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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

au bonheur des dames 410

d'oliveira, 30.11.15

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É só fumaça ou o povo é sereno

 

Com a natural e mais que esperada queda do governo, parece que as ruas se encheram de multidões festejadoras. Bom, multidões é exagero. Aquilo era uma esquálida manifestação de quadros da CGTP que, à falta de imaginação gritava a plenos pulmões o estafado slogan “o povo unido jamais será vencido” de saudosa memória.

Já agora, dois reparos: a tradução ideal de jamás é nunca mesmo se o jamais não destoe inteiramente. Só que ninguém diz correntemente “jamais”. Ou melhor, houve um senhor ministro socialista do glorioso governo de Sócrates (o José e não o ateniense) que negava a hipóteses de um malfadado aeroporto ir para o sul do Tejo ululando em francês mal pronunciado “jamais”. Passou célere à história e confesso que nem do nome da criatura me lembro.

Recordo-me, todavia, do “povo unido jamais será vencido”, slogan crescentemente gritado no Chile enquanto a Esquerda ia fenecendo e a Direita arreganhava os dentes. Depois, foi o que se viu, um horror, um massacre que nem a patética aparição de Allende de capacete e metralhadora na mão pôde esconjurar. Como de costume, e por facilidade, toda a gente resolveu a coisa atirando para a militaragem todas as culpas. Que aqueles generais, coronéis, capitães, sargentos e soldados eram uns bandidos não duvido, bem pelo contrário. Que a Direita civil rejubilou e aproveitou é uma evidência. Que vários bem intencionados líderes da Esquerda deitaram azeite no lume, também não. No Chile, país considerado civilizado e constitucional, já houvera antes um forte ataque à Esquerda (e Neruda bem que se exilou) que deixara as suas marcas. Porém já ninguém se lembrava...

No entanto, o patético apelo à unidade do Povo que soou nas ruas das maiores cidades chilenas era desgarrador. Soava a queixa, a medo e destino. E foi.

Em Portugal, o do PREC de, pelos vistos, saudosa memória, também uma auto-intitulada Esquerda andou pelas ruas no mesmo rodopio, sonhando com a tomada do Palácio de Inverno e com a instauração de um qualquer ersatz do soviet. Alguns militares, tão tolos quanto ignorantes tomaram-se pelos marinheiros de Kronstadt antes deste ter sido subjugado por Trotsky. Outros viam-se como “comandantes en la Sierra Maestra” a tourear Baptista. Curiosamente não perceberam que tinham chegado tarde, que o Che já morrera e que Fidel era apenas mais um tiranete tropical.

Que, quarenta anos, depois o slogan volte à baila faz-me pensar que há gente que não esqueceu nada e que, também, nada aprendeu.

Com uma diferença: a história não se repete ou se isso acontece é sempre em tom de farsa, no caso emapreço em tom de revista à portuguesa no parque Mayer chungoso da nossa política doméstica.

Mas tudo isto não passa de mera fumaça. Razão tinha o tão, e tão injustamente, criticado Pinheiro de Azevedo.

Mas deixemos o slogan pobre antes que reapareça (e vai reaparecer, claro) “a gaivota que voava, voava...” e passemos à pérolas do mês:

Uma senhora promovida a governante resolveu escrever censura com s no início. Está no seu pleno direito à iliteracia e ao novo acordo ortográfico. Não vale é depois vir argumentar que é disléxica.

Outra, desta feita ex-governante, em vez de escrever “à Direita” entendeu que ficava melhor antepor-lhe um H ( Direita.. aconteceu...). É sempre bom ver conjugar o verbo haver com leveza, liberdade e estilo mas, pergunto-me, que mal é que os verbos fizeram à criatura que lança tais canas ao ar (ou será “lansa” hau har?)

