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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

A raparem o “POTE”

JSC, 25.10.15

Cavaco acentuou a divisão no país

José Carlos Pereira, 23.10.15

"Cavaco Silva seguiu o caminho mais previsível e indigitou Pedro Passos Coelho como primeiro-ministro, mesmo sem ter assegurada uma maioria de apoio no parlamento. Mas Cavaco foi mais longe e, a meu ver, deixou claro que não dará posse a um governo do PS apoiado pelos restantes partidos de esquerda. Vêm aí tempos conturbados."

Isto foi o que escrevi ontem no facebook, logo após o discurso do Presidente da República, que usou um tom crispado e inamistoso, tal como reconheceu o próprio presidente da Confederação Empresarial de Portugal. As reacções que se seguiram dos partidos políticos mostram que Cavaco Silva acabou por dar um enorme empurrão ao entendimento dos partidos à esquerda. Se sonhava com a criação de uma cisão no PS, saiu-lhe o tiro pela culatra. A Comissão Política do PS foi clara e aprovou, sem quaisquer votos contra e apenas com duas abstenções, a apresentação de uma moção de rejeição ao governo PSD/CDS e mandatou António Costa para prosseguir com as negociações com os restantes partidos representados no parlamento.

Com o seu discurso, Cavaco ostracizou um milhão de portugueses e acentuou uma profunda divisão no país. Terminará o seu mandato sem o respeito político de uma boa parte dos portugueses e, com este exemplo, recorda-nos a importância da próxima eleição presidencial.

Em Defesa da Democracia Parlamentar

JSC, 23.10.15

O Governo do PS, liderado por José Sócrates, caiu em consequência de uma coligação parlamentar formada pelo PSD+CDS+PCP+BE.

 

Em que é que isso atormentou Cavaco Silva? Porque não fez, na altura, um discurso a dizer que não podia aceitar tal coisa? Que era uma aliança contranatura? Que não levava em conta os superiores interesses…?

 

Como é que os futuros PáF aceitaram votar, conjuntamente, com aqueles partidos e, assim, derrubar um Governo legitimamente em funções?

 

Já aqui escrevi que muitos dos que por aí cavaqueiam e desenterram fantasmas, o que gostariam era de ver o pessoal do PCP e mesmo do BE atrás das grades. Na altura, disseram-me que era um exagero, que até descredibilizava o resto do texto. Depois de ouvir Cavaco, a raiva que transmitiu, e de ouvir alguns dos seus indefectiveis apoiantes, não me restam dúvidas de que se eles pudessem, se tivessem poder para tanto, decretavam a ilegalização daqueles partidos.

 

Quem afirma que não respeitará a maioria parlamentar é alguém que não respeita a democracia, alguém que apenas quer o poder para os seus. É próprio dos ditadores, e dos políticos com perfil de ditador, não aceitarem o contraditório.

 

Quando Cavaco coloca o país numa crise profunda e até apela aos mercados para olharem para Portugal, para nos penalizar, e depois diz que assume todas as responsabilidades é caso para lhe perguntar que “responsabilidades” são essas? Como é que se materializam? Precisávamos de saber. Porque o que sabemos é que daqui a uns meses Cavaco vai gozar a sua reforma de ex-presidente, com todas as mordomias pagas pelos contribuintes.

 

Depois do discurso de Cavaco não é a formação do próximo Governo que está em causa. O que está em causa é a defesa da democracia, a defesa da vontade dos eleitores que elegeram a maioria parlamentar.

 

Nota: Concordo que Cavaco tenha indigitado Passos Coelho. O resto é que é inadmissível

“O provedor da Direita”

JSC, 22.10.15

estes dias que passam 337

d'oliveira, 21.10.15

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O que faz correr Costa?

(E os outros?)

 

Não vale a pena cair na tentação de acusar António Costa de falta de carácter. O percurso sinuosa da criatura, de há uns anos a esta parte, é suficientemente claro: Ainda Seguro estava a balbuciar e já Costa ameaçava avançar. Por razões evidentes, apesar dos apelos para tal, Costa “borregou”, como vários apoiantes da altura afirmaram. Receou perder o combate que ele próprio anunciara. Foi preciso que Seguro(depois de ganhar umas eleições autárquica) vencesse – mesmo que sem grande expressão – as eleições europeias, para o actual Secretário Geral num raro golpe da audácia criticar a “vitória que sabia a poucochinho”. Daí à ascensão ao poder foi um rapidinho. Costa, amparado em previsões de vitória nas próximas legislativas, expulsou Seguro que, em boa verdade, era um adversário frágil.

