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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Au bonheur des dames 451

d'oliveira, 25.04.18

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Tão novos que nós éramos...

 

 

mcr 25.4.18

Bem, novos, novos ,nem tanto. Eu já ia nos 33 mesmo se, em tempos de negrume e angustia, de solidão e prisões, a idade adulta tardasse (de certo modo) a chegar. O Estado Novo mantinha-nos a todos, portugueses, numa espécie de adolescência política retardada.

Por muito democratas que nos sentíssemos a falta real de democracia, ou mais simples e fortemente, de liberdade, não nos permitia senão uma nebulosa antevisão do que era a vida para lá dos Pirenéus ( e, já agora, para cá dos Urais que, no “paraíso” das “soberanias limitadas”, ser livre soava a sarcasmo da História).

Viver em liberdade, em democracia, exige também algum treino, alguma percepçãoo dos limites próprios, uma ideia clara de compromisso, pesar continuamente os avanços e recuos da nossa intervenção na vida da cidade e do país. E, em certos casos, como já sucedia na CEE, uma aproximação mais lata e mais integradora ao que se queria como destino comum.

De todo o modo, a sede de liberdade não passa nem com uma catarata inteira do Niagara, mas apenas com um simples fio de água livremente nascida, livremente bebida.

O 25 A é o corolário de uma série de acções que nos anos sessenta se foram sucedendo, acumulando, nem sempre no mesmo sentido . Não deixa de ser irónico que a mesma tropa que trouxera o 28 de Maio, uma passeata tranquila e festiva entre Braga e Lisboa (a que não eram estranhos os ecos de uma desastrosa guerra e de uma não menos desvairada 1ª República, dezasseis anos de permanente ruído e furor, viesse, na consequência de uma outra guerra de desgaste, a desaguar no Lrgo do Carmo. A “ordem” que os de Maio de 26 consideravam essencial não era exactamente a “desordem” que precipitadamente alguns pensaram depois de Abril.

Todavia, alguns paralelismos há na evolução dos regimes nascidos à sombra das armas. O Estado Novo só estabilizou verdadeiramente depois de 1933 e o regime democrático levou tantos ou mais anos a converter o país em algo de “normal” e vivível.

Andam por aí criaturas a bramir contra o que chamam de “esquecimento” das conquistas de Abril” enquanto outras, com menor acesso aos meios de comunicação social, relembram os “bons velhos tempos” de antes, a tranquilidade, a aparente falta de crimes públicos e de corrupção, a patriarcal mão do Poder a defender os incautos súbditos dos males de pensar pela própria cabeça.

Todavia, entre o “antes” e o “depois” uma pequena e vitl diferença existe. Agora, pense-se o que se pensar nada nos está proibido, ninguém nos persegue por discordar.

Só isso, na aparência tão insignificante, chega (e sobra) para festejarmos.

E para, no meu caso, lembrar com comoção e ternura, três testemunhas e companheiros da jornada 24/25 de Abril: Alcinda e Jorge Delgado e Rui Feijó. Eles acreditaram antes, arriscaram antes e viveram intensamente o dia para que, também, tinham, afinal, contribuído.

Esta é uma pequeníssima prova de que a Democracia e a Liberdade se fazem sobretudo do esforço de muitos, muitíssimos, anónimos.

 

Au bonheur des dames 450

d'oliveira, 20.04.18

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Abril de alegrias mil

 

mcr 19 e 20 de Abril

Há dois dias, passou mais um aniversário da Crise Académica de1969 em Coimbra. Não foram muitas as notícias da efeméride. Afinal passaram já 49 anos e o tempo como se sabe passa, faz esquecer, destrói.

Duas das referencias ao acontecimento referiam a Crise académica de1969. Pelos vistos, ou por aqueles vistos, a coisa fora geral. Não foi, bem pelo contrário.

A crise ocorreu em Coimbra, persistiu em Coimbra e arrastou-se longamente naquela cidade e naquela Academia.

É verdade que, em Lisboa um pouco e no Porto muito vagamente, houve algumas (não demasiadas e não multitudinárias) manifestações de apoio. Razões para esta aparente (aliás real) solidão coimbrã não faltam. Em primeiro lugar as Associações de Estudantes eram em Lisboa débeis e no Porto inexistentes. Em Lisboa, o “movimento associativo” estudantil registara nos anos anteriores duríssimas derrotas. As escassas elites académicas tinham sido dizimadas pelas prisões, pelo chamada às fileiras e pelo exílio. A oposição ao Estado Novo fragmentara-se e, na Universidade isso era particularmente visível. Não era só a pequena acção da ASP que desde 64 vinha recrutando jovens socialistas pretendendo quebrar a hegemonia do PC. Havia, sobretudo, a irrupção de grupos de extrema esquerda que começaram com o aparecimento da FAP e continuaram desordenada e autonomamente a crescer e dividir-se nos anos seguintes. Não eram muitos os seus militantes mas eram extremamente activos e o Maio de 68 dera-lhes visibilidade. Visibilidade importada mas visibilidade. Maoístas, trotskistas, anarquistas ou simples críticos independentes acotovelavam-se nas assembleias gerais e a sua irreverência garantia-lhes audiência. O PC bem que os crismava de “esquerdelhos” (referência abusiva ao texto de Lenin “Esquerdismo, a doença infantil do comunismo”) mas, para a generalidade dos estudantes politicamente empenhados, isso ou não dizia nada ou era até um elogio.

No caso especificamente coimbrão, o movimento que se impusera na luta (e consequente vitória) contra as Comissões Administrativas que durante três anos (des) governaram sem brilho, sem apoio estudantil e penosamente a Associação Académica de Coimbra, partia de diferentes sectores mas unificava-se em torno do Conselho das Repúblicas uma estrutura não oficial que, com o Conselho de Veteranos (idem), era independente e compósita dada a própria especificidade e diversidade das estruturas que se reuniam.

Com esta estrutura aliavam-se os “Organismos Autónomos” (CITAC, TEUC ((teatros) Tuna Académica e três grupos corais o Orfeão, o Coral de Letras e o Coro Misto) que também se posicionavam diferentemente no xadrez político coimbrão os teatros mais à esquerda e o Orfeão mais à direita.

Compreende-se, assim, que para alcançar uma posição comum em defesa da autonomia estudantil houvesse que encontrar um denominador comum que, atentas as realidades e a origem dos estudantes seus participantes, não podia situar-se muito mais longe do que um moderado centro esquerda. De resto, a “Direita” coimbrã, ou o que dela restava tinha registadodesde 1960 uma longa e ininterrupta série de derrotas eleitorais apenas mitigada por um decreto lei absurdo que dava à minoria vencida lugares na Direcção Geral da AAC. Tal minoria acabava por ser claramente boicotada e, na realidade, as suas opiniões pesavam pouco ou nada na tomada de decisão. O facto de a Direita ter sustentado as “comissões administrativas”, agindo claramente às ordens do Governo, do Reitor e do Ministro da Educação, também não a tornou atraente à grande massa dos eleitores estudantis. Por muito fraca que fosse a politização destes a simples ideia de que a direcção da AAC não passava de uma correia de transmissão das autoridades era mais do que suficiente para a tornar mal vista e até malquista numa juventude que bebia muito na tradição (e no folclore) académico, nos seus hábitos de desafio e de rebeldia, porventura pueris mas profundamente sentidas sobretudo, e curiosamente, nos meios mais conservadores. Aliás, a Direita mais politizada esta reduzida a um pequeno grupo órfão do movimento Jovem Portugal e de outras formações epigonais. A guerra colonial que já ia no seu nono ano também não ajudava. Morrer em África não era algo sentido mesmo entre os jovens mais tradicionalistas. A guerra, para estes, poderia não ser um crime, mas era, de certeza, uma inutilidade perigosa e indesejada. Se o resto do mundo abandonara as colónias e não perecera porque diabo de razão se ia para os sertões sofrer sem necessidade?