Um cavalheiro que prova à evidência que não basta ser filho de alguém para também se ser alguém que ficou conhecido por presidir no longe do tempo a uma anedota chamada “grupo autónomo do partido socialista” (autónomo de quê, porquê, como e para quê?) que conseguiu perder uma Câmara que só por engano popular ganhara e que finalmente, se envolveu e indirectamente envolveu Portugal no atoleiro da guerra civil angolana ao tomar partido por Jonas Savimbi, ex-colaborador do exército português, foi à (ou há?) TV dizer meia dúzia de banalidades confrangedoras. Dentre elas esta “O caminho faz-se caminhando como dizia um brasileiro”. Conviria explicar a este novo luminar da cultura pátria que tal citação remete directamente para António Machado, poeta espanhol, republicano e democrata morto no exílio depois de abandonar, velho e doente, Espanha.

A menos que quisesse citar Carlos Drumond de Andrade, esse sim brasileiro, que deixou o famoso “no meio do caminho tinha uma pedra...” se bem que me custe acreditar em tanto conhecimento poético.

Pelo rolar da carruagem temo bem que a criatura se estatele no meio do caminho que se propõe andar. Convenhamos que seria uma vingança poética extraordinária.

Apetecia-me terminar citando alguém que ao longo destes anos todos nunca se coibiu de falar, comentar, aconselhar, criticar e aparecer. Há mais de um mês que guarda um silêncio tumular. Como se tivesse morrido ou, pior, que estivesse tolhido por qualquer misteriosa razão. E para mistérios já nos bastam os do rosário que serão vinte entre dolorosos, gozosos, luminosos e já não sei que mais...

Ámen!

Laus Deo!

Novo Governo – mãos à obra!

José Carlos Pereira, 25.11.15

O XXI Governo Constitucional toma amanhã posse, pondo fim ao longo interlúdio criado pelo Presidente da República após a rejeição do programa de governo da coligação PSD/CDS. Cavaco Silva vê-se obrigado a dar posse a um executivo em que não confia e com o qual não quereria despedir-se de Belém. Tem todo o direito a ter a sua opinião pessoal, mas deveria ter sido fiel ao que sempre defendeu – a estabilidade – para evitar prolongar um hiato governativo com intermináveis audiências e auscultações, quando a única solução admissível era evidente para todos. Creio, no entanto, que não fora a recusa da coligação PSD/CDS, e particularmente de Passos Coelho, em manter o Governo cessante em funções de gestão e Cavaco arriscaria seguir esse caminho inverosímil.
O novo executivo inicia amanhã funções, não sendo ainda totalmente perceptível a sua orgânica e a forma como se arrumam algumas pastas ao nível de ministérios e secretarias de Estado. Para já, daquilo que se conhece quanto à composição do Governo, pode dizer-se, como já vi em alguns meios, que é uma equipa pronta para o combate. António Costa conseguiu uma mescla muito interessante de políticos largamente experimentados, quadros com forte ligação às estruturas do partido, personalidades de reconhecido valor em áreas de competência específica e quadros mais jovens sem grande ligação à actividade político-partidária até ao momento. A própria equipa de secretários de Estado tem muitos nomes de reconhecida qualidade. Conheço há vários anos alguns membros do futuro Governo, seja por relações pessoais ou profissionais, aos quais já transmiti os meus votos de sucesso, na convicção de que o seu bom desempenho contribuirá certamente para o sucesso do país.
Os tempos que aí vêm não serão nada fáceis. Exige-se determinação, força e ambição para corrigir as políticas dos últimos anos e conseguir melhorar a vida dos portugueses. Para isso é necessário também intervir a nível europeu e conseguir construir alianças visando interesses comuns, seja com os países do sul da Europa, seja com os executivos e partidos socialistas.
A nível interno, não faltarão oportunidades para divergir do BE, do PCP e do PEV em sede parlamentar, para gáudio da nova oposição. O que é diferente não pode tornar-se igual. Todavia, acredito que será possível fazer prevalecer o pragmatismo, como sucedeu nos acordos para a viabilização do futuro Governo, de modo a privilegiar a convergência em torno do que é fundamental para o suporte parlamentar do executivo. À direita, ver-se-á se PSD e CDS continuarão a caminhar juntos, o que concorrerá naturalmente para a diluição do CDS no espaço do maior partido, ou se começam a afirmar as suas diferenças, que não são poucas.
O Parlamento será o centro do debate e, se a oposição vai ali acantonar-se com os seus líderes, também não faltarão vozes firmes e de verbo fácil nas bancadas do Governo e do grupo parlamentar socialista. É chegada a hora, sobretudo, de António Costa e a sua equipa meterem as mãos à obra, apresentarem o seu (conhecido) programa e começarem a delinear novas políticas. Não com os olhos em eleições legislativas a prazo, mas sim com os olhos no futuro do país. Os portugueses cá estarão para avaliar a diferença.