Durante o corrente ano, tudo lhe predizia um futuro risonho e cor de rosa. Como bom autista, Costa não duvidava da vitória. A coligação tinha sido tão causticada, os portugueses tão sacrificados, que só um optimista fanático dava uma qualquer vantagem à dupla Passos/Portas.

Todavia, uma coisa é o vozear partidário, a estridência sindical e a fúria apocalíptica dos comentadores, outra é a percepção dos cidadãos comuns, dos paisanos, dos que ao fim e ao cabo votam (ou não).

A partir do início do Verão, começaram a verificar-se dois fenómenos. Costa parecia paralisado nas sondagens e a Coligação lá ia subindo a ladeira, deixando para trás o precipício para onde alguns, mais atrevidos ou menos prudentes, a tinham atirado. Indicadores económicos e sociais teimavam reaccionariamente em desmentir os profetas da esquerda radical. Na Europa, essa agora hedionda Europa, Varufakis ia à vida, Tsipras ganhava o referendo e perdia apoios e acabava por passar sob a as forcas caudinas de um acordo mais duro do que aquele que recusara. Radica aqui a deserção de Costa (e do BE) do grupo efusivamente apoiante do Syriza. (Os amigos, vê-se, são para as (boas) ocasiões). Nem Costa o “ponderado” nem as “meninas” do BE dantes tão, tão, tão amiguinhas do Syriza e de Tsipras tinham antes pensado com algum bom senso na impossibilidade de vitória da política aventureira de Tsipras e do inefável Varufakis, que se sentia “odiado” por todos os restantes colegas da U. Este académico via o mundo desde uma nuvem, ou, na melhor das hipóteses da sua magnífica residência com vista para a Acrópole. Convenhamos que, em termos de esquerda caviar, Varufakis reeditava com agravante e (e pequeno-burguês) exibicionismo, a impudente aventura dos rapazes ricos com ansias de protagonismo social. E que bem que lhe ficava o blusão de couro!.. E o cachecol da Burberry... Chique, proletariamente chiquérrimo!...

Deixemos estas bizarrias greco-lusitanas e passemos à vaca fria:

Não vale a pena recordar aqui os epítetos que, durante a pré campanha (e a campanha) foram atirados ao PS pelos seus, agora tão generosos e entusiásticos, apoiantes. De Costa e dos socialistas disse-se o que Mafoma não disse do presunto.

E as sondagens a continuar a recusar ao PS a vitória. Pior: a começarem a concede-la à Coligação.

O discurso de Costa, que já não era muito claro, começou a tomar a forma de um patético ziguezague em que valia tudo e o seu contrário. Foi isso, e a inabilidade medonha da campanha acentuada pela critica cada vez mais corrosiva da Esquerda comunista e bloquista, que deu corpo à derrota do dia 4.

Todavia, costa já era fracote há muito tempo, pese o seu ar pesado e lento. Nada tenho contra os desvarios juvenis que nele se manifestaram com uma adesão à JS aos tenros catorze aninhos. Com essa mesmíssima idade cometi um medonho soneto e colaborava num jornal enviando enigmas para uma página onde tinham moderado acolhimento. Devia haver uma falta danada de autores da especialidade.

A Costa sucedeu-lhe aquela acne política: a JS. Perdoa-se sem esforço esta jornada a menos que, o convertido na estrada de Damasco venha constantemente relembrar aquela lança em África (como ocorreu em plena noite eleitoral: pelos vistos a criatura continua a ver-se num espelho deformantemente épico. Arre!)

