Dr Nurlufts & Mr Sowinds
O sr. João Soares é, segundo consta, Ministro. E ministro da Cultura, mesmo que isso pareça extraordinário a quem por aqui anda.
Desconhecem-se os motivos que terão levado o dr. Costa a requisitar os serviços da criatura.
Desconhece-se, de resto, que motivos terão contribuído para que o sr. João Soares tenha feito carreira política, seja qual for o significado que a tal termo se dá.
Por junto, esmiuçando na biografia da criatura, temos que JS é filho do dr. Mário Soares. Todavia, nem sempre os filhos saem aos pais em inteligência, visão política, urbanidade e cultura.
É triste mas é assim mesmo. Há disto em todas as famílias: uma criatura que por muito que a eduquem, a ensinem ou a promovam, não passa da cepa torta.
O sr. João Soares apareceu vagamente na cena política nos finais do antigo regime. E apareceu, desde logo, como o filho de um político que dava a cara e o corpo pela democracia.
Das suas proezas, nesse tempo obscuro, sabe-se pouco e mesmo esse pouco é de uma irrelevância política total.
Nos primeiros momentos post 25 Abril, eis que o promissor filho aparece na arena política como um dos dirigentes de uma espécie de facção do PS que se chamava, pomposa e tolamente, GAPS (grupo autónomo do partido socialista). A sigla não cobria nada e descobria ainda menos.
Da sua proclamação política podem extrair-se enormidades como a de “considerar o exército português como um verdadeiro exército popular” (sic!!!) e outras parvoejadas do mesmo género. Se aquilo fosse levado a sério, teríamos que o fantasmático GAPS se posicionava muito mais à esquerda do que o MRPP.
De todo o modo, este “grupo” irrisório e risível esfumou-se ao fim de uma dúzia de comunicados e nunca foi considerado pela Esquerda Revolucionária como mais do que uma bravata enquanto o Partido Socialista o sofria como uma mera cólica. Supõe-se mesmo que Mário Soares, que conheceria o filho, não lhe atribuiu qualquer espécie de importância nem sequer o terá achado interessante para fomentar qualquer diálogo à sua esquerda.
O GAPS morreu sem ter vivido e provavelmente hoje não haverá do que uma meia dúzia de cabeçudos que o recordem.
Depois desta aventura teórica, o jovem Soares teve dois momentos importantes na sua vida política (isto se abstrairmos da sua inconspícua passagem pelo parlamento onde não consta que se tenha notabilizado por qualquer ideia, qualquer intervenção qualquer aparte). Foi Presidente da Câmara de Lisboa por um único e apagado mandato tendo perdido a reeleição. A Câmara tê-la-á ganho graças ao antecessor (Jorge Sampaio) de quem foi vereador mas a sua arrogância e a incapacidade notoriamente demonstradas urbi et orbe entregaram o oiro ao bandido, sendo batido sem apelo nem agravo por Santana Lopes.
A sua aventura autárquica levou-o de novo a uma estrondosa derrota em Sintra frente a Fernando Seara.
A segunda vez em que João Soares foi notícia relaciona-se com a actividade de Jonas Savimbi.
Concentremo-nos por um breve instante neste individuo que de nacionalista angolano em breve foi arregimentado pela tropa portuguesa que lhe fornecia protecção e algum armamento para atacar as posições do MPLA no leste de Angola. Por fas ou por nefas, o mesmo Savimbi conseguiu o estatuto de dirigente político da “3ª força” nacionalista em Angola (UNITA) mas, incapaz de sair do círculo tribal onde sempre esteve, foi derrotado e morto pelas forças do Estado angolano. E se é verdade que conseguiu, com vários apoios suspeitos, liderar uma espécie de resistência aos “marxistas angolanos”, não menos verdade é que o movimento do galo negro foi sendo paulatinamente escorraçado para os confins da Jamba até o líder ser descoberto e executado graças ao imoderado uso de um telefone que o denunciou. O sr. João Soares não só foi o embevecido editor duma espécie de poesia de Savimbi como esteve presente num congresso da Unita (1991) e teceu, por várias vezes, rasgados elogios ao movimento e ao seu líder. Foi aliás no decurso de uma das visitas ao QG da UNITA que João Soares foi vítima de um acidente que o pôs à portas da morte. Salvou-o a medicina sul africana do regime detestado do apartheid e, eventualmente, as orações da sua mãe que viria em seguida a converter-se ao catolicismo.
Soares, João, também foi deputado europeu não constando que tenha deixado obra por Bruxelas ou Estrasburgo.
De todo este percurso vale a pena notar que sempre que ele vai sozinho a umas eleições perde, coisa que não ocorre quando a sua presença é discreta dentro de um grupo mais amplo escolhido partidariamente: aí os eleitores não têm remédio. Ou votam na lista da sua preferência política ou terão de a preterir devido à pouca qualidade de algum (alguns) dos seus membros.
