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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Sindicalismo ou terrorismo sindical?

JSC, 31.01.19

A jovem Associação sindical dos enfermeiros lidera o que chama de segunda “greve cirúrgica”., tendo por objectivo pressionar o Governo a atender todas as suas reivindicações, que, a serem atendidas, gerariam o caos na administração pública pelo impacto financeiro directo sobre o Orçamento (suportado pelos contribuintes) e por alavancar reivindicações noutros sectores de actividade.

 

Atente-se que nos últimos três anos o seu salário-base passou de 1020€ para 1200€. Agora pedem, nanda mais nada menos, um aumento superior a 33% para o salário-base, que corresponde a mais 400€/mês, que daria um salário-base de 1600€, a que acresce outras reivindicações.


A primeira greve cirúrgica levou ao adiamento de cerca de 8.000 cirurgias. Neste primeiro dia de greve não terão sido realizadas 260 cirurgias. Como a greve se vai estender pelo mês de Fevereiro é fazer as contas.


Milhares de doentes verão as suas vidas arrasadas porque um grupo profissional, liderado por um sindicato ultraminoritário e sem histórico sindical, que usa os doentes com o maior dos cinismos e frieza para atingir os seus fins.


Cinismo, que a Presidente da ASPE deixou patente numa entrevista, hoje na RTP, quando diz que se os doentes estão há tanto tempo à espera da cirurgia não é por mais uns meses que há problema. A mesmo enfermeira confirmou ser esta “uma greve paga”, por recurso ao que chamou um fundo solidário não gerido pelo sindicato, sem dizer quem gere esse fundo.


Cinismo, quando a mesma enfermeira-presidente da ASPE diz que não teme a requisição civil até porque, diz, “o tempo que os Tribunais demoram a decidir, qualquer expediente que encontrem, quando tiver a resolução já acabou a greve”.


Perante atitudes destas, que traduzem a postura deste sindicatos, que usam indevidamente o direito à greve, como se pode assistir ao prolongar deste atentado à saúde pública, que já está a por em causa o SNS, sem nos indignarmos?

Por isso, pergunta-se:


Onde estão os partidos políticos que, pelo silencio, deixam que milhares de portugueses sejam sacrificados em nome dos interesses específicos de umas centenas de enfermeiros?


Onde estão as comissões de utentes dos serviços de saúde, que se calam perante este atentado à vida de milhares e milhares de pessoas que não têm alternativa aos hospitais públicos?


Quem negoceia e define os serviços mínimos pode ficar indiferente ao que se passa nos blocos operatórios? Pode permitir que seja um grupo de enfermeiros grevistas a decidir quais as cirurgias que se fazem ou não fazem?


Como se pode aceitar, mesmo do ponto de vista legal, que um grupo de 3 ou 4 enfermeiros pare um bloco operatório, mantendo-se todos os demais enfermeiros a trabalhar?


Esta associação sindical (ou alguém por ela) já terá recolhido mais de 700 mil euros para financiar a greve e pagar à centena de enfermeiros grevistas. De onde vem esse dinheiro? Os enfermeiros grevistas estão a ser pagos para fazerem greve? Por quem?


Os Deputados da AR convivem bem com esta situação? É que amanhã alguém pode financiar os maquinistas da CP pra pararem os comboios. E porque não financiar os motoristas das empresas de Metro para durante um mês pararem os transportes e assim sucessivamente. Os partidos consideram estas práticas legitimas?


Como aceitar que os líderes políticos, os deputados, a própria justiça, se calem perante a afronta de um grupo que não olha a meios, que até custa a acreditar que perante tamanha desumanidade, as suas motivações sejam meramente financeiras?

Estes dias que passam 386

d'oliveira, 29.01.19

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O desastre absoluto e os seus defensores

mcr 29-1.19

A Venezuela continua a ser notícia e nunca pelas boas razões. A proclamação de Guaidó (actual presidente do Parlamento) como presidente do país é apenas um fait divers na longa e dramática agonia daquele desgraçado país onde o “chavismo” sem Chavez (que já não era coisa que se cheirasse) apenas acentua o desastre que a chegada daquele anunciava.

