Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

au bonheur des dames 469

d'oliveira, 31.12.18

images.jpeg

Ano que vai, ano que vem

mcr 31.12.18

 

É apenas uma convenção, mais uma, esta da passagem de um ano para outro. Ou, melhor, a convenção estará na ideia de algo vai mudar quando, ao fim e ao cabo, o Inverno está aí, vai continuar nós por cá andamos e iremos, espera-se, andar por aí, como o dr Santana Lopes, agora , e finalmente, na pele de líder partidário o que seia uma boa anedota não fosse o facto de ser verdade. Já não nos bastava o PAN, aquela coisa vermelha por dentro e verde por fora que são “os Verdes”, o futuro partido de uma criatura chamada Ventura, para já não falar de um par de cadáveres políticos herdados do PREC que, de eleição em eleição reaparecem mais velhos, mais cansados, mais falho de ideias.

Sobre o ano que passou o tal que começou sob o signo do fim da austeridade e termina austeramente, o tal que começou como uma espécie envergonhada de “frente popular” e que acaba numa polvorosa de greves em que a correia de transmissão do PC é predominante, o ano em o que o verniz entre o 4º pastorinho e o “habilíssimo” Costa vai dando de si.

2019 vai ser eleitoral. Já o é aliás e, de resto, foi-o durante todo o 2018. Surpresas houve poucas e não haverá, para já, muitas. Quando se pensou que Dezembro rebentaria em coletes amarelos, viu-se a montanha a parir um rato. Isto não é a França e, mesmo aí, a coisa tem mais contornos de “jacquerie” do que de revolução. Os franceses que, genericamente, são bastante conservadores, adoram falar de revolução a pretexto de tudo e de nada ou de muito pouco. Os “gillets jaunes” que durante vários sábados pintaram a manta em Paris (e destruíram muito pequeno comércio, permitiram roubos em série –de que alguns cavalheiros de cara destapada se gabaram perante o pasmo das televisões) e passaram de dezenas de milhares nos Campos Elíseos a oitocentos no último sábado. Abalaram Macron, entusiasmaram alguns pequenos chefes da extrema esquerda (ou do que se considera como tal) e apresentaram um número crescente de reivindicações desorganizadas.

Em Portugal houve também um borborigmo coletinho amarelo muito pálido que deveria ser punido por três razões: foi um fiasco, foi uma imitação caricatural e apresentou sete ou oito exigências que se contradiziam. As poucas criaturas que deram a cara pareciam vindas de um mundo de inocentinhos retardados e, sobretudo, davam a tristíssima ideia de que não percebiam o mundo onde, por erro ou desleixo, pareciam locomover-se.

E, todavia, não deixa de haver razões para alarme social, pese embora o argumentário do PS e do Governo. E os truques: desde o défice a tender para o zero à custa de cativações que rebentam os serviços públicos (o SNS é o caso mais notório), a ideia de que há investimento público quando o pouco investimento que se vê é privado e nem sempre o mais produtivo (o caso das estruturas turísticas que em breve serão demasiadas), as distorções que permanecem – a principal será a que distingue a situação dos funcionários públicos da outra bem mais dramática dos trabalhadores privados – a famosa Dívida Pública que se mantem lá pelas alturas.

Todos os governos tentam mostrar-se na sua melhor forma e atirar para os anteriores todos os males que sobrevivem. Entre nós, o dr. Passos Coelho (que aqui foi diariamente zurzido) continua a ser o culpado de tudo mesmo dos êxitos que pouco a pouco (e também não são assim tantos) se lhe reconhecem. O armário está cheio de esqueletos e não é a agradável ideia de que Vara E Duarte Lima estão com meio pé na cadeia que nos faz esquecer os srs Ricardo Salgado e José Sócrates que eventualmente poderão malhar com os ossos na prisão coisa que, eventualmente, só ocorrerá depois da minha morte (e não estou a chamá-la). Isto se, entretanto, a instrução do processo não estoirar como ocorre muitas vezes com decisões do meritíssimo juiz dela encarregado e que tem sido notícia pelas vezes em que os tribunais superiores lhe negam razão.

A ver vamos, como dizia o cego. E a Justiça, todos o sabemos, é uma senhora semi-nua, de epada na mão e uma mama ao léu. E os olhinhos vendados...

