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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Au bonheur des dames 465

d'oliveira, 29.11.18

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Antes da revolução:

mcr 26 Nov 2018

1 Bertolucci, Bernardo Bertolucci

 

Vi grande parte dos filmes de Bertolucci com a enorme sorte de, por razões varias, os ter visto pouco depois de estrearem. Claro que isso ocorreu no estrangeiro. No “paraíso triste” a censura diligente impedia tudo e, em contrapartida, suscitava a nossa imensa curiosidade. Recordo, mesmo, que, em Paris, arrastei a minha excelente mãe a um cinema do Quartier Latin onde vimos o “ultimo tango...” A mãe não se mostrou especialmente agastada com as cenas “chocantes” da fita, antes comentou com sabedoria, intuição e inteligência aquela história de duas solidões. Tinha a seu favor décadas de assistência a filmes, muito livro lido, muita vida vivida, ela que nascera durante uma missão militar do meu avô no extremo sul de Angola (Dirico), no fim das “terras do fim do mundo” e que passara os primeiros doze anos da sua vida a correr de uma ponta à outra uma boa fatia do “Império”. Conseguimos, depois, ver uma reposição de “Antes da Revolução” que eu já conhecia. E de novo, declarou que se sentia na sua casa italiana do cinema e, a propósito recordou, num pequeno csalão de chá russo (rue de Buci?), uma série de filmes a começar por “Não há paz entre as oliveiras” e “Arroz Amargo”, dois notabilíssimos filmes e um excelente exemplo do famoso neo-realismo italiano. Ainda hoje, com 96 anos, recorda com precisão (e muitas queixas pela falta de visão e pela surdez) filmes dessas épocas.

Voltemos porém a Bertolucci, um cineasta dos verdadeiramente grandes que ontem morreu. Era da minha idade, colheita de 41 e deixa um rasto luminoso que, provavelmente as novas gerações de cinéfilos não perceberão por absoluta falta dos seus filmes. Um há (“A estratégia da Aranha”) de que só consegui uma cópia foleira via um editor americano Bati durante anos fnacs de vários países à procura de uma cópia decente e nada!

E, todavia, a “estratégia...” é um dos grandes filmes de BB e coloco-o a par de “antes da Revolução” ou de “1900” (“Novecento”). A minha gente, a malta da minha geração que traz as cicatrizes de muita “esperança desesperada”, de muitas lutas solitárias, de muitas desilusões, revia-se (revê-se?) muito naquele cinema alimentado por imperativos políticos e estéticos que se confundiam harmoniosamente e retratavam com ternura, alguma ironia e uma ansia de viver, os anos de brasa que nos foram dados aguentar.

2 Em Setúbal a greve da estiva alastra. E alastra porque cada vez mais parece insuportável (pelo menos para quem trabalha no porto) a infâmia de contratos precários de trabalho” em que mais de uma centena de trabalhadores vivem há anos e anos. Hoje chamam-nos, à tarde despedem-nos, amanhã logo se verá e assim sucessivamente. Os estivadores, infelizmente, não trabalham na funçanata pública nem são grande notícia. Pela primeira vez, nesta minha vida que vai longa, vi a polícia (o Estado) custodiar a preço de oiro, um autocarro cheio de amarelos fura-greves que fartamente pagos conseguiram em dois dias embarcar um quarto dos automóveis que os grevistas embarcariam num único dia. E pagos (os “furas”), diz-se, a peso de oiro! Em Setúbal, cidade icónica do PCP! Em Portugal com um governo dito à esquerda!

Sucedesse isto há quatro anos e Passos Coelho estaria crucificado durante meses..

3 Em Borba uma estrada municipal (desnacionalizada há um punhado de anos) ruiu. Morreram seguramente duas pessoas e não se sabe de mais três. A operação montada nas pedreiras já custou (em oito dias...) tanto ou mais do obras sérias de prevenção daquele estúpido acidente. O senhor dr Costa acha que, à partida, o Estado não tem ali responsabilidades. Aliás nem lá pôs o delicado pé. E as poucas e tardias referências ao acidente foram tragicamente secas. A criatura tem a sensibilidade de um rinoceronte velho.

4 E já que falamos de sensibilidade, a senhora ministra da Cultura andava por Guadalajara feliz e deslumbrada com a falta de jornais portugueses para ler. Resta saber, se acaso leu algum mexicano. Ou inglês, ou chinês ou da Transcaucásia... Ou, já agora, se lê. Livros, prospectos, revistas, porventura a revista “Maria”, porque não? A gente começa a ter saudades de Castro Mendes, e se isto, esta novela exótica, perdurar daqui a pouco está por aí meio mundo a gritar pelo regresso de João Soares o justiceiro dos bofetões.

A

Ah como a vida (e as pessoas) era interessante antes da revolução! (citação de memória do filme "prima della rivoluzione")

* a ilustração: este quadro serviu de ilustração ao filme 1900 e foi mesmo o seu cartaz

estes dias que passam 380

d'oliveira, 21.11.18

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Carta (ou “carto”?) a um “camarado

mcr aos 21de Novembro de 2018

Ex.º Senhor Deputado

Li embevecido as considerações que entendeu dar à fosca luz do dia sobre o uso da palavra “camarado”. Pelos vistos, V.ª Ex.ª, avisado linguista (e não menos excelente gramático) que mostra ser, acha prodigiosamente útil haver um masculino para camarada mesmo se esta palavra tenha tido ao longo de séculos de militaragem, um cunho fortemente machista bem mais expressivo do que a actual e débil conotação marxizante e pseudo proletária.

Pratiquemos, pois, um pouco nessa evolução linguística do português tal qual se fala (que a meu ver tem sido alvo de tratos de polé que não se iniciaram com o miserável e último acordo ortográfico mas que vem de longe tangido pela ignorância atrevida e pela estupidez congénita que assola boa parte da elite que se crê intérprete (ou “intérpreta”? dos desgraçados cidadãos que a tudo assistem impotentes.

