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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Diário Político 211

d'oliveira, 31.10.18

 

Brasil, Brasis...

d’ Oliveira fecit 29/30, Outubro, 2018

Não sou brasileiro, nunca fui ao Brasil (e bem pena tenho) mas, desde pequeno, o Brasil faz parte da minha casa. O meu pai é (era) um carioca de gema e todos os seus parentes do lado materno o eram. Em boa verdade, um longínquo trisavô, fidalgote empobrecido saiu demandou as terras de Santa Cruz, estabeleceu-se bem longe da corte, no Rio Grande do Sul e amassou uma fortuna gigantesca, com sorte, bom senso, muito trabalho e provavelmente alguma ajuda extra. Mais tarde, um médico alemão chegou aos mesmos sítios e casou com uma neta do terra-tenente. Vem daí uma longa teoria de famílias Heinzelmann e Martins que alastraram do estado do sul até ao Rio. Um desses Heinzelmann, militar de carreira ainda se correspondeu comigo via internet. (“Ué que é que você é a vôvô?”- Respondi-lhe que trineto e daí uns tempos de correspondência até ele desaparecer no éter. Em boa verdade, devo-lhe uma lista de Heinzelmann desde o século XVI que o pai, também militar coligira com dificuldade, várias falhas e muita paciência).

Depois, o Brasil foi para mim, as “Selecções do Reader’s Digest”, a revista “Cruzeiro” que chegava a Moçambique, bem como duas publicações de “quadrinhos” (Gibi e Guri) que eram óptimas.

Um pouco mais tarde irrompia, na minha mocidade, a literatura brasileira: graças e louvores se deem a todo o momento à editorial “Livros do Brasil” que nos trouxe, Amado, Veríssimo, Guimarães Rosa, Lins do Rego e mais outros tantos – nunca esquecer a abençoada Clarice Lispector, Deus a tenha o seu lado direito, senão ao colo sé que ela deixa e o Senhor se atreve. Através do Cruzeiro chegavam-nos ecos das tragédias brasileiras, ainda me recordo do fim de Getúlio Vargas, dos escritos de Lacerda, dos desenhos e piadas de Vão Gogo e de toda uma plêiade de jornalistas e cronistas que se deixavam ler com um profundo encantamento. Já perto da Universidade, chegaram os poetas. Primeiro o Manuel Bandeira e depois, em turbilhão, Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto com quem tive a honra e o imenso prazer de conversar um par de vezes. E outros, muitos outros (uma comovida homenagem ao grande Vinicius de Moraes “o branco mais negro do Brasil” que vi e ouvi no Teatro Avenida de Coimbra, em plenos anos sessenta acompanhado por dois estreantes (Toquinho e Maria Creuza). Dessa época são também os “Jograis de S Paulo”, um quarteto de recitadores extraordinário de quem consegui há pouco gravar para “cd” dois Lp de primeira água (“Poemas de Fernando Pessoa” e “Poemas Brasileiros”) que nunca foram reeditados nem passados a cd!!! Estes quatro actores tornaram-se célebres porque, mais tarde, interpretaram muitas personagens de telenovela (assim de repente só posso lembrar o Nacib, da “Gabriela cravo e canela”, a única telenovela que vi de cabo a rabo. A partir dessa, nunca mais consegui prestar atenção às que se seguiram. Defeito meu ou “Gabriela... era imbatível?

Nunca perdi de vista a política brasileira (Café filho, Kubitschek, Jânio Quadros, Goulart e uma série longa de generais que acaba com um Figueiredo que, por acaso, era irmão de um Guilherme autor de um manual/tratado sobre os chatos que é imperdível e emparelha com os notáveis escritos de Stanislaw Ponte Preta, aliás Sérgio Porto. A “ditadura” saía dali bem maltratada...

A “democratização” teve dois grandes protagonistas, Tancredo Neves e Fernando Henrique Cardozo. O primeiro foi uma esperança e o segundo lançou –mesmo quando alguns finórios esquecem a sua imensa obra (e bom teria sido se tivessem lido um seu artigo saído no “El País” há duas escassas semanas) mas FHC não cabe nos estreitíssimos quadros mentais de alguma nomenclatura lusitana sobretudo num apaixonado “madurista” coimbrão que só vê maravilhas na Venezuela e medonhas profecias nessa indigência chamada Bolsonaro). O resto das presidências do Brasil, por muito que isso custe a uma certa inteligentsia esquerdizante, morreu com o mensalão. Nunca percebi como é que houve quem passasse por entre as gotas da chuva desse imenso escândalo e se fosse aproximando da beatificação democrática. É que, nesse momento, ainda havia hipóteses de inverter a triunfal marcha do populismo que se alimentava da corrupção avassaladoramente crescente de um regime exausto que fugia para a frente semeando medidas populares sempre segundo uma conhecida receita sul-americana que Perón e seus sucessores inventaram para anestesiar a Argentina e manter até hoje uma coorte popular saudosa desses tempo de desastre nacional anunciado (nem os anos dramáticos da Junta Militar conseguiram -no meio de um cortejo de horrores- vacinar duradouramente os “descamisados”).

Pelos vistos, só entredentes e em voz baixa, é que há quem lembre as responsabilidades da “Esquerda” neste vertiginoso caminho para o abismo. A “Direita” só não aproveitava este desastre ético, social e económico se fosse absolutamente imbecil. E nunca, por nunca, o é.

Ontem, na televisão, o pomposo dr. Louçã insistia na tola trivialidade: Bolsonaro é “fascista”. Eis uma qualificação fácil, encantatória, própria de um sacristão retardado que, pelos vistos, não aprendeu a história do século XX. Bolsonaro é claramente de Direita, odeia homossexuais, criminosos ( e no Brasil, no último ano, houve vários homicídios por dia, parece mesmo que por hora!), tem uma devota admiração pela generalagem da última ditadura que, aliás saiu pelo seu pé sem revolução das massas ou golpe de algum quartel menos autoritário. Nada disto absolve os militares golpistas mas também não eleva a nenhum altar especial os seus opositores (que, uma vez caído o regime, se multiplicaram como os pães e os peixes evangélicos. Como cá, aliás, como cá...).

A democracia brasileira teve de tudo e, sobretudo, abundaram os políticos medíocres, os Sarney, os Collor de Mello, os Itamar Franco... A ascensão do Partido dos Trabalhadores foi fartamente ajudada pela mediocridade desta gente e poderia ter produzido um estado regenerado não fora a fatal atracção pelo abismo. A corrupção aumentou e com ela aumentaram os corruptos, os corrompidos, a exasperação de quem assistia a este deboche.