Uma inflação incontrolável (1.500%, mil e quinhentos por cento!) reduziu a população a níveis de pobreza inauditos que fazem a Coreia do Norte passar por um paraíso. De facto, o ordenado mínimo mensal á para comprar (notem bem) três bananas e sete tomates. Convenhamos que para alimentar uma pessoa (ou até uma família) isto roça a infâmia. Uma costeleta ontem custava 1.500.000 bolivares (um milhão e meio de bolívares. A imagem era extraordinária porquanto o monte obsceno de notas parecia querer dizer que o papel de que eram feitas poderia valer mais do que o seu valor fiduciário.

Não obstante, por cá, subsistem -se bem que prudentemente calados- alguns amigalhaços do país de Maduro, entre eles um cavalheiro coimbrão que ainda há pouco tempo alardeava as virtudes do regime chavista-madurista. Isto já nem é cegueira ideológica é apenas má fé pura e simples.

No plano internacional, afirma-se que há dois grupos de países cuja posição em relação à Venezuela é antagónica. Não é bem assim. A Venezuela conta entre os seus defensores com uma escassa dúzia de países de que se citam a Rússia, a China, o México, a Bolívia, a Guatemala e a Turquia. Exceptuando o México que há pouco elegeu o senhor Lopez Obrador como presidente, os restantes são surpreendentes exemplos de falta absoluta de democracia, regimes tendencialmente de partido único.

Deixando de lado a Rússia e a China, cujos méritos democráticos são amplamente conhecidos, conviria lembrar que na Guatemala, governada com mão de ferro por um casal pouco exemplar, houve no ano que findou algumas (bastantes) centenas de mortos mormente entre estudantes contestatários, sindicalistas, intelectuais e gente miúda. A Bolívia na sua paupérrima insignificância pouco mais é do que uma colónia disfarçada da Petrobrás, empresa brasileira que explora o seu gás natural e o exporta através dos seus gasodutos. Todavia, o grupo político dirigente afirma-se nacionalista, anti-imperialista e progressista.

Finalmente, a Turquia. Bastaria lembrar que o seu actual líder representa, com o partido que o apoia a mais violenta contestação ao passado atarturquista e ao estado laico. É verdade que, durante muito tempo, esse regime foi monopolizado pela Direita mas havia conquistas sociais que, apesar de tudo, pareciam ser positivas e aproximavam o país da Europa, a cuja porta bate insistentemente. Com Erdogan, as coisas foram desandando cada vez mais e agora pouco mais é do que um Estado policial pró-islâmico que manda para a prisão ou para o exílio quem quer conteste a acentuada viragem religiosa a que se assiste. Nem vale a pena falar dos curdos e da repressão que sofrem desde sempre. É verdade que não puderam ser exterminados como os arménios (que eram muito menos numerosos e cristãos) mas o que se vai vendo no que toca às ambições turcas na Síria. Se é verdade que foram as milícias curdo-sírias quem expulsou os radicais islâmicos de extensos territórios no norte do país (amparadas, é verdade, pelo escudo norte-americano que dessa maneira poupou o seu limitado contingente à fúria dos combates e, agora pretende sair da região), não menos verdade é que a Turquia, como o Irão e, de certa maneira, o Iraque não aceitam sequer a autonomia curda seja em que território for. Sabem, perfeitamente, que isso seria o princípio da realização do velho sonho unificador de uma nação curda distribuída pelos quatro países.

Além disto, talvez valha a pena recordar que, depois do alegado golpe de Estado contra Erdogan, subsistem nas prisões mais de cinquenta mil presos políticos! Um record digno do Guiness a que se devem juntar mais de cem mil funcionários demitidos, o silenciamento da grande maioria dos jornais, rádios e televisões do país, aliás os mais respeitados meios de comunicação lá existentes. A Turquia, contudo, mantem-se graças ao facto de controlar os Estreitos, de pertencer à NATO, de não hostilizar Israel e de conter, a troco de fortes somas, o caudal migratório de refugiados sírios.

Estes são os até agora aliados da Venezuela madurista que, não exportando petróleo por ter deixado arruinarem-se, por incúria, as estruturas produtivas, expulsa milhões de cidadãos fugidos à miséria, à fome, à doença.

Ver, e ouvir, as delirantes declarações de Maduro sobre o estado do país é, apesar de tudo, menos alucinante do que ler o que dizem os seus escassos defensores que deveriam ser obrigados a partir para Caracas com urgência e a subsistir lá com o mesmo salário médio do infeliz cidadão venezuelano. Um mês, só um mês para ver se o entusiástico apoio aguentava aquele deletério e malsão ambiente político-social.