Coimbra, por excelência, um meio académico fechado de faculdades muito próximas, unificado há séculos, isolado da sociedade citadina (os “futricas”) dava espessura e identidade à “Academia”.

Foi isto que fez a força do “movimento”. Foi a ofensa a isto que gerou uma contestaçãoo genericamente sentida por todos e exacerbada pelas tolas declarações de um inepto Ministro da Educação que se formara noutro mio e nada percebia da idiossincrasia estudantil coimbrã. As “autoridades académicas” (Reitor, Senado, Directores de Faculdade), escolhidas a dedo, dependendo sempre do Poder não exerciam sequer uma autoridade moral que as predispusesse a ser ouvidas, quanto mais acatadas.

Não estou a afirmar que nas outras cidades universitárias não pudessem surgir circunstâncias semelhantes mas, e desde logo, a “unidade estudantil” era prejudicada pela dispersão das faculdades, pelo tamanho da cidade e plo facto de haver maior número de estudantes a morar com a respectiva família. Também o habitat estudantil era diferente. Em Coimbra concentrava-se nas repúblicas em casas com muitos estudantes hóspedes, situadas quase todas paredes meias com a Universidade ou, de todo o modo, dada a dimensão da cidade, próximas umas das outras. Além do forte convívio intra-faculdade era notório outro. Não havia estudante que não se relacionasse proximamente com elementos de outras faculdades (e, mesmo se anedótico, as faculdades de Direito e de Letras estavam lado a lado possibilitando ao universo quase exclusivamente masculino da primeira um encontro intenso com outro maioritariamente feminino...).

Finalmente, a crise de Coimbra foi despoletada pela luta contra as comissões administrativas, pela restauração da autonomia da AAC, entidade prestigiada e nunca posta em causa fosse por quem fosse. Atacar isto, menosprezar isto, era atacar a “Academia” que poderia não ser uma força ofensiva muito grande mas que o era seguramente enquanto elemento reactivo.

Vê-se, quero crer que naquele ano de 69 estavam reunidas as condições objectivas e subjectivas para, à mínima chispa, deflagrar um conflito.

Tenho por seguro que, nada teria acontecido, pelo menos naquele ano, se um Presidente da República autoritário, velho e mal aconselhado, tivesse dado ao Presidente da Associação Académica ocasião para falar. Não deu. As autoridades debandaram da sala onde se procedia à inauguração do edifício das Matemáticas, sem aviso nem explicação. A estudantada apupou-os dentro e fora da sala. Enquanto a comitiva oficial se escafedia, a “malta”, a “Academia” ria-se, divertia-se e celebrava aquela manifestação propiciada pela impudência, pela imprudência e pela estupidez.

Tudo poderia, ainda, ter ficado por aí, não fora a Polícia ter pela calada da noite, prendido o Presidente da AAC e num que noutro local sovado alguns escassos estudantes. Não foi preciso mais para uma assembleia (“Magna”) ser convocada. Para que a Academia se sentisse e declarasse ofendida. O que poderia ter sido uma manifestação sem grandes consequências tornou-se um turbilhão. O inábil, mas presunçoso, Ministro da Educação entendeu na hora nobre da televisão vir ameaçar os estudantes, comina-los ao regresso ao estudo, ao sossego e às aulas. E ameaçar os mais renitentes. O homem era um incendiário que se desconhecia!

A partir daqui, foi tudo a descer... Ninguém, nenhum de nós, ousara. Alguma vez pensar, que iríamos ser actores daquela tragicomédia. E muito menos vir a fazer a única greve académica vitoriosa. O que começara como um “venticello” acabou em três meses por ser um “colpo di canonne, un tremuoto... un tumulto generale”.

Acho, 49 anos depois, que ainda temos boas razões para comemorar a nossa “juventude divino tesoro”, os nossos amigos, os nossos (e já são muitos, demasiados) mortos.

Com os anos que levo e que me pesam, não me sinto particularmente vitorioso mesmo se nunca voltei a cara a um combate (e perdi tantos...). todavia, ao contrário do herói de John Osborne, não “olho para trás angustiadamente”.

 

Citando de memória (eventualmente traidora) uma frase de um personagem

do Falstaff (no genial filme de Orson Welles, Badaladas da meia noite):”Jesus, Jesus as coisas a que assistimos!”

* Vai este folhetim para os rapazes e raparigas do meu tempo, estejam onde estiverem, pensem o que pensarem. O que se fez em conjunto está feito e nada, agora, o pode modificar.

A lei e a ética

José Carlos Pereira, 18.04.18

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A propósito da polémica desencadeada com a revelação pelo “Expresso” dos casos de deputados dos Açores e da Madeira que recebem abono para deslocações e depois recorrem ao subsídio de mobilidade das regiões autónomas para serem reembolsados de grande parte do valor das viagens pagas, o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, veio a público defender os deputados, afirmando que os mesmos não infringiram “nenhuma lei nem nenhum princípio ético”. Pois bem, os deputados podem não ter violado a lei, mas quanto à ética isso já é bem diferente.

Que eticamente esse comportamento não é irrepreensível atesta-o, se mais não fora, o facto de pelo menos uma deputada do PSD nunca ter recorrido ao reembolso das viagens e de o deputado do BE se ter demitido logo que a polémica estalou, para além da relutância de alguns deputados em esclarecerem prontamente os procedimentos adoptados. A avaliação predominante dos portugueses sobre o tema também não deixa dúvidas de que uma larga maioria considera que há um aproveitamento indevido do duplo apoio às deslocações dos deputados insulares.

O que se verifica é que os deputados encaram os abonos como autênticos suplementos de vencimento, até porque os recebem independentemente de fazerem ou não as deslocações, daí considerarem normal o posterior recurso ao subsídio de mobilidade, que se aplica a todos os residentes nas ilhas, com o objectivo de serem reembolsados de parte do custo das viagens. Tal como como os deputados das ilhas, todos os deputados que residem fora da Grande Lisboa têm uma série de subsídios e abonos de difícil escrutínio, os quais foram criados para atenuar o custo das deslocações entre a área de residência, os respectivos círculos eleitorais e a Assembleia da República.