Quando o cerco judicial a Lula se começou a apertar, Dilma Roussef, a “presidenta” (é dela o termo tão enganadoramente feminista) não soube, ou não pode, ou não a deixaram, distanciar-se do padrinho, bem pelo contrário. Caiu com ele, perante o protesto dos que subitamente entendiam a Justiça como demasiado politizada. A mesmíssima Justiça que já tinha atirado para a prisão dezenas de poderosos empresários e acusado outros tantos para não falar da multidão de políticos indiciados e arguidos por corrupção. Mas a “Justiça” só é boa quando varre os nossos inimigos...

O PT, entretanto, não percebeu que um candidato preso não é um candidato credível. E que insistir nele pode ter efeitos imprevisíveis. E assim começou a surdir um candidato improvável, um deputado discreto que percebeu (e para isso não era preciso especial clarividência) que o eleitorado brasileiro achava insuportável o partido no poder, o sistema, o desemprego que crescia exponencialmente, a criminalidade incontrolável o custo de vida, as tentativas canhestras (sentidas, aliás, como ilegais, imorais e injustas) de libertar Lula.

Haddad, que poderia ter sido um excelente candidato original e não – como a sociedade brasileira pressentiu – um “pau mandado” (que reunia semanalmente com Lula!!!), um homem de palha que, uma vez no poder, amnistiaria imediatamente o seu mentor, foi escolhido quando o furacão já vinha a caminho. A pergunta que poderia fazer-se é se o aparelho “pêtista” sequer o queria, se confiava nele se não esperava apenas o momento de o defenestrar, uma vez ele eleito e amnistiado Lula.

Percebe-se a desconfiança dos outros candidatos ditos democratas, o mais que tíbio apoio (sempre “crítico”) que deram a um homem que fora, todos concordam, um bom governador de S Paulo, mas que não tem qualquer mandato electivo para poder agir num futuro imediato. De que modo poderá Haddad intervir? Terá o apoio do partido a quem evitou uma derrota humilhante? É bom não esquecer que, da primeira para a segunda volta, o PT com Haddad registou uma subida quase vertiginosa (de 22 para 44% mesmo se nesse número se possam, e devam imperativamente, contar-se com as vozes de todos que repudiavam Bolsonaro mesmo que a simpatia para com o PT fosse inexistente ou diminuta.

Por outro lado, o PT tem a maior bancada no Congresso onde campeiam cerca de trinta partidos. Com esta pulverização partidária, Bolsonaro não terá a vida fácil. Não me custa pensar que terá de misturar alguma água ao seu vinho se é que não será obrigado a engolir sapos, e bem gordos. O mesmo sucedeu, aliás, a Trump que já viu medidas programáticas suas serem derrotadas e abandonadas. Julgo mesmo que a privatização de algumas grandes empresas públicas naufragará na antiquíssima tradição brasileira, reforçada nos tempos de Getúlio que, se não erro, foi quem estatizou a Petrobrás, entre outras.

No que diz respeito às medidas securitárias, é bom recordar que a polícia depende das autoridades estaduais (e os Estados do Nordeste são pêtistas) pelo que, mesmo neste ponto extremamente melindroso, muita água passará debaixo da ponte.

A liberalização do uso e porte de armas levanta um curioso problema: pelos vistos, no Brasil, os criminosos sempre tiveram um acesso franco e fácil à aquisição de armamento (de que fazem um uso generoso e imoderado: não são apenas os 36.000 homicídios contados anualmente mas a quantidade provavelmente muitíssimo maior de agressões, roubos, ameaças e assaltos diariamente perpetrados o que faz com que muitos particulares sintam essa promessa como justa, leal e necessária. Tudo isto terá de passar pelo crivo do parlamento onde os bolsonaristas, lato senso, não detém a maioria.

O “fascismo” na sua essência pressupunha uma visão pagã da vida, um partido único, militarizado, organizações militarizadas da juventude, dos sindicatos, submissão das igrejas ao Estado quando não o seu enfraquecimento. Por muitas homilias que Louçã pronuncie, nada disto, pelo menos nos curto e médio prazos, é ou parece ser exequível.

De todo o modo, o discurso do futuro presidente do Brasil é assustador, repelente e não augura nada de bom. A personagem é antipática, o seu passado é risível e são permitidas todas as dúvidas (até as menos razoáveis) sobre a sua capacidade para governar. De certo modo, isso acaba por minorar algum receio (minorar, repito, não apagar) que eu tenha. Bolsonaro terá de se apoiar em alguém como já é patente no que toca à Economia (onde, temivelmente, parece prosperar um ultra-liberal) e na Casa Civil.

O Brasil, não sendo uma “tenda de milagres”, não é também um país conformista, habitado por dóceis fantasmas. O famoso “jeitinho”, o desembaraço, a atitude lúdica e desafiante de boa parte da sua gente, se levaram à catástrofe da corrupção instituída e respeitada, também permite pensar num combate vitorioso a esse estado das coisas e numa eventual eventual salvação. Assim seja

 

Pode ser sempre pior

JSC, 23.10.18

Por muito insólito que pareça tivemos um político, com mais de vinte anos de carreira, que nunca se assumiu como político e que continua a agir como se nada tivesse a ver com a política. Chama de “artista” a outros políticos. Quando ele é o verdadeiro artista. Foi Presidente e também fez das funções presidenciais o papel de escriva, tira notas em cadernos azuis, anotou conversas, esgares e sorrisos das pessoas que recebia em reuniões privadas, pessoas que não podiam imaginar que estavam a ser espiadas, a fornecer matéria para alimentar páginas e páginas futuras de estórias. Premeditação pura e dura. Assuntos de governança revelados em jeito descontraído, quase irresponsável. Foi pago pelos contribuintes para construir um arquivo seletivo, arquivo que agora usa e divulga em doses bem programadas, no tempo dos presentes de Natal. Insólito mesmo é que o Estado restaurou um palácio para lhe dar guarida diurna, onde faz não se sabe o quê, talvez se entretenha a passar a limpo aquelas coisas, em letra de imprensa, para revelar o que foi privado e privado deveria manter-se. Insólito é que fature com as conversas privadas que teve. Muitas vezes se ouviu quem saía dizer: não revelamos a conversa que tivemos com o senhor Presidente. O que não lhe passava pela cabeça é que o dito iria revelar essas conversas, quando já não Presidente. Ainda pode ser muito pior.

A propósito de Cativações…

JSC, 21.10.18

Orçamento de Estado para 2011

 

«Disciplina orçamental

Artigo 2.º

Utilização das dotações orçamentais

1 - Ficam cativos 12,5 % das despesas afectas ao capítulo 50 do Orçamento do Estado em financiamento nacional.

