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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

A propósito da colocação dos professores

JSC, 30.08.18

Vai por aí uma barulheira por causa da colocação dos professores. Os Sindicatos – novos e mais antigos – falam em “vergonha”, “desrespeito” e por aí adiante.

 

Como é habitual, são estas vozes, sem contraditório, que nos entram pela casa e procuram convencer do falhanço do Governo nesta matéria. Pelo que dizem até parece que faz sentido, que têm razão, que o Governo falhou e não reconhece que falhou.

 

Contudo, acabo de ler as declarações da Secretária de Estado da Educação. Pelos vistos a colocação de professores está dentro do que tem acontecido em anos anteriores, desde 2011.

 

"Está tudo dentro dos calendários normais, é um processo que este ano teve que arrancar mais tarde por causa da lei da Assembleia da República [ensino artístico especializado], que só foi publicada a 19 de abril", referiu, elencando que, desde 2011, as listas de professores foram divulgadas sempre no final de agosto, em alguns casos em setembro.

 

A ser assim, como qualificar a atitude dos senhores dirigentes sindicais dos professores?

Au bonheur des dames 458

d'oliveira, 30.08.18

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Em Belém o nacionalismo parolo dos livros

mcr (espantado!) 30.08.18

 

(nota preliminar: não votei no Doutor Rebelo de Sousa mas acho que está a cumprir bem o seu cargo. Fora os beijinhos e as selfies tem sido solidário, tenta dar o exemplo –férias no interior, viagem em carro próprio, convívio descomplexado com quem se aproxima – e não cria dificuldades ao Governo ou à Oposição. Tem iniciativas interessantes e uma feira do livro nos jardins de Belém poderia ser interessante)

 

Vai para o seu segundo ano a feira do livro nos jardins do palácio de Belém. Em algum sítio julguei ver uma referencia ao Jardim (Botânico) Tropical mas posso estar enganado. E se estou é pena: os portugueses e os lisboetas desconhecem quase esmagadoramente este espaço belíssimo que em tempos terá sido do Instituto de Investigação Científica e Tropical instalado no palácio dos condes da Calheta. Este palácio poderia ser mais visitado se, por exemplo tivesse um restaurante ou pelo menos uma cafetaria decente que permitisse a vista do jardim mas as vicissitudes porque tem passado o IICT , o desmembramento das suas instituições mostra bem como isto tudo é feito: atabalhoadamente e em puro desperdício. Um desastre!

Voltando, porém, à “feira do livro”. Parece que só terá autores portugueses! Participarão cento e tal editoras mas só com livros de autores nacionais! Viva Portugal! Viva a Pátria! Heróis do mar, força companheiros!

Não indo mais longe do que a ficção, tenho por quase seguro que a nacional representará entre 10 a 20% dos catálogos reunidos. O resto, nem sempre bom, muitas vezes médio ou sofrível, para não falar nos medíocres, é de origem estrangeira.

No capítulo do ensaísmo a coisa piora. Provavelmente só no caso das obras de História se poderá encontrar um equilíbrio entre a origem nacional e a estrangeira.

Não vou referir nem a literatura dita infantil, nem os manuais escolares (suponho mesmo que estes não estarão lá). Receio bem que a presença da poesia seja como de costume conspícua e que no lote não se consigam encontrar muitos autores que publicam a expensas próprias ou em edições quase clandestinas.

Agora a ideia fatal da literatura nacional e só essa tresanda a Viktor Orban ou pior. Estabelecer fronteiras entre o senhor Elias Canetti (ainda agora editado e logo em duas obras fundamentais...) e aquela senhora muito distinta que dá por Margarida Rebelo Pinto, preferindo a patriótica prosa desta ao desvario cosmopolita de Canetti é extraordinário. E surpreendente! Ao que sei, o senhor Doutor Rebelo de Sousa é um leitor voraz. A que título vem ele, que patrocina o evento, dar a seu aval a esta burríssima distinçãoo que nem sequer serve a cultura nacional. Achará S.ª Ex.ª que a pátria dos egrégios avós passa bem sem Shakespeare visto ter por cá o não editado poeta Chiado? Brecht não valerá meio Jacinto Lucas Pires? Os poetas Manuel Bandeira, José Craveiinha (prémio Camões!) ou Drummond de Andrade mesmo escrevendo em português valem menos que um ignorado inventor do soneto com mais um terceto de quem já aqui terei falado?

A glória de Camões esmorecerá se lhe juntarmos “A divina Comédia” (traduzida por Graça Moura) ou os grandes poemas homéricos tão carinhosamente tratados por Frederico Lourenço?

Somos tão europeus! Somos todos europeus! Mas alguns são ainda mais ou menos europeus do que os outros para citar enviesadamente um tal George Orwell que, mesmo britânico foi dar o corpo ao manifesto em Espanha e ousou desafiar e denunciar os perseguidores assanhados do POUM ...

Mas vamos um pouco mais longe, e mais ao fundo: vender-se-ão na feira patrioteira antologias da poesia trovadoresca galaico-portuguesa, sabendo-se como se sabe que boa parte dos antologiados eram galegos e súbditos dos reis de Leão e Castela?