Palavra que nunca me tinha ocorrido qualquer ideia de que camarada, apenas por terminar em A era feminino. E que, por isso, urgia arranjar-lhe par condigno para uso de congressos partidários. Já basta que quando se fala do bloco (ou da “bloca”?) só se refiram as senhoras Catarina, Marisa mailas manas Mortágua. Arre que é demais. Demais, sobretudo, por o único cavalheiro de quem se fala é o senhor Robles, egrégio representante da política municipal bloquista e indefectível apoiante da causa dos sem casa ou dos que a procuram a preço razoável.

Sei que isto é injusto para com a sua augusta pessoa (ou seu augusto pessoo?) que a minha tia Jaluca conhece por “aquele carequinha” do BE. Mas que se há de fazer? Elas, à pala de serem mulheres, inteligentes, cultas e relativamente novas, ocupam sem rebuço todos os ecrãs de televisão e até já fizeram esquecer aquele trio de conspícuas figuras (figuros?) de cera constituído por uma espécie de sacristão, por um cavalheiro de suspensórios e por uma espécie de guerrilheiro gorducho e de óculos. Ganhámos (nós os do público) com a troca e quero crer que o BE também ganhou em visibilidade. Não veja nisto qualquer espécie de machismo mas o mesmo sucedeu com o CDS onde o pertinaz e intransigente senhor Portas cedeu o lugar à senhora Cristas (que até terá –a seus olhos - a vantagem de feminizar o nome de Cristo ou o adjectivo muito em uso na lerpa “o cristo” ou seja o que vai perdendo para os parceiros mais afortunados.)

(a propósito, ou nem isso: porque é que há tantos jogos de cartas populares com nomes femininos? Ele é a lerpa, a bisca, a sueca que só têm do outro lado o montinho e o sete e meio – e este só é masculino a um terço. Jogos masculinos só os importados, o bridge, o póquer e o vinte e um real, na realidade “black jack” e, mesmo aí, temos a canasta de que a minha mãe foi devota e brilhante praticante durante uns bons sessenta anos. Agora, a falta de olhos e de mobilidade, deixou-a isolada tanto mais que boa parte das parceiras já foi desta para melhor. Do mesmo mal me queixo eu que vi desaparecer três inteiras gerações de parceiros de bridge...)

Voltemos, porém, às nossas encomendas: O camarado! Assim de repente, e ao correr da pena, lembro-me de idiota, palerma, patarata que pedem masculino convincente e aplicável. Ou de imbecil, que nem é carne nem é peixe, adjectivo mais adequado à causa trans-gênero e a pedir imbecila e imbecilo.

É que esta campanha de feminização ou masculinização da sofrida língua que falamos ou balbuciamos, tem perigos por todo o lado. Ele há expressões (e neste “ele” já vai um mundo de suspeição) que denotam um machismo insuportável e uma visão do mundo que a malta do me too deveria começar a explorar (e a expurgar!). Seja “ungido do Senhor” ou os “caminhos do Senhor” que são ínvios. Então por onde anda a “Senhora”?, raios me partam (ou raias me partam, mesmo se esta última possa confundir-se com com o peixe da família dos miliobactídeos, imbatível frita, ou em caldeirada)

No domínio das más caracterizações também convém reformular “fulano é uma besta” ou “cicrano é um catavento”. Veja como besta é bem mais violento do que catavento, mesmo se fulano apenas possa ser um estúpido contumaz e cicrano um político habilidoso que muda de pensamento qual piuma al vento ou uma dona mobile (não haverá no universo de Verdi um cavalheiro móvel? Vê-se que o músico era mesmo do século XIX).

No domínio da bicheza, zebra, girafa ou pantera pedem a gritos masculino capaz. Como andorinha, mesmo se neste caso, tenha conhecido um marítimo cujo apodo na comunidade era, digamos, Vagina de andorinha, em termos bem mais crus. E mais sonantes.

Nisto de calão há de tudo desde “aquele caramelo” a filho da puta (Por onde paira a filha do puto?), para já não referir aqueles votos mais imperativos e soezes vai à m*, vai para o c* ou o quase enternecedor “longe, longíssimo, cornos da lua, estrelinha que te guie, casa do c*”

Ficar-me-ia por aqui não fora a reclamação de uma amiga, aqui na esplanada, que refilando me espetou porque é que não havia masculinos para Amélia, Rosa, Beatriz, Irene, Isabel ou Helena. Tentei escapulir-me com Pedro (ninguém de bom senso baptiza a descendente com Pedra), Nuno, Miguel ou Hugo que no velho “Mandarim” de outros combativos e ruidosos tempos serviu ao falecido e nunca assaz chorado Zé Manel Pinto dos Santos para apostrofar um empregado ratoneiro e enganador com esta “Arre que o senhor é hugo que se farta!”

Mal ele sabia de como a História (outro feminino uivante) lhe viria a dar razão.

Vai este folhetim par dois destinatários que comigo se cruzaram nesse antro também conhecido como “Kremlin” ao mesmo tempo que a desbotada praça da República onde se situava se crismava nessa época de ilusão em “Praça Vermelha”, num tempo em que os/as colegas, camaradas, amigos/as, companheiros/as, enfim a malta do “contra” sabia bem quanto custava a vida e quanto arriscávamos. Refiro com imensa ternura e amizade a Maria A. (Milu) e o Zé Quitério. Saravah, manos, estamos vivos! E não há camarado “que corte a raiz ao pensamento”.

* na gravura :"Os camaradas" ópera para crianças. 

 

Diário político 213

d'oliveira, 16.11.18

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É a economía, pá!

d'Oliveira fecit 16.11.18

 

No “Publico” de hoje, sexta, 16, o sempre excelente Luís Afonso no seu diário “Bartoon” compara o eventual futuro IVA das touradas (proposto para 6%) com o da electricidade (23%). E pergunta-se se neste último caso estamos perante uma questão de gosto ou de civilização?