2 - Fica cativa a rubrica «Outras despesas correntes - Diversas - Outras - Reserva» correspondente a 2,5 % do total das verbas de funcionamento dos orçamentos dos serviços e organismos da administração central.

3 - Ficam cativos, nos orçamentos de funcionamento dos serviços integrados e dos serviços e fundos autónomos:

a) 10 % das dotações iniciais das rubricas 020201 - «Encargos das instalações», 020202 - «Limpeza e higiene», 020203 - «Conservação de bens» e 020209 - «Comunicações»;

b) 20 % das dotações iniciais das rubricas 020102 - «Combustíveis e lubrificantes», 020108 - «Material de escritório», 020112 - «Material de transporte - peças», 020113 - «Material de consumo hoteleiro», 020114 - «Outro material - peças», 020121 - «Outros bens», 020216 - «Seminários, exposições e similares» e 020217 - «Publicidade»;

c) 30 % das dotações iniciais das rubricas 020213 - «Deslocações e estadas», 020220 - «Outros trabalhos especializados» e 020225 - «Outros serviços»;

d) 60 % das dotações iniciais da rubrica 020214 - «Estudos, pareceres, projectos e consultadoria».

4 - As verbas transferidas do Orçamento da Assembleia da República que se destinam a transferências para as entidades com autonomia financeira ou administrativa nele previstas estão abrangidas pelas cativações constantes do presente artigo.

5 - A descativação das verbas referidas nos n.os 1 a 3 bem como a reafectação de quaisquer verbas destinadas a reforçar rubricas sujeitas a cativação só podem realizar-se por razões excepcionais, estando sujeitas à autorização do membro do Governo responsável pela área das finanças, que decide os montantes a descativar ou a reafectar em função da evolução da execução orçamental.

6 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a cativação das verbas referidas nos n.os 1 a 3 pode ser redistribuída entre serviços integrados, entre serviços e fundos autónomos e entre serviços integrados e serviços e fundos autónomos, dentro de cada ministério, mediante despacho do respectivo membro do Governo.

7 - No caso de as verbas cativadas respeitarem a projectos, devem incidir sobre projectos não co-financiados ou, não sendo possível, sobre a contrapartida nacional em projectos co-financiados, cujas candidaturas ainda não tenham sido submetidas a concurso.

8 - A descativação das verbas referidas nos números anteriores, no que for aplicável à Assembleia da República e à Presidência da República, incumbe aos respectivos órgãos nos termos das suas competências próprias.»

As cativações sempre existiram. Porquê tanta polémica agora?

Tal polícia, tal comentador…

JSC, 18.10.18

Estou no restaurante, a televisão está ligada e ouve -se. Você está na TV, lê-se no ecrã. Alguém encontrou uma carteira no aeroporto, entregou-a a um polícia da PSP. Este elaborou o respectivo auto. O turista que perdera a carteira apareceu a levantar a mesma. Faltavam 300 euros. Apresentou queixa por furto.

 

Segundo os mentores do programa, observadas as câmaras de vigilância do aeroporto verificou-se que o polícia sacou os 300€. Os comentadores do programa condenaram, em uníssono, o comportamento do polícia. Colocou em causa a instituição, dizia um. É representativo do que é ser português, atalhava outro. A cereja surgiu quando um deles diz que o polícia deveria ter-se  lembrado que num aeroporto há câmaras por todo o lado, logo se queria tirar o dinheiro deveria ter ido ao quarto de banho. Riram-se muito.

 

Estes programas são mesmo muito instrutivos… ainda se queixam dos portugueses, que são isto e aquilo. A trupe de palradores que por aí gravita, nivela, no geral, por baixo o que de pior existe em cada pessoa, mesmo quando sorriem. As audiências assim o exigem, o cachet que recebem também.

Diário Político 2010

d'oliveira, 18.10.18

Remodelar, verbo transitivo

D’Oliveira fecit 17-Out-1918

 

Se apenas nos detivéssemos a analisar os discursos, prima facie, seríamos surpreendidos por esta brusca dança de cadeiras no Governo. O Primeiro Ministro andou nos últimos meses a dizer que tudo estava bem, que não mexia nas suas criaturas. Em jornais e na televisão esta foi a pauta musical mais usada. Usada, diga-se, até à exaustão.

Afinal, havia uns ministros exaustos, usados, desgastados. Alguns saíram no domingo depois de terem aprovado um Orçamento que outros hão-se cumprir. É bizarro mas é assim. Cavalheiros com o pé no estribo aprovam o mais importante documento que não irão cumprir! Portugal is different! Allways...

Há quem diga, fiando-se apenas no habitual nariz de cera desta ocasiões, que estes responsáveis saíram por seu pé. Que, ao contrário dos comentadores mais maldosos, inimigos do Governo, pedreiros livres, bolchevistas e tudo o mais que alguém se lembre, estas agora desaparecidas criaturas chegaram-se mansamente ao dr. António Costa e pediram com varonil insistência que as deixasse ir para o sossego dos seus lares, para o conforto da família, agora que o Natal está próximo...

Este “suave milagre” não tem grande base. Primeiro porque, se alguém quer mesmo sair, sai nem que seja a bater com a porta. Depois porque, pelo menos no caso do ex-ministro da Defesa, a sua defenestração estava na ordem do dia há meses. Só por birra bizantina é que a criatura não percebia que estava a mais, que, eventualmente, sabia de mais. Quem o viu, nas últimas semanas, garboso e marcial, ao lado do Primeiro Ministro que o cumulava de amabilidades, percebe perfeitamente que o homem se agarrava ao lugar como lapa ao rochedo. Estava, parecia dizer, de pedra e cal.

O senhor Ministro da Cultura, depois de mandado para casa, afirmou que fora muito feliz no seu ministério. Ora quem diz isto não faz supor que andasse pelos cantos do palácio a remoer mágoas e queixumes e a pedir pelas alminhas que o soltassem daquela medonha prisão da Ajuda.

O senhor Ministro da Saúde, não só permaneceu impávido e sereno (e muitas vezes com razão, demasiada razão...) perante os ataques de médicos e de enfermeiros, perante os remoques sobre o SNS (de cuja quase falência de nenhum modo era responsável: é bom lembrar que ali, na falta de meios, andou sempre a mãozinha de Centeno) foi, também ele, alvo da defesa pertinaz do chefe do Governo.

