreu no ano transacto (mesmo que esta verdade de primeira instância possa ser anulada em sede de recurso). É verdade: conseguiram caçar um pobre diabo ligado a negócios sem grande reconhecimento social e um par de tontos que se desbragavam o telefone.

E, obviamente houve uma criatura que, estando dentro do segredo, contou tudo, tintim por tintim, à polícia e ao tribunal.

Todavia, à medida que se sobe na escala social, política e económica, as coisas ficam mais difíceis. O grande crime económico é como o grande crime mafioso nos Estados Unidos: demora anos e anos a ser descoberto, se é que o é.

As manobras para camuflar transferências de dinheiro, entregas de dinheiro, vendas ou compras fictícias atingiram uma perfeição genial e não é com os diminutos meios que por cá se concedem às polícias e ao aparelho judiciário que elas podem ser descobertas. A menos que...

A menos que alguém movido por as mais variadas razões dê com a língua nos dentes. A menos que alguém “bufe”, “sopre”, “borregue”...

E a menos, também, que o corrupto(r) comece a sentir-se tão forte que, impavidamente, se dê ao luxo de deixar aqui e ali pistas. O que, como se sabe, ocorre com inusitada frequência. Eu, aliás, compreendo que quem tenha um farto pecúlio escondido na estranja comece pouco a pouco a questionar-se se não pode gozar pelo menos de um bocadinho daquele tesouro mal adquirido. E vá de comprar um carro melhor, uma casinha com piscina, um apartamento em Nova Iorque ou, mais modestamente, em Cascais ou no Algarve (na parte boa, claro, não estamos a falar de um miserável time sharing).

E pode-se sempre arguir, como já terá ocorrido, de uma prenda por boa consultadoria (e neste campo a coisa pode atingir milhões, como se sabe).

Ou, afirmar que se recorreu à boa vontade de um familiar generoso, de um amigo ainda mais generoso que confia em nós como quem confia na “santinha da Ladeira”, ou seja, absolutamente. Há amigos assim, capazes de esperar toda uma vida, ou mesmo duas para quem é crente e se sabe destinado a uma outra vida eterna. Confesso que eu mesmo já emprestei uma grossa maquia de que me restituíram apenas parte, e ao fim de muitos anos. No caso concreto, eu tinha vergonha de exigir o emprestado e só uma intervenção para a qual nem contribuí, fez com que alguém, julgando-se responsável pelo meu devedor, me veio restituir o dinheiro em dívida, mesmo se esquecendo que esse dinheiro já não correspondia ao valor emprestado mas tão só ao capital inicial que eu tinha em certificados de aforro.

Todavia, pelos vistos, ainda há amigos assim, mais ricos do que eu alguma vez fui e mais generosos do que eu alguma vez ousarei ser. Que Deus lhes dê em dobro o que eles consentiram a quem estava em dificuldades. Deus ou outra entidade menos metafísica mas mais dentro dos negócios terrenais e dos meios de favorecer quem a ajude.

Temos assim que apanhar quaisquer alegres comadres de Windsor a tratar de negócios mais obscuros e à custa do contribuinte tanso, não é tarefa simples. Bem pelo contrario! Convirá, pois, determinar o que cada um quer para a comunidade em que se insere.

Convenhamos que pelo andar da carruagem ainda vamos ter belos dias para esta nobre instituição tão lusitana que começa na cunha e acaba sabe-se lá onde.

 

2 Segredo de justiça

O segredo de justiça em Portugal é também conhecido pelo segredo de Polichinello. Deixo aos leitores a pequena tarefa de voltar a este clássico do teatro italiano mas basta-me insistir que este segredo é conhecido por todos mesmo se, igualmente, todos finjam o contrário.

Entre nós, não há processo vagamente mediático em que não chovam acusações sobre fugas e ofensas tremendas ao segredo de justiça. Normalmente a acusação queixa-se da defesa e esta, mais normalmente ainda, urra contra “alguém”, jamais identificado mas que nas trevas organiza uma conspiração de juízes, magistrados do MP, polícias, juntos ou separados mas sempre perseguindo a honra e bom nome das criaturas que se vêm a contas com a justiça.

Vou provisoriamente deixar de lado um par de casos onde, graças a um expediente simples, se descobriu que era a defesa (anteriormente indignada e acusadora) quem propagara aos quatro ventos alguns segredos de um processo.

Conviria, pois, perguntar, logo de entrada, a quem aproveita a fuga ao segredo de justiça.