À medida que foi crescendo a impopularidade dos políticos, estes foram ganhando receio de mexer nas remunerações dos cargos políticos, preferindo recorrer a um manancial de subsídios e abonos para “compor” os seus vencimentos, os quais são elevados à luz da remuneração média dos portugueses mas não deixam de ficar aquém do que podem auferir bons profissionais com experiência e reconhecimento nas suas actividades.

Em vez destes esquemas suplementares de remuneração, chegando-se ao ponto de subsidiar viagens e deslocações quando estas nem sequer ocorrem, preferia ver pegar de frente o tema da remuneração dos cargos políticos, sem demagogias e populismos, pagando o que se entender que deve ser pago e suportando despesas efectivamente realizadas e imprescindíveis para o exercício do mandato. Tudo seria mais fácil e, aí sim, a lei e a ética eram uma só.

au bonheur des dames 449

d'oliveira, 18.04.18

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Outra vez a Câmara Municipal do Porto e a zona residencial do “Foco”

2ª carta ao Senhor Presidente da Câmara

por mcr munícipe com os impostos em dia aos 18 de Abril de 2018

Ex.º Senhor

Vivo na rª Eugénio de Castro ou seja na rua onde se implantam 7 grandes prédios da zona acima descrita. 90% destes prédios são de habitação e por alto albergarão trezentos e cinquenta agregados familiares em apartamentos de tipologias diversas mas todos destinados ao que se costuma chamar classe média alta. Todos estes prédios estão dotados de garagens colectivas que poderão albergar 500 ou 600 viaturas. Todavia, os cerca de vinte estabelecimentos comerciais e outros tantos escritórios inseridos nesta rua e o facto das famílias residentes dispor quase sempre de dois ou mais automóveis torna as condições o estacionamento mais complicado mesmo se na zona poente do bairro haja estacionamento para mais umas dezenas de veículos.

Na rua já citada mais propriamente na parte onde estão inseridas três torres uma de 18, e duas de 10 andares, foi desde sempre proibido estacionar. È verdade que moradores e, sobretudo, frequentadores da zona, desrespeitavam alegremente as placas de proibição a todas as horas do dia e mesmo de noite, dado que sempre houve dois ou mais bares muito concorridos.

Desde empre mas principalmente nos últimos tempos, coincidentes com os mandatos de V.ª Ex.ª a polícia municipal fazia estrondosas incursões no local, multava com fartura e rebocava todos os carros que podia. Até a minha mulher que por uma vez teve preguiça de meter o carro na garagem foi obrigada a ir busca-lo ao depósito municipal. Desembolsando uma quantia respeitável como se sabe.

Porém, de há um par de semanas a esta parte, tudo mudou. A rua Eugénio de Castro e as vizinhas foram declaradas ruas com estacionamento condicionado. Se é verdade que nas restantes sempre se estacionou sem provocar confusões no trânsito, na nossa rua mudou completamente o paradigma. Não era permitido estacionar por a municipalidade e a Junta de Freguesia entenderem que isso afectava a circulação. No entanto, pagando, deixa esta de ser afectada!

Eu não consigo distinguir qual a ideia que preside a bondade do estacionamento pago numa rua onde ele proibido. Entendeu a Câmara que ganharia mais cobrando cada hora ou cada minuto entre as oito e as vinte do que mandando a enérgica polícia municipal em expedições punitivas cada três ou quatro dias?

Será que o acto de pagar para estacionar diminui os inconvenientes do estacionamento, porventura os transforma em conveniências generosas para todos os que aqui vivem ou por aqui tem de passar?

Estarão os cofres municipais de tal modo dessangrados e exaustos que a receita que aqui se gerará os salvará da catástrofe iminente que se avizinha?

Note, V.ª Ex.ª que esta pergunta não representa nenhum interesse escondido meu. Tenho garagem para os carros que usamos e até me preparo para, comprar uma avença de morador para, no caso de ter visitas, albergar estas a salvo dos homenzinhos que decerto começarão a rondar a zona, de talão em punho.

Este nosso país tem no seu ADN a mania das taxas, das multas, dos impostos escondidos ao mesmo tempo que, do lado de quem recebe, não se vislumbram medidas compensatórias, melhor serviço público ou esforços de qualquer ordem para aliviar a vida dos cidadãos. Ainda sou do tempo da licença de isqueiro que nunca percebi se servia para proteger a industria fosforeira, atacar o feio vício de fumar, ou simplesmente aqueloutra missão especial do Estado que consiste em ordenhar a carteira dos cidadãos e “chatear o indígena”.

Inclino-me para esta dupla e derradeira missão. A gentinha que se governa não merece da parte de quem manda senão mão forte e disciplinadora se possível acompanhada de tributação a esmo.

Será este o caso?

De V.ª Ex.ª votante e obrigado

mcr

Au bonheur des dames 448

d'oliveira, 13.04.18

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Tentar perceber

 

mcr 13 Abril 2018

Os portugueses, ou alguns portugueses, nunca deixaram de sentir o Brasil como algo seu.

E não por este ter sido, durante mais de dois séculos, o destino natural e quase obrigatório da emigração portuguesa. Não há português que não conte com parentela brasileira pelo menos em segunda ou terceira geração. Não é só o facto de usarmos a mesma língua (ou algo parecido com isso: ao falar do português do Brasil recordo sempre a frase do inglês que ao referir-se aos Estados Unidos afirmava que tudo era quase igual excepto a língua).

Eu, mesmo, tenho um pai nascido no Rio de Janeiro e descobri através deste blog uma série de primos distantes pelo lado de um trisavô alemão, médico emigrado no século XIX para o Rio Grande do Sul. Até me lembro da primeira frase da mensagem do primo Sérgio Heinzelmann: “Ué que é que você é a Vôvô? - Trineto caro Sérgio enquanto V é apenas bisneto!...” E durante anos trocámos correspondência vária até ele ter (suponho) morrido.

O meu pai filho de uma Heinzelmann nunca esqueceu os seus primeiros anos na “fazenda” da bisavó Ubalda que ele visitava indo de Portugal até ao Rio e daí até Petrópolis, onde a acaudalada e poderosa família materna se estabelecia durante o Verão. Quando, muito pequeno, ficou órfão da avó Dora, houve um acordo entre o meu avô e a sogra: o menino iria de longe em longe ao Brasil visitar, avó, tias e primos e primas. Depois da morte da avó, o ciclo interrompeu-se e só lá voltou cinquenta anos depois. Entretanto, as primas vieram a Portugal várias vezes e a relação familiar só acabou quando foram morrendo.

Nasceram, também no Brasil, um trisavô materno e outro paterno. Como se, desde o século XVIII, os meus familiares se tivessem entretido a cruzar o Atlântico para estudar em Coimbra, para casar, para se estabelecerem noutra terra que não a natal.

Percebo, portanto, esta quase mística da grande família luso brasileira. Por meu lado, sempre me interessei pelo Brasil via literatura (e o cinema) e durante os breves anos que vivi em Moçambique não só lia revistas de “quadrinhos” brasileiras (Gibi, Guri) mas também consumia uma revista mais adulta, “O Cruzeiro”, que me forneceu as primeiras pistas para a política brasileira. Lembro-me perfeitamente (e lá voltaremos) do fim do governo de Getúlio Vargas e do seu suicídio, dos temíveis artigos de David Nasser e Carlos Lacerda. E de Vão Gogo, irresistível humorista de que tenho dois ou três livros notabilíssimos.