O discreto ministro da Economia que nunca conquistou as simpatias dos media, do público, das empresas e do resto, desdobrou-se nas últimas semanas num frenético rol de actividades, aparecimentos, promessas e declarações que, também, não prenunciavam qualquer ímpeto de abandono. Bem pelo contrário.

E por aí fora (sem esquecer Seguro Sanches que sai para alegria de todos os que andam a ganhar a vidinha cobrando ao Estado, melhor dizendo a nós, balúrdios muito mal justificados se justificação cabe aqui).

A imprensa, falada e escrita, jura que esta mudança tem em vista fortalecer a componente política do Governo. Não consta que, por exemplo, a dr.ª Graça Fonseca conheça melhor o mundillo cultural do que qualquer dos seus antecessores. Sabe-se, isso sim, que é uma fiel entre os fieis de St. António Costa pai dos milagres sucessivos. Idem quanto ao jovem Galamba cujo conhecimento das políticas energéticas é desconhecido de todos. Mas, também ele, é um fiel mais seguro do que o embaraçador Sanches que de seguro só tinha o nome.

Diz quem sabe que a novel ministra da Saúde tem sobre o sector um olhar que não se diferencia especialmente do substituído ministro. Mas que este estaria desgastado pela violenta e persistente ofensiva das corporações da saúde e pela endémica falta de dinheiro. A ver vamos se, como no das rosas, haverá o milagre da multiplicação de verbas para a Saúde.

As remodelações ocorrem quando algo começa a falhar ou para, pelo menos, dar a imagem que há algo de novo no horizonte. A “novidade” é um produto que vende bem sobretudo em época pré-eleitoral. Todavia, lembremos que vinho velho em odres novos não demonstra nada, mesmo se o provérbio fale em vinho novo em invólucro bem antigo.

E finalmente, a pergunta ou a constatação: estes novos responsáveis vão governar dentro de umas balizas orçamentais para as quais em nada contribuíram. É verdade que o Orçamento só fecha depois da discussão no Parlamento. Mas alguém acredita que, depois de tanta discussão no interior da “geringonça”, mude algo de substancial? Que os recém chegados Ministros que terão de penar um par de semanas só para conhecer os corredores do seu ministério e alguns dos mais importantes dossiers, poderão ter na discussão uma intervenção realmente produtiva?

As remodelações são sempre uma aposta ou, no pior dos casos, um remedeio para situações controversas (ainda hoje, em França, se noticia uma e seguramente que na Alemanha estará na forja algo do mesmo género dada a nova situação criada na Baviera onde a CSU registou –mesmo vencendo – o seu pior resultado em cinquenta anos E o SPD quase despareceu: tem menos de 10% dos votos e e 2º partido passa a 5º).

As espectativas que geram ou pretendem gerar é que não são sempre as mesmas. Por cá, o mais interessante foi a reacção dos parceiros da coligação. Apanhados de surpresa, reagiram comedidamente para não dizer desconfiadamente. É que dois cenários se perfilam: Costa quer a maioria absoluta ou tão só pretende evitar a usura de mais um ano complicado. Convenhamos que este é o que mais conviria ao BE e ao PC, sobretudo ao primeiro. Só que, neste caso, há uma confissão de que nem tudo o que brilha é ouro de lei. E, nesse caso, os partidos que, fora do Governo, o apoiam também devem pagar parte do prejuízo.

Claro que nada disto, neste momento, permite que a Oposição se entusiasme. Os anos de governo de Passos (nem sempre justamente) são considerados os da crise. Sócrates está demasiado longe para que alguém se lembre da falência trágica que fez a Troika entrar em Portugal. E, para maior ironia, o tratamento de choque aplicado pela coligação de Direita está na base do ressurgimento que, anos depois, se verificou e ainda se verifica. Isso e a política do BCE, o imenso esforço de reconversão das indústrias exportadoras e a vaga de turismo sem precedentes propiciada pela insegurança na grande maioria dos destinos turísticos mediterrânicos.

Dir-se-á que o povo português pagou um alto preço nesses anos dramáticos, a começar pelo desemprego. Também aqui, convém separar as águas. Foi o sector privado quem, de facto, sofreu a vaga de falências, de despedimentos, de empresas encerradas. E a emigração. Os funcionários públicos mantiveram os seus postos de trabalho mesmo se, como com os professores viram algumas espectativas bloqueadas. Aliás, os famosos 9 anos, quatro meses e não sei quantos dias dos senhores professores não começaram com Passos mas sim, antes, com Sócrates. O mesmo Sócrates que na iminência das eleições de 2009, aumentou os vencimentos da Função Pública...

No entanto, na hora do voto, a memória não costuma mergulhar tão longe e é com isso que Costa conta.

Ainda é cedo para analisar as medidas propostas no projecto de OE. Algumas, porém, são apenas fachada. Assim, a proposta de diminuir em 50% o IRS dos emigrantes que regressem só terá impacto se de facto houver regressos. O que parece pouco provável pelo que até à data se conclui das declarações dos interessados. Não vejo um enfermeiro, por exemplo, a trabalhar na França ou na Inglaterra a resolver baixar fortemente o seu salário atual para vir ganhar o que os congéneres recebem em Portugal. A incidência de 50% no IRS não parece argumento suficiente.

Outro ponto, que aliás me surpreende, é a baixa generalizada de propinas universitárias. Tal facto aproveita a pobres, remediados e ricos. E embaraça as universidades que, a secas, perdem 50 milhões de euros que, eventualmente, serão repostos pelo Estado. Porém, como afirmava a Federação Académica do Porto, esses milhões permitiriam duplicar o número de residências universitárias. Ora o alojamento de estudantes nas maiores cidades (Lisboa, Porto, Coimbra ou Braga e Aveiro) está caríssimo e raro. Os duzentos euros que cada estudante pagará anualmente a menos são uma gota de água no preço de quartos que atingem e até superam os 500 euros mensais.

Esta medida foi apresentada pelo BE e aceite pelo PS. Percebe-se que o BE saído da burguesia urbana de Lisboa e Porto não sinta com a mesma urgência o problema dos jovens deslocados da província. Ou não se percebe, mas isso é outro contar...

Também não se vê um abrandamento na incidência dos impostos indirectos, os mais danosos porque atingem todos. Atingem desigualmente, ao fim e ao cabo, visto que o mesmo imposto no preço de um quilo de batatas tem significados diferentes consoante se ganhe o ordenado mínimo ou um salário de, p.e., 2000 euros.