Entretanto, o dia avança, os reveillons perfilam-se e o povo espera ansioso com uma taça de espumante numa mão e doze uvas noutra. Amanhã os noticiários abrirão com as imagens sempre cómicas de selectos bailes de passagem de ano em que madames vestidas a rigor e cavalheiros de calva reluzente fazem danças em bicha com ar de grande felicidade. Um medonho espectáculo que diz tudo sobre a efeméride.

E amanhã, vida nova. Nova? A sério? Sequer recauchutada ou nem isso?

De todo o modo, daqui vos desejo tempos melhores, paciência e saúde. Iremos precisar disso tudo.

 

 

Estes dias que passam 382

d'oliveira, 28.12.18

Unknown.jpeg

Alguém mente

mcr 28.12.2018

A Sr.ª Ministra da Saúde veio para os jornais afirmar que, no caso da Maternidade Alfredo da Costa, não houve anestesistas nem a 500 euros por hora.

Por hora? Quinhentos euros? Exactamente, disse e repetiu a azougada senhora. A Ordem dos Médicos veio dizer que S.ª Ex.ª não dissera a verdade. Por outras palavras: que mentira. E mentira à barba longa. Hoje, uma empresa das que fornece médicos veio dizer que o máximo permitido por lei era cerca de 39 euros. Isto é doze vezes menos do que o número da Ministra. Doze vezes! Arre!

Também é verdade que, já que se vai mentir, ao menos que se minta em força. Mentir por ninharias nem vale a pena.

A Sr.ª Ministra, entretanto, parece desconhecer que só em Lisboa faltam quarenta (40!) anestesistas. Sabendo-se que os hospitais preparam cerca de cem anestesistas por ano, e que o país vai ligeiramente além de Lisboa, fácil é de concluir que não é para amanhã a solução deste problema.

Alguns comentadores afirmam que os anestesistas preferem trabalhar no “privado”. Será? E, se assim for, qual a razão?

O “privado”, dizia uma política tão demagógica quão ignorante (e de má fé, acrescento eu) vive à custa de sangrar o SNS mercê do facto de os utentes da ADSE irem de roldão para os hospitais privados onde são atendidos com rapidez. Conviria lembrar à estulta criaturinha que a ADSE é integralmente paga pelos seus utentes que vêm os seus ordenados ou pensões mensalmente sangrados em 3,5%. Três e meio por cento é muito no bolso de qualquer um mas, no momento da verdade, quando a urgência em saber o que temos e como resolveremos o nosso problema de saúde, até se reza de contentamento.

Nada tenho contra o SNS. Aliás pago para ele, visto pagar impostos, todos os impostos (o que no caso do IRS só ocorre com um terço dos portugueses, os que, pelos vistos, serão ricos). Gostaria, contudo, que o SNS funcionasse bem. Que não houvesse falta de médicos, de enfermeiros, de pessoal auxiliar. Que no caso do “ H. S. João” no Porto as crianças tivessem instalações condignas, o que não sucede. Que na “urgência” de um hospital, cujo nome não citarei a menos que me apontem um facalhão ao pescoço. não se passeiem ratos na incómoda sala de espera dos acompanhantes, que no bar (se aquilo, aquela estrumeira, se pode considerar um bar, os produtos não tivessem o ar de coisas abandonadas à má sorte, velhas e rançosas. Que, em tantos estabelecimentos públicos, não se acumulassem doentes em macas nos corredores! Que os funcionários que nos atendem não tivessem um aspecto de homens do lixo depois de uma noite de trabalho intenso. Que o Infarmed não protelasse indefinidamente a autorização para os cerca de 300 novos medicamentos propostos. Parece que os preços são salgados, salgadíssimos. Também o eram para a hepatite e bastou o escândalo de um doente em alta grita para subitamente o Estado encontrar meios de se entender com a empresa fornecedora e começar a curar centenas de criaturas. Há quem diz que, nesse caso, as vítimas pertenciam a grupos de pressão muito fortes com acesso aos meios de comunicação mercê de ligações ao mundo artístico. Desconheço se é verdade mas que houve pressa na procura de um acordo, houve. E que o acordo se fez. Claro que, na altura, o Governo era “fascista” ou quase, isto é liberal. Agora com um Governo do Povo, pelo Povo e para a o Povo, as coisas serão diferentes. E os doentes, neste caso, são apenas meros cancerosos...E não pertencem a nenhum lobby, artístico ou de especial orientação sexual.

Mas voltemos ao mistério dos quinhentos euros. Alguém, da entourage da Ministra, sussurrou para um meio de comunicação simpático que a coisa eventualmente se passara entre um único provedor de serviços de saúde e as autoridades. E que só um profissional teria sugerido aquela tremenda soma. E que não se sabia se a sugestão era a sério ou se o número avançado apenas sugeria que ninguém estava disponível no dia de Natal.