Costa, o tomba gigantes, foi sendo conhecido não tanto pelos ministérios em que, sem rasgo nem vexame, oficiou. De facto a fama, o conhecimento público veio-lhe (fora de Lisboa e da sua sofrível passagem pela Câmara) da “Quadratura do Círculo”. Nesse palco sangrento em que um renovado esquerdista Pacheco Pereira combatia, sem descanso, o direitista Lobo Xavier, Costa sentado do outro lado assistia calado e no fim tirava as castanhas do lume, nisso revelando bom senso (ou oportunismo, a escolha é dos leitores) e inteligência. Pacheco desbravava o caminho e havia até quem o supusesse porta voz do BE ou do PC tanta era a vis furiosa com que atacava o Governo onde o “seu suposto” partido estava amplamente representado. Dizem-me que Pacheco (ou o seu agigantado ego) não suportou a ideia de se ver pessoalmente suplantado por um rival que não tinha os seus pergaminhos (esquerdismo puro e duro nos fins de sessenta, mais esquerdismo logo depois de Abril, adesão, nos oitenta, a uma fantasmática “esquerda liberal”, fundação de uns “estudos sobre o comunismo” que cedo se finaram e triunfante entrada no PPD por onde foi eleito eurodeputado (ai quem me dera tal sorte!...) e finalmente conselheiro em chefe de Manuela Ferreira Leite.

(no intervalo, justiça seja feita, foi publicando uma biografia política de Cunhal que está encalhada no 3º volume, muito embora se anuncie –como já há um ano!.. – a iminente saída do 4º tomo. Cá o espero, lidos que foram os anteriores mas duvido, com pesar sincero, que a empresa chegue ao fim)

Costa, de novo: engrandecido pela presença televisiva que, em Portugal, faz milagres e até ameaça produzir Presidentes da República, ei-lo a disputar umas eleições que deviam ser canja. Costa assim o pensava e dava-se a poses de estadista sem perceber que não convém calçar sapatos de defunto antes deste estar piedosa e definitivamente enterrado.

Do que foi o ziguezague propagandístico da penosa campanha socialista nem vale a pena

falar. Costa percorreu solitário e tristonho um país apático ou foi acompanhado (como para mal dele ainda o é) por gente do género Lacão ( como bom turista na Galiza, tenho por certo que Lacão só com grelos; o resto e uma perda de tempo. A criatura foi, é e será sempre medíocre e, neste momento, parece ser o ponta de lança dos idiotas úteis) ou a excelsa Maria de Lurdes Rodrigues, outro robusto talento que deixou o programa de construcções escolares falido, incompleto e absurdo. Em tempos parece que foi alvo de um inquérito que, como todos os outros levantados a políticos, acabará por morrer de arquivamento torpe.

Dessa campanha baça e inverosímil, resta apenas a combatividade do BE, a contínua guerrilha do PC, o gesticular atarantado de meia dúzia de gentes esquerdistas que acreditavam no menino Jesus e numa representação parlamentar, e campanha de retirada queimando a terra da Coligação. Coelho e Portas fingiam que nem ouviam Costa e iam angariando os votos possíveis nas zonas em que este último produzia a sua fanfarronice. Tiveram algum resultado, temos de convir.

Foi um homem triste e derrotado que apareceu na noite da derrota. Todavia, mesmo descontando a sua consabida lembrança da JS em idade infanto-juvenil, Costa fez um discurso (será dele?) que parecia não só reconhecer a derrota mas abrir uma porta de diálogo com o restante campo europeísta e atlantista.

Parecia..., mas foi sol de pouca dura. Por instinto de mera sobrevivência política, Costa resolveu cavalgar a onda (logo ele que nem perfil de surfista tem) e apostar numa cambalhota política que, se não me engano, vai criar um berbicacho tremendo no PS e uma insofrida vaga de triunfo nos dois partidos de esquerda que já se sentem, nos seus 20% de votos obtidos, os grandes vencedores destas eleições.

Não é a “frente popular”, claro mas é o seu arremedo em calão. Não é um projecto sólido de governação, longe disso, mas tão só uma coligaçãoo negativa em que os coligados estão de acordo no amplo desacordo quanto às suas posições mais simples. Não é uma estratégia mas tão só uma pequena táctica que vê as árvores e desconhece a floresta.

No meio disto tudo, o PS é uma nave de loucos (guiados por cegos) num mar cor de vinho entre Cila e Caríbdis. Ou de como o PC irá conseguir, ao fim de anos de vã tentativa, o seu antigo mas real objectivo: reduzir o PS a uma pequena e inoperante força política, pouco maior mas tão insignificante quanto o partido verde que traz no alforje.

Leitores não desanimem: o terceiro resgate está a caminho. 

