É pró que estamos!...
mcr 29.08.18
1 “Dr. Costa, por favor...”
O seu anúncio de desconto no IRS aos emigrantes que regressem, mais do que um flop, é uma tolice, uma bravata ou, mais piedosamente, uma graçola de mau gosto.
Vejamos: em números redondos, e desde 2011, terão emigrado mais de 600.000 portugueses. A crise, os maus salários, a exasperação quando não o desespero são algumas, mas não todas, das causas de tal êxodo. Todavia numa muito alta percentagem o que ocorreu foi um fechamento do mercado de trabalho. Nas causas deste conviria não esquecer a falta de elasticidade das leis laborais, a proteção à funçanata pública ineficiente em elevada dose, a inadequação do mercado de trabalho à preparaçãoo de muitos dos que procuravam em vão um primeiro emprego (tenho um familiar, licenciado em gestão, com uma longa carreira de sucesso que, uma vez desempregado, o melhor que lhe ofereceram foi um emprego temporário num supermercado para “repor stocks”! Outro, licenciado em antropologia com altas classificações preferiu ir colher fruta em França... E por aí fora.
Dentre os que emigraram há até casos espantosos: os enfermeiros (que tanta falta cá fazem) trabalham por essa Europa fora com ordenados largamente superiores aos que cá correm (nos profissionais que, por sorte, conseguiram entrar no SNS). O meu óptimo marceneiro (e amigo) desandou para Inglaterra muito antes da crise: não lhe pagavam, pagavam-lhe tarde e a más horas, pedinchavam-lhe descontos, enfim um pesadelo. Fechou a sua pequena empresa e desempregou outros quatro profissionais.
Dentre os que ficaram, as coisas também não foram simples: o empreiteiro, pequeno empreiteiro que me faz todas as obras cá em casa, viu-se e desejou-se durante os anos de pesadelo, despediu pessoal e eu próprio antecipei obras e reparações para o ajudar. Aguentou-se a custo.
Vir dizer aos emigrantes “qualificados” ou não, mas sobretudo aos primeiros, “volta que te faço um desconto no IRS” fica bem na campanha pré–eleitoral, não tem custos (a menos que houvesse um miraculoso regresso massivo) e, dada a média de salários por aí praticados, pouco significaria na bolsa dos eventualmente regressados que, pelos vistos e pelas reacções já conhecidas ganham bem a vida onde estão, dá-lhes mesmo para umas férias no “torrãozinho de açúcar” e para amealhar uns tostões. Vir por salários entre o medíocre e sofrível significa um desconto risível no IRS.
“Dr Costa, meta a viola no saco e, já agora, lembre-se do medonho sacrifício de quem cá ficou, sempre na corda bamba, manietado pela família, pela casa a pagar em prestações, pela necessidade de acudir a familiares envelhecidos e sem outra ajuda, enfim por mil razões para já não falar pelo medo do desconhecido, pela ignorância da língua ou por mal empregado patriotismo.
2 Um deputado municipal comunista da província entendeu escrever um elogioso texto sobre Ramon Mercader conhecido assassino de Trotsky e por isso condenado a cerca de vinte nos de prisão.
Mercader era um catalão, membro do PCE e agente do Komintern e membro do NKVD, a polícia secreta soviética. Infiltrou-se no círculo próximo de Trotsky, exilado no México, e depois de duas ou três visitas, assassinou-o a sangue frio. Anos mais tarde recebeu o título de “herói da União Soviética” e, depois de cumprir a pena, passou a residir alternadamente em Cuba e na Rússia.
Não tenho qualquer simpatia por Trotsky mesmo se reconheça que ele foi, com Lenin e mais uma dúzia de revolucionários o rosto mais evidente da Revolução de Outubro. A ele se deve a organização do Exército Vermelho, foi o principal responsável pelo acordo de paz com a Alemanha e um dos mais importantes membros dos sovietes revolucionários entre a 1ª revolução russa e Outubro. Orador de grande qualidade, intelectual, trabalhador, dotado de uma vaidade sem limites desde cedo teve contra ele alguns dos seus colegas do Comité Central do PCUS (b). Foi o carniceiro de Kronstadt, a ele se devendo a repressão aos comités de marinheiros que tinham sido a espinha dorsal armada da Revolução. Após a morte de Lenin, fez parte de vários grupos anti-Stalin e acabou por ter de se exilar. Escreveu alguns dos mais notórios textos revolucionários da época e foi o inspirador da “revolução permanente” e o verdadeiro rosto do que mais tarde – e ainda hoje – se designa por trotskismo. Se não tivesse tido a perspicácia de e exilar a tempo, teria perecido num dos “processos de Moscovo” como pereceram praticamente todos os fundadores bolcheviques ou mencheviques (Staline cortava a direito) podendo dizer-se que todos os comités centrais (1917-1936) desde Lenin foram aniquilados com raríssimas excepções, algumas das quais por morte antecipada.
Em boa verdade, estes processos são apenas a ponta do iceberg. No mesmo momento e só de membros do PC (b) foram executados largas dezenas de milhares. Quando os acusados estavam fora do território soviético, eram destacados grupos de executores que levavam a cabo a sua macabra tarefa. Salvaram-se uma ou duas dúzias de “opositores” por mero acaso ou sorte extraordinária. O caso de Trotsky é paradigmático: conseguiu escapar um par de vezes mas, apesar de protegido pelos seus e pela polícia mexicana não escapou a Mercader.
Desde o XX.º Congresso que a monstruosa política de Stalin e comparsas estava condenada no famoso discurso de Krutschev que durante anos foi ocultada em todo o mundo e, particularmente, cá pelos zelotas do PC e respectivos “amigos”.
O descabido elogio a um repelente criminoso diz muito de quem o fez e mais ainda do partido oque o acolhe, o faz eleger (mesmo somente como deputado municipal) e, pelos vistos, o aplaude. Setenta anos depois da morte de Stalin, e quase vinte e cinco depois da medonha derrocada da URSS ainda há estalinistas convictos. Ainda não perceberam a trágica herança que lhes caiu em cima e as extraordinárias parecenças com o fascismo que tanto criticam.
* A fotografia que ilustra a crónica é uma das raras que se salvou da destruição ordenada por Stalin que não só eliminava fisicamente os seus opositores como também os apagava da história manipulando ou destruindo as fotografias. O mesmo se faz agora manipulando a verdade recorrendo a "factos alternativos" como o que suscitou esta crónica. Do deputado municipal a Trump vai apenas a distância de um candidato a guarda de gulag nos bons tempos a um despudorado mentiroso que seguramente aproveitaria os méritos (não literários nem históricos mas mentais) do português admirador de um reles assassino.