O Orçamento é sempre um instrumento político o que não é grave. O problema dos orçamentos feitos no fio da navalha é outro: basta que os juros subam, ou subam mais do que o previsto e a dívida dispara e o deficit aumenta. Mesmo que não se espere nada de dramático, não deixa de ser preocupante o facto de todas as previsões indicarem uma atenuação do crescimento. É por isso que a OCDE e o FMI discordam da previsão optimista de Centeno. Por outro lado, a guerra comercial EE.UU. /China e o desenlace do Brexit, deixam pairar mais sombras do que luz sobre os anos mais próximos.

Há pois mais incertezas do que as que nos querem fazer crer. Claro que não é morte de ninguém um défice mais alto, ligeiramente mis alto do que o proposto. Há caminho feito e poderemos esperar mais um ou dois anos pelo equilíbrio orçamental. De resto, os orçamentos são sempre passíveis de medidas de correcção (“retficativos”), como se viu em anos precedentes. Não se pretende ser profeta da desgraça (nem ela é desejada, bem pelo contrário) mas convém gastar menos nos foguetes no caso de ter de apanhar as canas na cabeça. Cautela e caldos de galinha nunca são de mais.

 

(nota que tem pouco a ver: o Chefe de Estado Maior do Exército demitiu-se. Menos um trabalho para o Ministro Cravinho. Não poderia desejar melhor ao filho de um bom, velho e leal amigo).

 

 

au bonheur des dames 462

d'oliveira, 16.10.18

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Evidências...

mcr 16.10.18 

O Sr. Professor Azeredo Lopes já era. Aqui, muito à puridade, há meses, desde o fatídico dia do roubo de Tancos, que o senhor deveria ter feito a trouxa e regressado a penates.

Todavia, S.ª Ex.ª nunca percebeu, apesar da fama de inteligência de que goza, o que é costume chamar-se “responsabilidade política”. Pior, mesmo inteligentíssimo, andou dias, semanas, meses, a bolsar tolices sobre o caso, a fugir com o dito cujo à seringa, tornando-se uma figura anedótica no Governo. Parece que nunca o percebeu e que o Sr. Primeiro Ministro também não. Bizarrias!...

Quem parece também não ter percebido nada disto foi o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: o Sr. Professor Santos Silva acha que esta demissão, quando já tudo estava perdido, “enobrece” o seu amigo e colega. Das duas uma: ou o Sr. Ministro Silva não sabe o que significa a palavra nobre e o verbo dela derivado “enobrecer” ou anda a “chuchar com a maralha”. Será que pensa que somos uma caterva de idiotas, só úteis no momento do voto, ou julgará, do alto de uma incomensurável e deslocada prosápia, que nos atira areia para os olhos?

A esfarrapada desculpa do doutor Azeredo Lopes ( a defesa da dignidade das forças armadas) roça o insultuoso. Ainda por cima foram elementos das FA que traficaram a verdade, que esconderam a verdade (as altas chefias do Estado Maior, cujo actual vice-chefe foi chefe de gabinete, recebeu um memorando e o guardou até há dias quando foi obrigado a entrega-lo!...; os dirigentes da PJM que, mesmo sob a alçada do Ministro, não deixam de ser oficiais superiores, um coronel e um major...) Tudo isto é patético, pateta, supinamente estúpido. Basta este leque de ramalhudas personalidades para deitar abaixo qualquer prestígio que existisse. Vão ser precisos anos para se extinguir o riso (e a vergonha) que um caso ridículo como este suscita. Leiam, senhores leitores, o que a imprensa internacional relatou. Leiam e meditem. Não peço aos senhores generais, aos senhores que foram condecorados, aos senhores que esconderam este lixo debaixo do tapete, que leiam eles também. É que ponho em dúvida que saibam ler, ou sabendo-o, que saibam perceber a enormidade deste episódio de faca e alguidar.

A demissão nada teve de nobre, sequer de convincente, tratou-se de um naufrágio numa banheira de água doce sem qualquer laivo de história trágico-marítima. E veio com um atraso maior do que os actuais comboios da CP (isto quando circulam o que quase só é a excepção e não a regra).

 

O mundo cultural entrou em polvorosa com o “estranho caso de Serralves” (título que respigo hoje do jornal). Ninguém percebe como é que o sr. Ribas, curador da exposição Maplethorpe se demite. Eu ouvi o presidente da sociedade Maplethorpe, um cavalheiro inglês ou americano, dizer impavidamente que tudo se passara sem atritos nem censuras. Que haver uma sala “reservada” era já um hábito, que o programa de Ribas fora totalmente executado, que a Administração de Serralves agira correctamente sem impor o que quer que fosse. Ouvi os senhores representantes do Estado na Administração dizerem o mesmo. E note-se que os representantes do Estado são independentes do poder financeiro local que vai dando a os lugares a quem entende. Ainda não ouvi o sr. Ribas que mantém o seu surpreendente silêncio já lá vão quase duas semanas.

Isto não pode ser uma novela de Agatha Christie, sequer de Ross Pynn (que afinal era o portuguesíssimo Roussado Pinto, cavalheiro inteligente que percebera que só com nome anglo-saxónico – ainda não estavam na moda os autores do Norte europeu- é que os leitores compravam os livros). A sr.ª dr.ª Ana Pinho, que não conheço de lado nenhum, que porventura jamais conhecerei, já disse que em nada pressionara o sr. Ribas. Porém, alguns alegados “amigos da verdade” insistem em tornar pública a sua incredulidade e, indirectamente, em defender o sr. Ribas do qual, infelizmente, não temos novas nem mandados.

No rescaldo desta novela luso-portuense ficou a saber-se que Serralves recebeu dos cofres públicos no último ano, mais de quatro milhões de euros! E que isso é o normal!! O normal todos os anos!!!