 

Por fim à política da coligação já é um grande Programa de Governo

JSC, 20.10.15

“Comunistas num Governo europeu?” PáF! Quê horror! O medo. Espalhar o medo é o que a central que controla e dissemina notícias vem fazendo com uma perícia exemplar. Depois, é esperar que políticos palradores, jornalistas, comentadores pafianos agarrem a ideia, que a trabalhem e a espalhem sob diferentes tons. Uns mais macios, outros mais enraivecidos.

 

Não se ouviu até hoje, ao que julgo saber, que comunistas venham a integrar o governo. Mesmo a presença de bloquistas no governo não é coisa de que se tenha falado e muito menos firme. A ideia que tem predominado é a de que se poderá chegar a um acordo de Governo PS, com apoio parlamentar do PCP e do BE.

 

Ter apoio parlamentar é coisa diferente de estar no Governo. Parece-me. Acresce que nestas circunstâncias Cavaco nem daria posse a nenhum comunista (o que o perturbaria) e a tal “Europa” também ficava livre de ser infectada por um governante português e comunista.

 

É óbvio que reconheço tanta legitimidade e idoneidade à participação de membros do PCP e do BE no governo como reconheço a qualquer membro de outro partido. Todos foram eleitos. Todos respeitam a Constituição.

 

Estranho é este levantar de fantasmas, este chamar de emoções primárias na esperança de que ocorra um levantamento ou coisa parecida ou um outro verão quente, algo aponte para cada eleitor do PCP ou do BE como alguém tresmalhado, errante, inamistoso, que só quer o mal para os seus, que, pensarão alguns, deveriam era estar atrás das grades.

 

O que esta gente não entende é que o que hoje está em causa para a esmagadora maioria do leitorado do PCP, do BE e mesmo do PS, não é o que cada um pensa da Nato, do Euro ou do Tratado Orçamental. O que verdadeiramente está em causa é por fim às políticas que nos impingiram nos últimos 4 anos.

 

Por fim à política da coligação é um verdadeiro Programa de Governo. E isso basta para unir o que pode e deve ser unido.

A grande ofensiva PáF

JSC, 20.10.15

A ofensiva da coligação é uma coisa séria (pouco séria). Inventaram umas reuniões com os parceiros sociais – que se prestam a um papel algo estranho – cujo fito é, no final, Paulo portas fazer umas declarações a dar conta da sua enorme disponibilidade para levar o PS ao colo e da pouca vontade do PS em se deixar enrolar com a PáF porque prefere aliar-se ao PCP e ao BE, partidos anti isto, anti aquilo.

 

Ontem e hoje tiveram papel de relevo nas televisões. Enquanto a SIC ouvia a Maria Luiz, a TVI ocupava-se do Paulo Portas. Um fartote. Paulo Portas, quem diria, até se dispôs a largar o papel de Vice-primeiro Ministro, lugar que tanto lhe custou a conquistar, para o dar a António Costa. É certo que Paulo Portas já sabia que Antonio Costa não queria qualquer lugar no Governo, logo Portas estava a oferecer o que sabia não ser aceite, irrevogavelmente.

 

Mas Paulo Portas, que agora está de serviço em todos os canais, não desiste. Usa argumentos poderosos. Existe uma grande maioria que se identifica com o euro, com a Nato, com o tratado orçamental, diz e volta a dizer.

 

Tudo bem, se essa maioria existe porque não governa com ela?

o leitor (im)penitente 193

d'oliveira, 18.10.15

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Les sanglots longs des violons d’automne…

(Verlaine chanson d’automne)

 

 

em boa verdade vivi em tempos escuros…

................

vós que haveis de surgir das cheias em que nos afundámos....

(Brecht aos que virão a nascer)

 

Uma leitura  feliz de “Os dias imensos” de Rui Namorado e lembrança comovida de Joaquim Namorado

 

(ponto de ordem:

sou amigo do Rui desde o longínquo ano de 1961; estivemos juntos em demasiadas batalhas (mas as necessárias) e até na cadeia de Caxias; partilhamos os dias exaltantes da greve de 69, continuámos esse longo combate por vários meios que incluíram a aventura editorial da “Centelha”, a conspiração permanente da continuação do “conge” (palavra inventada por ele), desmbarcámos no MES e desamparámos essa loja ao fim de ano e meio. Desiludidos mas não vencidos. E vamos continuando a dizer o que pensamos enquanto por cá andarmos. À sombra da recordação da utopia que alguma vez nos animou mesmo se temperada pela vida, pelo que ela faz de nós e pelo que nós fazemos dela. Desde esses anos de vinho e rosas, de chumbo e sonho, RN publicou escassamente seis livros de poemas: quase diria um por década de vida adulta. É pouco? É muito? É o que ele entendeu dever/poder dizer.

