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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

O PS e a Câmara do Porto

José Carlos Pereira, 29.02.16

A entrevista de Manuel Pizarro, vereador da Câmara do Porto, membro do Secretariado Nacional do PS e candidato à liderança da Federação Distrital do Porto, desvenda as intenções do dirigente socialista para as próximas autárquicas, mas não diz tudo o que os eleitores precisam de saber. Na realidade, parece claro que o PS/Porto se prepara para apoiar a recandidatura do independente Rui Moreira à autarquia portuense enquanto Manuel Pizarro investe na sua própria candidatura à liderança da Área Metropolitana do Porto, que os socialistas pretendem que seja alvo de eleição directa já em 2017.

Até aqui percebe-se a estratégia socialista, até porque o PS não dispunha de espaço para promover uma candidatura contra Rui Moreira depois de ter integrado o seu executivo com pelouros tão sensíveis como os do urbanismo e da habitação social. Pizarro, aliás, apresenta-se como um defensor convicto das políticas encetadas pelo executivo de Rui Moreira e reconhece que não se compreenderia que o PS fosse concorrer contra essas políticas e os respectivos protagonistas.

No entanto, os problemas para o PS não terminam aqui e a cooperação com Rui Moreira será posta à prova quando chegar o momento de delinear a recandidatura às próximas eleições. O PS terá uma palavra relevante no programa e na estratégia da candidatura? O PS aceitará que os seus representantes partilhem a lista com dirigentes do CDS? O PS reclamará um papel cimeiro para esses seus representantes, nomeadamente o segundo lugar na lista e a vice-presidência da Câmara, atendendo ao peso eleitoral do partido? E o que pensará disto tudo Rui Moreira? E os seus parceiros e eleitores de direita, naturalmente avessos a aproximações aos socialistas?

Manuel Pizarro e o deputado Tiago Barbosa Ribeiro, líder da Concelhia do Porto do PS, têm um caminho duro para desbravar. Mas isso não é certamente novidade para qualquer um deles.

O impertinente Rui Moreira

José Carlos Pereira, 17.02.16

O coordenador do jornal "Expresso" no Porto, acertou em cheio, há dias, quando escreveu sobre o modo como Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto, passou a ser visto por certa comunicação social depois de levantar a voz "contra o esvaziamento do aeroporto portuense em favor do desvio de voos e rotas para Lisboa."

Escreveu Valdemar Cruz no "Expresso Curto": "Lembram-se da história do comunista bom, que só o passa a ser depois de morto? É um pouco o que está a suceder com Rui Moreira, embora em sentido contrário. Até agora era um presidente exemplar, até pelo modo como foi eleito, civilizado, com mundo. Bastou-lhe dizer o óbvio para passar a ser olhado com desdém e até algum paternalismo pela generalidade dos fazedores de opinião. De repente tornou-se um parolo, a quem com toda a propriedade se aplicaria a frase celebrizada por Shakespeare dirigida pelo ditador Júlio César, no momento do seu assassinato, ao seu amigo Marcus Brutus: "et tu, Brute?". Moreira terá passado a ver fantasmas centralizadores num país orgulhoso do exemplo dado ao mundo no campo da descentralização de competências e poderes. Roma não paga a traidores, terá alguém dito aos assassinos de Viriato. Lisboa não perdoa a quem ousa dizer que o rei vai nu.”

Nada de novo. Já assistimos a esta súbita mudança de avaliação de certa imprensa bem pensante sobre outros protagonistas do Porto e do Norte, primeiro tidos como muito qualificados e interessantes e pouco depois já levados na conta de calimeros e regionalistas a padecer de complexos de inferioridade. Mas a verdade é que quase sempre têm razão.