(O Eduardo Prado Coelho contava com o seu subtil humor uma história por ele testemunhada na falecida União Soviética: aos fins de semana viam-se algumas dezenas de automóveis com placa do Estado a abandonar Moscovo. Os alto funcionários do Comité Central e do Governo partiam para um repousado e merecido fim de semana nas suas datchas (atribuídas pelo mesmo Estado). Ao ver esta prazenteira migração, um intelectual comunista português dizia-lhe enternecido: “Vê lá, Eduardo, estes tipos até ao fim de semana trabalham!”

Entretanto o Zé Povinho local continuava a fazer bicha nos poucos sítios onde se vendiam bens de consumo imediatos, mormente alimentação.

O ingénuo (?) interlocutor de EPC via a realidade medonhamente arrogante da “nomenkatura” soviética com os óculos baços da sua ideologia cultivada e alimentada durante muitos anos de teimosa e desesperada resistência à ditadura do Estado Novo. Isto não o desculpe mas faz-nos percebê-lo. Todavia, isto passava-se no século passado, logo a seguir ao 25 A ainda antes da realidade nua e crua do mundo nos entrar portas adentro e antes, muito antes, de nos habituarmos a ver fria e racionalmente o que se passava à nossa volta ).

* Hoje mesmo, um dia depois deste texto estar escrito e pronto para ir para o éter, há a notícia de uma nova desvalorização da “nova” moeda venezuelana. Em boa verdade isto nem sequer é notícia.

 

“Uma história maravilhosa…”

JSC, 24.01.19

 Suponhamos que o diretor de ‘ratings’ de uma Agência de notação se pronunciava sobre a dívida pública portuguesa em termos menos favoráveis ou que chamava a atenção para a insustentabilidade da dívida ou para o risco de descontrolo da evolução da mesma.


Neste caso, qual seria o impacto da notícia sobre os canais de TV?


Pelo histórico, seria notícia de abertura de telejornais, objecto de debate, até daria lugar a fóruns, antenas abertas, para que o povo especialista em questões financeiras, opinasse abertamente. Está-se mesmo a ver José Rodrigues dos Santos a tomar aquela pose séria e grave, própria para dar notícias feias, e dizer: “Agência FITCH arrasa…”, tudo acompanhado com o respectivo info-grafismo, que dá sempre credibilidade à coisa. A SIC não deixaria de ouvir José Gomes Ferreira, que chamaria um lote de especialistas, e assim sucessivamente.


Acontece que o diretor de ‘ratings’ da FIFCH acabou de dar a sua opinião sobre a situação actual da dívida pública portuguesa, opinião francamente favorável, não deixando de atribuir mérito às políticas orçamentais seguidas.

 

A descida o défice público de 7% do PIB em 2014 para menos de 1% no ano passado ajudou a tornar Portugal “numa história maravilhosa do ponto de vista de notação”, explicou Douglas Winslow, diretor de ‘ratings’ soberanos da agência.

 

Estras declarações devem ter contrariado a opinião dos fazedores de telejornais e fóruns, de tal modo que, ao que se sabe, não abriram noticiários nem foram notícia nesses canais. Noticia é, para os mesmos, tudo o que puxe para o lado dramático, que ajude a puxar ou a mostrar o lado menos bom da economia, que alimente modas e promova radicalismos. É uma completa assimetria noticiosa.

 

Estes dias que passam 385

d'oliveira, 23.01.19

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E a Caixa?

 mcr aos 21/1/19

(não sou especial fã dos CTT – nem na nova forma nem na antiga –vivo numa zona onde não faltam agências -parece que agora se chamam lojas-, uso a empresa apenas para cartas registadas ou envio de embrulhos, o que significa um uso muito marginal. Não conheço nenhum dos figurões que o dirigem nem me apetece conhecê-los. Sou, tanto quanto me parece, relativamente neutral nesta questão que subitamente parece levantar-se ou agravar-se).

A nova empresa CTT tem, segundo testemunhos razoáveis e críveis, diminuído o número de postos (ou estações). Por seu lado o Conselho de Administração da empresa jura que aumentou o número de locais onde os usuários dos correios podem ser atendidos.