Claro que LA sabe bem a resposta mas convirá oferecê-la para algum(a) leitor(a) desprevenido/a: a continha da luz cai em cima de todos quantos dormem debaixo de um teto mesmo se este for pobre e frágil. Logo arrecada-se assim uma receita que, aos olhos gulosos do dr. Centeno, será, no mínimo, voluptuosa. Das touradas a 6 ou a 23% pouco “escorre”. São poucas, sazonais e mesmo que as praças encham, aquilo só dá para trocos.

Este é o segredo da taxa de 6% para os produtos ditos culturais. Livros, discos espectáculos de teatro ou de música pouco rendem se é que o rendimento cobre as despesas com os custos da tributação.

Outro exemplo interessante será o dos computadores ou dos telemóveis. Aqui, sim, há “carne da perna”. Primeiro, o preço médio destas aparelhagens é sempre avultado. No caso dos telemóveis nota-se até uma tendência para escoar com maior rapidez os mais caros. Aliás há muita gente que gosta de ter mais do que um telemóvel. Só uma fiscalidade descerebrada cairia na asneira de, em nome do acesso à informação (e da comunicação instantânea), baixar um imposto que rende milhões. Os combustíveis, os automóveis e outras já correntes necessidades básicas permitem arrecadar fortes somas. Querer que sobre este tipo de artigos haja uma baixa de IVA é um desejo pueril, para não usar outro adjectivo mais contundente.

Alguém, porventura, me saltará ao caminho, apontando as propostas de baixa de impostos (na electricidade, por exemplo ou no gasóleo para a agricultura) vindas de grupos políticos que normalmente se consideram de esquerda. Mesmo aí há que reparar que se estabelecem, para eventuais beneficiários, limites de rendimentos globais bastante baixos. E fantasia-se com aparentes números muito expressivos que, depois das contas feitas, são sempre inferiores aos enunciados pelos generosos defensores do “povo”.

É o género de medidas tipo baixa de IRS para emigrantes que regressem. A coisa, em abstracto, parece maravilhosa. Na prática, ver-se-á, que serão poucos os que regressem confiados nesse privilégio. No rendimento global de um trabalhador, uma baixa da taxa de IRS, assume valores residuais, sobretudo num país em que os ordenados não são famosos. Por outro lado, alguém acredita que, súbita e patrioticamente, afluam à pátria madrasta dezenas de milhares de emigrantes já estabelecidos no país onde vivem e trabalham e onde, normalmente, tem melhores salários, melhores cuidados de saúde, melhores condições de habitação e de ensino para os filhos?

Todavia, a medida, apareceu. E porquê?, perguntará alguma azougada leitora, convencida que um Governo quando anuncia uma benesse é porque acredita que ela tem valor. Pois, simplesmente, porque assim se passa uma mensagem imediata de que se está muito “mrppemente” a “servir o povo”. Só quando a poeira assenta é que se tem a possibilidade de desmontar a maquinaria propagandística e se verifica que “depois de abertas as portas com fragor só resta silêncio e escuridão e nada mais” se é que me é permitido citar Antero de Quental que sobre a pátria sabia muito. Tanto que se suicidou sentado num banco que tinha escrita a palavra “esperança”.

(em guisa de final s ainda sobre a temível palavra – que não conceito – “civilização” – relembremos à Sr.ª Ministra que a arremessou no hemiciclo, o título do conto homónimo de Eça de Queiroz onde uma certa civilização “apanha para tabaco”. E boa leitura...)

(a alusão ao slogan “servir o povo” convirá dizer que não foi o MRPP o seu inventor. Mao Tse Tung (ou Mao Zedong, se quiserem) já enunciava o princípio que, aliás, vinha da velha civilização chinesa. A tradição m-l e a a comunista no geral usava e abusava de frases e títulos (sobretudo nos jornais) que corriam naquele fechado e pouco imaginativo universo. Assim o jornal das ”juventudes” do MRPP seguia o título de um jornal originalmente porta-voz da UJCm-l grupo que mais tarde dará origem à “Gauche Proletarienne” (1969-1973). Tal título serviu a mais de uma dúzia de organizações de vários países e continentes. Como se vê, a originalidade, campeava.)

 

Bruno de Carvalho e a Justiça

José Carlos Pereira, 15.11.18

A propósito da detenção e libertação do ex-presidente do Sporting, Bruno de Carvalho, parece-me de todo inaceitável que uma pessoa, qualquer que ela seja, esteja detida e seja obrigada a pernoitar quatro noites nos calabouços para ser ouvida durante duas singelas horas, sendo posta em liberdade logo de seguida, já que os frágeis indícios dos alegados crimes, cometidos há muitos meses, não sustentavam a sua prisão preventiva.

Esta arrogância e prepotência têm de inquietar a sociedade no seu todo. Ministério Público, forças policiais e de investigação, juízes e demais agentes da justiça devem deixar de olhar apenas para o seu umbigo e colocar as garantias dos cidadãos no centro das suas preocupações

au bonheur des dames 464

d'oliveira, 13.11.18

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It’s a long way to Tipperary

(tu est seul le matin va venir Appollinaire, “Zone” in “Alcools”)

Até Tipperary foi muito o caminho como se sabe. Quatro anos pejados de mortos, de mortos inúteis sacrificados por generais incompetentes e por tácticas militares há muito controversas.

Verdun ou o Chemin des Dames, para não falar de Passchendaele (julho –Novembro de 1917) onde só morreram cerca de 300.000 soldados, são exemplos da cegueira homicida de irresponsáveis militares que, mesmo contra toda a evidência, continuavam a tentar romper uma frente perigosíssima mandando para um infame matadouro dezenas de milhares de homens. Estes sabiam que só um milagre os salvaria das metralhadoras inimigas e mesmo assim avançavam. E avançavam porque na retaguarda havia quem os obrigasse a tal e quem à mínima falha os levasse a tribunal de guerra e ao fuzilamento.