Nos meus anos de Universidade segui apaixonadamente todas as peripécias da política brasileira desde o consulado de Café Filho até à aventura de Jânio Quadros e de João Goulart. Depois vieram os generais e foi o que se viu. Curiosamente, um dos livros mais divertidos que li e conservo é da autoria de um irmão do general João Figueiredo, de seu nome Guilherme. O livro em causa é “Tratado Geral dos Chatos” e ainda hoje se lê com um sorriso.

Estou, pois, à vontade para analisar este último e triste episódio da vida política brasileira. Como muitos da minha geração, assisti interessado e comovido aos primórdios de Luís Inácio da Silva, mais tarde Lula. Em boa verdade, simpatizei mais com Fernando Henrique Cardoso, de longe o melhor presidente que o Brasil teve nos últimos cinquenta anos. É Cardoso quem inicia a política económica que iria tentar fazer o Brasil sair do subdesenvolvimento. Foi dele a ideia do real e assumpção de uma série de medidas de política social e ambiental. Internacionalmente, foi (e é) considerado um líder de primeira linha e partilhou com Jimmy Carter, Desmond Tutu ou Nelson Mandela.

Tenho assistido a este encalorado debate sobre Lula e, espanto dos espantos, verifico que quanto mais cultos deveriam ser os intervenientes menos parecem saber (ou explicar cá para “fora”) as reais condições do processo, melhor dizendo dos processos que envolvem o ex-presidente do Brasil.

Comecemos pelas questões processuais. A legislação brasileira, como, aliás muitas outras, integra a delação premiada. Com isso pretende-se tornar o processo mais expedito, acelerar a investigação criminal e dividir os réus. Há, até, num cada vez maior número de países, a tentação de criar mecanismos idênticos ou semelhantes sobretudo para combater a crescente e cada vez mais sofisticada corrupção. Há mesmo exemplos encapotados do recurso a este expediente para a identificação de contas ocultas em paraísos fiscais. Só não o vê quem não quer ou quem acha isso inconveniente para os seus negócios privados.

A segunda questão prende-se com o começo do cumprimento da pena de prisão decretada pela 1ª ou 2ª Instância. Nos Estados Unidos, a pena começa a ser cumprida imediatamente mesmo se há recurso dela para um tribunal superior. No Brasil, o Supremo Tribunal criou, há já algum tempo, jurisprudência no sentido de acelerar o cumprimento da pena no caso de a 1ª e a 2ª Instâncias o terem determinado.

Fico estarrecido com um senhor professor (catedrático afirma ele e não serei eu quem o contradiga mesmo se isso me espanta e me dê a entender como a universidade se degradou) que veio a público dizer exactamente o contrário. Não vou perder tempo com um conhecido comentador coimbrão que no seu profundo amor a Lula vem falar de conspiração e de perseguição política. Como se a operação Lava Jacto não tivesse no rol de acusados, processados e detidos, um número bem mais elevado de personagens conotadas com o poder financeiro e com a Direita política e/ou social.

A terceira questão é ainda mais curiosa: ao que parece ninguém quer recordar o “Mensalão”. Num pais em que o Presidente da República detém poderes extensíssimos, aquela aventura apenas caiu em cima de José Dirceu, fiel entre os fieis de Lula. Este no unânime dizer dos analistas, “passou entre os pingos de chuva”, mesmo se esta fosse torrencial. Começou aí a desgraça do ex-presidente que nunca conseguiu explicar satisfatoriamente como é que o seu ex-braço direito organizara a captação de fundos gigantescos para o PT, para comprar deputados de outras formações, para todos os seus próximos apoiantes.

A quarta questão tem a ver com o facto de, no Brasil, o juiz de instrução (ao contrário do que se passa entre nós) poder vir a ser o juiz do processo. Podemos discordar (eu discordo) mas no Brasil a lei é exactamente essa e, até à data, ninguém por cá se tinha lembrado de a criticar...

A quinta questão radica nas acusações ao juiz Sérgio Moro. Durante anos, enquanto ele ia prendendo capitalistas e financeiros, ligados ao anterior establishment, Moro foi um herói. Lá e cá. Junto dos militantes do PT e de muita gente portuguesa. Moro era a versão brasileira dos juízes italianos das “mãos limpas”, ou dos émulos espanhóis de Garzón.

Agora é a bruxa má, a madrasta de Lula Branca de Neve. Ziguezagues da História com tempero ideológico em excesso...

Todavia, foi Moro quem exculpou o senhor Vaccari, tesoureiro do PT justamente no processo Lava Jacto. Ou seja, Moro desempenha nesta tragicomédia brasileira, neste samba de enredo, dois papéis: o de dr Jekyll e o de mr. Hide. Em que ficamos? Mau nos dias pares, bom nos ímpares e descanso ao domingo?

 

Deixemos, porém estes enfadonhos pormenores e vejamos a situação tal qual parece passar-se Brasil. É, ou foi, o PT uma organização revolucionária? Teve ou não uma governação popular e de conquista de direitos para as massas mais desfavorecidas da população?

À 1ª questão responderia Não e à 2ª Sim, absolutamente. No início da sua carreira de governante, Lula foi claramente um dirigente democrata e “moderado”, sobretudo se o compararmos com alguns outros líderes sul americanos. Foi populista? De certo modo mas isso não pode, sem mais, ser apontado como pecado mortal numa época em que em todas as geografias o populismo está de moda, seja com o sr Orban, com o inenarrável Nicolás Maduro (outro herói de alguma, escassa “Esquerda” caviar lusitana que amando sofregamente o povo recruta, porém, os seus militantes e os seus votos nas classes urbanas educadas. Até o Sr. Presidente da República passeia pelo país babado a sua bondosa figura, o seu resplandecente afecto e é imortalizado diariamente em centenas (que digo? Em milhares!) de selfies.

Costuma dizer-se que “o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”. A coisa é visível por todo o lado desde a Venezuela à Europa dita oriental (nem sequer referindo a Rússia do novo Czar Putin, acrisolado defensor da russificação de várias partes dos países vizinhos e “soberanos” (Putin nunca esqueceu a famosa teoria da “soberania limitada”, cara ao poder soviético e aos seus epígonos portugueses).

O PT começou muito informalmente mas cedo se integrou no mundo surpreendente da política brasileira. Dotou-se de um aparelho e os seus dirigentes depressa desenvolveram os mesmos apetites dos congéneres dos partidos tradicionais. Recordo, apenas e em contraponto, a solitária mas corajosa figura de Marina Silva que depressa se desiludiu e tentou fazer carreira aparte. Bom seria que os eleitores se lembrassem dela, agora.