Neste ponto, conviria perguntar se esse aumento colmata a falta que o encerramento do anterior posto criou. Isto é, se a população órfã de serviço de correios, tem com igual comodidade acesso a outro idêntico ou melhor. A pergunta é legítima porquanto o novo local pode ser em zonas já com serviço de correios deixando sem ele outras que correspondiam ao posto encerrado. Não é a mesma coisa abrir loja em Lisboa para substituir a que se fechou em Carrazede do Meio.

Em segundo lugar, seria bom e útil saber quais os serviços que deixaram de ser prestados nas zonas ora desertadas. Duvido bem que seja a recepção ou envio de correspondência. Não por estes terem sido substituídos pela internet mas apenas pela singela razão de nos meios envelhecidos e rurais não só subsistir algum analfabetismo mas também não ser normal a troca de correspondência. Já o caso dos vales de correio com a magra reforma e uma que outra encomenda poderá efectivamente tornar-se um problema mais sério.

Em terceiro lugar, poderia pensar-se no serviço de telefone fixo muito embora o mesmo agora possa ser processado por várias empresas que retiraram aos CTT esse monopólio e, desse modo, deixaram ainda mais abalado o nome da empresa. Nem telefones e pouco ou nada de telégrafos...

 

Conviria, porém, atentar neste facto: Há um outro serviço dito público, dito de medonha importância para os cidadãos que também tem vindo a desaparecer aceleradamente do interior: A Caixa Geral de Depósitos, o tal banco “público” que já nos custou uma fortuna e que encerra balcões com uma velocidade que se mede com a usada pelos CTT (também ele, agora, banco) . Permitir que aquela em nome do interesse público e da economia feche balcões ao mesmo tempo que se ruge contra idêntica atitude dos CTT parece-me ser mais um apelo ao uso de língua bífida do que crítica razoável. Tanto mais que a Caixa também era o mealheiro dos mais pobres, o local onde se descontavam as magras pensões de reformados vivendo no interior e que também recorriam à famosa “caderneta” onde constavam as suas escassas poupanças.

O jornal Público traz na edição de hoje (23/1/19), e em páginas centrais, um resumo da escandalosa lista de empréstimos de alto risco a personalidades e empresas portuguesas de onde até à data já resultaram largas centenas de milhões de euros de prejuízo. Na impossibilidade de “nacionalizar” a Caixa só se vê a hipóteses de a privatizar!... Isto para usar do medicamento “reversor” que agora está na moda.

Convém lembrar aos mais assanhados “renacionalizadores” que retirar os CTT da esfera privada poderá ser um excelente negocio para os accionistas que viram a empresa perder mais de 50% do seu valor de venda.

A ideia peregrina de defender o “serviço postal universal” coitadinho é de “ir às lágrimas”. Está-se a defender algo que, se não está morto, está já moribundo e pronto a receber os santos óleos. Não sei se ainda existem os “postais” da minha juventude (pois não os vejo à venda em parte alguma) ou se ainda se troque correspondência em papel. Pelo fraco movimento de venda de selos nos quiosques adivinha-se o cada vez mais reduzido uso deste meio de comunicação. Isto, nos quiosques onde ainda é possível encontrar selos. E a razão é simples: o correio electrónico é gratuito ou, melhor faz parte de um pacote onde também entram a televisão, os restantes serviços de internet e o telemóvel. E se é verdade que, subsistem muitas dezenas de milhares de portugueses info-escluídos, também não é menos verdade que é nessa categoria que se encontram os grupos que menos consumo fazem de produtos dos CTT.

Provavelmente, com certa ironia, um jornalista do citado Público afirma que com a reversão dos CTT só há um ganhador: o grupo privado accionista dos CTT que se livre dos incómodos e fica com a parte boa, o Banco CTT que, à luz das regras da UE, não é nacionalizável.

