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mais três a abater
mcr, 9-10; Jul;2018
Os meninos no seu labirinto
À hora em que escrevo, quatro rapazes já estão a salvo. É provável que outros já estejam a caminho. Assim o espero fervorosamente. Se pouco ou nada posso esperar da Síria (senão mais um massacre), da Nicarágua onde os mortos já passam dos trezentos, ou da Venezuela onde o triunfo dos seguidores de Maduro leva para o desastre total um país que já foi rico e onde a fome era a excepção e não a regra, ao menos que na longínqua Tailândia se salvem estas treze pessoas.
De todo o modo, há aqui algo que me escapa. Como, porquê, foi este grupo de crianças para o diabo de uma gruta a todos os títulos perigosa? Como é que venceram tantos obstáculos para chegar onde chegaram? A fazer fá nas descrições das televisões, há zonas de galeria onde quase não se cabe, outras com água permanentemente, uma escuridão total. O que me espanta é o facto de os garotos terem seguido em frente, pelos vistos sem receio evidente. Mais me surpreende o treinador que os acompanhava (ou apenas foi à procura deles? No primeiro caso, não teria este ex-monge budista dez gramas de bom senso para verificar que aquele percurso era extremamente perigoso em qualquer altura do ano e mais ainda na época das chuvas? )
De todo o modo, as crianças foram encontradas em estado satisfatório, calmas e inclusivamente escreveram cartas para os pais notáveis de coragem e calma. Parece ser o treinador quem está em pior condição porquanto cedeu a sua exígua parte de alimentos aos seus protegidos e também guardou toda a água que lhe caberia para as crianças.
Mais estupefacto fiquei ao saber que as famílias não o culpam antes lhe escreveram a animá-lo. Eu nada sei do antigo Sião apesar de ter lido alguma história antiga e nossa sobre os contactos que, logo no sec. XVI começámos a manter com aquele reino.
De todo o modo, há aqui matéria para refletir. Sobretudo isto: caso a coisa se passasse nos nossos lados ocidentais e europeus ou americanos, como é que estaria tudo? Seguramente pior, absolutamente histérico e, por isso mesmo, com menos hipóteses de sobrevivência. Algo se tem de aprender com aquela velha civilização.
Quem nos acode?
As abelhas estão em risco. Em grande risco. Ao que parece, não me atrevo a ser categórico pois nada sei do assunto, a coisa pode dever-se ao uso indiscriminado de produtos aplicados nos campos para proteger as plantações. As abelhas seriam as primeiras mas não as únicas (longe disso!) vítimas. Todos os restantes insectos, boa parte dos pássaros e até alguns pequenos mamíferos sofreriam, directa ou indirectamente, devido aos efeitos dos venenos que se espalham pelo campo. Por outras palavras, aqueles insecticidas matam tudo. Bichos maus, simplesmente inúteis e os restantes de que a flora depende para a polinização. Sem abelhas esta não ocorre. Sem abelhas não há mel, mas também não há fruta, legumes e tudo o resto.
De há anos a esta parte que todos notavam uma diminuição sensível na quantidade de aves quer autóctones quer migrantes, seja das nidificantes seja das invernantes.
Que a União Europeia não se entenda quanto aos desgraçados que lhe chegam em catadupa do resto do mundo, consigo perceber mesmo se isso me doa. Nós portugueses somos migrantes desde sempre ou quase. A fome, a sobre-população, a miséria atiraram-nos para as Índias, para os Brasis, menos para as Áfricas e mais recentemente para o resto da América e para a Europa. Alguns, mas de todo o modo uma pequena minoria, também saíram da pátria madrasta por perseguição política mas, nesse caso, conseguiram organizar-se melhor por mais cultos, mais capazes de encontrar solidariedade nos locais de destino. A grande, imensa maioria, comeu o pão que o diabo amassou, sobreviveu nas selvas das grandes cidades em bairros infames e construiu aí, a partir de quase nada, um futuro.