Suponhamos que o Sr Macron, imitava o seu colega português e descartava as traduções de Pessoa ou de Eça (esse afrancesado!...) dos balcões da eventual feira no Eliseu. O que aqui não se gritaria!...

Senhor Presidente da República, acolha em Belém, nos seus jardins e no Tropical –já agora- os grandes autores estrangeiros como (foi V.ª Ex.ª que o disse e por várias vezes) por cá se acolhem emigrados ucranianos, sírios, africanos de várias nações, nepaleses ou brasileiros. Aí está uma maneira de mostrarmos aos outros que sendo portugueses somos de todo o mundo, desse mundo para que sempre emigrámos e nos recebeu com solidariedade e gentileza. Se não for este ano, que seja para o próximo! Mas que se anuncie já! A literatura não usa passaporte nem visto de entada. Não nos empobrece antes nos engrandece e torna mais felizes e mais sábios ou, apenas, mais sonhadores.

De V.ª Ex.ª , muito respeitosamente

Seu homónimo mcr

Estes dias que passam 378

d'oliveira, 29.08.18

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É pró que estamos!...

 

mcr 29.08.18

 

1  “Dr. Costa, por favor...”

O seu anúncio de desconto no IRS aos emigrantes que regressem, mais do que um flop, é uma tolice, uma bravata ou, mais piedosamente, uma graçola de mau gosto.

Vejamos: em números redondos, e desde 2011, terão emigrado mais de 600.000 portugueses. A crise, os maus salários, a exasperação quando não o desespero são algumas, mas não todas, das causas de tal êxodo. Todavia numa muito alta percentagem o que ocorreu foi um fechamento do mercado de trabalho. Nas causas deste conviria não esquecer a falta de elasticidade das leis laborais, a proteção à funçanata pública ineficiente em elevada dose, a inadequação do mercado de trabalho à preparaçãoo de muitos dos que procuravam em vão um primeiro emprego (tenho um familiar, licenciado em gestão, com uma longa carreira de sucesso que, uma vez desempregado, o melhor que lhe ofereceram foi um emprego temporário num supermercado para “repor stocks”! Outro, licenciado em antropologia com altas classificações preferiu ir colher fruta em França... E por aí fora.

Dentre os que emigraram há até casos espantosos: os enfermeiros (que tanta falta cá fazem) trabalham por essa Europa fora com ordenados largamente superiores aos que cá correm (nos profissionais que, por sorte, conseguiram entrar no SNS). O meu óptimo marceneiro (e amigo) desandou para Inglaterra muito antes da crise: não lhe pagavam, pagavam-lhe tarde e a más horas, pedinchavam-lhe descontos, enfim um pesadelo. Fechou a sua pequena empresa e desempregou outros quatro profissionais.

Dentre os que ficaram, as coisas também não foram simples: o empreiteiro, pequeno empreiteiro que me faz todas as obras cá em casa, viu-se e desejou-se durante os anos de pesadelo, despediu pessoal e eu próprio antecipei obras e reparações para o ajudar. Aguentou-se a custo.

Vir dizer aos emigrantes “qualificados” ou não, mas sobretudo aos primeiros, “volta que te faço um desconto no IRS” fica bem na campanha pré–eleitoral, não tem custos (a menos que houvesse um miraculoso regresso massivo) e, dada a média de salários por aí praticados, pouco significaria na bolsa dos eventualmente regressados que, pelos vistos e pelas reacções já conhecidas ganham bem a vida onde estão, dá-lhes mesmo para umas férias no “torrãozinho de açúcar” e para amealhar uns tostões. Vir por salários entre o medíocre e sofrível significa um desconto risível no IRS.

“Dr Costa, meta a viola no saco e, já agora, lembre-se do medonho sacrifício de quem cá ficou, sempre na corda bamba, manietado pela família, pela casa a pagar em prestações, pela necessidade de acudir a familiares envelhecidos e sem outra ajuda, enfim por mil razões para já não falar pelo medo do desconhecido, pela ignorância da língua ou por mal empregado patriotismo.

 

2  Um deputado municipal comunista da província entendeu escrever um elogioso texto sobre Ramon Mercader conhecido assassino de Trotsky e por isso condenado a cerca de vinte nos de prisão.

Mercader era um catalão, membro do PCE e agente do Komintern e membro do NKVD, a polícia secreta soviética. Infiltrou-se no círculo próximo de Trotsky, exilado no México, e depois de duas ou três visitas, assassinou-o a sangue frio. Anos mais tarde recebeu o título de “herói da União Soviética” e, depois de cumprir a pena, passou a residir alternadamente em Cuba e na Rússia.

