Se um procurador incomoda muita gente, o MP na sua totalidade incomoda muito mais
d’Oliveira fecit 14.2.18
(uma palavra prévia em guisa de aviso: há uns dias, não sei já quantos, uma criatura, coimbrã e pesporrenta, entendeu escrever uma defesa do Lula. Só lhe ficaria bem, dado ser amigo e admirador do corajoso ex-sindicalista. Porém, nestas coisas há sempre um porém, a peça em causa é menos uma defesa de Lula do que um ataque à Justiça. Note-se que falamos de um país democrático onde só a justiça andava escapada da maldição. Os políticos brasileiros, as elites empresariais, grande parte do mundo desportivo, para não falar do Exército ou da Polícia eram, desde há muito, tidos por irrecuperáveis. Curiosamente, a Justiça, de ano para ano, vira crescer a popularidade das suas instituições e dos seus agentes. O auge da sua popularidade verificara-se até no exacto momento em que fizera frente à poderosíssima construtora Odebrecht e a outras estranhas e espúrias empresas que compravam tudo sobretudo as consciências. Porém, no decurso deste medonho processo, apareceu Lula. E apareceu um juiz. E uma primeira condenação depois revalidade por outra bem mais pesada. E foi "a pedra no fim do caminho". E a acusação tombou como se previa: “estamos a caminho de uma política justicializada”! Pelos vistos parecia preferível uma justiça politizada em que os seus membros, como por cá tantos aconselham, tivessem em linha de conta os “superiores interesses do Estado”. Citaria, se valesse a pena, os grandes processos de Moscovo e as teses sinistras de Vichinsky curiosamente muito semelhantes à sque presidiram aos processos que liquidaram a Resistência Alemã. Neste campo, os tristes Tribunais Plenários nossos são qualquer coisa de angélico, de pais pobre, envergonhado e subdesenvolvido – mas eficazes não se olvide)
Grande parte deste texto foi escrita nessa altura mas abandonada porque entendi não dever dar ao esganiçado coimbrão a escassa honra de ser citado. No entanto, “factos supervenientes” obrigam a repegar no assunto de outra forma. Aí está o que resultou
Estava escrito nas estrelas e, mais ainda, na História: Desde o momento em que, em Itália, um punhado de juízes decidiu enfrentar o poder político estabelecido (movimento mani pulite) e levou à derrocada dois dos maiores partidos que durante dezenas de anos ocuparam o poder juntos ou alternadamente, o destino dos magistrados estava traçado. Em Itália mas não só. Lá, sobretudo no Sul, recorria-se ao expeditivo método do atentado bombista (e assim se foram vários e prestigiado juízes e procuradores ligados às investigações anti mafia). No Norte, mais sofisticado, ia-se, pouco a pouco cercando (cerceando) o poder dos magistrados, acusados de judicializar (!!!) a política até se conseguir este resultado absolutamente perturbador: o poder agora está nas mãos de populistas, neo-conservadores exaltados, irredentistas, como se Craxi (Bettino) tivesse lançado uma maldição aos seus acusadores. A prova provada é o à vontade com que Berlusconi se move entre ninfetas sem falsos pudores e a construção de impérios mediáticos.
No Brasil foi o que se viu: enquanto se tratava de atacar o “capitalismo” da construtora Odebrecht e um punhado de políticos corruptos mais ou menos conservadores tudo era louvores. Quando se deram as primeiras bicadas no “mensalão” e no aparelho instalado no PT, começou a soprar (como na famosa área de Rossini) “un venticello”. Data desse tempo a decisão de uma política brasileira de se candidatar contra Lula que, coitado, pelos vistos não sabia de nada... Os dinheiros corriam com mais velocidade que as águas de Iguaçu, os políticos hostis rendiam-se por absoluto milagre e ninguém sabia de nada!... Depois os juízes começaram a apertar.
E juiz que aperta é juiz que deve ser desapertado.
Dantes um honrado cangaceiro dava conta do recado mas os tempos, ai os tempos, mudaram. Os tempos e os costumes. Agora convém ataca o poder judicial na base. Na credibilidade que, em democracia, ele costuma ter. O Sr. Lula foi acusado. Foi julgado. Foi condenado. Recorreu. Voltou a ser condenado por outro tribunal que, aliás, até aumentou a pena.
Ai Jesus que a Direita vem aí. Nisto de condenações a coisa funciona assim: o condenado é um patrão, um banqueiro, um empresário? A justiça funcionou!
É um líder da esquerda ou alguém que se presume como tal? Trata-se de uma conspiração do capital, dos trusts, dos monopólios, da reacção. Renasce com todo o seu bafiento esplendor a velha langue de bois do mais serôdio discurso estalinista.
Em Portugal, as coisas não são diferentes. De repente, e não foi assim tão de repente, o MP deu em acusar banqueiros, políticos, gente do futebol empresários variados, uns humildes cavalheiros africanos que compram no Estoril apartamentos cujo preço equivale a 300 anos de salários deles e começa o fandango.
Anos antes, os actuais acusadores do MP indignavam-se voluptuosamente, com a miopia da justiça. E repetiam em coro que “é sempre a mesma melodia... quem se safa é a burguesia”. A justiça era de classe, estava feita com os ricos, nos grandes ninguém toca, etc...
Agora andam por ai, à solta, como no Pinhal da Azambuja, bandos de juízes de instrução e de procuradores numa desvergonha total que até perseguem (vejam que camorra!) outros procuradores! E pretinhos inocentes. (E bombeiros!, meu Deus!, bombeiros!...)