(descendente de negros por um dos lados, MS é um dos raros exemplos de um Brasil plurirracial que, entretanto, expulsa os não brancos para o ghetto invisível mas real das dos subúrbios favelados, habitat das classes baixas e domínio dos grandes traficantes e dos “bicheiros”. Num país com uma população maioritariamente não branca, são os brancos quem leva “a voz cantante” como dizem os nossos vizinhos. Procurem, fora da música e do desporto, os negros e mulatos relevantes. Ainda há pouco, foi notícia a chegada do primeiro juiz negro ao Supremo Tribunal. Vejam, se quiserem, o plantel dirigente do PT para não ir sequer aos outros partidos que, provavelmente, ainda são mais brancos).

Um ignorante comentador facebookiano teve mesmo a audácia de comparar Lula com Obama, criatura que ele, num vero delírio racista, considera um espantalho. Ou seja o Brasil dos negros invisíveis (cfr Ralph Ellison) é , moral e eticamente, muito superior ao país que já elegeu e reelegeu um presidente negro, que mantem um sólido grupo de senadores e congressistas negros, que tem um grande número de políticos estaduais e municipais negros e “latinos” que ostenta uma miríade de grandes intelectuais negros que não se confinam à música e ao desporto. Com amigos destes, Lula não precisa de inimigos...

 

Pessoalmente, dói-me a queda de um mito e de alguém que vi começar na luta desproporcional contra a ditadura dos generais. Desejaria que se provasse a sua inocência. Por razões várias, pessoais, abomino a prisão seja de quem for. Sei, de modo intensamente vivido e sofrido, o que isso representa na vida de alguém. Todavia, a simpatia não pode altera aquilo a que Danton chamou “a áspera realidade”.

E, por cá, não há, que se veja, quem se preocupe com esse ligeiro pormenor. Lula merece mais, muito mais, que estes seus defensores que o confundem com Maduro ou, mais simpaticamente, com o Chico Chicão da velha telenovela.

E já agora: não mitifiquem seja quem for, e Lula muito menos mesmo se ele vos convida para tal (“já não sou um homem mas uma ideia”!) No cortejo de horrores que nos deixou o século passado, o que viu nascer Lula, abundaram os mitos e soçobrou a ideia simples e honrada de humanidade.

* por razões que se prendem com a sua paisagem, com a fauna e com a flora, o Brasil foi alvo predilecto de grandes ilustradores, a começar pelos portugueses que lá fizeram grandes expedições e nos deixram obras sumptuosas e de grande rigor científico (por todos o dr Alexandre rodrigues Ferreira).todavia a ilustração de hoje é obra do francês Debrée que retratou o Brasil já no século XIX. A sua extensa obra é hoje pertença de grandes galerias e/ou colecções particulares. Quem porfiar talvez encontre em alfarrabistas antologias dele. 

 

Estes dias que passam 369

d'oliveira, 11.04.18

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Em memória de Manuel da Graça Patrício Curado

por mcr (10/11, abril de 2018)

Enquanto filho segundo, a família queria-o padre. Era assim no Alentejo, mais especificamente em Nisa. Lavradores com algumas posses Mariana e Francisco Curado destinaram Joaquim o mais velho a doutor e a herdeiro da maioria dos bens familiares. Manuel o benjamim seria padre evitando assim uma descendência que concorreria na repartição da herança com a do irmão mais velho.

Manuel que ainda fez grande parte do seminário não esteve pelos ajustes. Aos 18 anos fugiu para Lisboa e alistou-se no então chamado Exército Colonial. Para Angola e depressa, terá pensado. Nessas terras foi soldado de todas as guerras grandes e pequenas. Graças à sua inteligência, à sua tenacidade e à sua coragem nunca desmentida, foi sendo sucessivamente promovido até terminar a carreira como capitão, o máximo que poderia atingir. Pelo meio ficaram a Grande Guerra, várias campanhas de “pacificação” sempre no Sul, um casamento, sete filhos e a participação na “revolução” contra um governador geral autoritário e tonto. A sua terceira filha, minha mãe, recorda a saída da companhia que ele comandava em direcção a Luanda para secundar a decisão do Chefe de Estado Maior, coronel Genipro de Almeida, que abertamente desafiou o Governador Filomeno da Câmara, fugido para Benguela deixando nas mãos do seu chefe de gabinete, tenente Morais Sarmento, uma série de papéis assinados que convenientemente preenchidos demitiriam, a pretexto de pertença à Maçonaria (a Kuribeka), meio mundo na colónia. Sarmento, cercado na própria casa terá sido abatido por “algum soldado negro”, nervoso e pouco habituado ao português... (assim reza a história “oficial”)

É provável que a honrosa e honrada carreira militar de Manuel Curado tivesse sido prejudicada por este aventura político-militar que, se conseguiu afastar Filomeno, também não poupou Genipro e os militares seus apoiantes.    

De todo o modo, não é de meu avô que pretendo falar mas sim da Guerra, a grande, a primeira, em que ele participou como combatente no extremo sul de Angola em confronto aberto com as treinadas tropas alemãs do então Sudoeste Africano (Namíbia, hoje).

Portugal logo no início da guerra viu-se envolvido no conflito com a Alemanha quer no Sul de Angola, quer no Norte de Moçambique. No primeiro dos casos não se podendo falar de uma campanha especialmente brilhante sempre é verdade que a “frente” nunca saiu da zona fronteiriça. Em Moçambique a guerra foi um desastre. Apesar do elevado número de expedicionários portugueses, as tropas alemãs do extraordinário general Paul von Lettow-Vorbeck (que terá derrotado 17 generais e um marechal sem nunca ter sido vencido), fizeram o que quiseram. Os portugueses referem piedosamente a “vitória” de Nevala (na realidade ocupada depois de abandonada) e escondem as incursões profundíssimas do alemão que chegou a ameaçar as proximidades de Quelimane depois de se passear pelos territórios de Cabo Delgado, Moçambique e Niassa sem grandes incómodos. Esta desastrada campanha deve-se mais à inadequação do treino militar, ao quase completo desconhecimento do território onde decorriam as operações (de Kionga no litoral até ao Niassa seguindo todo o percurso do Rovuma), a uma intendência incapaz e a um apoio médico sanitário absolutamente medíocre.

Convém salientar que do outro lado von Lettow contava apenas com escassos milhares de alemães e nunca mais de 12.000 askaris. E com uma organização ímpar apoiada lealmente pelas populações branca (escassa) e negra do Tanganika (território atacado a Norte e pelo mar por tropas e marinha inglesas, superiores em número e esmagadoras no mar).

De todo o modo, a guerra em África correspondia um desígnio nacional, sentido por todos (a defesa do Império Colonial cuja existência estaria ameaçada por alegados conluios anglo-germânicos de partilha dos “nossos” territórios.

Ora, e é aqui que bate o ponto, tal não sucedeu com a tola, funesta e desastrosa intervenção no cenário de guerra europeu.

A intervenção portuguesa na Flandres foi desejada pela “República”, recente e mal vista na Europa. Os “guerristas” viam na participação nacional um meio de serem reconhecidos pelos países europeus e, depois de uma pertinaz campanha, conseguiram entrar no conflito e enviar tropas para a frente europeia.