O Orçamento do Estado que se pôde arranjar

José Carlos Pereira, 12.02.16

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 Está ao rubro a discussão sobre o Orçamento do Estado (OE) para 2016. Talvez nunca como neste ano foi tão longe a análise pormenorizada de dados, indicadores, multiplicadores, taxas e impostos. Ainda bem.
Depois da clivagem entre as duas metades do país que defendiam soluções diferentes para a constituição do Governo saído das eleições legislativas de Outubro, essas mesmas duas metades de portugueses dividem-se agora quanto à avaliação que fazem do OE, da sua execução potencial e do seu impacto na economia e nos credores internacionais. Uma das metades parece mesmo torcer desalmadamente para que tudo corra mal, à espera que o poder lhe caia novamente no regaço.
Este OE não satisfaz verdadeiramente ninguém. Nem sequer os seus próprios proponentes. A título de exemplo, já ouvimos o primeiro-ministro dizer que “gostava mais da versão inicial do Orçamento” e o ministro das Finanças proclamar que “este não é o cenário fiscal que eu queria”. Não seria de esperar outra coisa de um documento que teve de procurar o equilíbrio entre o programa do PS, os acordos com os partidos à sua esquerda e as regras orçamentais da União Europeia.
Numa negociação há sempre cedências de parte a parte e terá sido isso que sucedeu. O Governo fez bem em insistir em algumas medidas emblemáticas do seu programa, mas teve naturalmente de ceder e de ir mais longe do que desejaria, nomeadamente na receita fiscal. Sobretudo porque, como observou há dias na TSF a antiga ministra Maria de Lurdes Rodrigues, a União Europeia adoptou de há uns para cá uma espécie de via única em termos orçamentais, deixando de ter lugar para acolher políticas sociais-democratas de redistribuição.
Não creio que tenha havido, nessa negociação, entradas de leão e saídas de sendeiro por parte do Governo de Portugal. O executivo manteve-se fiel a muitas medidas que aumentam o rendimento das famílias (reposição de salários na função pública, pensões e apoios sociais, redução da sobretaxa e de taxas moderadoras, fim do quociente familiar no IRS, etc.). De acordo com o primeiro-ministro, o conjunto dessas medidas ascende a 1.372 M€, enquanto as medidas de subida de impostos estão avaliadas em cerca de 600 M€, o que fará com que as famílias tenham mais cerca de 700 M€ de rendimento em 2016.
É certo, porém, que o Governo foi obrigado a alterar as suas previsões iniciais para o défice e para isso teve de aumentar a receita fiscal. É nesse balanço que encontraremos com facilidade medidas com as quais simpatizamos mais do que outras.
Não apreciei particularmente a opção de adiar a redução na TSU para os salários até 600 euros, de agravar os impostos sobre os combustíveis, pese embora a promessa de que não haverá aumentos nos transportes públicos, de aumentar o IMI para o comércio, a indústria e os serviços, de fazer cortes nos subsídios para aquisição de carro eléctrico e nas deduções fiscais nas patentes industriais.
Talvez preferisse ver prolongada no tempo a reposição dos salários na função pública, como acabou por suceder com a sobretaxa, e com certeza que não faria da reposição das 35 horas na função pública ou da redução do IVA na restauração traves mestras do meu programa.
Este é o orçamento possível no enquadramento político e económico existente em Portugal e na Europa. Se estivesse em condições de aconselhar algo ao Governo seria no sentido de que os governantes acertassem rapidamente o discurso e assegurassem uma certa prudência orçamental, como bem lembrou ontem Vital Moreira.
Portugal não está sozinho no mundo. O Governo deve bater-se pelas suas opções políticas naturalmente, mas lembrando-se que lá fora, goste-se ou não, há um carrossel, que compreende mercados voláteis, agências internacionais de rating e juros da dívida pública, a que é necessário estar muito atento.
Um discurso reflectido, concertado e assertivo será muito mais eficaz do que a proliferação de entrevistas e “anúncios fiscais” que se sucedem quase a cada dia que passa, seja sobre combustíveisdoações ou o que mais houver.

A "impressão” do Sr. Schauble sobre o Orçamento de Estado

JSC, 11.02.16

O Sr Schauble à entrada para a reunião do Eurogrupo – aquele naipe de ministros das finanças que manda na UE – deixou no ar mais uma frase assassina, para estimular os mercados a sangrarem ainda mais as finanças lusas. Disse ele, como quem não quer a coisa, “Portugal deve estar ciente de que pode perturbar os mercados financeiros se der impressão de que está a inverter o caminho que tem percorrido. O que será muito delicado e perigoso para Portugal”.

 

Como se lê, a coisa está ao nível da “impressão” que se dá. Mas também pode estar ao nível da “impressão” que quem está do outro lado quer ter. A “impressão” de uma coisa até pode estar mais do lado de quem a recebe do que do lado de quem a transmite. No caso, é expectável que o Governo queira passar boa “impressão”.

 

O Sr Schauble, que vê o Governo e o Orçamento pelas lunetas do PPE, é que desfoca a “impressão” criada pelo Governo, para ver a “impressão” que quer ver. Ao deixar esta maldade, logo à entrada, o Sr. Schauble está a dar um recado aos mercados: Voltem-se para Portugal, forcem a subida das taxas de juro. Os mercados que já estavam no terreno a fazerem o seu trabalhinho irão, daqui em diante, dar maior voracidade à coisa, para fazerem jus ao alento recebido.

 

Cá dentro, os familiares políticos do Sr. Schauble aclararão melhor o que ele insinua. Jornalistas/pivôs colocarão as perguntas certas, a que comentadores, ao estilo futebolístico, responderão exacerbando os factos, as insinuações, a referência a riscos hipotéticos e outras maldades.