Mesmo assim, seja por chalaça (estúpida), por ironia (cretina), ou só como desabafo (idiota). a coisa parece pouco crível. Tanto mais que nunca se identificaram quer o anestesista (se ele existe) ou a organização (se ela tem tabuleta para a rua). Em suma, no caso estou como S. Tomé, ver para crer.

Todavia, se nenhuma pista for encontrada, ficamos com a ministerial afirmação.  E com a violenta reacção da Ordem dos Médicos (que deve ser do mais reaccionário que há...). E assim, a dúvida (que no caso da Ministra actual, começa a ser metódica) permite pensar que a Senhora está a mais naquele poleiro a que a alcandoraram. Que, como no “princípio de Peter”, ultrapassou o seu limiar de eficiência e não presta para o Governo, este ou outro, seja o do Cazaquistão seja o da Coreia do Norte, seja o da freguesia de aldeia Velha de Sensaborões, sobretudo este último, mais próximo.

Não basta ser temido, muito menos destemido em palavras, importa sim não ter mentido.

estes dias que passam 381

d'oliveira, 27.12.18

images.jpeg

E agora o Joaquim Antero Romero de Magalhães?

mcr 27-12-2018

Alguém chamado Bruno Paixão chega de supetão à minha caixa de correio a agradecer um texto do Rui Namorado sobre o Joaquim Magalhães. O Inverno e os seus frios não trazem só a petisqueira nacional, os fumados que se hão de comer com uma roda de bons e velhos amigos, acompanhados pelo vinho novo e um bom fogo na lareira. O Inverno traz sempre más novidades que aos velhos leva-os o frio, as noites longas e pesadas, esta entranhada humidade (hoje, aqui, está a 100% se a meteorologia do telemóvel da CG não mente) e a muitos, a solidão.

Não era esse o caso do Antero Romero (a malta gostava de se meter com o nome do Magalhães) que nos últimos anos quando aqui aparecia (aliás, aparecia na esplanada) vinha sempre escoltado por vários antigos alunos dos quais apenas conheço o Luís Miguel Duarte, professor também de História na Faculdade de Letras da UP.

E era bom e reconfortante, para mim pelo menos, ver o velho professor rodeado por alunos gratos que o não esqueciam e, via-se a olho nu, o admiravam. Poucos se podem gabar de ir vida fora, com tão invejável companhia.

Lá nos abraçávamos como se deve a dois cavalheiros da mesma idade que se conheceram em Coimbra no longínquo ano de 1960 e enfrentaram sem se fazerem grandes perguntas o cerco odioso do Estado Novo. E que cada um no seu grupo de teatro (ele no TEUC, eu no CITAC) rivalizavam amavelmente unidos pelo mesmo amor à palavra sobre as tábuas numa noite escura e frente a uma plateia atenta, exigente e calorosa.

O Joaquim foi depois da greve de 1962 e consequente derrube da direcção da AAC (também já não restam muitos) eleito Presidente da Associação Académica. Na época, o governo para maior controlo das AA EE inventou para Coimbra um sistema de representação na Direcção Geral em que dava sempre alguns lugares à lista vencida (a lista deles, dos “fascistas”, dos monárquicos, dos conservadores, dos retintamente tradicionalistas, dos que faziam trupes e chateavam os pobres caloiros). A Direcção Geral legítima ficava com maiores problemas para acudir à gestão de uma grande Associação com dezenas de secções e chamada a intervir em muitos e variados capítulos. Isto claro, porque a todos parecia inaceitável distribuir pelouros por elementos vencidos democraticamente sem mandato nem direito para gerir a Academia tanto mais que quase não passavam – se é que passavam – de agentes do governo repressivo. Decorreu daí  a necessidade de criar uma estrutura associativa que estudasse e preparasse soluções para apoiar o dia a dia da Direcção Geral. Nasceu assim a “Comissão de Estudos Associativos” da qual, juntamente com o Zé Barros Moura, o António Lopes Dias, o Zé Tomás Baganha fiz parte.  De longe, mas não muito, o Eurico Figueiredo e o Manel Alegre, tutelavam este grupo de rapazolas ainda novos e com (demasiado) sangue na guelra.