Não tenho qualquer simpatia por Trotsky mesmo se reconheça que ele foi, com Lenin e mais uma dúzia de revolucionários o rosto mais evidente da Revolução de Outubro. A ele se deve a organização do Exército Vermelho, foi o principal responsável pelo acordo de paz com a Alemanha e um dos mais importantes membros dos sovietes revolucionários entre a 1ª revolução russa e Outubro. Orador de grande qualidade, intelectual, trabalhador, dotado de uma vaidade sem limites desde cedo teve contra ele alguns dos seus colegas do Comité Central do PCUS (b). Foi o carniceiro de Kronstadt, a ele se devendo a repressão aos comités de marinheiros que tinham sido a espinha dorsal armada da Revolução. Após a morte de Lenin, fez parte de vários grupos anti-Stalin e acabou por ter de se exilar. Escreveu alguns dos mais notórios textos revolucionários da época e foi o inspirador da “revolução permanente” e o verdadeiro rosto do que mais tarde – e ainda hoje – se designa por trotskismo. Se não tivesse tido a perspicácia de e exilar a tempo, teria perecido num dos “processos de Moscovo” como pereceram praticamente todos os fundadores bolcheviques ou mencheviques (Staline cortava a direito) podendo dizer-se que todos os comités centrais (1917-1936)   desde Lenin foram aniquilados com raríssimas excepções, algumas das quais por morte antecipada.

Em boa verdade, estes processos são apenas a ponta do iceberg. No mesmo momento e só de membros do PC (b) foram executados largas dezenas de milhares. Quando os acusados estavam fora do território soviético, eram destacados grupos de executores que levavam a cabo a sua macabra tarefa. Salvaram-se uma ou duas dúzias de “opositores” por mero acaso ou sorte extraordinária. O caso de Trotsky é paradigmático: conseguiu escapar um par de vezes mas, apesar de protegido pelos seus e pela polícia mexicana não escapou a Mercader.

Desde o XX.º Congresso que a monstruosa política de Stalin e comparsas estava condenada no famoso discurso de Krutschev que durante anos foi ocultada em todo o mundo e, particularmente, cá pelos zelotas do PC e respectivos “amigos”.

O descabido elogio a um repelente criminoso diz muito de quem o fez e mais ainda do partido oque o acolhe, o faz eleger (mesmo somente como deputado municipal) e, pelos vistos, o aplaude. Setenta anos depois da morte de Stalin, e quase vinte e cinco depois da medonha derrocada da URSS ainda há estalinistas convictos. Ainda não perceberam a trágica herança que lhes caiu em cima e as extraordinárias parecenças com o fascismo que tanto criticam.

* A fotografia que ilustra a crónica é uma das raras que se salvou da destruição ordenada por Stalin que não só eliminava fisicamente os seus opositores como também os apagava da história manipulando ou destruindo as fotografias. O mesmo se faz agora manipulando a verdade recorrendo a "factos alternativos" como o que suscitou esta crónica. Do deputado municipal a Trump vai apenas a distância de um candidato a guarda de gulag nos bons tempos a um despudorado mentiroso que seguramente aproveitaria os méritos (não literários nem históricos mas mentais) do português admirador de um reles assassino.  

 

 

… E a medida até parecia ser uma coisa boa…

JSC, 29.08.18

António Costa anunciou que o Orçamento do Estado para 2019 contemplará incentivos fiscais para os emigrantes que decidam regressar a Portugal no período de vigência do Orçamento para o ano de 2019.

 

Esta medida parecia ser uma coisa boa. Desde logo, exprimia a vontade política de fazer regressar alguns dos que partiram. Mesmo que o seu impacto não fosse por aí além, isto é, mesmo que não gerasse filas nas fronteiras, por poucos que regressassem já era bom. Parecia ser este o espirito da medida.

 

Contudo, por artes comunicacionais, o que parecia uma boa medida passou a ser uma medida péssima, criticada por corporativistas e comentadores de serviço.

 

Na frente da onda, como sempre, o Dr.  Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos. Desde logo, acusa António Costa de propor uma medida que representa "uma desigualdade naquilo que é a possibilidade de tentar fixar médicos, nomeadamente nas áreas mais carenciadas" e que o primeiro-ministro deve usar "os mesmos argumentos em termos de incentivos" para fixar os cidadãos que residem em Portugal e não apenas os que emigraram.

 

Também não sei se seriam estes incentivos que levariam os médicos a deslocalizarem-se dos grandes centros para as “zonas mais carenciadas”.Mas sei que há Autarquias que oferecem incentivos bem mais significativos, habitação, por exemplo, e nem por isso conseguem atrair médico algum. O que é que o Senhor bastonário pensará disto? Qual o preço a pagar pela atratividade de um médico para o interior?

 

Na mesma linha discursiva e corporativista, ouve-se a Senhora bastonária da Ordem dos Enfermeiros. Desde que a Senhora descobriu o seu apego ao SNS, coisa que brotou no pós-Passos, não mais parou de censurar e desvirtuar as políticas do Governo. Agora, também, reclama que os incentivos anunciados por António Costa não farão regressar os milhares de enfermeiros que emigraram, que deveriam ser dados incentivos aos que cá estão e por aí adiante.

 

O curioso, o que me espanta, é o tempo de antena que esta gente tem. De tanto que falam o pessoal até esquece qual foi a medida proposta pelo Governo e só fica no ouvido o alarido das reclamações, das lamúrias, das invectivas corporativistas.

 

Afinal de contas, o que leva, o que verdadeiramente motiva, a dar tanto microfone a esta gente?

Novamente a reforma das freguesias

José Carlos Pereira, 23.08.18

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O Governo prepara uma proposta de lei para alterar o mapa administrativo das freguesias. Não creio que isso fosse neste momento uma prioridade, nem para os autarcas nem para os cidadãos.