au bonheur des dames 409

d'oliveira, 20.11.15

 

“...Je t’aime encore.”

(Et même plus)

 

 

Foi há uma semana. Ou vai ser que ainda não é inteiramente noite. Ou melhor: É noite, outra noite, la nuit des assassins.

Sou, já, um velho homem que, como num romance cor de rosa, se apaixonou por Paris lendo ainda menino as aventuras de Lagardere, Os Três Mosqueteiros, ou mais tarde um punhado de escritores (Prevert. Queneau, Proust, R Rolland ou Vailland, et alia) uma misturada luminosa e incoerente de alguém qui flane dans les deux rives da literatura e da cidade). Logo que me foi possível desembarquei em Paris de armas e bagagens disposto a verificar se as minhas loucas e juvenis ilusões se materializavam. Paris era ainda melhor do que eu imaginava. Era e é, nom de Dieu! Acho que conheço melhor Paris do que a cidade onde acabei por viver, depois de pssasr por várias latitudes mais felizes ou mais sugestivas.

Tudo me correu bem, exceptuando um par de cargas policiais que sofri por minha culpa minha máxima culpa. Mas até isso me fez mais parisiense, quase parigot, encantado por viver em Paname. Conheci bistrots e restaurantes luxuosos, a tradição do boulevard, as noites boémias de uma centena de bares incluindo um que tinha milhares de discos de jazz, bastava pedir. E outro onde um jovem (companheiro por uns meses de casa em Coimbra) José Mário Branco começava uma incipiente carreira de cantor. E cafés antigos e solenes onde conspirei com o João quintela. Ou aquele restaurante onde a PIDE me lobrigou a jaqntar com o Hélder Costa Aí a coisa deu para um par largo de meses em Caxias... Ou uma espécie de livraria manhosa na rue Gît le Coeur onde conheci uma copiosa trupe de militantes da Gauche Proletarienne que me invejavam as estadias na prisão! O meu mapa de Paris está pejado de livrarias desaparecidas (acho que consigo contabilizar pelo menos duas dúzias entre o Quartier Latin, Saint Germain o o início de Montparnasse. Desse triangulo só subsistem a Gibert e Au Petit Prince. Foram-se L’Impensé Radical, a Globe ou La joie de lire, Les Yeux Fertiles e a Librairie Espagnole que sobreviverá algures mas longe da rue de Seine (onde segundo Prévert um homem jovem de chapéu tentava fugir a uma mulher também de chapéu e cheia de vida). Omeu primeiro sogro, Jorge Delgado, “Sérgio” na clandestinidade, afirmava que era capaz de ir a qualquer parte no mundo desde que se passasse por Paris. Também eu, também eu que fui, espero e creio, um seu bom companheiro nas nossas loucas, longas, peregrinações por livrarias.