Ao lado destas tremendas batalhas, La Lys, o nossos desastre (400 ou 1400 mortos os números variam. Certo, ou quase, é o número de prisioneiros: 6000), passa despercebido mesmo se os seus efeitos no debilitado Corpo Expedicionário Português (CEP) fossem medonhos.

Em Portugal, ainda é quase proibido (ou impossível) falar da Guerra e da nossa participação nela. Os “guerristas” (e nunca esquecer João Chagas que logo no início se fez ardoroso defensor da participação portuguesa na hecatombe- vale a pena ler “É a guerra” de Aquilino Ribeiro que foi testemunha do confronto desde o primeiro dia visto estar em Paris) entrincheirados no Partido Democrático mas com cumplicidades nos dois restantes grupos republicanos, viram na participação portuguesa uma porta aberta ao reconhecimento do regime por uma Europa bem arredia.

Pouco lhes importou verificar que se algo havia que defender não era na Flandres mas no sul de Angola e no Norte de Moçambique onde se temiam os efeitos de uma combinata anglo-alemã que, ela própria, está sepultada em tantas e tão contraditórias versões que custa destrinçar quais eram exactamente os termos desse acordo feito à custa de um Portugal colonial que ainda não ocupara com efectividade e segurança todos estes territórios.

Mas, e mais grave, era a situação militar interna. Vejamos: o corpo de oficiais do Quadro Permanente era maioritariamente desafecto à República. Para contrariar essa situação, a República contava com os sargentos e com a influência da Maçonaria e congéneres nas praças. A isto juntava-se a sempre prestimosa colaboração de grupos civis que, quando convocados, tentavam invadir os quartéis ou impedir a tropa de “sair” graças à famosa “artilharia civil” (assim se chamavam os bombistas).

A situação nos quartéis era, para usar um termo brando, uma calamidade onde a indisciplina se aliava às péssimas condições de instrução, aquartelamento, alimentação e fardamento.

Não existia Marinha digna desse nome, pese embora a fanfarronada de uma votação no Congresso (1911) em que se votou a compra de uma formidável frota que incluía couraçados e cruzadores em profusão. Foi a anedota da década. Portugal não tinha sequer meios para sustentar um couraçado quanto mais para o comprar.

E quem diz navios puramente de guerra diz igualmente uma marinha mercante eficaz. Pura e simplesmente não havia um único navio de transporte de tropas. Os cinquenta e tal mil homens mandados para França foram embarcados em navios ingleses. Por isso mesmo também (falta de transportes disponíveis) nunca houve rotação de praças e sargentos mesmo se tal estava garantido pelo Governo. Apenas os oficiais, e quase sempre, à sua custa, puderam vir a Portugal nos seus períodos de licença.

Para as colónias, sobretudo para Moçambique, seguiram algumas dezenas de milhares de homens, igualmente impreparados. Uma vez chegados, deparavam-se com a quase impossibilidade de se deslocarem por falta de mapas, de guias, de caminhos para já não falar do transporte da “impedimenta” essencial para quem vai ocupar longas extensões de fronteira a muitos e muitos quilómetros do local de desembarque. Mesmo aí, e nos locais de concentração de tropas, faltava tudo a começar por hospitais de campanha.

A campanha moçambicana foi toda ela um desastre inenarrável a que acresceu o facto de o país estar a defrontar o melhor general de toda a guerra: Paul Emil von Lettow-Vorbeck

(que nunca teve às suas ordens mais de 3000 brancos e 10/12.000 ascáris) cujas memórias foram editadas em numerosas línguas incluindo o português. Von Lettow derrotou quase duas dezenas de generais e, pelo menos, um marechal sem nunca ter sido vencido. Entrou em Moçambique, por onde se passeou quase até Quelimane, mais para se abastecer de víveres do que para bater o inerme Exército Português mesmo quando este era coadjuvado por ingleses e sul africanos. A campanha de Moçambique foi um fiasco e um desastre medonhos que se saldaram em quase 10.000 baixas (num total de cerca de 20.000 expedicionários “metropolitanos” e dez vezes mais “indígenas” entre soldados, carregadores e civis muitas vezes vítimas do exército português. As famosas vitórias (Kionga onde só havia um cão para defender a praça e Nevala tomada desprovida de tropas e rapidamente reocupada pelos alemães) são ensombradas pela terrível derrota de Ngomano, um desastre de inépcia que forneceu aos alemães toneladas de mantimentos, munições, roupa e armamento. Pior, muito pior do que o “desastre” de Naulila no Sul de Angola onde as coisas, apesar de tudo, correndo mal, correram melhor para as forças portuguesas.

Sobre tudo isto, sobre esta apagada e vil tristeza da 1ª guerra em África continua tudo como no tempo da outra senhora: ou seja num opaco silêncio que evita a verdade incómoda e cruel de um país incapaz de defender os seus territórios e que desviou para a Flandres mais de cinquenta mil soldados ligeiramente menos impreparados que os das colónias e que se mostraram inúteis na frente de batalha onde estiveram sempre desacompanhados.

É bom lembrar que os Aliados não queriam, não pediram, sequer sugeriram uma intervenção portuguesa. Bem pelo contrário. A Inglaterra apenas sugeriu o confisco dos barcos alemães mas a ânsia de reconhecimento da “República” fez criar um Corpo Expedicionário que foi transportado para a Flandres em navios ingleses, que lá chegado foi de novo treinado, fardado, alimentado, armado e enquadrado por exércitos ingleses.