Depois, se verá se reabrem as lojas fechadas e/ou substituídas por postos nas sedes das juntas de freguesia. E no, improvável caso de serem reabertas, se funcionam com o mesmo número de trabalhadores ou com outro bem superior (relembremos a famigerada passagem das 40 para as 35 horas de trabalho). E se o reactivado serviço universal postal miraculosamente faz surgir cartas às centenas ou aos milhares par justificar as ânsias reversoras de algum PS (que espera votos e postos de trabalho) e da generalidade dos seus aliados a quem a ideologia nacionalizadora cega até à demência. E se tudo isso leva à famosa revitalização do interior, à criação de empresas e de indústrias que mobilizem os escassos recursos humanos locais e exijam uma nova corrida de gente a estas regiões. E, já agora, se obrigam a CGD, tão pública e tão amiga dos desfavorecidos, a reabrir os balcões entretanto fechados.... Sonhar é, sempre, fácil –já agora seria interessante ver responsabilizados os gestores que, contra todas as boas regras do negocio bancário, ofereceram um bodo a uns quantos influentes (e eventualmente receberam uma gorda gorjeta pelos bons serviços prestados). E nessa responsabilização seria bom ver implicados os governantes que indicaram, impuseram e nomearam essas administrações que só lá foram colocadas para servir amigos, amigalhaços, afilhados políticos e outros espécimes de má frequentação. É verdade que a cadeia de Évora está superlotada mas com uns módulos a mais (como no caso dos contentores da pediatria do Hospital S João) acolher-se-iam uns quantos “cavalheiros de indústria” que tem sangrado o país e a Fazenda Pública desaforadamente. Se os contentores podem acolher crianças durante décadas também poderão dar guarida a adultos ladrões. Poder-se-ia mesmo, instalar lá uma estação de correios mesmo que se duvide que os nela instalados sejam capazes de escrever sem erros...

* na ilustração: a medonha mastaba que se vê é a sede da CGD em Lisboa. Mais do que um susto! A pedir um terramoto ali mesmo localizado a bem do bom gosto  (e do bom senso).

Au bonheur des dames 471

d'oliveira, 18.01.19

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Cumprindo a tradição

mcr 18-1-18

Os incursionistas lá se juntaram uma vez mais sob a batuta gastronómica de JVC. Perito nas artes de bem comer e ex-fumador de enormes charutos cubanos (o juízo e a idade   - ah, a p.d.i.!!!-foram mais fortes do que a frenética procura do prazer...) que, desta feita propôs a “Casa Nanda” que mantem jus ao bom nome adquirido. Presentes os resistentes e já lá vão mais de treze anos desta incursão nos misteriosos domínios da cloud e de outras coisas que nunca percebi.

Ao todo éramos cinco, (“mocho atento, que jura que vai voltar a escrever, “o meu olhar”, idem, aspas, aspas e JCM. d’Oliveira fez-se representar por mim, para alguma coisa servem os compadres, presume-se que ele ande por aí (como o dr Santana Lopes, mas sem projecto político que se conheça) pelo que talvez possamos afirmar que o grupo era não de cinco mas de 5+1, sendo este último algo de evanescente um pouco como o fantasma de Canterville (saravah Oscar Wilde).

Para não fugir à regra estivemos de acordo que continuamos em desacordo mas que isso, como nas boas e antigas democracias não impede a convivência, a conversa franca e o companheirismo. Remamos todos na mesma galé e a barca lá avança entre ondas agitadas e ventos nem sempre propícios. Mas lá vamos que o caminho faz-se caminhando (olá, António Machado, velho senhor).

E lembrámos com saudade (muita) o “Carteiro” que se fosse vivo teria acabado de ser avô e todos os camaradas que andam noutra. Que tudo lhes seja propício e que, em querendo, deem aqui notícias dos seus afazeres e prazeres. A casa foi vossa, é vossa, a mesa está posta com mais alguns pratos e talheres.

Não nos esquecemos de muitos amigos e leitores que nos honraram e honram com a sua discreta e amiga companhia. Saravah, malta conhecida e desconhecida, saravah, bloggers conhecidos e desconhecidos, esta nossa campanha não é o facebook onde anda tudo a likes e amigos, muitos, uma multidão e fake news. Aqui a malta diz o que pensa, como quer e quando quer, não likamos envergonhadamente mas explicamos porquê, como e o quê.

Como também é tradição fomos os últimos a sair do restaurante para a noite fria (raios que estavam 5 graus, brrr, eu não me posso queixar que para estas noites luso-siberianas tenho um sólido capote alentejano, com uma imensa gola de raposa legítima, ai Jesus que aí vem o gajo do PAN, oh que medo!... em entrando a invernia, abafo-me, avinho-me (moderadamente) e abifo-me (no caso apeixo-me (como ontem com uma bela posta de rodovalho, peixe nobre que marchou com duas batatinhas, grelos excelentes e um molho que nem vos digo nem vos conto). Os líquidos acompanhantes tinham a chancela de JCP, gourmet e escanção amador de alto gabarito.