Se nos lembrarmos que Serralves foi comprado pelo Estado, que as obras foram pagas pelo Estado, que grande parte da colecção residente pertence(u) ao Estado, Mirós incluídos, percebe-se porque é que o Estado nomeia dois administradores e, aliás, conviria perguntar qual é a percentagem das entregas do Estado nas receitas globais da Fundação. Eu tenho o maior dos apreços pelo esquema do mecenato privado, conheço inúmeros casos mormente americanos, ingleses e franceses, contribuo regularmente nas campanhas lançadas por museus estrangeiros e nacionais para a compra de peças importante e caras para as quais não há recursos públicos. Já tentei, até agora sem êxito, oferecer a minha biblioteca (mais de vinte mil livros, centenas de primeiras edições, algumas raridades, mais de mil títulos sobre “expansão portuguesa”) a uma Biblioteca. Nem sequer pedia que citassem o meu pobre nome, era o que faltava!, ou que não vendessem os títulos mais comuns e sobrantes para com isso fazer face às despesas de instalação dos restantes. Propus-me mesmo legar, do mesmo modo, cerca de 10.000 discos (LP e CD), uma dúzia de esculturas, quase um cento de pinturas, gravuras e múltiplos, para já não falar de uma colecção de máscaras africanas (e não há assim tantas no domínio público português). Nada! Muito entusiasmo mas nada. Não há espaço. As bibliotecas públicas estão atulhadas, tem pequeníssimos depósitos e, pelos vistos, cada vez menos leitores. De resto conheço várias, que tendo recebido belíssimas colecções as mantem nos caixotes originais sem sequer as classificarem. Bem me dizem os meus amigos alfarrabistas que o melhor será os meus herdeiros dispersarem uma biblioteca amorosamente reunida durante mais de cinquenta anos em leilão. O mesmo me diz o sr. .Keita, um cavalheiro do Mali, dono de uma galeria de arte africana e que está o organizar as colecções dos seus clientes num site e, posteriormente, caso estes queiram, colocá-las em mercados americanos e/ou mundiais. De resto, os americanos compram mensalmente dezenas de livros editados em Portugal desde que toquem expansão africana, colónias, mapas e atlas portugueses e por aí fora. O indigenato local e quem o representa não vê este êxodo de boas publicações só se lembra de obras de arte que muitas vezes nem na segunda divisão mundial alinham. Aí é um alarido de críticos, curadores, conservadores e outros falsos tenores que apontam os dedinhos acusadores ao Governo.

 

Em boa verdade, O Governo é , como sempre, quem tem todas as culpas. Ainda há uma semana umas centenas de artistas (ou de criaturas que se apresentam como tal...) apresentou ao sr. Primeiro Ministro um abaixo-assinado denunciando o facto nefando de o Estado, os Museus, as autarquias e o resto das entidades públicas, dependentes dos dinheiros públicos (que todos nós pagamos convém lembrar), não comprar ou não adquirir, na quantidade suficiente, os fulgurantes frutos do seu trabalho.

Note-se que nem sequer se dignaram passar pelo “Ministério” da Cultura onde pontificava até domingo um senhor embaixador e poeta (ou vice-versa) que – como a sua produção literária – obrava com a máxima discrição.

Eu não sei se o sr. ministro em causa se demitiu ou se o demitiram. Por mim, bastaria essa desatenção das massas supostamente artísticas e o seu recebimento por qualquer criatura da presidência do Conselho de Ministros para imediatamente fazer as malas e, sem olhar para traz, rumar aos antípodas. S.ª Excelência, porventura movido por um exagerado sentido de Estado calou, consentiu e esperou patrioticamente que o corressem do palácio da Ajuda. E jura que foi “muito feliz", naquele ministério ninho de víboras, desencontros, conspiratas e clãs inimigos que se degladiam.

Espero, sem especial fé, que não tenha sido a desfeita levada a cabo pelos vociferantes artistas pedinchões, que fizeram cair o ministro. Que ele não tinha vocação para tal cargo é um facto indesmentível mas isso notou-se logo no primeiro dia. Se culpado há, não é ele mas quem o escolheu. Bem sei que era para substituir um valentão de feira que queria esbofetear meio mundo (é certo de que da ameaça aos factos iria sempre um passo que era difícil de dar. Daí a incredulidade tranquila dos ameaçados e a inveja de muita gente que gostaria de dourar -mesmo vagamente- os seus pergaminhos com uma tão tonitruante como incongruente declaração de guerra).

Voltando à multidão de solicitantes do favor público (que pretenderiam juntar-se a outros ajuntamentos mormente os dos teatro e do cinema) seria bom recordar que a sorte ou o êxito dos artistas plásticos depende essencialmente do público privado, das galerias que os expõem e dos prémios com que brindam os melhores. Estou à vontade para o afirmar pois sempre (ou até me fartar) fui “habitué” de galerias e exposições e, durante anos, comprei arte nesses mesmos sítios. As paredes foram-se enchendo e os preços subiram graças a uma desenfreada especulação alimentada pelos anos de vacas gordas e pela gentinha que à falta de gosto queria comprar para depois vender. Muitas e importantes galerias dedicaram-se a solicitar essa fauna e o resultado viu-se: subiu artificialmente cotação de vários artistas (sem que estes protestassem ou sequer se dessem por achados) e quando a crise –ainda nos anos 90 – chegou tinham desaparecido os pequenos colecionadores enquanto os especuladores iam em busca de outros espólios. Disso ficou um rasto de galerias fechadas, de criadores desamparados, de cotações artísticas esvaziadas. E amargura, muita amargura.

Conviria dizer aos actuais protestários que quem deve ser convencido da sua excelência, do seu génio, da sua implacável novidade, somos nós, o público que durante séculos, aliás sempre, foi quem comprou pintura, fotografia, pequena escultura, livros, foi ao teatro, ópera ao bailado e ao cinema. Por muito que isto possa parecer filisteu...

O Estado e boa parte das instituições estabelecidas jamais apostam na aventura, na novidade, na iconoclastia. Bem pelo contrário: dão a primazia ao académico e ao consagrado. E por vezes ao mau gosto ou, na melhor hipótese, ao gosto requentado. Bater à porta dessa instituição é um exercício fútil. Ou uma íntima convicção de que a nossa obra (a deles...) é cediça. A menos que se pense que, em pré-época eleitoral, o partido no poder compre arte em troca de votos. Cruel engano: os governos querem grandes massas e não umas escassas centenas de “artistas”. Querem nomes consagrados e não génios em botão. Querem artilharia e não tiros de pólvora mais ou menos seca.

 

A semana que passou e que terminou ontem com uma tomada de posse foi, do ponto de vista político, isto. Com um furacão à mistura e a passagem do primeiro aniversário dos fogos de Outubro de 17. Ao que ouvi, não houve ainda uma verdadeira limpeza dos matos e, muito menos, dos rebentos infestantes de eucalipto. Irá haver enquanto é fácil e se vai a tempo? Quanto às empresas arruinadas está ainda muito por fazer ou refazer. E isso significa muitos postos de trabalho no interior. Também os criadores de gado, os donos de colmeias esperam por ajuda. Infelizmente são poucos milhares divididos por cinco distritos com poucos deputados, ou seja que não valem uma aposta. E não se juntam às portas de S Bento nem são notícia nos jornais.