Vale a pena ler os diferentes testemunhos de militares portugueses, escritos directamente das trincheiras ou em posteriores memórias. Em relação a estes “cidadãos” treinados em Tancos (o famoso “milagre de Tancos”, uma mentirola para uso caseiro) o Estado Português tem uma dívida tremenda pela incapacidade em amparar, aliviar e tratar decentemente os homens que fez sair de Portugal. Por junto, seé que isso foi benefício, a República aceitou (foi obrigada a engolir) capelães militares para auxílio espiritual das tropas profundamente religiosas.

Não vale a pena falar das consequências políticas e, sobretudo, sociais, da guerra em Portugal. Mesmo tendo em linha de conta, a curta duração do estado de guerra em Portugal (1917-1918), o país assistiu a uma forte crise (o Sidonismo), ao aumento brutal do custo de vida, à crise dos abastecimentos vitais, e à da habitação. Acrescente-se o esfacelamento dos partidos republicanos, o crescimento da oposição e o definitivo divórcio dos sindicatos. Quanto a governos entre 1918 e 1926 houve pelo menos 30 uma média que superou a da primeira parte (1911-1917).

Há ainda uma outra herança da guerra que não tem sido trabalhada. Boa parte da oficialidade regressada aderiu à oposição ao regime e fortaleceu e participou no golpe do 28 de Maio (entre todos, só para exemplo Gomes da Costa).

As comemorações do centenário do fim da guerra (entre as quais a “maior parada militar post 25 de Abril”) não deixaram espaço para, ao menos, se fazer um balanço deste desastre. Se não erro, o Sr. Presidente da República terá mesmo falado em “100 anos de paz”! se efectivamente o disse, Sª Ex.ª sofre de desmemória. Mesmo depois do fim da guerra, continuaram as “campanhas de pacificação” coloniais, em Angola, Moçambique e Guiné. Deixando de lado as inúmeras intentonas antes e depois do 28 de Maio, temos que, durante a 2ª guerra mundial, em que Portugal se declarou neutral, houve, a partir de 1943, a necessidade de mobilizar mais de 20.000 homens para “defender” os Açores. Aliás, e no mesmo período Timor, colónia portuguesa, foi ocupado pelo exército japonês registando-se ásperos combates entre os poucos portugueses ali residentes (ajudados por deportados políticos) e os invasores. Não há um número exacto de vítimas portuguesas (e aí incluem-se milhares de nativos). Chegou a constituir-se um corpo expedicionário a Timor que, se lá chegou, só entrou na colónia após o fim das hostilidades. Em finais de 50 a União Indiana ocupou o Estado Português da Índia tendo havido baixas portuguesas e muitos prisioneiros. Desde 61 até 74 travou-se uma (ou três) guerra colonial com avultado número de baixas para não falar nas do campo adversário e mais ainda as registadas na população residente (branca e negra). Portanto, quanto a paz estamos falados...

(escrito por mcr cujo avô Manuel da Graça Patrício Curado, oficial do “Exército Colonial”, participou na 1ª Guerra e em muitas as campanhas anteriores e posteriores em Angola, cujo pai Marcelo Heinzelmann Corrêa Ribeiro foi expedicionário nos Açores (S Miguel) na qualidade de alferes médico no Batalhão de Metralhadoras nº 2, cujo tio José da Cruz Curado foi expedicionário para Timor na mesma época. Esta é uma singela homenagem ao esforço, ao sacrifício e ao patriotismo destes homens cuja simpatia pelo Estado Novo era, se existiu, extremamente reduzida ou praticamente nula).

* o título relembra a mais famosa canção adoptada pelas tropas britânicas. A citação de Guillaume Appollinaire (morto na consequência de grave ferimento sofrido nas trincheiras) é do poema “Zone” (de 1912) e publicado em “Alcools”, um dos grandes livros da 1ª metade do século XX (e de sempre, aliás).

Diário Político 212

d'oliveira, 09.11.18

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Aventuras do IVA

d’Oliveira (pagador líquido de impostos) fecit ).11.2018

 

O benemérito Governo que nos apascenta rumo aos amanhãs que cantam entendeu na sua sábia generosidade baixar o IVA num par de actividades culturais desde que elas se processem em recinto fechado. Os aplausos choveram mesmo que minguadamente. Actividades culturais em recinto fechado serão o teatro, os concertos de música clássica, o bailado (e ousaria referir a tourada que, ao que sei se processo em praças de touros Isto caso se considere que a arte tauromáquica é uma actividade cultural, coisa questionável por muito e pela sr.ª Ministra da Cultura).

Ficam de fora os mega-concertos em estádios (que ao fim e ao cabo também me não parecem espaços especialmente abertos e os chamados festivais de música mesmo se, até nestes casos haja claramente uma definição de muro e de porta(s) de entrada. A bem dizer, em vez de espaços fechados ficaria melhor a expressão de espaços cobertos e aí fora os teatros e restantes salas de espectáculos mais nada se descortina.

Vejamos, porém, o porquê destes “espaços fechados” atendendo, fundamentalmente ao que lá se passa. Teatro, cinema (desconheço se aqui o IVA é reduzido, ou se o é só em relação so ciema português e por aí fora), música erudita em todas as suas variantes, recitais e ópera. E o fado, claro, a alegada “canção nacional” que cabe em casas exíguas.

O resto, os espectáculos multitudinários continuam, se não erro, a ser alvo de um IVA de 23%.

A única razão que descortino para este gravame fiscal é de uma simplicidade encantadora. Estes eventos atraem milhares, dezenas de milhares de criaturas. Assim sendo percebe-se que a redução do IVA causaria uma séria quebra de receita para o, aliás simpático, Estado.

Ao contrário, em espectáculos em que a freguesia é diminuta, mais rara do que andorinhas no inverno, baixar o IVA não tem qualquer expressão significativa. Mais: a música erudita, o teatro e o bailado são substancialmente alimentados pelos cofres públicos, podendo, sem receio, afirmar-se que este auxílio estatal representa a maior (quase a totalidade) do orçamento dessas pequenas empresas.