A “reforma” de 2013 foi bastante polémica, pouco ponderada e feita em cima do joelho. Atacou-se a frente das freguesias, com o intuito de impressionar a troika com uns cortes marginais em subsídios, mas faltou coragem para ir mais adiante e repensar o mapa (e as competências) dos municípios. É verdade que em alguns locais houve trabalho estruturado, como sucedeu em Lisboa sob a presidência de António Costa, mas conheço casos em que o que prevaleceu foram a régua e o esquadro partidários, eliminando aqui e ali alguns adversários e favorecendo a ascensão de lideranças favoráveis ao poder municipal de então. Pelo caminho, criaram-se nomes estapafúrdios para novas freguesias e perderam-se referências toponímicas fulcrais dos respectivos territórios.

Decorridos estes anos, com as eleições autárquicas de 2013 e 2017 a consolidarem as novas realidades saídas do modelo administrativo criado, são escassas as reivindicações de alteração ao mapa das freguesias que nos chegam dos principais interessados – os cidadãos. Vemos, sim, os partidos a pressionarem mais uma vez a alteração da realidade administrativa, olvidando o que estas mudanças sempre representam em encargos para as autarquias, para o Estado e para as populações.

Espero que os critérios que venham a ser estipulados pelo Governo revelem ponderação e equilíbrio, prevalecendo sobre os habituais apetites partidários. As alterações deverão privilegiar os casos em que seja claro que as populações foram manifestamente prejudicadas anteriormente ou, então, que passam ter ganhos evidentes com nova mudança para o futuro. É fundamental, por isso, criar condições para que as decisões que venham a ser tomadas contem com a mobilização efectiva dos cidadãos e vão de encontro aos seus interesses.

diário político 228

d'oliveira, 23.08.18

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Ai a silly season...

d'Oliveira fecit 23.08.18

 

1 Repegando num tema quente: parece que o Governo obteve uma grande vitória em Monchique: não houve pessoas mortas!

Conviria lembrar que mortos em incêndios de Verão foram até ao Verão passado, a excepção e não a regra. Desta feita mal seria que além das restantes desgraças houvesse mortos. Os meios empregados (Às vezes mal empregados...) foram tais, o “salvamento” de habitantes ameaçados (por vezes “manu militari” e em demasia) que realmente mortos seria algo de medonho e poria em causa tudo a começar pela cabecinha do dr Costa.

Não houve mortos ou melhor, morreram animais domésticos, gado, fauna silvestre de todo o género e perderam-se casas, lavras, plantações (sobretudo medronheiros, o que é uma desgraça por três razões: demoram a crescer, acabam com pequenas indústrias de licores e destilados e desaparece – provisoriamente- um arbusto eficaz contra o fogo). Mias uma vez se referiram os eucaliptos. Mais uma vez os seus críticos esqueceram que, em terras quase abandonadas, o eucalipto é o único ganha pão dos escassos habitantes. Cresce e é rentável em metade do tempo do pinheiro e nem vale a pena referir outras espécies, por exemplo o sobreiro, que demoram três vezes mais a ser rentáveis.

Agora, timidamente surge a referência à escassez de estradões corta-fogos. Pelos vistos só havia entre 15 e 20% do que seria necessário. Quem é que não fez os trabalhos de casa?

Anda por aí um secreto júbilo sobre a escassez de fogos. Tirando alguns dias extremamente quentes, este Verão e este Agosto (por exemplo, ontem e hoje) tem sido moderadamente quentes. Às vezes a meteorologia ajuda...

 

2 Os panteonistas continuam esforçados. Agora a sociedade Portuguesa de Autores quer agarrar nos ossos do Zeca Afonso e metê-los naquele lúgubre monumento. Quem conheceu o ZA – e eu conheci-o bem – sabe que ele era contra todo o tipo de honrarias. Disse-o vezes sem conta. Troçou delas ainda mais vezes. Deixou claro que queria ser enterrado em campa rasa. Nada disto chega para as criaturas da SPE. Nem sequer as declarações da viúva, do primeiro verdadeiro editor do Zeca (Arnaldo Trindade) e seguramente, pelo menos, da malta que o conheceu em Coimbra. A SPE que vive languidamente no torpor estival à falta de resolver os problemas reais dos seus autores vivos, entendeu tornar-se a campeã dos mortos...

 

3 O Partido Socialista teve, desde o seu atribulado nascimento (1973) uma pequena seita que Lenin qualificaria de “doença infantil”. Cito apenas dois exemplos, aliás os menos tontos: Manuel Serra e a malta do posterior POUS (aires Rodrigues e Carmelinda Pereira). Em qualquer dos casos vinham aureolados pela efectiva e tenaz resistência ao Estado Novo. Era gente séria, mesmo se desvairada pela tentaçãoo radical. No caso de Serra, havia claramente, o esforço da reconversão de líder católico em revolucionário puro e duro. Os recém conversos são sempre assim. Aires e Carmelinda usaram, como bons trotskistas, da táctica do “entrismo” num partido que necessitava desesperadamente de gente inteligente e com duas ideias claras sobre a Esquerda.

