au bonheur des dames 410
É só fumaça ou o povo é sereno
Com a natural e mais que esperada queda do governo, parece que as ruas se encheram de multidões festejadoras. Bom, multidões é exagero. Aquilo era uma esquálida manifestação de quadros da CGTP que, à falta de imaginação gritava a plenos pulmões o estafado slogan “o povo unido jamais será vencido” de saudosa memória.
Já agora, dois reparos: a tradução ideal de jamás é nunca mesmo se o jamais não destoe inteiramente. Só que ninguém diz correntemente “jamais”. Ou melhor, houve um senhor ministro socialista do glorioso governo de Sócrates (o José e não o ateniense) que negava a hipóteses de um malfadado aeroporto ir para o sul do Tejo ululando em francês mal pronunciado “jamais”. Passou célere à história e confesso que nem do nome da criatura me lembro.
Recordo-me, todavia, do “povo unido jamais será vencido”, slogan crescentemente gritado no Chile enquanto a Esquerda ia fenecendo e a Direita arreganhava os dentes. Depois, foi o que se viu, um horror, um massacre que nem a patética aparição de Allende de capacete e metralhadora na mão pôde esconjurar. Como de costume, e por facilidade, toda a gente resolveu a coisa atirando para a militaragem todas as culpas. Que aqueles generais, coronéis, capitães, sargentos e soldados eram uns bandidos não duvido, bem pelo contrário. Que a Direita civil rejubilou e aproveitou é uma evidência. Que vários bem intencionados líderes da Esquerda deitaram azeite no lume, também não. No Chile, país considerado civilizado e constitucional, já houvera antes um forte ataque à Esquerda (e Neruda bem que se exilou) que deixara as suas marcas. Porém já ninguém se lembrava...
No entanto, o patético apelo à unidade do Povo que soou nas ruas das maiores cidades chilenas era desgarrador. Soava a queixa, a medo e destino. E foi.
Em Portugal, o do PREC de, pelos vistos, saudosa memória, também uma auto-intitulada Esquerda andou pelas ruas no mesmo rodopio, sonhando com a tomada do Palácio de Inverno e com a instauração de um qualquer ersatz do soviet. Alguns militares, tão tolos quanto ignorantes tomaram-se pelos marinheiros de Kronstadt antes deste ter sido subjugado por Trotsky. Outros viam-se como “comandantes en la Sierra Maestra” a tourear Baptista. Curiosamente não perceberam que tinham chegado tarde, que o Che já morrera e que Fidel era apenas mais um tiranete tropical.
Que, quarenta anos, depois o slogan volte à baila faz-me pensar que há gente que não esqueceu nada e que, também, nada aprendeu.
Com uma diferença: a história não se repete ou se isso acontece é sempre em tom de farsa, no caso emapreço em tom de revista à portuguesa no parque Mayer chungoso da nossa política doméstica.
Mas tudo isto não passa de mera fumaça. Razão tinha o tão, e tão injustamente, criticado Pinheiro de Azevedo.
Mas deixemos o slogan pobre antes que reapareça (e vai reaparecer, claro) “a gaivota que voava, voava...” e passemos à pérolas do mês:
Uma senhora promovida a governante resolveu escrever censura com s no início. Está no seu pleno direito à iliteracia e ao novo acordo ortográfico. Não vale é depois vir argumentar que é disléxica.
Outra, desta feita ex-governante, em vez de escrever “à Direita” entendeu que ficava melhor antepor-lhe um H (Há Direita.. aconteceu...). É sempre bom ver conjugar o verbo haver com leveza, liberdade e estilo mas, pergunto-me, que mal é que os verbos fizeram à criatura que lança tais canas ao ar (ou será “lansa” hau har?)
Um cavalheiro que prova à evidência que não basta ser filho de alguém para também se ser alguém que ficou conhecido por presidir no longe do tempo a uma anedota chamada “grupo autónomo do partido socialista” (autónomo de quê, porquê, como e para quê?) que conseguiu perder uma Câmara que só por engano popular ganhara e que finalmente, se envolveu e indirectamente envolveu Portugal no atoleiro da guerra civil angolana ao tomar partido por Jonas Savimbi, ex-colaborador do exército português, foi à (ou há?) TV dizer meia dúzia de banalidades confrangedoras. Dentre elas esta “O caminho faz-se caminhando como dizia um brasileiro”. Conviria explicar a este novo luminar da cultura pátria que tal citação remete directamente para António Machado, poeta espanhol, republicano e democrata morto no exílio depois de abandonar, velho e doente, Espanha.
A menos que quisesse citar Carlos Drumond de Andrade, esse sim brasileiro, que deixou o famoso “no meio do caminho tinha uma pedra...” se bem que me custe acreditar em tanto conhecimento poético.
Pelo rolar da carruagem temo bem que a criatura se estatele no meio do caminho que se propõe andar. Convenhamos que seria uma vingança poética extraordinária.
Apetecia-me terminar citando alguém que ao longo destes anos todos nunca se coibiu de falar, comentar, aconselhar, criticar e aparecer. Há mais de um mês que guarda um silêncio tumular. Como se tivesse morrido ou, pior, que estivesse tolhido por qualquer misteriosa razão. E para mistérios já nos bastam os do rosário que serão vinte entre dolorosos, gozosos, luminosos e já não sei que mais...
Ámen!
Laus Deo!