A ideia que se apregoou para justificar a descida do IVA foi a de que, assim, os preços cairiam e o número de espectadores aumentaria. Com perdão dos estimados artistas, tenho as mais fortes e pertinazes dúvidas de que, repercutindo a baixa do imposto no preço final do bilhete, daí haja qualquer efeito quanto a aumento de público. E se, porventura, isso se verificasse, tal aumento teria seguramente uma expressão mínima. Custa dizê-lo mas esta é uma verdade pela qual aposto cem contra um.

Lembraria que a bolsa dos cidadãos, sobretudo nesta época de falsas vacas gordinhas, se mostra aberta aos mais extravagantes gastos e pouco dada às coisas da “cultura”. A menos que englobemos nesta mais do que elástica expressão, a televisão com o seu cortejo de novelas mal amanhadas, os cinquenta programas sobre o futebol, o “casamento à primeira vista, os medonhos reality shows, as longas tardes (e manhãs) de programas onde a ninharia é, apesar de tudo, o menor dos males. Ver aquelas sessões diárias em que um(a) apresentador(a) espertalhaço/a dá à manivela perante uma plateia de criaturas que aplaudem quando lhes é indicado, é, creio-o sinceramente, penitência para muitos pecados mortais. Mas pelos vistos é cultura. Como o é também a edição (toda ela) sem curar de distinguir manuais, de romances, ensaios de propaganda, relatórios de obra de criação científica.

( e já agora, uma referencia à edição discográfica. Passem por uma feira e vejam quantos discos estão à venda sob títulos sugestivos e pornográficos. Não se espantam: vendem-se como bolinhos)

Faltaria falar da imprensa onde tudo o que corre desde o cor de rosa à cor do burro quando foge, tudo passa pelo mesmo canal. Com uma especial atenção à cada vez menor quantidade e qualidade da imprensa dita cultural que anda por aí meio evaporada. As poucas publicações que se reclamam desse labéu (eventualmente infamante) vivem à custa de compras institucionais (Estado, Câmaras, bibliotecas, Institutos de divulgação de Portugal no Estrangeiro, etc...  

Aí estaria um trabalho para essa estranha máquina chamada Ministério da Cultura mas temo que à vista do que sabe, a coisa pareça mais complicada do que os 12 “trabalhos de Hércules” a começar pela limpeza das estrebarias de Áugias. E para a sr.ª Ministra, já agora, se é que a deixam meter (-se) nessa “peregrinatio ad loca incerta"...

* na gravura: cultura, sempre cultura...

Estes dias que passam 379

d'oliveira, 08.11.18

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Toirada à portuguesa ou garraiada infantil?

mcr  8-11-2018

Nos meus já longínquos tempos de infância, o Casino Peninsular (vero nome do estabelecimento figueirense) dava de longe em longe umas garraiadas insignificantes onde criancinhas tontas toureavam uns pobres vitelos assustados. Eu nunca apreciei tais festividades e, muito menos, as touradas a sério, Aliás só assisti a uma e foi tal o meu berreiro que os meus pais nunca mais me levaram com eles. Nestas coisas, detesto tudo, desde os olés até às pegas, o toureio a cavalo ou os matadores (que em Portugal só matam lá para os confins do Alentejo) bandarilheiros sem esquecer o “inteligente”.

Não gosto e pronto, mesmo se por isso não me sinta mais civilizado do que, por exemplo, o Manuel Alegre. Também não gosto de caça seja ela da de cá ou da grossa. Nunca percebi porque é que se havia de matar um leão ou um elefante, mesmo se este último desse carne para uma aldeia inteira e esfomeada.

E já que estamos numa de desgostos, nunca percebi o boxe, a luta livre ou aquela macacada a fingir do mesmo. Por uma vez irrepetível vi um festival desses no Palácio de Cristal onde um temível “mMascarilha” arreava em toda a marabunta. O público estasiado e entusiasmado rompia em impropérios e o lutador fingindo-se zangado chegava-se às cordas e ameaçava saltar cá para fora. Havia gente que se punha de pé preparada para cavar rapidamente, guinchando de emoção e de susto. Um horror!...

Apetece-me, já agora, falar do futebol profissional onde se assiste a tudo menos a desporto e seriedade. Desde as direcções dos clubes às claques raivosas, aos jogadores batoteiros cujo amor à camisola é o que se sabe, aos treinadores que entram e saem consoante os resultados, até ao público (aliás relativamente escasso) que se apresenta trajado a rigor com cachecóis e demais adereços e quando interrogado bolsa as mais extraordinárias teorias sobre o jogo a que assistiu, tudo me deprime. Mais me deprime, o nacionalismo bacoco com que se olham as Selecções ou certos jogadores (e não cito nomes, seguindo o actual pundonoroso silêncio que recai sobre ele(s)).

Todavia, nenhum destes factos me obriga a estatuir desde o Poder (que aliás, e felizmente, não tenho) com bojardas sobre a civilização ou a cultura (com letra grande ou pequena).

Porém bastou um suelto da actual ministra da Cultura para a discussão do Orçamento estar subvertida. Agora, fala-se do gosto ou da medonha tirania do politicamente correcto ou da incivilidade do espectáculo taurino. Uma tourada!

Eu não conheço a senhora ministra de turno na cultura. Provavelmente está à mesmíssima altura dos seus antecessores e Deus sabe o quanto valiam (os leitores porventura recordados do que por aqui fui escrevendo também saberão do afectuoso respeito que dediquei a tais criaturas).

Desta Ministra nada sei, ou o que sei é algo estritamente pessoal com que nada tenho, nem acho que alguém deva ter, justamente por ser do foro íntimo dela e nada de útil me dizer sobre as capacidades da pessoa, pelo que é irrelevante.