(Acho que cumprimos decentemente a nossa função de “pessoal de gabinete” sombra onde, valha a verdade também nos divertimos. Como curiosidade, o apodo de “inteligente” (Barros Moura) foi inventado pelo Dias já citado (Didi) que pôs alcunhas aos restantes das quais só vingou a do Baganha (“abastado”). Quando leio nebulosas interpretações sobre o IBM não posso deixar de me rir à socapa.)

O Magalhães cumpriu decentemente a sua difícil tarefa mesmo se, na altura, lhe exprobássemos a notória prudência com que agia. Mais tarde, verifiquei quanta razão ele tinha e quanta habilidade teve de usar para manter a AAC a salvo. E, de facto, no ano seguinte, direcção de Octávio Ribeiro da Cunha, a coisa voltou a estoirar e a Associação esteve três longos anos sob o regime de “comissão administrativa”. Até 1968, para ser mais preciso.

O Joaquim Antero enveredou pela carreira académica depois de um curso notável e da publicação de uma tese de grande qualidade que viria a dar origem ao “Algarve económico, 1600-1733” que ainda hoje se lê com largo proveito. Depois foi a carreira que se sabe, comissão dos descobrimentos, deputado e tudo mais. Mas sempre, antes e por cima disso, havia o professor dedicado, o suscitador de paixões pela História, o intelectual lúcido e o homem culto que morria por livros. Tantas vezes nos encontrámos em alfarrabistas... A começar por aqui mesmo. Depois de uma hora na esplanada lá íamos para  a livraria Esquina em busca de um impossível graal. E dali se saia sempre com livros. O Magalhães e discípulos continuavam o seu dia numa almoçarada que, suponho, os ex-alunos ofereciam ao Mestre.

Morreu hoje, ou ontem, não percebi, bem pelo texto do Rui Namorado, outro desse tempo de vinho e rosas, de chumbo e escuridão. E o Rui deixou um texto recheado de ternura no seu blogue “ograndezoo”, algo que se deve frequentar amiúde pois o Rui não deixa nariz de cera por derreter nem tolice de pé. que nunca lhe faltem forças nem vontade!

À Luísa e aos filhos (“a minha progénie”, dizia o maroto do Antero Romero, como é que com um nome destes se tem humor é mistério gozoso mas grande) um beijo muito sentido e abraços a todos.  

 

 

 

au bonheur des dames 468

d'oliveira, 27.12.18

Unknown.jpeg

Rui

mcr 27.12.2018

 

É a segunda vez que tenho o Natal ensombrado pela morte de alguém de quem gosto. Da primeira vez, foi a avó Aldina, a Velha Senhora, que os 97 morreu. Já esperávamos o desfecho mas não tão depressa e, sobretudo, nunca na véspera do Natal. A Velha Senhora, acamara um ano antes. De todo o modo, mantivera o sorriso e a boa disposiçãoo. Ela passara por tantas, em tantos remotos lugares, que estar de cama não a impressionava. Nem a ela nem à minha sobrinha Sara que ao ver a bisavó ali deitada à mercê de qualquer um, mesmo de uma catraia que lhe herdara o riso fácil e a alegria comunicativa, agarrou pela mão a Margarida, irmãzinha mais nova, e dirigindo-se à anciã disse-lhe mais ao menos isto: “Avó, antes que morras tens de contar à Margarida aquelas histórias que contaste a todos os netos e vários bisnetos...”

A Velha Senhora não se impressionou e apenas as mandou sentarem na borda da Cama e aí vai disto: duas ou três largas horas de histórias espantosas, contadas como só ela sabia contar. Morreu um ano depois, mergulhando-nos numa afliçãoo mesmo se sabíamos que ela estava por um fio. É que a Velha Senhora queria ainda conhecer uns trinetos nascidos longe e, se possível, vê-los crescer e vigiar naoros futuros, que ela também era muito casamenteira.

Desta feita, foi o Rui. O Rui Martiniano. Alfarrabista culto sempre com uma novidade escondida na banca que, jurava-me, estava guardada à minha espera! E apostrofava-me vigorosamente. “Você tem de ler este gajo que é dos melhores”. E, valha a verdade, quase sempre era. Mas eu resistia. Que o livro era grande e já não tinha pachorra, que cada vez – e é verdade – me interessava a ficção; que tinha um imensa pilha à espera de vez... E por aí fora. Só não repontava com o preço. Uma vez que o fiz, o Rui, truculento e generoso, disse-me: ofereço-lhe. E eu não tinha coragem para recusar e numa breve luta lá pagava o livro por um preço mais de saldo ainda.