Lá para Maio, época de aniversário do blog lá nos veremos de novo, especialmente primaveris mesmo se em questão de Primavera nenhum de nós (exceptuando “o meu olhar”, claro) seja uma especial novidade. Eu mesmo só por boa vontade me intitulo outonal que setenta e sete anos feitos (e perfeitos) já cá cantam bem desafinados.

(nunca percebi como é que gostando tanto de música, ópera, clássica, jazz, soul, rock, etc..., sou tão duro de ouvido. Que ninguém me mande sequer cantar o “dó, ré, mi” que eu até nisso meto a pata. Arre!

Quando éramos novos, cantávamos. Ou melhor os outros cantavam e eu metia a a argolada do costume. Lembro-me duma canção do Pete Seeger em que só me era permitido iniciar o refrão “a wheema whe...( (the lion sleeps tonight que na realidade é uma bela música zulu com o titulo de “Mbube”)). Mas aos negros sul africanos tudo foi tirado até esta música...). Era o meu único e irrepetível momento de glória).

Isto, hoje vai mais em tom intimista mas que querem, eu até preferia este género de temas mas a realidade é dolorosamente outra e alguém tem de se indignar para provar a si próprio que ainda está vivo. Mas os amigos, a lembrança do Carteiro, o jantarinho e o frio de Janeiro puxaram-me para esta “furtiva lágrima” (Viva Donizetti e o seu belíssimo Elixir de Amor).

Uma nota final: a ilustração (uma belíssima gravura estilo “shunga” do grande Utamaro é uma homenagem ao casal Guilhermina e Joaquim que tem um filho no Japão)

 

 

Au bonheur des dames 470

d'oliveira, 17.01.19

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É Pessoa (Fernando) que assassinam

mcr 16-1-19

 

Em vida, Fernando Pessoa teve pouca sorte. Viu os seus muitos e melhores poemas serem ignorados, troçados ou vigorosamente criticados e sempre pelas más razões. Concorreu a um único prémio e a sua excelente “Mensagem” ficou atrás de um livrinho tosco, desinspirado mas “amigo” das entidades premiantes ou de quem elas dependiam. A sua vida privada foi, também ela, banal e nem a paixão pela bela Ofélia o salvou do celibato. E bebia demais mesmo se isso eventualmente afectasse menos o seu emprego do que o facto de fazer versos. A sua glória é toda póstuma e isso deve-se a muitos e desinteressados esforços desde Luís de Montalvor a João Gaspar Simões. A partir de finais de quarenta a sua estrela começou a agigantar-se e nos anos sessenta era consensual considerarem-no o maio poeta do século XX que, apesar de tudo, ainda tinha muitos anos que percorrer.

Depois caiu nas mãos de pessoanos apaixonados que, se vasculharam laboriosamente a sua mítica arca, também produziram muita prosa obnóxia nem sempre boa e poucas vezes excelente. O seu túmulo acabou nos Jerónimos (antes isso que o Panteão Nacional), o seu mais famoso retrato deixou os “Irmãos Unidos”, ali, no Rossio perto da “Suíça” (também desaparecida) e praticamente em frente do “Nicola”, poiso de Bocage e que ainda (por quanto tempo?) resiste. No Chiado, em plena esplanada de “A Brasileira” lá está a sua estátua, sentado a um mesa de botequim, o inevitável chapéu de aba larga, os óculos e uma densa mas discreta melancolia. Agora, aquilo é pascigo de turistas que, aos milhares, se fotografam a seu lado sem sequer saberem quem é que ali está e, muito menos, sem terem lido um único verso do poeta.