Todavia, as abelhas, as joaninhas, os pardais, os tordos, os coelhos, as lebres ou os abutres do Alto Douro não parecem estar representados em Estrasburgo ou Bruxelas. E, no entanto, o seu deles futuro implica, directa e dramaticamente, o nosso. Ou o dos nossos filhos. Ou o dos filhos dos filhos dos nossos filhos como rezava a belíssima canção dos Moody Blues...
Amigos: o sal da vida
Há uma dúzia de dias, almocei na “Adega da Tia Matilde” com o Francisco Belard e o José Quitério. Somos amigos desde há muito, quase desde sempre. O Zé foi meu colega numa Coimbra estúrdia e bem humorada. Poderia tê-lo conhecido na Figueira onde, em miúdo ele passava férias. Todavia eu brincava na praia a meio caminho de Buarcos e ele, ficava-se pela da Figueira a que hoje chamamos “do Relógio”. Nunca nos cruzámos, apesar de termos amigos comuns desde esse tempo. O Francisco já o conheci em meados de setenta nas sessões do Festival de Cinema da Figueira. Isto, esta velha e cúmplice amizade, já leva uns bons quarenta anos e foi fortalecida por várias sessões das “correntes d’escrita” da Póvoa do Varzim. Tanto que até há um cartaz do evento onde somos, o Bélard e eu, cabeças de cartaz.
O Zé está quase como sempre: inteligente, espirituoso, culto e excelente conversador. Porém, os olhos, os sacanas dos olhos, é que não o acompanham. Eu sempre o conheci munido de uns óculos fortíssimos atrás dos quais se escondiam dois olhos azuis e amigáveis. Olhos que viam, que sabiam, que perguntavam. E que, às vezes, respondiam. Depois uma doença malvada fez-lhe o mesmo que à minha Mãe. Também ela excelente leitora está reduzida a ver pouco mais do que manchas, vá lá as grandes eindecisas figuras de filhos, netos, bisnetos e amigas. Logo ela que lia tudo o que apanhava à mão com alguma última preferência pelas revistas do Público, do Expresso, do El País, da Visão. Artigos que tinham a vantagem de poder ser lidos com mais rapidez e menos esforço do que um livro compacto. Mas algo que a punha em contacto com o mundo a que ela dedicou desde sempre uma formidável atenção. Agora, resta-lhe o rádio que ela ouve pelas manhas bem cedo e à noite já deitada.
Ora o Zé tinha a mesma obsessiva atenção, a mesma ansiosa pesquisa das notícias, a mesma permanente indagação. Desde Coimbra que lhe conhecia a curiosidade, a cultura magnífica o amor pela leitura, como pela música e pelo cinema. Disso se ressentiam esplendidamente os seus textos no “Expresso”, textos que garantiam uma multidão de leitores fieis seduzidos por uma escrita limpa, saborosa e inteligente. O Zé Quitério aproveitava a boleia da gastronomia para fazer entender uma voz portuguesa mas cosmopolita. No que escrevia havia sempre diferentes níveis de leitura o que lhe trouxe leitores de todas as classes. Porque ele escrevia , e bem, muito bem, um português acessível onde se notava a pegada forte dos bons clássicos que ele conhecia na palma da mão. Fosse eu dos que mandam na televisãoo e o Zé Quitério teria uma coluna semanal ou quinzenal em que bem entrevistado poderíamos todos continuar a nossa alegre e substanciosa aprendizagem de um país e de uma cultura de que ele é um excelente representante. Foi isso, aliás, que o fez credor do prémio Universidade de Coimbra 2015. Por uma vez, a nossa velha escola mostrou que percebia bem o mundo em que se encontrava e premiava um estudante rebelde que frequentou de leve os Gerais e a Via Latina. E que teve a “sorte” de ser chamado para a guerra ainda a meio do curso que não o entusiasmava. No regresso já não voltou à Academia . Assim, em vez de um eventual jurista desanimado e desconfortável na sua pele, tornou-se num escritor e jornalista unanimemente respeitado. E saboreado...
*na gravura José Labaredas, mcr, Zé Quitério e Tó Aires Rodrigues em laboriosa sessão de estudo num café na Sé Velha que no meio da Alta povoada se chamaria (ó memória, não me atraiçoes!) Oásis!