Conheci o Rui Martiniano quando, graças ao meu tio Quim, companheiro de dezenas de anos de leituras e peregrinação por Lisboa, comecei a frequentar a feira dos alfarrabistas (todos os sábados, na rua Anchieta ali em pleno coração do Chiado). Na época, a feira ainda era no largo de S Carlos (suponho que é esse o nome) e, no Verão eu maldizia da calorina que ali se sofria. E lembrava o Eça, sempre ele, a afirmar diante do Fradique que o calor estava “de derreter os untos”.

Graças a Deus, a feira emigrou para o actual poiso, a poucos metros da Benard meu poiso para os cafés da manhã, e vagamente resguardado dos músicos de rua que exercem diante da Brasileira e, felizmente, longe da turistagem que se atravanca para a fotografia junto do Pessoa. Não que eles saibam quem é (como ainda menos saberão quem foi o Chiado ali recordado em estátua, ou sequer o Camões, também vizinho ou, ainda, o Eça um pouco mais abaixo na rua do Alecrim). Basta-lhes um cavalheiro sentado a uma mesa com uma cadeira disponível ao lado. E vá de se fotografarem impantes. Mais uma prova que passaram por ali onde, de resto, tiraram mais vinte ou trinta fotografias que, provavelmente nunca mais verão.

Mas eu falava do Rui. De um ex-editor que na “Hiena” (este nome só ele...) publicara umas dezenas de livros quase sempre imprescindíveis na biblioteca de quem gosta de ler e depois passara a vendedor de livros velhos. Foi, justamente, por reparar na pilha dos livrinhos da “Hiena” que chegamos à fala. A “Hiena” foi a editora de “A musa irregular”, do Fernando Assis Pacheco. Este livro, absolutamente essencial para quem queira saber da poesia portuguesa na segunda metade do século XX, deu azo a que nos descobríssemos editores ambos (eu através da Centelha) do FAP, que, por coincidência, também morreu de morte súbita vitimado por um aneurisma filho da puta. E também num Dezembro de má memória...

A partir desse dia, foi sempre a rolar. Nestes já largos anos em que por lá vou, sempre perto do fim do mês, a primeira visita era para Rui só para dizer bom dia. Depois, ia até ao princípio da fila das mesas e começava a explorar com cuidado, minúcia e alguma alegria as ofertas expostas. Em mais de uma centena de vezes, raramente saí da feira sem compras. Fiquei a estimar muitos daqueles alfarrabistas feirantes, sou mesmo amigo de alguns e, claro, amigo certo do Rui.

Conversávamos à rédea solta durante bastante tempo, ou seja até eu ter de arrancar para o almoço. Ajoujado de livros e com a carteira –sempre magra- bem mais leve. Partilhávamos um bom par de autores, lembro-me do Nicanor Parra que, agora descobri através da notícia necrológica de Luís Miguel Queirós (Público 23.12.18), ia directo ao coração de um misterioso Rui André Delídia, poeta com que nunca tropecei senão por via indirecta. Afinal era o pseudónimo do Rui. Irei procura-lo numa última homenagem ao amigo que, sexta passada, por volta do meio dia ainda me vendeu dois livros. Sábado, logo à chegada, um dos seus colegas, na primeira banca logo me deu a “triste notícia”. E a partir daí, todos os restantes colegas, de semblante carregado lamentavam aquele desaparecimento tão a destempo. Com eles, ficamos nós, os leitores e frequentadores da feira, mais sós, muito mais sós. Sessenta e quatro anos. Ao contrário da velha e belíssima canção dos Beatles, ninguém poderá contar com o Rui. O prazo dele esgotou-se.  

O VETO DE MARCELO NADA LEGITIMA

JSC, 26.12.18

O Presidente vetou o diploma que devolvia “aos professores e às professoras” (em linguagem BE) uma parcela do tempo reclamado pelos sindicatos.


O que os professores reclamam é pura e simplesmente um bónus por existirem, bónus que foi anulado em 2008, sem que, nessa altura ou nos anos posteriores, tivessem feito o estardalhaço que levaram a cabo no último ano lectivo e o que anunciam para os meses que aí vêm.


Sempre entendi e defendi que os funcionários públicos não deveriam ter privilégios especiais, considerando nestes o acréscimo salarial pela simples passagem dos anos. Os sindicatos dos professores opuseram-se, determinantemente, à avaliação do desempenho, tendo alcançado o seu objectivo: não serem avaliados.