* na gravura: máscara kanaga (povo dogon. Mali)

 

Costa remodela a um ano das eleições

José Carlos Pereira, 15.10.18

Tomada de posse do XXI Governo de Portugal.PNG

 

António Costa reagiu de pronto à oportunidade suscitada pelo pedido de demissão de Azeredo Lopes e fez uma das remodelações ministeriais mais amplas dos últimos executivos. Não se conhece ainda o elenco dos novos secretários de Estado para se poder fazer uma avaliação completa desta remodelação, mas o primeiro impacto é positivo e creio que surpreendeu os partidos da oposição. Saem ministros que estavam desgastados – Adalberto Campos Fernandes e Azeredo Lopes – ou que nunca se impuseram verdadeiramente nas áreas respectivas – Caldeira Cabral e Castro Mendes – e entram nomes seguros e experientes. Só a nova ministra da Saúde é neófita nas lides políticas, muito embora tenha já uma larga experiência académica e profissional. É sintomático ainda que todas as saídas tenham ocorrido a pedido dos próprios, não havendo lugar a zangas e amuos, como sucedeu em processos semelhantes de anteriores governos.

Costuma dizer-se que os ministros são como os melões, só depois é que se sabe se são bons, mas a iniciativa de António Costa, a um ano das eleições legislativas e depois de cumprido o processo de aprovação da proposta de Orçamento do Estado, poderá permitir ao Governo uma nova energia e um novo impulso. A saúde precisa de pacificação e também de mais dinheiro. A economia necessita de mais proximidade e de medidas favoráveis às empresas. A cultura aguarda por uma liderança que dê expressão a um maior dinamismo do sector. A defesa terá de contribuir para que se investigue a fundo as trapalhadas que envergonharam o país e de conduzir com tacto uma reforma estrutural das forças armadas.
António Costa, que já assumiu que tem no BE e no PCP amigos com quem nunca poderá casar, dispõe de um ano pela frente para tentar alcançar a maioria absoluta. Com uma equipa renovada e um Orçamento do Estado amigo das famílias, sobretudo das que mais precisam. E Rui Rio todos os dias lhe facilita o caminho

Alguma razão e abundante falta de bom senso

JSC, 12.10.18

Hoje, no Público, um dirigente do Sindicato (?) Nacional da Policia anuncia que vão distribuir flyers à porta da Web Summit, não só na soleira, dizem, compraram bilhetes para irem para o interior do Pavilhão.

 

O que pretendem com esta ação tão imaginativa?

 

Primeiro, alertar os milhares de participantes, sobretudo estrangeiros, para a “os problemas de segurança no nosso país”;

 

Segundo, aproveitar a presença de milhares de jornalistas estrangeiros para anunciar ao mundo que em Portugal há falta de segurança ou, como diz, pretendem que a sua “mensagem seja noticia em todo o mundo”.

 

Temos de tirar o chapéu a tão imaginativa ideia. Só seres muito, muito dotados se lembrariam de tal coisa. Nós, profissionais da Polícia, assegurarmos que vocês, que nos visitam, não estão seguros, correm perigo, divulguem isto nos vossos países, …,

 

É certo que este Sindicato(?) está muito à frente do Sindicato dos Professores que, recentemente, fez uma arruada pelos Algarves a distribuir flyers aos turistas acerca dos 9A6M2D.

 

Uns e outros podem ter carradas de razão na reivindicação e defesa dos seus interesses específicos. Uns e outros podem estarem nas tintas para o enquadramento geral do que reivindicam. Tenho para mim, que esta forma de reivindicar revela uma absoluta falta de bom senso, uma grande ausência de sentido pelo que é o interesse nacional que uns e outros deveriam, obrigatoriamente, prosseguir.

 

É caso para dizer: a razão (ou a falta dela) tolhe-lhes o bom senso.

"Um canalha à porta do Planalto"

José Carlos Pereira, 12.10.18

Francisco Assis escreveu um texto incisivo no "Público" sobre as eleições presidenciais no Brasil, no qual retrata Bolsonaro como um “canalha em estado puro”, defende que não há forma de equiparar Haddad a Bolsonaro e, como corolário, desafia o antigo presidente Fernando Henrique Cardoso a vir apoiar Haddad, de modo a fazer justiça ao seu papel histórico.

Uma tomada de posição firme e corajosa de um eurodeputado que tem tido especiais responsabilidades na relação do Parlamento Europeu com a América Latina. Com atitudes como esta, posso reafirmar o orgulho de ter sido mandatário em Marco de Canaveses da lista que Francisco Assis liderou ao Parlamento Europeu em 2014.

Au bonheur des dames 461

d'oliveira, 12.10.18

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No Chiado, pelo fim da manhã

(indignado...)

mcr 8-10-18

 

Venho da rua do Alecrim, melhor dizendo da livraria Trindade. A livreira gentil que me atendeu estava desolada. Acabara de receber uma notificação do senhorio: tem um ano (oh generosidade, e isto não é ironia, normalmente dão umas semanas, dois ou três meses para arrumar a trouxa e desandar) para procurar outro canto para viver.

Estava na casa que inda é dela há muitos anos. E pagava uma renda actualizada recentemente. Todavia, a pressão turística, a miragem de lucros “à- Robles” (esse mesmo, o defensor do direito à habitação, o cavalheiro que na ânsia de servir melhor os interesses dos munícipes comprara um prédio velho e o dividira em onze apartamentos T/0 para poder seguramente beneficiar onze famílias. Como não terão aparecido decidiu vender o imóvel por uns milhõezitos de euros, coisa pouca, para quem arriscara quase 300.000 euros...).

É verdade que o senhor Robles já não é vereador, eventualmente já não tem cargos dirigentes no grupo justiceiro de onde surdira, quiçá nem militante já é... , entretanto, o mesmíssimo grupo que assobiara para o lado durante as aventuras de compra e venda e restauro do imóvel, apareceu de novo com mais um projecto de taxar senhorios, vendedores e compradores (ou vice versa) para salvar a cidade do capitalismo turístico e invasor. Nisto de taxas, o BE não é peco. Digamos que leva a sério a herança do slogan “os ricos que paguem a crise”, o que só lhe fica bem: os bons filhos aos pais se assemelham.

 

No entanto, não posso deixar de me indignar com as tropelias que alguns (muitos, talvez, mas sempre uma minoria) senhorios actualmente cometem. E com a aparente bonomia de responsáveis, de autoridades que vêm o centro das cidades desertificar-se, perder as suas pequenas lojas tradicionais (exactamente na zona do Chiado já fecharam cinco livrarias, há mais três ameaçadas, isto sem contar com outros modestos negócios que davam carácter e verdade à zona.