Ora o CEP (a força expedicionária portuguesa, dotada de duas divisões de vinte mil homens cada) foi formado à pressa, em Tancos – o “milagre de Tancos” – e partiu para o norte da França em barcos ingleses. Ali chegadas, houve que preparar, de novo, as tropas   portuguesas para o combate, dar-lhes um verdadeiro treino “à inglesa” por instrutores ingleses, fardá-las (!), à inglesa, armá-las (!!) à inglesa e enquadrá-las na dependência inglesa. Até a comida foi, nos primeiros meses, inglesa. Aos soldados portugueses, quase todos de origem rural e na maioria analfabetos, nunca foi verdadeiramente explicada a razão de terem sido trazidos para uma terra que não era deles, que nada lhes dizia, cuja língua ignoravam e cujo clima era inclemente.

Também não estavam preparados para a “guerra industrial” e, desgraçadamente, foi-lhes atribuída uma zona de frente pantanosa que inundava as precárias trincheiras que conseguiam erguer no intervalo dos bombardeamentos. A intendência não funcionava ou funcionava mal e, a partir do primeiro ano, (culpa de Sidónio mas também, e muito, do governo que o antecedeu. Basta dizer que para levar e trazer soldados de e para Portugal havia que contar exclusivamente com a marinha britânica!...) deixou de haver “roulement” das tropas. É nesse cenário de falta de quase tudo, de mau comando, fraca oficialidade, dificuldade de transmissões que se inscreve o desastre de La Lys. Ainda por cima, o violento ataque alemão ocorreu em vésperas de mudança de posições da topa na frente que deveria ser rendida e deslocar-se para a retaguarda no dia seguinte ao do ataque de 9 de Abril. Além do cansaço, da desmotivação, das dramáticas condições das trincheiras, havia a notícia da saída daquela posição. Provavelmente, à vigilância constante sucedera algum alívio e menor precaução.

Numa palavra, os alemães destroçaram, esmagaram, aniquilaram a Divisão portuguesa. Entre mortos, feridos e prisioneiros ficou ali quase toda a gente mesmo que se saiba que alguns escassos milhares de homens recuaram precipitadamente, debandaram, fugiram varridos pelo fogo de artilharia, pelo gás, pela ferocidade dos atacantes. A frente portuguesa desapareceu e o resto da tropa portuguesa que estava de reserva nunca mais foi operacional. A guerra acabaria alguns meses depois, os mais de sete mil (!!!) prisioneiros portugueses regressaram dos campos de internamento, boa parte dos oficiais voltou ao país com o forte (e compreensível) desejo de ajustar contas com a “República” ou pelo menos com os “democráticos” que tinham exercido sem glória nem talento o papel de “falcões” quando não sabiam sequer ser frangões.

La Lys, pese embora o soldado Milhões e mais um pequeno punhado de corajosos, deveria ser lembrada apenas como um dia de luto pesado não tanto por Portugal mas pela incúria, incapacidade, desfaçatez do Poder da altura.

Cem anos depois, os senhores Presidente da República e Primeiro Ministro foram juntos, de mãozinha dada, celebrar esse trágico momento da nossa História. E fizeram-no, pelos vistos, ufanos, como se de uma vitória se tratasse. Como se, nas palavras do Senhor Presidente, se estivesse a comemorar uma vitória que só não foi a mais trágica derrota depois de Alcácer Quibir, porque os dois flancos ingleses travaram, com custo mas determinação e muitos mortos, o ataque das divisões alemãs salvando possivelmente as restantes tropas portuguesas, mais à retaguarda, de um total aniquilamento.

Entre um João Chagas (pelo menos brilhante escritor), guerrista assanhado e duramente criticado por Aquilino Ribeiro (“É a guerra”, Bertrand) e Marcelo Rebelo de Sousa começam a despontar semelhanças que não engrandecem o primeiro nem melhoram o tíbio e patrioteiro discurso do segundo.

Os morto de La Lys, do sul angolano e do norte de Moçambique mereciam mais, muito mais e melhor. Pelo menos, respeito e verdade. Mas isso é tarefa para Santo António que sabia pregar aos peixes. Por cá prefere-se pregar aos papalvos que é como somos tomados.

 

Um mundo de convicções

JSC, 08.04.18

Hoje para se ter uma opinião final não são precisos factos, provas, aquelas coisas que em tempos próximos eram necessárias, estritamente necessárias, para se tomar uma decisão, para avaliar as opções que governantes e órgãos de soberania tomavam.

 

Hoje, aliás, desde há algum tempo (não muito) basta usar a comunicação social, as redes sociais e lançar um apontamento, uma insinuação, escolher os canais certos e logo a mentira ou pseudo verdade se transforma em facto sério, propagado, replicado e tomado por todos como “a verdade”.

 

Foi assim com a descoberta dos laboratórios de armas químicas que Sadam teria no deserto. Até nos mostraram camiões-laboratório a saírem de Búnqueres. Depois foi o que se sabe. Não havia laboratórios nem arma químicas. Contudo, o objectivo tinha sido atingido. A invasão do Iraque e toda a mortandade que perdura até hoje.

 

Foi mais ou menos assim na Líbia. Mentiras reais levaram aos bombardeamentos, ao desmantelamento da Líbia e a toda a mortandade que perdura, mas que deixou de ser notícia.

 

Foi mais ou menos assim na Síria. Inventou-se uma pseudo primavera, apoiou-se a rebelião. O resultado é que se sabe, milhares de mortos e o país árabe, de usos e costumes, mais ocidentalizado completamente arrasado.

 

Sem provas nenhumas os órgãos de comunicação social reproduzem o discurso de sempre, a Síria usa armas químicas e lá estão, como outrora, as fotografias, as imagens chocantes, para convencer por esse meio o que não provam com factos.

 

A Inglaterra, os mesmos que integraram o trio que inventou as armas químicas no Iraque, sem provas, mas por convicção criaram a guerra dos embaixadores com a Rússia. Os media assumiram essa verdade e, ainda, foram mais longe, passaram a apontar a dedo aos países que não seguiram os mentores ingleses.

 

Lula acaba de ser preso. Pelos vistos o delator que o acusou agiu assim porque negociou com o Juiz a redução da pena a que poderia ser condenado. Não terá apresentado provas apenas terá apontado Lula como o proprietário de um apartamento.

 

Para a Justiça a palavra do delator vale mais que a palavra do ex-Presidente. Apartamento que nunca esteve em nome de Lula nem de ninguém. Continua propriedade da empresa construtora e até está dado como garantia por dividas.

 

Mesmo assim Lula foi preso. Com que fundamento? Por convicção. A justiça brasileira não precisa de provas, basta-lhe  a convicção. O mesmo para Teresa May. O mesmo para Trump. O mesmo para a comunicação social que reproduz, magistralmente, as convicções de quem hoje desgoverna o mundo.

Au bonheur des dames 447

d'oliveira, 05.04.18

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Pagar mas receber

(carta ao Sr. Presidente da Câmara do Porto)

 

por mcr 4/5 de Abril de 2018

 

Ex.º Sr.