Quem não quer ser avaliado não merece ser promovido. Parece-me óbvio e simples.


O que se deveria estar a discutir não era o veto do Presidente nem o problema com que o Governo está confrontado em ano de eleições. A questão de fundo, em meu parecer, é saber qual a legitimidade para os professores reclamarem agora todo esse tempo e reclamarem para todos, independentemente do bom ou mau desempenho que tiveram.


Se um funcionário público acha que ganha pouco, incluindo professores, tem sempre como alternativa ir trabalhar para o sector privado, libertando o Estado e os serviços públicos de trabalhadores desmotivados, que julgam ter direitos especiais, como seja levarem mais dinheiro ao fim do mês só porque o calendário está sempre em movimento, mesmo que eles não se movam.

Foco na atracção de investimento

José Carlos Pereira, 23.12.18

Na última semana participei em duas iniciativas que evidenciaram mais uma vez como a atracção de investimento é um elemento decisivo para a competitividade dos territórios, merecendo a particular atenção de autarcas e responsáveis das comunidades intermunicipais e das áreas metropolitanas.

Primeiro, o III Encontro de Investidores da Diáspora, organizado pela Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas e pela Comunidade Intermunicipal do Tâmega e Sousa, que decorreu com assinalável êxito. Cerca de 700 participantes, entre investidores, empresários e empreendedores da diáspora passaram por Penafiel e puderam tomar contacto com a nossa realidade empresarial e com as oportunidades de apoio ao investimento. Esta iniciativa pode acabar por impulsionar novos projectos, a começar pela própria região do Tâmega e Sousa.

Depois, foi a Área Metropolitana do Porto a organizar um oportuno seminário de reflexão sobre as estratégias de mobilização do potencial económico das cidades e das regiões, com o foco na competitividade dos territórios, no ecossistema do empreendedorismo, na especialização inteligente e na inovação. Este evento culminou com a entrega dos primeiros prémios "AMP Empreendedor" a uma empresa de cada concelho da Área Metropolitana.

Au bonheur des dames 467

d'oliveira, 19.12.18

Unknown.jpeg

O direito à greve não é para todos

(ou do direito ao bom uso de “fake news”)

mcr 19.12.18

O país assiste, com a resignação que o caracteriza, a um mês de Natal em que se cumprirão 47 greves se a matemática não me falha. É verdade que alguns dos pr´-avisos de greve dizem respeito à mesma classe profissional que vai cirurgicamente marcando dia sobe dias e greve sempre perto de feriados ou fins de semana para tornar mais atrativas as faltas ao trabalho e mais difícil a vida a quem usa transportes públicos, tem ir a uma consulta médica, fazer uma operação viajar enfim tratar de assuntos burocráticos numa repartição. Boa parte e mais dramática destas paragens de trabalho e de serviços diz respeito a funções tuteladas pelo Estado como é habitual. No comércio, na indústria, no ensino e saúde privados, nos serviços igualmente privados parece que não existe a famosa “consciência de classe”. Os trabalhadores destes sectores devem ser todos “lumpen Proletariat”, uma gentuça sem princípios, sem coragem, sem consciência da “brutal exploração” a que o “capitalismo monopolista” os sujeita. Não leram Marx (aliás. do lado dos revolucionários grevistas também não consta leituras do mesmo sujeito. Demasiadas barbas, demasiada prosa difícil, conceitos obscenamente abstractos e desnecessários. Felizmente existiram Politzer e Marta Harneker primeiro simplificadores. Depois, vieram os jornais partidários, hoje uma sombra do risível que já foram, que ainda simplificaram mais. E inventou-se uma coisa chamada “marxismo-leninismo” que já teve uma fase marxismo-leninismo-stalinismo e uma outra ainda mais vermelha a que se acrescentava o maoísmo e que até tinha um caderninho vermelho de bolso recheado de deliciosos pensamentos da autoria de um “grande timoneiro” (em Portugal, pais sempre de vanguarda, tivemos o pensamento imortal de um rapazola chamado Arnaldo de Matos que modestamente era apelidado “grande educador da classe operária”).

Durante o PREC apareceram mais alguns profetas do mesmo género, mas menores, e mesmo um militar que se pensou uma espécie e Fidel de Castro sem barbas nem carisma.

Nesses conturbados tempos, a União Soviética era o sol da terra (e talvez também o sal) segundo o dr. Álvaro Cunhal falecido em estado de santidade marxista leninista. E havia uns pândegos que em nome da “revolução”, da “luta final”, se entretiveram durante um par de anos a assaltar bancos (perdão, a recuperar meios de financiar a justa luta) ou a abater uns tristes, vítimas colaterais da luta contra o imperialismo.