O partido suputou-os sem dificuldade e lá se foi acomodando com uma vaga ideia de social democracia que, aliás, nunca se esforçou muito por ser idêntica às dos eficazes alemães ou escandinavos. O PS, graças a Soares, foi sempre afrancesado e o “mon ami” Miterrand forneceu as minguadas armas ideológicas com que o PS se foi afinando. A herança da 1ª República é neste partido muito mais forte do que a de qualquer agrupamento socialista (e nem vale a pena referir o velho Partido Socialista fundado por Antero... esse morreu e foi enterrado na 1ª República graças à trituradora do Partido Democrático e ao desinteresse das organizações sindicais)

Agora, viceja mais um grupo dito “esquerdista”. A sua figura mais eminente parece ser João Galamba. Por mais que uma pessoa se esforce não se distingue na criaturinha nem os dotes de coragem de Serra nem a inteligência de Aires e Carmelinda. Galamba serve apenas como exutório para o politicamente correcto e centrista que vai governando a amálgama de interesses do Partido. O seu ataque a Centeno, enquanto presidente do Eurogrupo, é só isso. E foi só durante uns parcos momentos. Já veremos que mete a viola no saco quando Costa e os que o assistem lhe der as instruções necessárias.

 

na gravura: medronheiro

Estes dias que passam 373

d'oliveira, 21.08.18

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Quaterque beatus

(um grande professor e um “homem bom”)

mcr 21.08.18

 

Soube demasiadamente tarde da morte do Professor Doutor Rui Alarcão. Mesmo detestando enterros cumpria-me estar lá. Por várias e ponderosas razões: como aluno; como conhecido; como democrata que ainda se lembra do outro tempo, do tempo do medo e da coragem e de como era raro ver um professor ao lado dos estudantes como sempre foi o caso de Rui Alarcão; como velho amigo da Eliana, sua mulher que tive a sorte de conhecer mal cheguei à Faculdade. E, finalmente, mesmo se, eventualmente, já não mereça o título, como jurista. 

O jornal onde leio a notícia fala do “Magnífico Reitor”, título com que se adornam , muitas vezes sem fundamento, os reitores da velha universidade. No caso de Rui Alarcão (como ocorreu com outros dois grandes professores meus: José Joaquim Teixeira Ribeiro e António de Arruda Férrer Correia) o título assentava como uma luva. Grandes mestres, homens civilizadíssimos, cultos, resistentes desde sempre, sabedores. Com mais dois ou três outros salvaram a Faculdade de Direito e a Universidade de Coimbra (neste caso com mais contributos de outras faculdades evidentemente). Recordo dois outros professores que me aturaram com bonomia e a quem devo o mesmo que aos já citados: Jorge Figueiredo Dias e Carlos Mota Pinto. Estes homens além de ensinarem, de respeitarem os alunos, davam lições de cidadania e solidariedade. E marcaram várias gerações de estudantes. Com alguns privei muito de perto mas a todos devo muito.

Todavia, é de Rui Alarcão que queria falar. O título deste folhetim, mais uma latinada significa alguém, uma pessoa, quatro vezes abençoada, feliz se quiserem.  Ora Rui Alarcão nasceu sob uma estrela amável: inteligente, culto, persistente e sábio. Eis quatro qualidades que, para efeitos do que quero, reduzirei a duas, emparelhando-as. Era também um excelente professor. E. last but not the least, teve a sorte de ter ao seu lado (e não atrás, como às vezes se diz, uma mulher que, todos quantos a conhecemos e estimamos,  poderão garantir que também ela é, foi sempre, um somatório de qualidades. Como estudante fez parte, e parte muito activa (Presidente do Conselho Feminino), do renascimento da Associação Académica, foi um dos nomes sonantes e intervenientes do CITAC (Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra), era a par de excelente aluna, uma militante democrata de sempre e mais tarde, enquanto jurista distinguiu-se pela actividade que desenvolveu mormente nas questões que diziam respeito  aos direitos de família e aos da juventude. Falo obviamente de Eliana Gersão, a quem daqui mando um comovido e sentido abraço. E era esta a quarta felicidade ou sorte de Rui Alarcão.

Costuma dizer-se que a morte de alguém é uma terrível perda. De Rui Alarcão subsiste, para além do respeito e da admiração de centenas de ex-alunos, uma enorme lição de vida e de dignidade, de coragem e de discrição, de humor e de cultura. Quisesse ele, e poderia ter sido mais coisas, poderia ter feito uma carreira política se é que isso acrescentaria algo ao seu enorme legado de professor e jurista. Não quis. Era um homem discreto e, provavelmente, a luz crua dos projectores mediáticos incomodá-lo-ia. Escolheu as suas trincheiras e nele se manteve sempre com hombridade e determinação. E coragem, claro que os anos da primeira parte da sua vida foram passados durante o Estado Novo. E não foi por acaso que, depois desempenhou durante três mandatos o sempre difícil cargo de Reitor da Universidade. Sabiam os seu eleitores (quer os estudantes quer os seus pares) que aquele homem cortês e discreto prestigiaria o cargo e, sobretudo, a Universidade. Olhando para a história das universidades portuguesas não abundam exemplos destes. Com oitenta e oito anos, Rui Alarcão podia gabar-se, de ter tido uma vida cheia, útil e estimulante para quantos o conheciam. Deixa um legado e, sobretudo, um grande, imenso exemplo de como, mesmo nas piores situações, um Homem pode ser livre e ajudar a libertar os seus concidadãos. Além das belíssimas lições de Direito deu-nos lições de vida e de firmeza perante situações asfixiantes.