Porém, começa mal ou, pelo menos, desastradamente. Também é bem verdade que, não tendo sido consultada sobre o orçamento da sua actual pasta, pouco poderá dizer a não ser generalidades. A senhora ainda nem aqueceu o lugar e tenho a convicção de que deve andar um pouco perdida naquele labirinto de institutos e direcções gerais e regionais que se atropelam e raramente (estou a ser generoso) cooperam. Justamente por isso, devia abster-se de declarações avulsas e bombásticas. Uma vez feitas, deveria, remeter-se a um salutar silêncio e não insistir, com tanta soberba como falta de senso, na defesa do seu ponto. Não gosta de touradas? Eu também não! Acha que a civilização as condena ao desaparecimento? Gostaria mas não estou assim tão certo. Farto-me de ver por aí alminhas gentis a reinventarem danças e modas tradicionais (as mais das vezes com pouca tradição), a tentarem salvaguardar património construído sem uma ideia clara de como o manter útil e vivo ou amaldiçoar os portugueses actuais pelos feios pecados dos descobridores ou pelas conquistas de Afonso Henriques. Ainda se há de descobrir que Aljubarrota foi uma tentativa de genocídio dos castelhanos...

 

Sª Ex.ª quer uma causa? Ei-la: De Portugal saem anual, mensal ou semanalmente livros antigos cá editados de que só restam exemplares únicos na Biblioteca Nacional. Com sorte, também haverá alguns nas bibliotecas do Porto e Coimbra. No que toca à nefanda expansão portuguesa e ocupação (obviamente medonha) de África talvez existam também na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa que parece atravessar sérias dificuldades –este ano o Boletim é apenas virtual!-

Essas obras são compradas, e por bom preço, pelas bibliotecas universitárias americanas que também não desdenhariam adquirir colecções de arte africana em mãos portuguesas. As bibliotecas municipais, que uma campanha da antiga SEC (Secretaria de Estado da Cultura) estendeu a todo o país, não aceitam doações por não terem espaço (fizeram-nas sem depósitos que se vissem) por não saberem, por burrice, por não terem pessoal especializado. E ainda bem: algumas têm, nas mesmas caixas onde foram acondicionadas por doadores generosos, os livros oferecidos. À espera que a bicharada se eve nas folhinhas velhas mas tenras da livralhada.

O Ministério da Cultura teve um programa de ajuda à edição de autores portugueses e, por isso, recebia uma ou duas centenas de exemplares de cada obra subsidiada. Vi-as, com estes com que morrerei, em pilhas numa espécie de garagem. Felizmente havia pessoas que lá iam roubar um que outro livrito para ler.

Uma edição inteira (“Retratos de Camilo”) andou anos sepultada numa cave da DRN e, que eu saiba, nunca viu a luz do dia.

O resto (substancial) das edições da Comissão dos Descobrimentos andou anos num armazém nos arredores de Lisboa. Por várias vezes fui por alguns deles à loja da Torre do Tombo onde se vendiam alguns em saldo. Os que lá não estavam só poderiam vir se houvesse (mas não havia!...) quem por eles fosse ao citado armazém. Nos alfarrabistas, os mesmos livros atingiam preços especulativos (nomeadamente alguns exemplares da revista “Oceanos”).

Dessa gesta editorial há pelo menos uma história ridícula: a comissão entendeu editar o Atlas de Fernão Vaz Dourado. Todavia nem um fac-símile decente conseguiu fazer. A versão apresentada vem com os mapas reduzidos, os mapas de dupla folha por não estarem encarcelados estão ilegíveis na parte central. Enfim uma tristeza apagada e vil. Dirão os ignorantes que mais valia assim que nada. Erro, erro crasso: em 1948, graças ao Visconde da Lagoa, o Instituto de Alta Cultura patrocinou e a Livraria Civilização Editora pagou a edição fac-simile.

Actualmente, é empresa espanhola Manuel Moleiro Editores que oferece uma edição (absolutamente idêntica à da Civilização) com tiragem única de 900 exemplares. O preço é salgado, salgadíssimo. Se não estou em erro, foi um exemplar desta edição que o Rei de Espanha ofereceu ao Presidente da República em Salamanca!

Com os actuais meios, a INCM poderia editar o mesmíssimo fac-simile bastando-lhe copiar a edição de 1948. Coisa idêntica poderia ocorrer com o Atlas de Lázaro Luís (Academia das Ciências 1990) ou com essa prodigiosa colecção do Visconde de Santarém (os “Atlas du vicomte de Santarém”) que foi também republicada em 1989 pela Administração do Porto de Lisboa, sob a direcção científica de Martim de Albuquerque.

Todas estas edições estão esgotadíssimas e correm nos alfarrabistas a preços que nem vos digo nem vos conto. Outros exemplos de atlas devidos a portugueses pura e simplesmente nunca foram alvo de edição nacional (menciono apenas o de Diogo Homem (Moleiro ed) ou o Atlas de Pedro Teixeira (Siloe), mandado fazer por Filipe III (IV de Espanha) e que descreve maravilhosamente toda a costa portuguesa (englobada na costa geral da península).

Porém, agora me lembro!, estúpido que sou!..., tudo isto soa a “descobertas” nefandíssimo acontecimento que um ramalhudo leque de personalidades entende ser uma abominação. Não sei se a Sr.ª Ministra é do mesmo parecer mas aqui está um tema sobre o qual muito gostaria de a ouvir.

Sobre os seus gostos pessoais e as suas opções de vida não tenho qualquer curiosidade. Isto sim é que é ser civilizado, estar no século XXI mesmo se no anterior onde permaneci largas décadas já pensasse rigorosamente a mesma coisa.

(quanto ao Orçamento, é o que se sabe: a discussão está encerrada pois sabe-se à partida, que está aprovado mesmo que os parceiros menores finjam que querem mais. Querem nada...