É destes anos que datam as duas centrais sindicais, a “boa”, a “verdadeira” e a amarela. Esta demorou a afirmar-se, foi acusada de criar sindicatos paralelos, de servir os interesses estratégicos do patronato. Hoje, se não reina propriamente a harmonia já são raras as acusações mais virulentas. Também é verdade que apareceram ainda mais sindicatos ditos independentes mesmo se, globalmente, tenha baixado fortemente a taxa de sindicalização.

De todo o modo, há sectores onde o peso dos sindicatos é visível. O caso do Estado e das empresas públicas é o mais notório. Se uma greve de funcionários públicos da Administração central pouco ou nada prejudica o público em geral, já certos corpos especiais conseguem grande impacto público devido ao facto das suas greves afectarem a vida dos cidadãos. Os casos mais evidentes são os dos transportes. Autocarros, eléctricos, metro, ferrovia barcos da travessia do Tejo transtornam dramaticamente a vida de quem a eles tem de recorrer. E são sempre os mais pobres, os mais fracos, evidentemente.

E, assim, chegamos à grande controvérsia do momento: a greve cirúrgica dos enfermeiros.

A primeira questão que se põe, e foi a ministra quem primeiro tentou desqualificar a greve falando de crueldade, é a que decorre dos efeitos doa adiamentos de cirurgias, de tratamentos que obviamente terão efeitos prolongados. Uma operação que se adia demorará sempre algum tempo a efectuar-se. Durante esse período é fácil imaginar, a angústia do paciente, dos seus familiares e mesmo, o risco de consequências dificilmente imagináveis para a saúde do “adiado”, morte incluída.

Claro que conviria lembrar que a recente redução do horário de trabalho da função pública (de 40 para 35 horas) que entusiasticamente, e sem medir consequências imediatas ou mediatas, o partido da mesmíssima ministra levou a cabo sem sem que tivesse havido um aumento dos quadros nos hospitais (que, de esto, já pareciam insuficientes) tornou a assistência hospitalar pública (SNS) mais precária e problemática.

(à margem: mesmo sabendo isto, grupos políticos há que propõem um ataque em regra à medicina e aos hospitais privados. Mesmo que a pretendida eliminação da concorrência privada e social não seja a curto prazo, subsistirão dois graves problemas. Uma súbita enchente afogará o SNS e mais se afirmará a diferença entre uma assistência para ricos (privada e rápida) e outra para pobres que já é de uma lentidão escandalosa).

Todavia, o problema suscitado por esta greve é (também) outro. A começar pelas vozes que insistem em tentar negar aos enfermeiros um direito inscrito na constituição. Isto no exacto momento em que o Ministério Público e os Juízes insistem em recorrer a ele.

Depois, o “escândalo”: os sindicatos enfermeiros lançaram uma inédita e pública recolha de fundos para sustentar a greve. Vozes indignadas vieram a terreiro avisar gravemente que esse não é um bom processo. Parece que um grevista português deve sofrer sede e fome até obter ganho de causa. Ora, sempre houve meios de ajudar os grevistas a começar pelos fundos de greve, oficiais ou não, dos sindicatos.

Porém, o pior estava para vir: o fundo de greve dos enfermeiros por subscrição pública pode “eventualmente” ser pago, no todo ou em parte, pelas empresas de saúde privadas com o sinistro fim de prejudicar o SNS. Isto saiu da pena de várias criaturas escreventes nos principais jornais e foi badalado nas televisões e nos facebook e twiter.

Note-se que ninguém identifica os grupos privados que manhosamente auxiliam os enfermeiros. Basta sugerir essa possibilidade, tanto mais que o fundo se alimenta de entregas voluntárias e “não transparentes”.

Eis que os enfermeiros “cruéis”, segundo a nova ministra da Saúde, que, pouco a pouco mas seguramente ,disputa a taça da tolice à sua colega da Cultura, andam afinal a reboque dos hospitais privados. E do mais hediondo “capital”! Aliás, acrescenta-se outra tremenda prova: a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, é uma militante do PSD ou pelo menos uma colaboradora de antigos dirigentes desse partido. Ora, é sabido, que o PSD – e já agora o CDS – sendo um partido “burguês” (ou quase “fascista” e sempre, sempre, “reaccionário”) não tem direito algum a ter peso sindical. Isso estaria reservado aos verdadeiros representantes dos trabalhadores ou seja, prima facie, ao PCP e, vá lá ao BE. A la rigueur, talvez o PS ainda caiba nesse exclusivo clube, mesmo se, e cito uma boa porção de porta vozes comunistas e bloquistas, o PS tenha sempre um fatacaz pela Direita e pela política anti-popular e anti-operária.