Foi uma honra ter sido aluno dele.  

Au bonheur des dames 457

d'oliveira, 17.08.18

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Agora é ainda uma lenda maior

mcr 17 agosto 2018

 

Num campo de golf, eventualmente em Lourenço Marques, anos 50, terei lido uma legenda que –se bem me lembro – dizia: “os velhos jogadores de golf não morrem. Simplesmente foram à procura de uma bola perdida.”

Aretha Franklin, essa mulher extraordinária, também não morreu. Mudou-se apenas para o coro de uma igreja maior onde o pai e o dr Luther King já estavam. Também já la estavam Mahalia a grande, Bssie, the Empress, ou Otis o criador de “Respect”. E muitos outros, tantos, tantos que é impossível enumerar. Mas que continuamos a ouvir maravilhados, graças aos LP ao CD às pen e a outros meios de reproduzir/ouvir música, a imortal música negra americana, honra e glória de um país que nem cem Trumps conseguem destruir.

Tenho ideia, remota é certo, mas muito precisa, de uma conversa em que, além da então minha namorada, Maria João, participava um querido amigo, José Quitério. A João cantava bem mas aldrabava as letras. De todo o modo, nós pedíamos-lhe sempre o “Amazing Grace” e ela risonha, generosa (e lindíssima!... ) lá desencantava a primeira estrofe antes de acabar rindo-se por não saber a continuação. Foi num desses dias (estaríamos em 65, 66 ou 67, sei lá...) ao falar-se de cantores que nos diziam qualquer coisa o Zé, na altura dirigente da secção de Jazz da AAC, nos largou: “Grande, extraordinária, é Aretha!” Esta Aretha ainda era por cá quase uma desconhecida mas o Zé já a tinha sintonizado, fina orelha que ele era. Eu calei-me por pura ignorância mas a João fez um quase esgar de desdém, ela era muito Pete Seeger, Joan Baez ou Nina Simone. Mas o Zé não se impressionou e decretou com o seu conhecido vozeirão e a sua cabeçuda convicção que era mesmo assim. Aretha era a rainha.

Resolvi começar a prestar-lhe atenção e agora, tantos anos passados, só de a lembrar, comovo-me. E comovo-me quando a oiço, trago-a numa pen no carro, aliás em várias pen. Em gostando de algo, encho as pen com isso, seja Mozart, Bach, Elligton, Dizzie, um par de franceses, outro tanto de espanhóis e por aí fora. Meto-me no carro, arranco e aí vai disto, a pen de serviço mais cedo ou mais tarde há de reproduzir um disco da Franklin.

Dizem, hoje, os jornais que ela faleceu. Morreu nada... Aquela voz, aquela maneira de cantar, aquelas canções não morrem nunca. É como o frére Jacques ou o “Barbeiro de Sevilha”: aquilo vive, respira e está cá para sempre. Como Bach ou Mozart.

A música é um pouco como a pintura: não conhece fronteiras, basta termos olhos ou ouvidos. Hokusai ou Fra Angelico, Vermeer ou Goya passam as fronteiras a salto nada os detém.

Nada deteve Aretha, mulher, negra, música, chama soul. Nada! Parece que Obama terá dito que quando ela canta a história americana jorra. Engano, ligeiro engano, querido Presidente: quando aretha canta é a história do mundo que jorra.

 

 

 

Estes dias que passam 377

d'oliveira, 09.08.18

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Fogo que arde e que se vê

mcr 9-8-18

 

 

A serra (e muita da zona envolvente) de Monchique arde há quase uma semana. 23.000 hectares já estão perdidos mas a coisa não ficará por aqui. Também já se foram casas, hortas, animais domésticos (já nem se fala nos selvagens), as cinzas atingem Albufeira, Portimão e o céu é cinzento há vários dias. A televisão mostra-nos impiedosamente mais este enorme desastre. Mostra-o até à exaustão e, como de costume, mistura tudo: odesespero das gentes que se sentem abandonadas, a angustia de moradores forçados manu militari, a partir a inanidade dos meios, filas de “meios terrestres” aparentemente à espera (de quê? De quem? De Godot?), aviões e helicópteros a despejar água e opiniões de todos os que são apanhados pelos microfones dos repórteres. Nem sempre as pessoas terão razão, não são especialistas mas apenas vítimas, ninguém lhes explica nada, dão-lhes ordens e pronto...

Ontem apareceu o senhor 1º Ministro impante e rotundo: que está atento, que este fogo é a prova por excepção da bondade das políticas governamentais, que uma árvore a arder não se composta como uma vela num bolo de aniversário. Tudo naquele tom protetor de quem ainda não percebeu que do outro lado estão portugueses com os mesmíssimos direitos e deveres de Sª Ex.ª.

De portugueses que andaram estes meses todos a ouvir que agora sim, agora é que vai ser, qual incêndio qual quê, isto vai ser “trigo limpo farinha Amparo”. À bolha imobiliária segue-se pesadamente a bolha incendiária. E as desculpas com o calor, com o sucesso de outros fogos rapidamente extintos como se não soubéssemos que, mesmo com o calor, o tempo mais que clemente do fim da Primavera e do principio do Verão criaram solos menos permeáveis ao fogo.