Foi em Paris que ouvi o primeiro jazz ao vivo, na rue des Lombards, sobretudo, que vi algum do meu primeiro teatro (“a cantora careca” nos inícios de 60 que comoção!,) uma imensa quantidade de filmes na cinemateca, e os primeiros museus a sério, desde o Louvre até Rodin. É ainda de lá qque me vem a primeira recordação de alfarrabistas, outro mundo glorioso e acho que lé em casa há uns milhares de livros comprados em segunda mão ou em “occasion” ao sabor de vagabundagens sem rumo mas que sempre acabaram num espanto, num sorriso numa alegria.

Foi isto que, outra vez, um bando de fanáticos, um rebotalho da humanidade, tentou acabar. Foi contra esta vontade de viver, este estilo de vida livre e descontaido que as kalasnikoves semearam a morte. A morte indistinta, a morte sem razão, só a morte.

Ils ne nous auront pas! A vida, a alegria, o inconformismo, o sonho, o prazer, a cultura e o amor, nem que seja por uma única e irrepetível vez não irão soçobrar aos pobres mas perigosos imbecis que julgam merecer as huris do paraíso fazendo-se matar e matando numa noite quente e amigável duma sexta feira treze.

Não passarão! Não vencerão!

“...Ah Paris quand tu est debout

Moi je t’aime encore”*

* Leo Ferré

 

a varapau 26

d'oliveira, 20.11.15

Gangster!

 

Uma irrelevante criatura de seu nome Tiago Barbosa Ribeiro, actualmente deputado (isto de votarmos em listas com dezenas de nomes dá nisto) entendeu do alto da sua incipiente carreira política qualificar o Presidente da República de “gangster”.

Mesmo duvidando que o ilustre membro do Parlamento saiba exactamente o que quer dizer “gangster” (suspeita que me é suscitada depois de ler dois penosos artigos da criatura (“o meu ps” – um amontoado tolo e pretencioso de narizes de cera- e algo ainda mais irrelevante histórica e politicamente sobre o PREC) tem-se como seguro que o homenzinho queria difamar não o cidadão Cavaco Silva mas o Presidente da República que mesmo sem nunca ter contado com o meu voto merece pelo lugar que (bem ou mal) ocupa chamado respeioto instittucional.

Sobretudo se quem opina sobre ele é oputro eleito. A linguagem taberneira e politicamente estúpida utilizada por este pai da pátria ou filho da democracia revela sem lugar a dúvidas mesmo piedosas várias coisas. Ignorância, incapacidade de medir o que diz, inconveniência, falta de chá para não dizer mais cruamente educação, e eventual inaptidão para o exercício de cargos políticos. O senhor deputado excita-se muito com o actual momento político (antes se excitasse com coisas ou prazeres mais concretos...) e não olha a meios para defender os seus fins.

A chamada casa da democracia não devia acolher gente desta sob pena de voltarmos a cair no espectáculo insensato de um parlamento descrito por Eça há cento e muitos anos. Claro qque ninguém pede ao senhor Barbosa que se dê ao imenso trabalho de ler essas imortais páginas escritas em 1831 (Uma campanha alegre, vol I das Farpas, Companhia Editora Nacional, Lisboa, 1890). Hoje em dia esse medonho sacrifício foi obnubilado por coisas curtas e pífias que correm pelo facebook (com muitos “like”) e pelo linkedin onde este cavalheiro parece ter assentado os seus arraiais.

Imaginemos, todavia, que alguém, mesmo sem ser cavaquista assanhado pega na delicada expressão usada pelo senhor Barbosa e resolve retorquir na mesma moeda e lhe chama, salvo seja, imbecil, cretino, gatuno ou palerma, coisas todas com menor dimensão da usada pelo representante do povo. E que, justamente indignado, o tribuno, sai à liça e usa outras tantas ou piores urbanidades. E assim sucessivamente...

Em tempos menos tíbios que os actuais estas coisas pediam sangue, duelo, pistolas ou espada ou quiçá varapau, bengalada. Isto para não falar no envio de sicários (depois, se necessário explica-se ao senhor Tiago o significado da palavrinha) encarregados de vingar por pouco dinheiro a honra perdida e escassa coragem do ofendido mandador.

