“Que sentido faz o sentido de voto?”
A revista E do “Expresso” desta semana traz um artigo muito interessante intitulado “Que sentido faz o sentido de voto?” (disponível online apenas para quem tiver código de acesso), da autoria de Raquel Albuquerque, que merece a pena ser lido com atenção e que procura reflectir sobre as variações de votos ocorridas nas últimas eleições legislativas.
O artigo analisa, por exemplo, os municípios com maior e menor percentagem de voto por partido ou as votações nos concelhos com as melhores e piores posições por indicador de desenvolvimento seleccionado, relacionando resultados eleitorais e indicadores. Os indicadores de desenvolvimento considerados foram as prestações de desemprego em percentagem da população, a variação da população entre 2011 e 2014, o índice de envelhecimento, o poder de compra e o número de pessoas a receber Rendimento Mínimo Garantido (RMG) e Rendimento Social de Inserção (RSI).
Para além da identidade partidária, do voto mais ou menos ideológico, da simpatia pelos líderes ou do efeito geracional, chamou-me particularmente a atenção algo que nem sequer foi enfatizado no artigo (por desconhecimento da região?): o verdadeiro microcosmo constituído em torno do Vale do Ave. Vizela e Felgueiras foram os únicos concelhos do país em que o conjunto PSD/CDS aumentou o número de votos em relação a 2011 e os municípios em que ocorreram as maiores quebras relativas do PS. Guimarães teve mesmo a maior quebra absoluta do PS. Em Guimarães, Fafe e Santo Tirso, o conjunto PSD/CDS ganhou as eleições pela primeira vez desde 2005.
E qual é a relação destes resultados com os indicadores acima enunciados? Pois bem, Vizela, Guimarães e Santo Tirso estão entre os cinco concelhos onde o indicador subsídio de desemprego melhorou mais, saindo dos dez piores concelhos do país (a que se pode acrescentar Famalicão, na mesma região). Vizela viu aumentar o ganho médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem, deixando de estar entre os municípios onde se ganhava menos, teve o poder de compra a subir, a proporção da população a receber RMG e RSI a diminuir e a população aumentar. Já Guimarães registou a terceira maior subida do poder de compra, viu aumentar o ganho médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem e diminuir a proporção da população a receber RMG e RSI, tendo no entanto uma das dez maiores perdas da população.
Nesta região em concreto, parece evidente que a melhoria de determinados indicadores sociais levou muitos eleitores a privilegiarem aquilo que os especialistas denominam de “voto económico”. Votaram em quem lhes pareceu que teve uma influência directa na melhoria das suas condições económico-sociais. Já sabemos que a leitura do país não foi a mesma e que, apesar de a coligação PSD/CDS ter vencido as eleições, o número de portugueses que votou contra a coligação suplantou em cerca de 730.000 o daqueles que votaram na coligação, considerando apenas o voto nos partidos com assento parlamentar. Creio, no entanto, que este exemplo do Vale do Ave mostra como uma análise fina do sentido que cada português dá ao seu voto é algo imprescindível para os principais partidos e agentes políticos, de modo a poderem interpretar os efeitos da relação directa que se estabelece entre o resultado da acção executiva e o voto dos cidadãos nas eleições legislativas.