Em Monchique arde hoje, o que já ardeu ontem. E ontem, ardeu o que já ardera anteontem. É o fado, o destino, as Erínias, o azar, a preguiça das gentes, o eucalipto que faz viver uma inteira comunidade que ainda está presente e não abandonou as terras.

Uma associação de produtores florestais acusou as “autoridades” de nada terem feito em prol da implementação de um plano de ordenamento florestal apresentado e discutido durante vários meses. Uma secretariante criatura veio desmentir a associação: que não havia plano, que se acaso existia, só era para se iniciar em 2019, que (sempre depois das anteriores alegações serem documentalmente desmentidas) faltavam uns documentos importantíssimos (entre eles uma acta de assembleia geral e uma comunicação dos nomes eleitos nela) coisas tremendas, devastadoramente importantes que reduziam a nada o plano, os projectos, as reuniões, os ofícios trocados, as espectativas e tudo o resto.

A este respeito, a propósito do respeitinho pelo pormenor bu(r)rocrático recordo duas histórias: A mais antiga tem como protagonistas um grande médico e grande democrata, Sizenando Ribeiro da Cunha, homem da zona de Aveiro. Tinha este exemplar cidadão uma propriedade numa encosta onde além da clínica onde atendia ricos e pobres, muitos pobres, a casa onde habitava situada mais no alto. Uma estrada limitava a propriedade numas dezenas ou centenas de metros desde a entrada da clínica até à porta da casa familiar. Do outro lado da rua/estrada uma ou duas dúzias de casas de gente com reduzidos meios. Sizenando lembrou-se de ir à Junta da Freguesia e propor custar pavimentação da rua. Alegria geral. Apesar de opositor do poder instalado (o Estado Novo) ali estava um benemérito que ia gastar mais de cem contos de reis na obra de interesse geral. Quando tudo se encaminhava para o feliz desfecho, o presidente da Junta veio, de chapéu na mão prevenir o médico de que era necessári o um requerimento. Em papel selado e assinatura reconhecida notarialmente. O médico explodiu: “E quanto custa isso?”, -Cinco escudos do papel e outros tantos pelo reconhecimento!, respondeu-lhe a autoridade. Já não tenho mais dinheiro”, respondeu o indignado cidadão. E a obra não se fez.

 

Anos, muitos, mais tarde, dois responsáveis por uma entidade pública regional, dotada de autonomia administrativa e financeira, verificaram que não chegara atempadamente uma quantia da responsabilidade do Estado para pagar os salários de uma vintena de trabalhadores de uma sala de espectáculos gerida pela instituição. Os dois funcionários perceberam que a falta de pagamento afectaria o bom nome do Ministério, da entidade regional e, pior, a estabilidade das famílias dependentes dos salários em atraso. E entenderam adiantar os dinheiros necessários, pagando os salários do seu próprio bolso. Com o aplauso do senhor Chefe de Gabinete, do senhor Secretário de Estado e de uma ranchada de Directores e Subdirectores Gerais. “Bonito gesto! Sentido de Estado! Devoção à causa pública!”

Passaram-se meses, um ano mais meses! E do dinheirinho adiantado nem novas nem mandados. A soma emprestada era, apesar de tudo, importante para os dois servidores públicos. Até ao dia em que um director geral, exultante, os requereu em Lisboa, asinha, asinha. Já há dinheiro para vos pagar. Já a reunião ia a todo o vapor quando apareceram os papéis e ios cheques para solver a dívida do Estado. O Director Geral compulsou-os e empalideceu: “Isto não pode ser!” com os cheques que pagariam apenas e só as somas emprestadas, vinha também uma cobrança de imposto de selo ou algo semelhante. O dirctor geral pediu desculpa pelo facto e, num gesto, muito dele, muito do grande funcionário público que ele realmente era, pagou do seu bolso a merda da quantia referente à merda do tal selo (ou lá o que era) exigido.

Eis o Estado em todo o seu esplendor. Ao contrário do brocardo latino (de minibus non curat praetor), em Portugal, o pormenorzinho, a virgulazinha, a merdice importa mais do que a questão central. E o fogo vem. O fogo que “lixa o mexilhão” e aquece suavemente a alminha caridosa do senhor 1º Ministro... E lhe permite o arrobo vagamente poético da metáfora da vela no meio do bolo.

Ora porra!

 

 

 

 

Estes dias que passam 376

d'oliveira, 08.08.18

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As opiniões do meritíssimo

mcr 8.8.2018

 

Eu não me posso confessar como um entusiasta das polícias por muito civis e civilizadas que elas sejam. Por trás desta minha má vontade há toda uma vida, toda uma história. Tudo começou num fim de tarde bracarense (também eu, me quoque- ora tomem lá latim shakespeareano me passeei mesmo se brevemente por Braga a idolátrica) nos idos de 1958. Saía de um filme, eventualmente “Uma ilha ao sol” (R Rossen, realizador com Harry Belafonte e Dorothy Dandridge, música sublime) quando uns policiais cavernícolas entenderam que aquilo, aquela multidão que saía de um cinema, constituía uma manifestação de apoio ao General Humberto Delgado. Vai dái foram-nos empurrando à bastonada para a “Avenida” onde, de facto, havia centenas de adeptos da “oposicrática” que esperavam o candidato às eleições presidenciais.