 

Com os estímulos “impressionistas” que vêm de fora e com o eco interno que têm, vai ser mesmo muito difícil ultrapassar o discurso do bota-abaixo, repor a confiança, puxar o país para cima.

 

Começa a ser insuportável ouvir muita desta gente, que vive do comentário, a reproduzir discursos que visam desacreditar as políticas públicas, a valorizarem riscos hipotéticos, a passarem por cima das medidas gravosas tomadas no ano anterior e que condicionaram as escolhas orçamentais para 2016, a darem todo o tempo de antena aos chavões e frases tipo Schauble, para depois concluírem que está em risco a avaliação do rating, que só uma agência nos qualifica acima de lixo, que se essa agência nos qualificar como lixo perdemos acesso ao financiamento do BCE. Lindo, não é? Só lhes falta pedir à tal agência para se apressar, para não estar com mais delongas, para nos colocar no lixo.

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d'oliveira, 11.02.16

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Morrer é um direito

 

“Ai Portugal...

se fosses só três sílabas...

sal sol sul”

 

Saiu a público um manifesto sobre a eutanásia e a morte assistida. Gostaria de o ter subscrito não por estar doente (não estou), não por recear que os meus familiares me condenem, algum dia, a uma espera trágica de dolorosa da morte, mas apenas porque acho que todo o cidadão tem direitos imprescritíveis mesmo ao da sua morte digna.

Condenar alguém ao sofrimento em nome de valores supostamente éticos é uma deslealdade e uma agressão inúteis e cobardes.

Como de costume, instalou-se o alarido e a troca de argumentos a latere. Como de costume,os partidos apresentaram-se na batalha com o habitual oportunismo. A verdade é que o tema é difícil e que a tradição não esconde posições opostas dentro de qualquer família ideológica. Lembremos, para exemplo, que ainda há poucas décadas o suicídio era punido na Inglaterra e a eutanásia detestada na União Soviética (adepta de políticas fortemente natalistas) que restringia aliás o aborto e tornava na prática difícil o acesso a anti-concepcionais. Nos Estados Unidos há fortes e combativas minorias anti-abortistas e não consta que, em vários Estados, a polícia use de mão forte contra a violência desses grupos. E por aí fora.

Todavia, agora, parece verificar-se, na Europa, uma ténue aproximação à morte assistida. Não nos iludamos demasiadamente: a Europa está cheia de velhos que são considerados um obstáculo à emergência das novas gerações e um peso quanto aos custos da Segurança Social que tem de lhes garantir hospitais, cuidados domésticos continuados e pensões de sobrevivência e/ou reforma.

Três países deram o passo no reconhecimento do novo direito a morrer honrosa e decentemente: a Bélgica, a Holanda e o Luxemburgo.

Não deixa de ser curioso que estes países estão no cerne e na primeira linha da construção europeia (o Benelux foi com a França, a Alemanha e a Itália, fundador do que hoje se chama União Europeia). O centro da Europa está nestes seis países e não parece que dali saia. É provável que seja ali que a ideia terá mais hipótese de fazer o seu árduo caminho, pesem embora o peso da religião (e no caso quer a Itália maioritariamente católica, quer a Alemanha onde o compromisso católico luterano assenta em bases hostis à eutanásia, parecem constituir obstáculos consideráveis) e a mobilização das opiniões públicas.

Entre nós, povo e país descristianizados, existirão também maiorias contrárias (mas voláteis?) à permissão de ambas as situações. Talvez, por isso, não haja quem defenda o referendo nestas questões.

Os políticos portugueses, mais até os de Esquerda tem um medo pânico de devolver ao povo o direito de decidir sobre questões controversas. Seja a sempiterna regionalização, seja o casamento de pessoas do mesmo sexo, seja a actualíssima questão da adopção de crianças, há nos pais (e mães) da Pátria um medo evidente de dar voz aos outros. A Direita, filosófica e socialmente invertebrada, também não quer correr o risco de deixar a populaça decidir.

Ou seja, como de costume, há neste vil cenário de deserto e tristeza, uma pequena elite que se guerreia. Entre “estrangeirados” e “passadistas” corre o nosso sinuoso e tortuoso destino.

Como consta da “Nau Catrineta”: o gajeiro perdido não avista “terras de Espanha nem areias de Portugal”.

* na gravura: máscara Bedu Kulango. Optei por uma máscara em prol da vida, no caso das boas colheitas. É que a morte, em África, é também um sinal da passagem do antepassado a protector. E é(era) respeitada e aceite.