Recorrerei, se me permitem, a um par de processos que a saudosa PIDE instruiu contra mim. Processos que, aliás morreram na praia, já agora. Um primeiro fundava-se na tola suposição que eu pertencia a um grupo politico ainda em formação e praticamente só existente em Paris. Pelos vistos, um zeloso informador da excelsa policia vira-me a jantar num bistro do Quartier Latin com um refugiado politico de quem era amigo desde Coimbra. Um inspector encantado com a informação fez-me penar largos dias num quartinho desconfortável da António Maria Cardoso sem cadeira para sentar o dito cujo e sem permissão de dormir sequer uma breve meia hora. Foram bastantes dias, mesmo que não tenha batido nenhum dos recordes conhecidos. Guardei, convenientemente, a boquinha calada pelo que no dia em que decidi comunicar que ia fazer greve da fome, o inspector que eu nunca vira mas de que conhecia a fama (péssima, diga-se já) irrompeu na salinha e aos berros avisou-me que eu ia “cagar” tudo sobre a minha pertença ao dito grupo. Quando ouvi aquele disparate, senti por dentro campainhas natalícias, dei pulos de alegria (enfim foi como se desse) e imediatamente afirmei que desistia da greve à comidinha. Depois, mais sossegado, ao ver a tremenda cavalada policial (pelos vistos não tinham nada melhor contra mim, que, valha a verdade, tinha alguns pequenos segredos pouco saudáveis se conhecidos pelos meus esbirros) e retorqui ao espantado inspector que de facto não só jantara com a criatura em questão mas, pior ainda, almoçara no dia seguinte. Esta segunda refeição era falsa mas convinha-me testar o que aquele beleguim sabia. O homem ficou varado e mais surpreendido ficou quando eu lhe afirmei que com o revolucionário em questão só falava de “gajas” (sic) e assuntos similares. E durante a breve refeição que me serviram (honra lhes seja) fui informando o estarrecido inspector que era absolutamente contra o Governo e o Regime mas que por mania minha não me dava bem com grupos clandestinos. E por aí fora. Claro que não me libertaram mas fui imediatamente transferido para os bons ares de Caxias, com direito a cela com vista para uma nesga de auto-estrada e de rio. Por lá vegetei demasiado tempo até que me mandaram embora mediante uma caução de 15.000 escudos o que na época era carote.

Num outro processo descobri que uma fantasiosa informadora, conhecida por “Catarina” jurava que eu tinha feito parte de uma reunião em Cantanhede (onde jamais pusera os pés) e que tinha declarado alto e bom som que me dedicava ao bombismo. A informação da bufa era de tal modo alarve que, no próprio auto, e a lápis estava escrito por mão desconhecida mas autorizada “pouco crível”. E era de facto pouco crível porquanto eu sempre fora e sou contra qualquer arma cega que para além de extremamente cobarde mata do mesmo modo inocentes e culpados.

Durante alguns anos esperei sem demasiado temor um julgamento com base nestas estapafúrdias acusações. Mesmo naquele Estado de direito reduzido tinha por claro que a acusação nunca poderia provar aquelas sandices.

Voltando ao presente, temos que pelos jornais correm contra o sr José Sócrates um par de acusações que fundamente se reduzem ao seguinte: que teria fartos fundos na Suiça ou em outro país igualmente condescendente; que através de um amigo (e que amigo!) transferira para cá largos milhões de euros que depois lhe eram devolvidos em nota forte à razão de vários milhares de euros/mês e transportados para Paris por um tal Perna; que alugara em Paris por preço igualmente apreciável um apartamento em zona chique (16º bairro) coisa incompatível com o pequeno capital que teria pedido emprestado à CGD; que adquirira para uso próprio um automóvel topo de gama e de marca cara, com custos igualmente incompatíveis com os rendimentos que alegadamente dispunha; que mascarara várias compras e vendas de casas em Lisboa tudo se traduzindo em branqueamento de capitais sempre através do mesmo solícito amigo acima referido. E por aí fora...

Foi isto, ou mais ou menos isto, que correu por jornais, televisões e rádio. Durante os dias imediatamente seguintes ao da sua detenção. Com variantes no toca ao montante da fortuna alegadamente escondida. Como prefácio a toda esta publicitada riqueza relembravam-se os apartamentos do sr Sócrates e de sua mãe num prédio de prestígio em Lisboa, cujos preços seriam, afirmava-se bem superiores aos constantes nos documentos de venda dos mesmos.

Primeiro uns amigos do ex-Primeiro Ministro e depois ele mesmo vieram a público para negar rotundamente todas e dada uma das acusações de que resumidamente dei notícia. E, apo mesmo tempo, o que é surpreendente, começou a ser suscitada pela mesmíssima gente a acusação de que havia uma clara fuga ao “segredo de justiça” comprovada pelas mesmas notícias. Ou seja, nada do que se atribuía a Sócrates era verdade e ainda por cima a mentira partia do Tribunal, do Juiz Alexandre, do Procurador, da polícia judiciária, da drª Joana Marques Vidal e de mais meia dúzia de patifes (cfr dr Mário Soares) todos apostados em recriar no Portugal de 2014 (e 15, já agora) o sinistro espectro dos processos políticos que teria morrido em 1974. Nada menos!