Não gostei de sentir os meus jovens lombos acariciados rudemente pelos cassetetes da “bófia”. Dois ou três anos depois, por ocasião de uma farsa denominada eleições para deputados (1961), fiz parte, consciente dessa vez, de uma manif que protestava contra a proibição de um comício no Teatro Avenida em Coimbra. (Recordo-me, como se fosse hoje, das instruções do advogado Alberto Vilaça ao reduzido grupo de agitadores no qual eu era ainda caloiro). Foi em plena Portagem em Combra que percebi que tinha uma desgraçada predisposição para ser espancado pela polícia. No ano seguinte, o ano da crise académica de 1962, voltei a levar traulitada das forças da (des)Ordem. E nunca mais acabou este circo de protestos, corridas, e bordoada avonde. Eu não falhava uma manif e a polícia quando eu não me conseguia escapulir, não me falhava o magro corpinho. Em finais de 60, inícios dos setenta internacionalizei-me. Paris em 69, Berlim em 70, Madrid em 75 e Pescara (Itália) em 72.

Paralelamente, comecei a minha via crucis de prisões e cárceres variados quase todos na pátria madrasta com uma excepção aliás curtíssima , duas horas na fronteira espanhola, onde fui brevemente detido como “passador” clandestino. A polícia desconfiou que eu me dedicava à rendosa tarefa de passar uns desgraçados que abalavam para as franças e araganças em busca de melhor e mais bem pago trabalho. De facto, eu passava fugidos políticos, no caso em apreço uma querido amigo que recorreu aos meus préstimos para uma viagem só de ida a Paris.

Deste rosário de desditas na minha “juventude, divino tesoro”, vem a ojeriza a fardas mormente policiais (mas extensiva a outras, desde militares a contínuos e porteiros disfarçados de almirante ou de groom de hotel de várias estrelas. Também fiquei farto de batinas religiosas ou seculares e estudantis, mas isso é para outro momento).

Todavia, cedo percebi que nem todos os polícias são brutos como portões de quinta e que podem ter uma função importante nas sociedades em que nos movemos.

Ler a espantosa declaração de um senhor juiz Neto de Moura de que todos os polícias mentem em tribunal, sobretudo em casos de violação do código da estrada raia o ridículo, acaso a indecência e seguramente a mais completa falta à verdade. Uma afirmação dessas mesmo no caso de defesa em tribunal (onde a vivacidade de linguagem e agressividade verbal parecem campear) parece-me mesmo sinal de irresponsabilidade o que só é atenuado por clara falta de inteligência. Em qualquer caso condenável sobretudo se vinda de um magistrado judicial

Saber que, num tribunal de 2ª instância essa sua posição foi considerada e que daí não só tenha decorrido uma anulação do primeiro julgamento mas uma condenação de três polícias ao pagamento de multa por denúncia caluniosa de uns milhares de euros que acresceram à depauperada bolsa do senhor juiz, faz-me pensar se não estaremos a viver numa Venezuela alucinada onde as botijas de gás que explodem assumem a forma de drones manipulados pelo senhor José Manuel Santos, actual presidente da Colômbia...

Suponho, mesmo se isso me interesse pouco (o senhor Neto de Moura é-me absolutamente indiferente enquanto ser vivente e só entra neste folhetim por ser juiz) que o meritíssimo juiz não conheceu as polícias a que, acima, me referi. Gostaria bem de o ver dizer o mesmo naquela altura mesmo se suspeite (dadas outras declarações, desde os considerandos sobre o adultério até às surpreendentes citações bíblicas –que diabo de Bíblia a criatura terá lido?- ) estaria de bico muito fechado, mais calado do que uma carpa no seu tanque de água lodosa. A democracia permite a qualquer um dizer os dislates que muito bem entende sem que disso decorra qualquer pena.

Já Joaquim Namorado (poeta, 1914-1986) citava o seu famoso “Código Civil ( artº 1 e único: é proibido ser estúpido; parágrafo único: fica revogada toda a legislação em contrário) combatia esta perversão da palavra e da civilização propondo a pena de riso incontrolável perante as tolices que a cegueira nos obriga a dizer.

O problema aqui é, porém, outro. Este magistrado está no activo, vai continuar a julgar, vai não restam dúvidas, usar os seus critérios morais e os seus códigos linguísticos na apreciação de causas que lhe caírem à mão. Que confiança poderemos ter num tribunal em que este juiz seja julgador? Que confiança poderemos ter num tribunal e nas pessoas que o compõem que desobriga um juiz reu e carrega violentamente sobre os vários polícias (no caso GNR) que o acusam? Como é que um tribunal pode considerar mancomunados três ou mais agentes? Será necessário fazer acompanhar cada patrulha de uma máquina de vídeo? E será que o tribunal não duvidará de manipulação da mesma? Poderá a opinião pública acreditar que a sentença que dá razão ao juiz (antes condenado) não se deve a mero (mas provável) favoritismo?

Haja quem responda.

*a ilustração Honoré Daumier "Tribunais"

 

 

 

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