Há poucos dias um ministro pediu um estúpido favor baseado numa estúpida premissa de que a sua segurança pessoal estava em risco. E foi ufano para o camarote de um cavalheiro que, agora, ó espanto!, está arguido num processo mais uma vez movido pelo tenebroso Ministério Público.
Como ocorre sempre, e decorre estritamente da lei, este pedido despoletou acusações burras. Mas acusações a que o MP não se pode furtar. Em escassos dias o processo, obrigatório, morreu arquivado. E bem arquivado. Isto, que é uma vitória para o ministro pouco cauteloso, não é de nenhum modo uma derrota para o MP. O MP fez o que devia. Fê-lo depressa. Cortou o venticello antes de que ele, "piano piano, terra terra... va fischiando e ti fa d’orror gelar" até que no fim produza "una esplosiose um tremuoto, un temporal que fa l’ária ribombare."
E no meio disto tudo, sobram culpas para os magistrados e ninguém se incomoda com a parvoíce obnóxia de pedinchar um lugarzinho para ver a bola. Já nem se fala de ética (para quê?) mas tão só de um ridículo e presunçoso pedido que a mais elementar prudência – já nem se fala de vergonha – deveria absolutamente evitar.
Do cavalheiro africano acusado de corromper um magistrado, nem novas nem mandados. Parece indecente acusar-se um honrado político cujo único e venial pecado foi comprar uma casinha, um apartamentozinho que custa milhões. Comprou-o com o suor do seu rosto (ou de outros muitos rostos todos pretinhos como ele, claro) e agora anda por aí um MP a perguntar por “lavagem de dinheiro”? Estamos perante uma campanha neo-colonialista e higienista?
Ainda ontem, o dr. Sousa Tavares (filho, não confundamos) mostrava a sua semanal e televisiva indignação com a “roda livre” do MP bem visível numa ordem de detenção do fantamasgórico cavalheiro africano. Parece que corria a notícia funesta que a criatura viria a Portugal e, à cautela, lá se fizeram os necessários (e porventura obrigatórios) esforços para o encontrar e notificar. Essa “inutile precauzione” (para continuar citando a imortal obra de Rossini) foi tomada como um horrendo atentado ao Direito e à Justiça. Aliás, e na mesma penada, o senhor dr. Tavares qualificou a intrusão do MP no caso da poluição do Tejo de absurda e altamente duvidosa. Vejamos: a eventual criminosa é a Celtejo. A Celtejo é da Covina. A Covinna é a proprietária da revista “Sábado” e do jornal “Correio da Manhã”. Estes dois órgãos de imprensa seriam useiros e vezeiros em fintar o “segredo de justiça”. Por seu turno, ao entrar em campo, o MP impôs o dito segredo de polichinelo, digo de justiça, à investigação. Isso seria, aventa o sapiente Tavares, um meio anormal de esconder os pecados da Celtejo ou de, presumo eu, deixar para as duas publicações os direitos exclusivos da reportagem.
No meio desta construção bizarra, há ainda o facto de a Celtejo fabricar papel. E o papel é feito a partir de eucalipto, planta perniciosa entre as perniciosas para Tavares (filho, insiste-se). Tavares odeia eucaliptos ainda mais do que algum agente do MP.
(aparte: eu não gosto nem desgosto de eucaliptos. Tenho na terra a que chamo minha, uma “papeleira”. Felizmente, os ventos dominantes, a “nortada”, afastam os cheiros medonhos da fábrica. E os fumos. Sei, todavia, que a “pasta de papel” é um dos maiores pilares da exportação nacional. E que um eucalipto, ao fim de dez anos, já dá lucro. E que isso foi a parca salvação de dezenas de milhares de pequenos produtores. É verdade que também favorece os incêndios, tanto ou mais que o nosso nacionalíssimo” pinheiro bravo. E que as outras velhas e nobres espécies arbóreas autóctones (carvalho, castanheiro, faia etc...) demoram três ou quatro vezes mais a dar rendimento. Portanto: ou se subsidia fortemente a exploração florestal ou, proibindo o eucalipto, se decapita a fileira do papel se perdem mil milhões anuais e milhares de empregos. E deixam-se dezenas de milhares de pequnos proprietários florestais ainda mais desprotegidos do que já estão...
Esquecia-me referir que a tão propagandeada reorganização da floresta vai demorar (se sequer a implementam) uma ou duas décadas; vai necessitar de uma gigantesca injecção de meios financeiros e humanos; vai obrigatoriamente modificar leis e regulamentos sobretudo em tudo o que toque torra abandonada ou sem proprietário conhecido. E por aí fora.
Em resumo: quem gosta da imobilidade deve, numa corrida, ir ao beija-mão do senhor Tavares (filho) Fim do aparte)
No meio disto tudo, que não é pouco, apareceram umas extemporâneas declarações da Sr.ª Ministra da Justiça sobre a duração do mandato da Sr.ª Procuradora Geral da República. A declaração ministerial nem sequer era correcta do ponto de vista jurídico. Um mandato de seis anos pode, se nada estiver estabelecido em contrário (como, p.e., no que se refere os juízes do Tribunal Constitucional) ser renovado. O bom senso obriga a pensar cautelosamente nesta hipóteses. Em equipa ganhadora não se mexe. Pior, quando alguém está ligado a Angola pelo nascimento, pela família –aliás numerosa- que detém postos de poder (mesmo se também possa contar com vítimas do progrom anti-nitista) o silêncio seria de ouro (dado o contencioso existente no caso Vicente ou no da burla ao Banco de Angola – 130 milhões de euros e sete processos de investigação pelo MP -) tanto mais que o mandato da actual PGR ainda tem alguns meses pela frente para se dar por findo.
Pessoalmente, yo no creo en brujas o en conspiraciones. Pero que las hay, las hay...