Por meu lado desde uma indefectível amizade há o grande gozo de o ler devagar e de me rever em muitos (não todos) poemas (é exactamente o que eu gostaria de dizer...)

Portanto isto não é uma crítica, sequer uma nota de leitura mas um par breve de observações para quem estiver disposto a continuar a frequentar os poetas)

 

Com o título “os dias imensos” (ed: lápis de memórias) publica Rui Namorado a sua sexta recolha de poemas. Em setenta e tal anos de vida não se pode dizer que seja um poeta regular frequentador dos escaparates das livrarias. Aliás, hoje, poetas em livrarias é mercadoria rara. A ganância dos editores poderosos, a difícil tarefa dos que ainda arriscam publicar poemas, a mediocridade do público que se sente mais atraído pelas estrelas da televisão e da política que enchem as sagetas da literatura de copiosos amontoados de palavra impressa, a cupidez de boa parte dos livreiros que só pensam em escoar o “material” fez com que a poesia, o teatro (pelo menos estes) fossem arredados das estantes por notória falta de rendimento. Saúde-se pois a coragem do editor lápis de memórias que assume o risco nada despiciendo de publicar um poemário.

 

Trata-se, numa primeira, breve e incompleta leitura, de uma percurso em três partes, vitais, diferentes mas conciliáveis, de uma aventura poética que prolonga sem exagero mas com lucidez, muito do que RN foi publicando desde as primeiras incursões em jornais e revistas estudantis, em antologias e manifestos (“poemas livres” ,“a poesia útil”) até ao primeiro título “Maio ausente”, (Vértice, Coimbra, 1970)

Namorado, que dedica este livro ao prodigioso Joaquim Namorado, seu tio e agitador perpétuo, alma da “vértice”, figura tutelar de uma série de tertúlias literárias e políticas coimbrãs, poeta inconvencional e crítico certeiro, homenageia o tio com um poema (rio Douro) que subtilmente refere outro do velho Senhor integrado no livro (A poesia útil, Coimbra, Vértice, 1966). Vale a pena ler estes dois poemas separados por quase cinquenta anos para poder perceber o que une e o que diferencia duas gerações que se reclamam do realismo poético.

“navegamos por dentro deste rio

no coração de Espanha e de outros mitos...”

 

O poeta António Manuel Lopes Dias (outro forçado cultor da escassez...) que apresentou no Porto o livro do seu amigo e companheiro de geração e de aventuras políticas e literárias centrou, muito bem e com rigor e inteligência, a sua intervenção na análise do dicionário poético de RN chamando a atenção para como o dito no poema acaba por se relacionar, contraditoriamente com o não dito ou melhor com o que as palavras revelam, no seu silêncio, na sua falta ou mais ainda na sua invocação.

Rui Namorado invoca as palavras desde o primeiro poema

“sobre os teus lábios dormem as palavras

que o tempo se esqueceu de nos dizer...”

.... “um silêncio desliza por dentro das palavras...”

...”acende-se ...o coração negros dos poetas

num gume de gelo e palavras mortas...”

 

e nessa invocação convida o leitor (aquele que lê o verso e o modifica insensivelmente) a partilhar a viagem por um outono (dele, nosso, geracional que, não sendo um acto de desistência, é todavia o reconhecimento de alguma “áspera verdade” histórica, social e política.

Para quem vem dos tempos escuros não passa despercebida esta reacção ao status quo actual e à realidade que indignando-nos ou não, provocando-nos, atingindo-nos confessa a derrota (temporária) de um par de utopias que nos guardaram no tempo das cheias (em que nos afundamos) de cairmos na tentação do conformismo.