Aqui chegados, como diria o inefável dr. Marques Mendes, temos que a greve da enfermagem enferma de graves pecados, todos capitais: é cruel, é, ou pode ser, paga pelos inimigos do povo e é impulsionada por partidos que não devem, não podem e não merecem defender greves mas apenas “lock-outs”.

(declaração de interesses: não conheço nenhum dirigente da Ordem ou de qualquer sindicato de enfermeiros, por junto sou sobrinho por afinidade de uma enfermeira aposentadíssima e cunhado de outra que apenas dá aulas a futuras enfermeiras. Desconheço, de resto, o que é que ambas pensam da greve, coisa que pouco me importa. Estou solidário com todo e qualquer paciente que tem de recorrer aos hospitais públicos e vê as suas legítimas espectativas de ser bem atendido goradas. Sei, porém, igualmente, as razões de uma luta que vem de há anos e que começa no menosprezo do Poder pelos que trabalham na enfermagem, que continua na falta de pessoal, na dureza das horas extra, no desdém pela qualificação profissional de toda uma classe que é, a par dos médicos, a base do SNS.)

 

E se Steve Bannon vestisse Colete Amarelo

JSC, 16.12.18

Em plenas manifestações dos coletes amarelos, em França, ouvi vários jornalistas e mesmo comentadores a questionarem se um dia também teríamos os coletes amarelos por aí.


Alguém os ouviu e aí está o anúncio da manifestação dos “coletes amarelos” em Portugal.
Se acredito que não é uma encomenda dos ditos jornalistas, tão pouco me parece que sejam iniciativas espontâneas, individuais, alguém que acordou, foi para o Facebook convocar uma manifestação e umas horas depois tinha milhares de aderentes. É pouco crível.


Uns tempos após o 25 de Abril um grupo de jovens resolveu protestar contra Espanha, dirigiram-se para a Embaixada Espanhola, umas horas depois a embaixada era invadida e incendiada. Anos mais tarde, com a libertação de documentação secreta, veio a saber-se que por ali andou a mão da CIA. O que parecia um movimento espontâneo, não era bem o que parecia ser.


E com os coletes amarelos? Em Janeiro deste ano um tal Steve Bannon, ex-conselheiro de Donald Trump, criou uma fundação, que designou de “The movement”, com sede em Bruxelas, para financiar e ajudar ao crescimento dos partidos populistas e de extrema-direita europeus.


The Movement”, segundo o própro Bannon, intervirá através de sondagens, investigação e prestação de serviços de aconselhamento sobre a mensagem a transmitir e o público-alvo para os partidos de extrema-direita. Servindo, ainda, de ligação entre estes partidos e o Freedom Caucus, grupo de congressistas com raízes no movimento de direita radical Tea Party.


Nos últimos meses o Sr Bannon encontrou-se com vários líderes da extrema direita europeia, a começar pelo líder do Partido para a Independência do Reino Unido (UKIP; Marine Le Pen da Frente Nacional Francesa; com os nacionalistas cristãos do Fidesz, partido do Presidente húngaro, Viktor Orbán e com os líderes da Alternativa para a Alemanha (AfD).


Recentemente, Bannon discursou na conferência anual do partido neofascista Irmãos de Itália. Sob os aplausos dos presentes, o Bannon garantiu que Trump, brexit e o resultado das eleições italianas estão interligados.


Qual o objectivo imediato que Steve Bannon definiu para “The Movement”? Nada mais nada menos do que a criação de um “supergrupo” dentro do parlamento Europeu que possa eleger até um terço dos membros do parlamento nas eleições europeias de 2019.


Como é que os “coletes amarelos” entram nesta estratégia?


Não sei, mas não me espantaria que daqui a alguns anos se soubesse que a mão de Steve Bannon identificou bem as fragilidades da cada país, as causas do potencial descontentamento popular, para, a partir daí, descodificar a mensagem a transmitir ao público-alvo, comandar protestos, fomentar a desordem pública, semear o medo, elementos essenciais para que o seu “The Movement” se implante no centro do poder europeu.

Pág. 1/2