O jornal relata que alguém do P.S. entendeu “puxar as orelhas” (sic) do deputado e que este reconheceu ter sido “imprudente” e pediu desculpas.

Vamos por partes: a calúnia não é uma imprudência é apenas e só uma vilania, uma baixeza, uma erupção de mau carácter. Ou uma prova de falta do mesmo.

No que toca ao pedido dde desculpas, conviria saber a quem foi dirigido e em que termos. Foi à cúpula do P.S. ou ao ofendido? É que as coisas não são iguais. É verdade que o P.S. sai mal destas tolices mas, enfim, não é inteiramennte responsável pelo que uma inculta criatura escreve no facebook. Merece um pedido de desculpas mesmo se a palavra “imprudente” seja apenas mais uma triste tentativa de distorcer a situação. Escreveu o deputado ao alvo directo do seu ataque? E em que termos? Era isso que convinha saber a menos que todos nós mereçamos viver numa república batateira onde, como no famoso dicionário da Academia, a ultima palavra do léxico reconhecido fosse “azurrar”.

E a prática política corrente se mantivesse dentro dos parâmetros desse verbos hoje tão fora de moda...  

A grande golpada – O Governo técnico

O meu olhar, 18.11.15

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Cavaco passeia-se pela Madeira, ouve todos e mais alguns, faz declarações partidárias, ri-se (sabe-se lá de quê) e prepara-se para nos servir, frio, um governo a que vai chamar de “técnico”. As Associações patronais que “visitaram” Cavaco deixaram escapar para a comunicação social a hipótese, apontada por Cavaco, de um Governo de iniciativa presidencial. Ninguém ligou, de absurda que era essa ideia. Mas a Cavaco nada interessa. No alto do poder que lhe resta e vestido de um manto de vingança e prepotência, prepara-se para anunciar pomposamente ao país a sua decisão: um governo "técnico", escolhido por si. E vai justificar com a sua veia partidária (não tem outra): tudo é preferível a um Governo do PS. E vai aproveitar para continuar a fazer, mais uma vez, campanha a favor do PSD.

E a Assembleia da República? Bem, a maioria vai rejeitar esse governo.

E Cavaco o que faz? Cavaco, numa atitude de “quero, posso e mando” coloca o governo chumbado em gestão…”técnica”.

E Marcelo? Diz que se ganhar fará o que for mais “oportuno” na altura. Ou seja; votem em mim que depois terão a oportunidade de saber o que farei…

 

E o país? O país votou uma maioria parlamentar que apoia um governo que Cavaco bloqueia, degradando assim a situação económica, política e social do país. A troco de quê? Em benefício de quem?

 

Haja decência – Cavaco e Marcelo

O meu olhar, 17.11.15

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As últimas declarações de Cavaco Silva provam, se é que alguém ainda tinha dúvidas, que Cavaco é um presidente partidário, que defende exclusivamente os interesses políticos ( e não só) do PSD. Preparar-se para nos brindar com um governo de gestão quando tem um partido com apoio maioritário no parlamento é um acto grave. O que isso pode fazer à nossa economia só um ignorante ou um fanático partidário pode ignorar. Diz Cavaco que temos dinheiro de reserva. Pois temos, mas estamos a pagar juros para o ter. E essa reserva é para gastar com a crise que ele, enquanto presidente, se propõe criar? Haja decência.

Neste momento difícil, em que Cavaco se prepara para deixar o país pendurado e ainda nos tentar vender a ideia que isso é o melhor para o país, é importante lembrar que Marcelo Rebelo de Sousa é da mesma família política, com os mesmos interesses atracados e, como alguém me dizia há dias, ainda mais perigoso, já que é um mestre na simulação. A prova disso são as respostas redondas que dá sobre o que faria na actual situação se estivesse no lugar de Cavaco.