Fora isto, consta que João Soares terá perpetrado uns livrinhos vagamente eróticos sob os blandiciosos pseudónimos de Hans Nurlufts (nur –só e lufts –ares) e John Sowinds (idem para a composição do nome). Não ganhou o prémio Nobel e também não consta que essa sua cerebral prosa tenha sequer arranhado a fama do celebrado “A marca dos Avelares”. Bem que procurei os livrinhos mas não consegui pôr-lhe as mãos em cima. A última notícia deles é que estavam “indisponíveis” no editor. Terei perdido duas gargalhadas mas seguramente poupei dinheiro.
Quando Costa anunciou o nome de Soares para a Cultura, agora elevada a Ministério, tremi. Não que a cultura portuguesa ou outra qualquer dependa da burocracia da Ajuda mas quand-même!
Os resultados, e ainda só passaram cem dias, começam a estar à vista. Soares promete tudo para ficar com uma colecção de segunda ou terceira escolha de Mirós, e numa ânsia de gastos para o parco orçamento do MC entendeu correr com o Prof. Doutor António Lamas do cargo de Presidente do CCB. Já antes tinha declarado no tom pomposo que usa que discordava absolutamente do plano estratégico para Belém. Razões aduzidas? Nenhumas.
A maneira como tratou um alto funcionário que no campo da intervenção cultural se tem continuamente distinguido seria no mínimo considerada boçal mas nem vale a pena caracteriza-la assim. Lamas exerceu com singular competência os mais altos cargos dentro do departamento da Cultura (foi aliás presidente do IPPC/IPAAR) e nos últimos tempos tinha sido altamente elogiado pelo seu programa para Sintra onde inclusive conseguiu o milagre de rentabilizar os investimentos feitos no parque além de ter restaurado os palácios e monumentos da zona. Foi isso que terá levado o Secretário de Estado Barreto Xavier a nomeá-lo para Belém onde a anarquia, o despesismo e o desperdício andaram de mãos dadas.
Soares não gosta do professor catedrático (consta que desde Sintra onde apagadamente foi vereador) e além disso acha que o cargo assentaria como uma luva no senhor Elísio Sumavielle, um seu companheiro de sempre que tem feito uma relativamente modesta carreira nos ínvios trilhos da “cultura”. Curiosamente este “socialista de sempre” que até fora episodicamente responsável político sob a tutela da senhora Canavilhas, foi também nomeado para um alto cargo por Francisco José Viegas episódico Secretário de Estado de Passos Coelho. Digamos que Sumavielle é a man for all seasons mesmo que ele não seja (nem de perto nem de longe) Thomas More.
Um dos mais curiosos argumentos de Soares é o da idade. Lamas tem 69 anos e Sumavielle menos dez. Convenhamos que nenhum deles está na sua mais tenra idade mas com bem mais anos o pai, Mário Soares, foi candidato à Presidência da República e o seu oponente, Manuel Alegre também já passara os setenta...
Eu percebo esta cláusula etária tanto mais que, num momento de generosidade tola e absurda, me detive por duas (duas!!!) vezes a ouvir o sr. Soares (João) na televisão em modo comentário. O espetáculo era obviamente para menores de 13 anos mesmo se não me consta que sequer essa buliçosa mocidade considerasse seriamente gastar o seu tempo a ouvir a criatura. Em minha defesa só posso alegar que aguentei aquela treta quase cinco minutos de cada vez! Jesus, que purgante!
Desta triste peripécia que é o caso Lamas pouco mais há a dizer. Mesmo tendo sobre Soares (João) a exígua (ou nula) opinião que venho manifestando, resta-me um amargo de boca, vergonha e tristeza.
Corre por aí uma petição para afastar o sr. Soares do Ministério. Assiná-la-ia se achasse que, pelo menos, ela poderia ser lida por quem manda. Mas não. Costa sabia perfeitamente os riscos que corria e não hesitou. Ao homem convém fixar no Executivo uns espantalhos que sirvam de motivo de diversão.
Enquanto as pessoas se ocupam com o desserviço na cultura, Costa escapa. Como escapa quando se vê a criatura da Educação (?) a enfiar os pés pelas mãos a propósito dos exames ou a da Economia a patrioticamente incitar os camionistas a não abastecer os veículos em Espanha. Como é que este cavalheiro foi capaz de tal dislate é algo que me preocupa. Que diabo, um tanque cheio em Espanha significa, no mínimo 25 euros a menos!...
Soares, João está pois acompanhado mesmo se, no seu caso, a coisa seja ainda mais surpreendente e arrepiante. E sobretudo, mais mesquinha. Feitios...
*desta feita não há ilustração: seria cera demasiada para tão ruim defunto