Convém acentuar que estas estrondosas declarações não pareceram obter apoio da maioria do leque político nacional, antes se cingindo ao PS e mesmo aí com excepções.

Tomando como bons os argumentos de que todos estes delitos não foram perpetrados pelo sr. José Sócrates temos que a sua existência releva da mais pura fantasia e será facilmente destruída em tribunal ou mesmo antes. Assim sendo, de que serve aos alegados fautores da fuga ao segredo de justiça publicitá-los (isto no caso de daí provirem os rumores postos em circulação)?

Serão os magistrados já citados tão ingénuos (para não aplicar um adjectivo mais contundente e mais acertado) que nem sequer percebam que a enormidade das suas acusações (se deles são) destrói por completo qualquer processo? Serão os mesmos magistrados tão maquiavélicos e maldosos que mesmo sabendo da inanidade das acusações, resolveram punir o ex-Primeiro Ministro com uns tempos de prisão preventiva sabendo que ninguém depois lhes exigirá responsabilidades e proporá adequado castigo?

Estará em curso uma monstruosa conspiração com origem nos mais fortes pilares do Estado contra o sr. José Sócrates e, por extensão, contra o PS, partido quase já no poder como o comprovam todas as consultas de opinião sobre as próximas eleições legislativas?

Que mãos comandam isto, esta manobra, este assalto às liberdades individuais, este novo processo de Moscovo que, como os de má memória, pretende destruir o que eventualmente há de mais são na democracia portuguesa?

Porque, convenhamos, só há atentado contra o segredo de justiça se, de facto, se deixarem evadir dos processos, factos reais que comprometem o detido. Se tais factos não forem reais não vejo onde é que o segredo de justiça é beliscado.

A quem aproveitaria, pois, esta pública denúncia de irregularidades e delitos fantasticamente inventados?

A questão seguinte e última é esta: mesmo que se aceitem como legítimas e de boa guerra as cartas públicas e as entrevistas do e ao sr José Sócrates (e quem já esteve preso normalmente aceita, como é o meu caso), seria bom meditar se elas mesmas, dados os factos que apresentam, não são igualmente beliscadelas no segredo de justiça.

Aconteça o que acontecer não se demitem!

JSC, 05.01.15

Começaram por pôr os portugueses contra os funcionários públicos. Gizaram um plano de desmantelamento dos serviços públicos. Fecharam serviços. Concentraram funções e serviços díspares. Pouco se importaram se as populações tinham condições de acesso. Subiram as taxas moderadoras e as custas judiciais. Encerraram tribunais, escolas e centros de saúde. Fizeram o mesmo com estações dos CTT, com as Repartições de Finanças. Obrigaram as populações a fazerem dezenas ou centenas de quilómetros para tratar de assuntos que até então tratavam no centro da vila. Diziam que era a Troika que assim obrigava. Agora sabe-se que a redução de funcionários foi de 80.000. O dobro do acordado com a Troika. Mas ainda não estão satisfeitos. Anunciam, para 2015, mais 12.000 saídas na função pública. 

Entretanto, mata-se no recreio das prisões (por falta de guardas) e morre-se nas urgências dos Hospitais. Morre-se em casa porque não se pode comprar os medicamentos ou porque não há condições para ir aos tratamentos que o IPO ou outros hospitais receitam. E enquanto se morre assim, o que fazem os responsáveis do Ministério da Saúde? Abrem inquéritos. E porque abrem inquéritos, nada respondem pelo crime de não assitência. Estão à espera das conclusões que os inquéritos vão dar. À espera das suas respostas. à espera que se encontre uma desculpa, quando a verdadeira culpa está na política que o governo aplicou na área da saúde.

O ministro é que não aparece. O primeiro ministro também não. Estas coisas passam-lhe ao lado. Ou esperam que passem para logo aparecerem a anunciar qualquer coisa desviante de atenções.

Neste Governo nenhum ministro se demite. Só o dos vistos Gold. Devia estar ansioso por ter uma boa razão para partir. Os outros parecem lapas. O desmantelamento dos serviços da Justiça gerou o caos. A Ministra pediu desculpa. Caos é o que se tem vivido e vive na Educação. O Ministro pediu desculpa. O Ministro da Saúde nem isso. Bem podia pedir desculpa aos familiares dos mortos. Sim, pedir desculpa e demitir-se de seguida, para segurança de todos nós, para se por termo ao desmantelamento do SNS.

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