Quem não dá respostas claras está a querer agradar a todos. Com essas respostas redondas cada um lê nelas o que quer ou deseja. Eu não tenho dúvidas: outro ex-presidente do PSD na presidência, NÃO. Cavaco já nos chegou.

Os caminhos lineares do Presidente

JSC, 17.11.15

Depois de ouvir representantes de associações patronais e outros, todos a falarem no mesmo tom, Cavaco Silva acaba de mandar anunciar que amanhã vai ouvir os senhores da banca.

O objetivo é o mesmo: Chamar toda essa gente a Belém para, no final da conversa, lhes dar o microfone, a fim de eles dizerem o que o Presidente já sabe o que eles vão dizer.

É assim que Cavaco está a construir o clima para um dia destes, quando achar que é o momento mais adequado para a coligação, vir dizer o que já todos percebemos: Vai manter Passos Coelho à frente do Governo – um governo de gestão.

Bem podia Cavaco poupar o país a todo este teatro de baixa categoria e avançar com a solução que tem preparada. Parafraseando Carlos do Carmo, é mesmo um azar dos Távoras.

Estes dias que passam 339

d'oliveira, 12.11.15

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Três mortes

 

Morreram subitamente, ou quase, três pessoas pr quem sentia respeito, estima ou consideração. Comecemos por Helmut Schmidt, ex-chanceler alemão e destacado dirigente socialista. Schmidt, afastado do poder há muito, marcou uma época de grande criatividade para a Alemanha e foi (como Brandt, Adenauer ou Kohl) um dos maiores dirigentes da Alemanha, um europeísta convicto, um defensor da paz e um intelectual brilhante. Não pode esquecer-se o seu papel como editor de Der Spiegel, uma revista semanal obrigatória para quem quer sair do acanhado campo daa imprensa nacional.

 

André Glucksmann, um velho conhecido meu dos tempos em frequentei a “gauche proletarienne”, tinha uma obra notável no campo do ensaísmo político e outra, mais notável ainda, na luta pelos Direitos Humanos. Muitas vezes foi apenas uma voz solitária a bradar no deserto mas sem ele, provavelmente, Sartre e Aron (sobretudo o primeiro) não se teriam empenhado na defesa dos “boat people” vietnamitas. Não foi o seu único cmbate mas foi talvez o mais mediático e o mais incómodo. Para muita gente (eu incluído) que tinha feito a propaganda da insurreição-guerra civil contra o regime corrupto de Saigão, foi doloroso e dramático verificar que, com o fim da guerra, começara uma desenfreada e medonha perseguição de milhões de pessoas cujo único crime era serem suspeitos de um presumível, embora improvável dadas as circunstâncias, não-alinhamento com a ortodoxia de Hanoi. Longe vão esses tempos agora tão desmentidos na prática pela política vietnamita! Glucksmann empenhou-se igualmente na denúncia do gulag, um sistema monstruoso que, por cá, ainda não foi alvo de qualquer reflexão pelos intelectuais e políticos do partido irmão do PCUS de horrenda memória. Feitios!

Como autor, AG deixou-nos quatro ou cinco textos de grande qualidade e impacto. Pessoalmente, recordo o primeiro que li “Devant la guerre” mesmo se deva reconhecer a enorme importância de “La cuisinière et le mangeur d’hommes”. E nunca esquecerei a qualidade das suas intervenções na televisãoo em especial no famoso programa de Bernard Pivot , “Apostrophes” (e eventualmente também –já não distingo- no Bouillon de culture do mesmíssimo Pivot.) Não estive sempre de acordo com ele, nomeadamente quando entendeu apoiar Sarkozy mesmo que lhe reconheça alguma razão circunstancial. De todo o modo, aquilo foi sol de pouca dura e Glucksmann viveu ainda o tempo suficiente para mostrar que mantinha intactas a sua rigorosa liberdade e indignação.