* a gravura vem d antiquíssima Creta, a do minotauro. De todo o modo parece uma tourada mais simpática do que as actuai. Mas uma tourada, de todo o modo. 

Au bonheur des dames 463

d'oliveira, 06.11.18

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Terça feira de todos os perigos

(e de todas as esperanças)

mcr, terça feira, 12.50 em Portugal, 8 da manhã em N York.

 

Há hoje eleições intercalares nos Estados Unidos. Disputam-se lugares na Câmara dos Representantes e no Senado. Neste último renovam-se 26 lugares ocupados por Democratas e nove por Republicanos. Só um milagre (assim o queira Deus...) poderá dar uma vitória aos Democratas visto ser mais fácil defender uma posição do que arrebata-la ao adversário. Neste momento as representações são quase idênticas havendo uma ligeiríssima vantagem republicana. Os democratas teriam de manter todos os seus lugares e conquistar três aos adversários. É obra!

Na Câmara dos Representantes havia até há pouco uma forte esperança de os Democratas conquistarem a maioria (actualmente detida pelos Republicanos). Pareci desenhar-se uma vaga de fundo acrescida de uma tendencial subida do número de eleitores jovens a que acresceria um cada vez mais notório repúdio das políticas de Trump. Mesmo assim, será bom não esquecer que grupos potencialmente votantes nos Democratas (por exemplo os operários brancos pobres) transferiram-se em massa para o campo de Trump motivados pelo que acreditam ser a defesa intransigente dos seus mal pagos postos de trabalho e a condenação da globalização, fonte de todos os males (sicut propaganda republicana). De facto, nas eleições presidenciais anteriores, o partido Democrata descurou esta frente, porventura desprezou-a e o resultado viu-se: Estados tradicionalmente Democratas acordaram num pesadelo Republicano. Notória culpa das elites educadas que habilidosamente Trump colocou no alvo.

Para além disto, que é assaz conhecido, há – por muito que nos espante a nós europeus – a ideia de que a América é novamente grande (great again) por ter batido o pé ao acordo de Paris, por enfrentar a China ou ter posto fim ao acordo sobre o Irão. Os americanos não esquecem nem engoliram a desfeita da ocupação da embaixada americana em Teerão, detestam os “amarelos” sejam eles chineses, coreanos ou japoneses, temem-nos e acreditam piamente que os europeus são uns ingratos e querem ver a sua defesa feita pelas ogivas e pelos marines americanos. Esquecem ou nunca perceberam que o mundo da guerra fria lhes foi favorável e que, no caso dessa guerra aquecer seriam os países europeus a linha da frente e as primeiras vítimas da URSS.

Mas, eventualmente mais grave do que este conjunto de percepções que assusta o americano médio há desde há semanas a “marcha dos emigrantes sul americanos” em direcção à fronteira sul dos EUA.

Convenhamos que a ocasião foi pessimamente escolhida se é que na génese deste movimento de pobres fugidos ao terror e à miséria não andou mão de conspiradores pró-Trump. É que a “ameaça” deste grupo de desvalidos deslocou a discussão política para terrenos favoráveis a Trump. É a defesa sagrada das fronteiras, a clara “ilegalidade” dos objectivos da marcha (entrar nos EUA “a bem ou a mal” – como se um punhado mesmo numeroso de desgraçados, onde não faltam mulheres e crianças em número avultado, pudesse fazer perigar a tranquilidade e os empregos no mais poderoso país do mundo!). As televisões tem mostrado fartamente esta pobre gente que tenciona caminhar mil e muitos quilómetros para aceder ao “novo e melhor mundo americano”. As declarações recolhidas são claras e (parece) feitas num tom tão afirmativo que podem passar por ameaças(!!!?). “Nada nem ninguém nos deterá!” é o lema mais ouvido. Nada? Ninguém? Sequer uns tiros (que Trump já desmentiu depois de ter ameaçado)? A prisão dos adultos em campos que hão de ser medonhos, a separação dos menores (o que angustia qualquer pai), os maus tratos? Sirva, para o efeito o exemplo do Texas, Estado republicano por excelência, onde um jovem turco democrata ameaça pela primeira vez com alguma consistência o senador Ted Cruz. Até há pouco o Democrata estava razoavelmente cotado nas apostas mesmo se, eventualmente, tal não chegasse para destronar Cruz (um adversário infeliz de Trump na corrida republicana à nomeação), político gasto e de origem “latina” (ao contrário de “Beto” O’Rourke, de origem irlandesa, bilingue saudavelmente parecido com o mito Kennedy. “Beto” é claramente a favor dos emigrantes mesmo se não fossem especificamente os da “marcha”. Com a campanha actual é provável que diminua ou não cresça suficientemente a sua base de apoio.

Quem estas linhas vai escrevendo, mesmo se tem poucas ilusões, conserva, apesar de tudo uma débil esperança no êxito Democrata na Câmara dos Representantes. Vencer aí seria já um princípio do princípio do fim de Trump. A América de Faulkner, de Armstrong e Ellington, de Aretha e John Ford, de Luther King ou Tony Morisson merece mais do um parolo nova-iorquino arruaceiro e mitómano. Andou-se por aí a falar de Bolsonaro mas este seu par do Norte é pior, mais perigoso, mais ignorante e mais fanfarrão. Se cair, ou pelo menos tremer, as suas réplicas sul americanas ou europeias passarão um pouco pior.

O que já seria muito, muitíssimo!

A "première" de Jair Bolsonaro

José Carlos Pereira, 02.11.18

primeira entrevista (à televisão da Igreja Universal do Reino de Deus) do presidente brasileiro eleito Jair Bolsonaro não esteve nada mal. Acesso generalizado às armas, vistas como garantia de liberdade pessoal, aos maiores de 21 anos. Maioridade penal aos 14 anos. Deslumbramento com Donald Trump. Ditadura militar? Nunca existiu.