Entendeu a Câmara, a que V.E. preside, criar “zonas de estacionamento de duração limitada” no “FOCO” (ou Parque Residencial da Boavista seu verdadeiro nome mesmo se caído em desuso).

Para esclarecer algum leitor que não viva no Porto, trata-se de um conhecido bairro da cidade, situado a meio da Avenida da Boavista e constituído por cerca de doze edifícios onde existirão entre 600 a 800 apartamentos de dimensão grande e média. Há uma Igreja, uma galeria comercial com duas dúzias de estabelecimentos, três pastelarias, um pequeno supermercado, uma agência bancária e dezenas de escritórios. Existe também um hotel ,neste momento desactivado devido à inépcia e ao desvario do antigo BES, uma piscina, um “clube residencial”, um supermercado (todos encerrados) e um bonito jardim no centro. Este conjunto, edificado nos anos 70 está em vias de ser classificado e andou nas bocas do mundo por via de um tresloucado projecto de implantar numa empena do prédio de entrada da rª de Azevedo Coutinho uma criação do “artista de rua” Vihls. Quem aqui vive só costuma sair em caixão pois não há na cidade construção tão boa e, sobretudo, com dimensões tão generosas. Foi obra de reputados arquitectos e ainda hoje é motivo de estudo e visita para alunos de Arquitectura. É um bairro de classe média/alta e provavelmente por isso a CMP (seja qual for o partido que a ocupa maioritariamente) “esquece-se” frequentemente de tratar este conjunto habitacional como trata muitos outros. Basta verificar o estado de pavimentação dos arruamentos e a lepra que invadiu vários passeios, esburacados com pedras de calçada em falta prometendo aos menos atentos valentes quedas. Eu mesmo já me estendi ao comprido num dia invernoso em que, desprevenido e friorento, avançava rapidamente e de mãos nos bolsos. Pimba, zás trás! Beijei a calçada em falha como se fosse o Papa em viajem a um país ignoto.

Volta e meia, a solícita e operosa Polícia Municipal faz uma razia na zona e multa ou reboca viaturas estacionadas mormente nas ruas Eugénio de Castro e Afonso Lopes Vieira. Razões obscuras (ou talvez não...) evitam tropelias policiais idênticas aos estacionamentos absolutamente caóticos da rua onde está situada uma coisa qualquer relacionada com “desporto” e “futebol” onde a regra é a dupla fila. Também nunca se vê um cavalheiro da polícia camarária nas horas em que pais solícitos e mães amoráveis vêm buscar as crias à saída das duas escolas secundarias existentes na rª Primeiro de Janeiro. É um sinal de carinho e respeito pela educação ou simplesmente uma cautela para não ofender progenitores eventualmente famosos ou/e poderosos.

Pessoalmente, disponho de dois espaços na garagem colectiva do meu prédio pelo que estou relativamente descansado. A coisa muda de figura quando tenho visitas ou (como é o caso) algum vizinho com família mais numerosa excede a capacidade de estacionamento da sua fracção. Nessas eventualidades, corre-se o risco de ver a zelosa polícia municipal a operar.

(convém acentuar que estas surtidas ocorrem apenas de dia e com bom tempo. Compreende-se que os senhores guardas se queiram defender da chuva ou de umclima particularmente agreste. É sabido que o crime ou a mera contravenção só acontecem em dias suaves e primaveris.)

Como já se disse acima, há neste conjunto de prédios lojas e escritórios, igreja, um banco (e já houve um cinema e um supermercado bem como uma piscina) que obviamente atraem visitantes, compradores, devotos, para não falar do caso de funerais casamentos e baptizados que, como é presumíve,l atraem pequenas (ou grandes) multidões. Em, zona “rica” há sempre mais freguesia para este género de eventos.

Recordo, sem saudade, o imortal slogan “os ricos que paguem a crise” que encheu paredes de boa parte do país apelando à luta de classes mesmo se os seus propagandistas não tivessem especial noção do que aquilo quereria dizer. Marx é de leitura dificultosa e qualquer “sebenta” progressista, a começar pela da senhora Marta Heineker substitui vantajosamente as elucubrações do velho Karl.

A digna Vereação a que V.ª Ex.ª preside deve ser herdeira desse momento heroico da nossa vida democrática ou, pelo menos, do que se entende como tal.

Assim, nunca a CMP se preocupou em deitar umas pazadas de alcatrão nos arruamentos que estão como foram concebidos pela empresa construtora do “Foco”. Muito duraram eles, sinal de boa e sólida construção!

Agora o piso está gasto, rapado, com fracturas e falhas. Nele, de novo e moderno, só os risquinhos amarelos que proíbem o estacionamento. Pouco antes da Páscoa, na sexta feira, provavelmente para melhor celebrar a Paixão, apareceu grandioso e ameaçador um buraco com um diâmetro de mais de meio metro mesmo em frente da saída da garagem do meu prédio. A meio da rua para ser mais preciso e, sobretudo, mais estético. Alguém adornou a cavidade com uns ferros e um fita de plástico branca e vermelha, como se quisessem alertar os motoristas que descem a rua. Com sorte e algum espírito de gincana consegue-se evitar a cova que ontem, quarta feira, já tinha mais de trinta centímetros de profundidade. Deve ser uma preparação para o rallye de Portugal ou para o finado circuito automobilístico da Boavista...

Exº Sr. dr. Rui Moreira

Eu compreendo que a CMP não nade em dinheiro. E que seja contra a desordem do estacionamento selvagem. Vejo continuamente – e sobretudo na Avenida da Boavista – dezenas de automóveis estacionados em via dupla sem que a briosa e operosa Polícia Municipal dê um ar de sua graça. Provavelmente estará ocupada em esquadrinhar os ricaços que abusam dos arruamentos da minha zona...

Sou, depois de um longo rosário de multas, uma pessoa que só estaciona em parques de estacionamento, pagando o óbolo exagerado que me pedem. Percebo a vontade de tornar a cidade, alegadamente Invicta, mais civilizada e mais europeia. Todavia, veja, V.ª Ex.ª, rentabilizar os arruamentos (e para já só estes) arruinados do “Foco” sem sequer os restaurar parece-me (mas pode ser defeito meu, mesmo sendo seu votante, como fui, e das duas vezes) uma falcatrua, e uma pequena indignidade. Mesmo “ricos” temos, os habitantes do “Foco”, os mesmos direitos constitucionais e camarários, de quaisquer outros concidadãos.

Não quero pagar ou fazer pagar os meus amigos e familiares que me visitam sem que se veja que esse dinheiro tem a sua utilidade e razão de ser. O Município, que, normalmente, só se lembra de nós para pedir o IMI e outras alcavalas, tem o dever de cuidar da cidade de a arranjar, defender, embelezar e tornar mais atractiva para turistas ou empreendedores.

Queira, em consequência, mandar tapar o buraco antes que a rua fique intransitável e, de caminho, melhorar os pisos que irão, estou certo, render bom dinheiro aos cofres camarários

Sem outro assunto de momento, sou

De V.ª Ex.ª admirador atento e obrigado

* nas gravuras:aspectos do "Foco" ou, melhor dizendo, Parque Residencial da Boavista.