Finalmente, Paulo Cunha e Silva, uma morte súbita que não permite avaliar bem o que seria a sua passagem pelo pelouro da cultura da Câmara do Porto. De todo o modo, PCS já se tornara notado pelo seu dinamismo cultural, pela sua capacidade de intervenção crítica e pela facilidade com que conseguia mobilizar intelectuais de diferentes campos e práticas num arriscado exercício de pensar em comum, a cidade e a sociedade.

Os leitores perdoarão que mais uma vez me atreva a insistir que é gente como esta e não a tropa fandanga subitamente revelada pela política atual que mostra o que uma Esquerda moderna e sem arcas encoiradas, sabe, pode e deve fazer.

De todo o modo, dizer isto é chover no molhado. As criaturas agora reunidas no saco de gatos que é a actual coligação governativa nunca devem ter pensado em Schmidt, lido Glucksmann ou percebido ( tentado percorrer) o itinerário de Cunha e Silva. A exigência ética, estética e política é pão que não consomem amiúde se é que alguma vez ouviram falar dele. É com eles. Estrelinha que os guie!...

E agora? Um novo governo para Portugal

José Carlos Pereira, 11.11.15

Com a aprovação da moção de rejeição apresentada pelo PS, documento que enquadra bem a situação vivida no país, caiu ontem, no parlamento, o XX Governo Constitucional. Com brado, mas sem surpresa, o executivo de Passos Coelho deixou de estar em plenitude de funções, cabendo agora ao Presidente da República desencadear os procedimentos necessários para a formação de um novo governo.
O líder da coligação ou do partido mais votado não ganha o direito natural a exercer o cargo de primeiro-ministro. Ganha, isso sim, a obrigação de construir uma solução parlamentar que viabilize o seu programa de governo. Se não tiver maioria absoluta dos deputados tem de encontrar o apoio parlamentar que lhe falta. O PSD sabe isso bem, pois em 1999 apresentou uma moção de rejeição com vista a derrubar o segundo governo de António Guterres, quando este tinha ganho as eleições e conquistado metade dos mandatos no parlamento.
Como já escrevi por diversas vezes, o radicalismo ideológico prosseguido pela coligação PSD/CDS ao longo dos últimos quatro anos, a austeridade levada ao extremo por quem mostrou sempre “querer ir além da troika”, a atitude confrontacional assumida desde 2011, não permitia outra saída ao PS que não fosse recusar-se a viabilizar um governo minoritário da coligação. Com efeito, perante a iminência da apresentação de moções de rejeição ao programa do novo governo, uma abstenção do PS, imprescindível para segurar a coligação, corresponderia a um voto verdadeiramente comprometido ao lado de PSD e CDS. Quem admitiria isso, depois de tudo o que ficou para trás e, pior, de tudo o que foi dito por ambas as partes durante a recente campanha eleitoral? Só quem defendesse a capitulação do PS, por largos anos, perante as forças à sua direita e à sua esquerda. De resto, as próprias relações pessoais entre os líderes de PSD/CDS e PS se deterioraram a tal ponto que não havia lugar para qualquer possibilidade de diálogo construtivo.
Para a coligação de direita teria sido preferível, claro está, que António Costa se tivesse demitido em 4 de Outubro, que o PS estivesse esfrangalhado, sem liderança, atado de pés e mãos, impedido de interferir com a solução governativa “natural”. Mas não foi isso que sucedeu. António Costa percebeu que a abertura inédita de PCP e BE, dispostos a encontrar pontes com o PS para a definição de um novo quadro político, rompia os bloqueios existentes à esquerda e permitia alcançar um apoio parlamentar maioritário a um governo alternativo ao da coligação. António Costa teve o partido de forma esmagadora a seu lado na defesa de um diálogo e um compromisso com os partidos à sua esquerda, o que facilitou a caminhada que encetou. Nenhum outro líder socialista teria condições para fazer estes acordos à esquerda. As vozes dissonantes foram raras e baseadas sobretudo no preconceito ideológico.