Sei perfeitamente (também sou senhorio) que durante décadas, mais de meio século, os arrendamentos urbanos estiveram submetidos a regras rígidas que em boa verdade desgraçaram muitos proprietários e nem sempre ajudaram inquilinos necessitados. Nos anos setenta, era comum ver rendas inferiores ao que o inquilino gastava em telefone. Isso conduziu a distorções dramáticas que, em muitos casos tiveram um resultado péssimo. Uma vez desocupado o andar ou prédio, o senhorio não o voltava a alugar ou então pedia preços inacreditáveis. Paralelamente, o parque urbano habitacional degradou-se anormalmente e ainda hoje se verificam tais efeitos.

Com a rarefacção do mercado de arrendamento, verificou-se, em Portugal, uma corrida à compra de 1ª habitação e ao extraordinário endividamento das famílias (que ainda continua). Os inquilinos remanescentes perante o novo e alvoroçado afluxo de turistas e de alugueres de curta duração, estão sem defesa (ou com escassa defesa) contra os atropelos de proprietários.

Mesmo as regras que protegem inquilinoss idosos (mas que não protegem imuitos com vinte, trinta anos de aluguer caso não tenham 65 ou mais anos) atiram para os senhorios e não para o Estado (através de subsidiação das rendas aos cidadãos de baixos recursos) o ónus gravoso da propriedade sem (ou com escasso) rendimento.

Os “robles” & assimilados se na verdade quisessem proteger os cidadãos mais frágeis e o direito à habitação proporiam uma medida que de facto os protegesse e (pela concorrência) atenuasse a cupidez de senhorios. Os altos preços só são pedidos por o mercado do arrendamento estar rarefeito. Compete ao Estado criar habitação a preços controlados ou, na sua eventual falta, subsídios de habitação.

Tentar transferir para todos os senhorios (ricos ou pobres, individuais ou fundos de investimento) a responsabilidade social é um atropelo e nunca resolverá os problemas de quem é pobre e ignora os seus mais elementares direitos ou é frágil e não consegue defender-se das mil e uma formas de o desalojar.

Os auto-proclamados salvadores do povo não propõem soluções mas remendos. E estes, como é sabido, cedem pelas costuras...

 

Milhares de estudantes nas (provavelmente em todas) maiores cidades universitárias não conseguem alojamento digno, sequer sofrível, a preços justos ou, pelo menos não demasiado caros. Faltam residências universitárias e as promessas que vão sendo feitas atiram para daqui a três ou mais anos uma oferta de todos os modos escassa.

As Associações de Estudantes protestam, os senhores Reitores queixam-se, as famílias pagam e muitos estudantes desistem.

É evidente que a Universidade tem outros problemas igualmente importantes mas este atinge, como de costume, o elo mais fraco da cadeia de ensino.

Custa, pois, ver que numa gritante e estúpida maioria, se veja ruidosos cortejos de “estudantes” mascarados de capa e batina mal enjorcada, a passearem grupos de caloiros confusos, assustados, envergonhados ou desprotegidos que mais parecem rebanhos conduzidos por pastores brutos e imbecis (e brutos e imbecis são palavras meigas para aplicar aos cretinos e cretinas que por estarem na universidade há mais anos se arrogam o direito de dar este triste espectáculo).

A pontos de se poder dizer, quase sem receio de nos enganarmos, que qualquer estudante, macho ou fêmea de capa e batina, a ladrar ordens estúpidas ou insultos grosseiros a miúdos que acabam de chegar à universidade, que estamos perante uma demonstração de alarvidades, de canalhice e de proto-fascismo. Proto-fascismo, disse e repito. Mas isso incomoda pouco ou apenas ao de leve os profissionais da indignação que olham para o lado ou condenam com um leve sorriso. Ninguém quer pôr-se contra “ a Academia” nem ouvir as vaias de um grupo de raparigotas e rapazolas mal educados, mal formados mas perigosos.

Já não bastavam os tristíssimos cortejos das “queimas das fitas” que mal começam já trazem todos os festejantes bêbados como cachos, como se a regra de entrada na sociedade dos licenciados fosse a bebedeira, o alarido, o vómito avinhado e a graçola anormal.

O mais extraordinário é que tudo isto tenta imitar Coimbra sem sequer perceber que essa Coimbra, anulou em 1969, por “decretum” do Conselho de Veteranos todas as praxes de rua mormente as violentas (rapanço, unhas, etc...). Depois, e depois do 25 A, sublinhe-se, voltou a aparecer o imoderado uso da praxe mesmo se grande parte da violência física tenha definitivamente (e bem, muito bem) morrido. A igualdade de sexos trouxe as raparigas à praxe o que diz muito e mal da igualdade a custo conseguida. Agora “doutoras” e “caloiras” entram na roda da imbecilidade e do vexame sem perceberem o que isso tem de degradante.

Vi, há dias, nesse Chiado que evoco no título deste folhetim, uma matilha de estudantes “capa-abatinados” a conduzir um pobre grupo de caloiros e caloiras que cantavam uma qualquer burrice perante turistas espantados e portugueses eventualmente envergonhados.

Ora, em Lisboa e as restantes velhas e novas universidades, a capa e batina não se usava ou era motivo de espanto. Mesmo em Coimbra, a partir dos anos sessenta o uso do traje estudantil foi estiolando e só reaparecia com algum vigor durante a época da Queima ou das “latadas”. A própria batina (uma espécie de sobre-casaca) já era uma adaptação do antigo traje académico muito mais talar. O barrete caira em completo desuso e em toda a minha vida de estudante terei visto um, máxime dois. Quando me formei já era minoritário o costume de ir para o último exame de capa e batina. O “rasganço” era quase só uma vaga recordação. Mesmo na Faculdade de Direito bastião conservador e ninho de estudantes conservadores.

Agora, a capa e batina, o tal antigo “trajo democrático” que elidia as eventuais diferenças de berço e de fortuna do pequeno grupo que frequentava a Universidade (ideia ridícula pois todos vinham da elite...) é algo de caro enquanto os jeans e uma camisa ou camisola são, por excelência, elementos unificadores e muito mais baratos.

Ao alojamento caro, junta-se essa despesa quase sumptuária da capa e batina que, hoje só diferencia quem vai à Universidade de quem não vai (a elite, sempre ela...). E que, só se usa no início do ano escolar para chatear os caloiros e nas festas da queima. Como respeito pela inexistente tradição da esmagadora maioria das universidades é tão risível como a garraiada que pouco a pouco vai desaparecendo do programa da Queima.

Foi no Chiado, num dia de sol e calor, de turistas que nem sabem que contribuem para a rarefacção da habitação numa cidade barata para eles mas cara para estudantes e habitantes.

 

 * na gravura: estudante de Coimbra (sec XIX)

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