Diário Político 225

d'oliveira, 02.04.18

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Contas à moda deles

 

Parafraseando o imortal capitão Joaquim António Pereira “a pátria está ufana” pelos resultados conhecidos das contas públicas. Os do costume desdobram-se em cumprimentos, a Oposição rosna, os aliados do Governo sorriem amareladamente e só um pertinaz grupo de energúmenos, seguramente vendidos ao estrangeiro, ao imperialismo monopolista ou ao bolchevismo dissolvente (ou a outra coisa qualquer), é que se põem a fazer fosquinhas e a semear dúvidas pouco patrióticas.

Comecemos pelo deficit: é de 3% ou de 0,9? Os amigos e turiferários do Governo e o dr. Marques Mendes apontam para a segunda hipótese, mesmo se o distinto comentador dominical da SIC relembre, en passant, a chatice dos milhões enterrados na Caixa Geral de Depósitos. Com essa grossa quantia o deficit vai para os 3%, fronteira última do preceituado pela Comissão Europeia e, pelos vistos, aceite por esta como deficit real.

Argumentam os virtuosos defensores de Centeno que isso não deveria ser bem assim, tanto mais que os milhões enterrados na CGD serão, lá para as calendas gregas, desenterrados e repostos nos cofres do Estado.

Nada garante que tal milagre das rosas ocorra e, no caso altamente improvável de isso se tornar realidade, a coisa só ocorrerá no tempos dos our children’s children’s childrense me é permitido usar parte do título de um grande álbum dos Moody Blues  editado vai para cinquenta anos. Até essa data libertadora, penamos nós e respectiva descendência.

Há mesmo quem queira ver no cacau metido no gasganete aflito da CGD um investimento. Não é, obviamente. Aquela dinheirama toda foi para lá atirada apenas para “esponjar” um colossal prejuízo arranjado por gente mais que duvidosa de que nem quero lembrar-me apenas por receio de infectar o computador à simples menção dos seus nomes e apelidos. Aqui não há investimento algum mas, tão somente, a tentativa de manter o maravilhoso banco público à tona. Diga-se que nem sequer esta medonha injecção de capital é suficiente. A CGD já despediu pessoal, já mandou gente para uma estranha pré-reforma, já fechou agências (de que Almeida em pleno interior que, agora é amado por todos, é exemplo) mas prepara nova arrumação de funcionários e balcões que, (vai uma apostinha?)  irão para a rua e fecharão nas barbas dos do costume, isto é dos que menos tem e mais precisam. Dos que não tem o apoio de nenhuma agência de banco privado nas imediações.

Curiosamente, quando são os CTT a fazer o mesmo, numa escala incomparavelmente menor e sem despedimentos, tremem os céus a terra e chamam-se todos os nomes à administração (por acaso, mero acaso...) privada. A CGD, essa, faz trinta por uma linha e nem uma palavra. Os responsáveis pelo buracão tremendo encontrado não são identificados, perseguidos, acusados ou punidos. Sobre esse assunto caiu um espesso manto de silêncio pesem embora as comissões de inquérito da AR e o grave ar dos cavalheiros da “geringonça”. Nem as manas Mortágua murmuram... Ao fim e ao cabo, a CGD é um banco nacional, público, nosso que devemos todos suportar patrioticamente, orgulhosamente, como, aliás, vamos suportando os Banif, os Espíritos Santos sem falar nos mais antigos desastres todos intervencionados para que o sistema não tremesse...

Sobre o investimento público cai também um pesado pano teatral. É inferior (quer em 16, quer em 17) aos números incontestados do medonho governo de Passos Coelho. Recordarão os leitores que, nessa época, o cavalheiro em causa era todos os dias acusado de tudo e mais alguma coisa, mormente de asfixiar os serviços públicos por falta de apoio e de investimento. Pois agora, com números ainda menores, ninguém se aflige. Milagres de Costa, amnésia oportuna, esquecimento dos encartados, e únicos, “amigos do povo e das mais amplas massas populares”...

Junte-se-lhe essa salazarista teoria das “cativações”, tema preferido do senhor Ministro das Finanças que nisso (e não só) nada inova dentro do pensamento financeiro português. O dr. Salazar inaugurou esse caminho e prosseguiu-o resolutamente durante um bom par de anos para “salvar” a pátria da cobiça da estranja. entre 1926 e o fim dos anos 30 do malvado sáculo passado. As cativações (provavelmente sob diferente pseudónimo) reduziram a dívida externa e o deficit e mascararam o Estado Novo. E aguentaram-no por muitos (e maus) anos.

A substituição de impostos directos por indirectos levada a cabo nestes dois anos deu a aos portugueses a ideia de que lhes caía mais dinheiro nos bolsos, tanto mais que foram acabando as punções salariais introduzidas pelo ministro Gaspar. Como diz um excelente amigo meu, “entra-lhe mensalmente mais dinheiro no bolso”.  É verdade. Esquece, porém o meu amigo que, o que uma mão dá, outra leva. A subida dos impostos indirectos mais que compensou a generosidade governamental com a “ligeira” agravante  que decorre do facto destes impostos serem cegos. Acertam em ricos e pobres sem apelo nem agravo. Com uma outra “pequena” consequência: os pobres sentem mais, muito mais, o agravamento dos bens de primeira, segunda ou terceira necessidade do que os ricos para quem a variação para cima no preço do arroz, das batatas, da carne ou da fruta pouco lhes dói, se sequer dói.

O meu amigo aponta ainda outra “fatal maravilha" da nossa idade: a baixa do IVA nos restaurantes. É verdade mas ele deve esquecer-se de que o recurso ao restaurante é, não direi um luxo, mas algo de ligeiramente supérfluo. Os que pouco têm não vão a restaurantes. Bem que gostariam, imagino, mas o restaurante, mesmo barato, não entra nas contas (desta vez privadas) de uma boa parte da população portuguesa.

Os alegados defensores dos fracos e oprimidos, varrem para debaixo do tapete esta iniquidade. Provavelmente, pensarão que bastará isentar de IRS mais 10% da população. Ou aumentar em meia dúzia de euros o salário mínimo que é rapidamente comido pelo preço dos géneros, da água, da luz, do gás...

Finalmente a carga fiscal. Este ano cifrou-se em 34,7%. Um máximo absoluto, neste século ou no passado. O dr. Centeno desvaloriza (claro!) argumentando que a alegada melhoria dos salários, o aumento do emprego trazem por si sós mais impostos (desta feita directos) e isso faz pensar numa carga fiscal maior dado que a compara com o PIB...

Por um pouco ainda teremos que a carga fiscal é menor do que nos tempos ominosos de Coelho & Portas a quem, decididamente faltou esta arte da comunicação.  

Ou, por outras palavras: não é preciso ser engraçado. Basta cair em graça.

* a ilustração: Esta horrenda e faraónica mastaba é a sede da CGD. Além de medonha vai custar um balúrdio a implodir,  no dia que o bom gosto imperar, para fazer coisa melhor, menos horrenda e mais singela. 

 

d'Oliveira fecit 2 de Abril de 1918