Rui Namorado testemunha essa longa passagem dos dias e da angústia na parte terceira da recolha fazendo regressar os dias da esperança - e os da indignação – numa série de homenagens (entre elas Brecht – ou como tudo afinal anda ligado- a descoberta de Brecht pela nossa geração como aliás a de Rilke deve muito a Paulo Quintela seu esforçado e dedicado tradutor) entre elas Joaquim Namorado que, “fora da cartilha”, propunha aos jovens, ávidos, ansiosos, leitores que nós éramos alguns poetas que o politicamente correcto considerava com alguma (justificada) desconfiança. Pela parte que me toca foi de Joaquim Namorado o conselho para ler Saba, Salvatore Quasimodo (emprestou-me o seu próprio exemplar e assim me mergulhou na leitura do italiano) Seferis e Elitis (dois gregos que obtiveram posteriormente o Nobel ) René Char ou Éluard.

 

Não tenho por hábito enrodilhar tanto os textos em que vou falando de livros mas este tempo, este outono que suportamos com algum sangue frio obriga a referir com mais urgência do que prudência recomenda o testemunho de um poeta que nunca esqueceu a cidadania.

Ou para terminar com Rilke que também escreveu sobre o outono:

“Senhor é tempo. O Verão foi muito longo.

Lança tua sombra sobre os relógios de sol

e solta os ventos sobre as campinas.

...........................

Quem agora não tem casa, já não vai construí-la.

Quem agora está só, longo tempo o será,

fará vigílias, e lerá, escreverá longas cartas

e vagueará, de lá para cá, nas alamedas,

agitado, quando o vento arrasta as folhas

 

As citações de outros poetas são todas extraídas de traduções de Paulo Quintela.

A citação de Verlaine vai no original e diz muito à nossa geração que nasceu em épocas difíceis cujo fim foi anunciado pelos dois primeiros versos do poema que anunciavam a uma rede resistente francesa o início da invasão da Normandia.

Acrescente-se que a continuação do poema tem muito a ver com alguma da reflexão poética de Rui Namorado

(je me souviens

des jours anciens

et je pleure

et je m’en vais

au vent mauvais

qui m’emporte

de çà et de là

pareil a la feuille morte)

 

 

 

 

 

 