Nunca escondi as minhas profundas divergências com o PCP e com o BE e não esqueço o passado, mais distante ou mais recente. Há largos anos fui convidado a integrar, como independente, uma candidatura autárquica da CDU e isso parecia-me destituído de qualquer sentido. Também o PS está muito distante dos princípios programáticos desses partidos. Reconheço, portanto, que este é um casamento por interesse e não por amor. Mas pelo interesse de inverter as políticas dos últimos quatro anos, de estancar a razia nos rendimentos, nos salários, nas pensões, nos direitos dos trabalhadores, nas prestações sociais, nas funções do Estado e nos serviços públicos, vale a pena assumir os riscos inerentes.
O PS soube adaptar a sua proposta de programa de governo ao resultado das negociações com o BE, o PCP e o PEV, mantendo os compromissos internacionais a que Portugal está vinculado. Pelo caminho caíram algumas medidas que tinham a minha simpatia, como a alteração das leis eleitorais e do modelo de gestão autárquica, mas adiro com facilidade ao conjunto de medidas agora propostas, mesmo que não fizesse cavalo de batalha de algumas delas. Não nos podemos esquecer que a política é um jogo de equilíbrios e fico satisfeito quando vejo medidas concretas voltadas para os mais desfavorecidos, para a reforma fiscal, para o ensino e a ciência, para o emprego, para as PME’s, para o desenvolvimento local e para o interior. É uma proposta de programa de governo que me parece tão sólida como se exigia nestas circunstâncias, face à informação disponível neste momento pelas forças que estão na oposição.
Onde é que há dinheiro para tudo isso, perguntam-se logo os apoiantes da coligação PSD/CDS? Vamos falhar as previsões orçamentais para os próximos anos? Bom, certezas não tenho, mas por que razão hei-de acreditar menos nos cenários macroeconómicos de Mário Centeno do que esses mesmos apoiantes da coligação acreditaram nos cenários de Victor Gaspar, que falhou metas umas atrás de outras até bater com a porta e reconhecer o seu próprio falhanço?
Quanto aos acordos bilaterais assinados com BEPCPPEV no tempo próprio, se não foi feliz a coreografia, já me deixou mais tranquilo o compromisso para convergir, concertar posições, avaliar e examinar as medidas a implementar. São acordos pragmáticos, que identificam áreas prioritárias de intervenção, consubstanciadas depois na proposta de programa de governo. Os quatro partidos souberam privilegiar as linhas de convergência, sem deixar de reconhecer as suas naturais divergências em variadas matérias.
Não se trata de um acordo de coligação, que seria mais exigente e mais envolvente, nem os quatro partidos vão participar num eventual governo. Por isso, o grau de compromisso é aquele que se apresenta como possível e necessário para viabilizar o governo minoritário do PS. Para um partido como o PCP que nunca votou favoravelmente um Orçamento do Estado, por exemplo, pedir mais do que o que deu era pedir o impossível. Muitos se preocupam pelo facto de não estar garantido um horizonte de quatro anos, mas quem pode exigir isso num país que só teve cinco legislaturas completas em 40 anos? Em que o primeiro governo de coligação que terminou a legislatura foi o de Passos Coelho, com as dificuldades de percurso de todos conhecidas? Alguém esperava que um governo da coligação viabilizado pelo PS iria durar quatro anos?
Tem agora a palavra o Presidente da República. Espera-se que reaja com brevidade e anuncie a sua decisão nos próximos dias. Como não terá a faculdade de ver o parlamento aprovar um governo de iniciativa presidencial, restam-lhe duas alternativas: mantém o XX Governo em funções de gestão até que o próximo Presidente da República inicie o mandato e possa tomar decisões ou indigita António Costa, enquanto líder do segundo partido mais representado no parlamento, para formar um novo governo. Sei o que seria melhor para o país, mas não tenho a certeza de que seja isso que Cavaco Silva pretende fazer no final do seu mandato.

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