Um jogo de equação difícil

José Carlos Pereira, 15.10.15

Desde que aqui escrevi sobre o rescaldo das eleições legislativas, já lá vão dez dias, o país tem assistido a um período de grande agitação política, exacerbada pelo eco excitado de alguns políticos, como o vice-presidente do PSD Carlos Carreiras, jornais, tv’s, blogues e redes sociais.
O resultado saído das eleições de 4 de Outubro, com vitória para a coligação PSD/CDS, mas sem maioria absoluta, trouxe aquilo que muitos anteciparam durante a campanha eleitoral: se a coligação PàF vencesse sem maioria teria grande dificuldade em constituir uma plataforma para viabilizar um novo governo. As fortes clivagens pessoais e políticas que perduraram durante toda a legislatura anterior e o fosso entre as propostas apresentadas a eleições levaram, de resto, Passos Coelho a afastar, logo durante a pré-campanha, qualquer possibilidade de entendimento com o PS. E António Costa, valha a verdade, disse algo parecido. Querer que as duas forças – coligação e PS – se colocassem agora facilmente de acordo quanto às bases de suporte de um novo governo era (quase) pedir o impossível. Ou então desejar que uma das partes passasse a defender políticas opostas das que submeteu aos eleitores. Poderia ser possível caminhar para uma aproximação mais fácil entre ambas as partes com novos líderes, com nova química, mas não é esse o quadro que temos pela frente.
Apenas por uma vez o centro-direita ganhou eleições sem alcançar a maioria absoluta. Foi em 1985 e Cavaco Silva só constituiu um executivo minoritário, por cerca de dois anos, porque teve durante esse período o beneplácito do novel PRD (lançado por Ramalho Eanes a partir da presidência da República). Em todas as outras eleições que venceram, com coligação eleitoral ou acordo pós-eleitoral, PSD e CDS governaram em maioria. O que nem por isso foi garantia de maiorias estáveis de quatro anos...
Passos Coelho não compreendeu que, desta vez, cabia-lhe transmitir humildade e dar provas sinceras de que estava a disposto a ceder em matérias importantes para obter um entendimento com o PS. Parece que isso não vai com a sua forma de ser, dizem os seus biógrafos. O líder do PSD ficou preso no seu reduto, incapaz de construir consensos para além do PS e arrastou consigo Cavaco Silva. O presidente da República passou quase duas semanas sem saber muito bem o que fazer, à espera da demorada publicação dos resultados, embora se precipitasse logo no início quando apenas chamou Passos Coelho a Belém, já depois de saber que este, sozinho, nunca conseguiria construir uma maioria de governo.
Entretanto, António Costa surpreendeu tudo e todos, aproveitou a abertura evidenciada por PCP e BE e tratou, como lhe competia, de começar a trabalhar num cenário alternativo. Talvez por acreditar no seu íntimo que nunca seria possível um acordo com PSD/CDS, levou avante a iniciativa de derrubar barreiras à esquerda, procurando verificar as reais possibilidades de poder viabilizar um governo liderado pelo PS. Não será uma decisão fácil aquela que o PS vai ser chamado a tomar, mas António Costa tem prestado um grande serviço ao seu partido. Na realidade, se tivesse decidido demitir-se das funções de líder do PS, sem mais, na noite de 4 de Outubro, o partido não estava agora a ocupar o centro das decisões com vista à formação do futuro governo.
O que vai decidir o PS, possivelmente só após um referendo interno, como sucedeu em 1983 antes da coligação com o PSD, é cedo para saber. A sua posição de charneira, contudo, estará sempre no centro das análises e das críticas. Se estabelecer um acordo com a coligação, corre o risco de futuramente ver aumentar a sangria de eleitores para os partidos à sua esquerda. Se construir um acordo de governo com PCP e BE, é verdade que pode ver fugir uma franja importante do seu eleitorado receosa dessa aproximação à esquerda.
Sou insuspeito de amores com PCP e BE e não esqueço que ambos os partidos estiveram na primeira linha a derrubar o último governo socialista. Quem me conhece sabe que, na minha juventude, fui militante e dirigente da JSD e do PSD. Entreguei o cartão de militante aos 21 anos, depois de ter sido um defensor do governo do bloco central (PS/PSD) em 1983/85 e de ter apoiado a candidatura presidencial de Mário Soares, o que me valeu a frustrada instrução de um processo disciplinar. Ontem como hoje assumo-me como um social-democrata, da matriz originária em Bernstein, que se sente tão afastado da esquerda unitária e revolucionária como da direita retrógrada, ultraliberal e radical.
E é precisamente a radicalização da política seguida nos últimos quatro anos pela coligação PSD/CDS que torna muito difícil pensar em algum acordo com o PS. Porque, sejamos claros, se o PS, com a sua abstenção, viabilizar um executivo de centro-direita, ficará indelevelmente vinculado a essa solução governativa. O preço a pagar será muito alto. Desde logo nas convicções. Mesmo conhecendo isso, António Costa já afirmou que não será o PS a lançar o país no pântano, não deixando de viabilizar uma solução de governo caso não disponha de uma alternativa viável.
Se acredito nas virtualidades de um governo PS apoiado por PCP e BE? Não, não acredito. Mas por que razão não se há-de experimentar essa solução se PCP e BE, que representam cerca de um milhão de portugueses, se comprometerem, por escrito e perante o país, com princípios básicos relacionados com a observância de compromissos internacionais de Portugal (UE, moeda única, tratado orçamental, NATO, por exemplo) e das metas prioritárias da política e da economia nacional? Será isso possível? Em breve saberemos. A Europa aguarda com aparente normalidade.
Ninguém sabe como Cavaco Silva vai reagir ao que lhe transmitirem os partidos. Pode seguir o percurso habitual e indigitar Passos Coelho, como líder do partido mais votado, mesmo sabendo que este não é capaz de fazer aprovar o seu governo no parlamento. Também pode avançar já para a “segunda casa”. Ou deixar tudo em banho-maria para o seu sucessor, o que seria lamentável e traria graves prejuízos ao país, como lembra Vital Moreira. As próximas semanas prometem, mas todos já sabemos que, qualquer que venha a ser a solução a vingar, voltaremos às urnas bem antes de 2019.

Costa arrasa mercados internacionais

JSC, 13.10.15

A bolsa de Lisboa fechou em queda. A imprensa económica, a que as Tvs deram amplo destaque, quem fazer-nos crer que a queda das cotações está relacionada com a possibilidade de termos um governo de esquerda. O Jornal de Negócios, da Helena Garrido, titula mesmo: “Costa assusta investidores”.

Ora, uma vez que as bolsas em diversas praças europeia e não só - Wall Street fecha em baixa – também fecharam em queda é de concluir que António Costa arrasou os mercados internacionais…

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