Há pouco tempo, os jornais exaltaram-se com a notícia de Lobo Antunes entrar para a gloriosa colecção “Pleiade” (uma (aliás, uma das 165) das razões da minha permanente impecuniosidade). Pessoa anda por lá há anos e não recordo que, na altura, tenha havido alarido semelhante. A “Pleiade” é os Jerónimos vivo e imortal de alguma da melhor literatura mundial. Ainda por cima, trata-se de uma colecção belíssima, cuidadosa, bem apresentada, melhor documentada. Os livros valem os preços pedidos (actualmente aquilo anda entre os 55 e os 65 euros por volume, mas na Internet, na Feira dos Alfarrabistas da Rª Anchieta, ou nos “bouquinistes” dos cais do Sena arranjam-se por preços bem mais módicos. Há mesmo algumas boas e antigas livrarias parisienses que vendem alguns volumes com preços mais baixos e, normalmente, em bom ou muito bom estado. Cito as Gibert (Bd St Michel ou na place St Michel – são diferentes- onde há farta escolha)

Tudo isto para fazer ressaltar a extraordinária notícia de uma edição escolar que apresenta a belíssima “Ode Triunfal” com três versos escondidos sobre um pouco –mas imbecil e canalha – manto de asteriscos.

Eis, a negrito, os versos lapidados pelos lusos talibans acoitados na Porto Editora:

...Ó automóveis apinhados de pândegos e de putas

...(Ah a gente ordinária e suja que parece sempre a mesma,

que emprega palavrões palavrões como palavras usuais

cujos filhos roubam à porta das mercearias)

e cujas filhas aos oito anos –e eu acho isto belo e amo-o-

masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada.

 

As criaturas que organizaram a edição e a própria editora ou ignoram os mais elementares princípios de respeito por uma obra literária ou foge-lhes a mãozinha censória para o “antigamente” rural e sacripanta que, em defesa dos bons costumes, do decoro e da moral varriam para debaixo do tapete ou para trás das grades ( ou as duas coisas) tudo o que as incomodava (a elas ou à “ordem estabelecida”). No caso em apreço, a coisa agrava-se com as declarações imbecis com que defendem o indefensável (no caso a amputação a frio de três versos. À uma afirma-se que a mesma editora (a Porto editora) tem o mesmíssimo poema editado na totalidade; depois pretende-se que esta acção de trucidar um poema dá aos professores a possibilidade de repor a verdade dele, explicando aos alunos as partes em falta dentro do “devido contexto”!

Estamos todos a ver o angelical quadro do “sotor” ou a “sotora” a pontificar sobre pândegos e putas ou ainda melhor a condenar energicamente a referencia pedófila às meninas que masturbam cavalheiros (provavelmente pagantes ou meros familiares) nos vãos de escada. Estou mesmo a pensar no educador que previne os adolescentes de 17/18 anos sobre as maleitas do onanismo (que enfraquece; que conduz à surdez; que isto e que aquilo, não esquecendo que se trata de um feio acto, pouco higiénico e que, como as drogas ligeiras é o caminho certo para actos sexuais mais graves... E por aí fora.)

Ah, como a escola pode ser risonha e franca!

Nada disto é especialmente novo pois recordo o meu longínquo 3º ciclo dos liceus em que Gil Vicente, esse arruaceiro, usava injúrias deliciosas como “fideputa”. A pudica senhora doutora (naquele tempo havia respeitinho) não chegava à rase, antes a saltava e procedia do mesmo modo com partes do Canto Nono que, obviamente, era a única parte dos Lusíadas que líamos. E com a vantagem de ninguém nos mandar “dividir as orações” coisa que ocorria com todo o resto do imortal poema e que provocou em milhares de inocentes uma azia definitiva a Camões.

A notícia que li não traz –como devia – menção aos coordenadores da edição. Se são professores do ensino secundário –e é quase certo que o sejam – pergunta-se como é que esta gentinha obteve o diploma e quem é que lhes entregou a responsabilidade de citar ou propor Pessoa.

É verdade que algumas vozes se fizeram ouvir e, entre elas, as de representantes da Associação de Professores de Português. Estranhamente, o Sindicato está mudo e quedo. Se calhar, entende que isto não lhe diz respeito. Literalmente, não mas os professores e a sua famosa luta pelos nove anos quatro meses e não sei quantos dias só tem razão de ser se a classe docente, for tida como competente, culta e ao serviço da educação. O silêncio perante esta burrice supina não ajuda, bem pelo contrário.

Há neste jardim (ou “torrãozinho de açúcar”), além a Portuguesa de Escritores, uma associação que protege os direitos autorais. Pelos vistos essa protecção cessa ao fim de umas dezenas de anos. Cessa, de facto, quanto a dinheiros a receber mas deveria permanecer quanto à defesa d integridade da obra escrita, para não referir outras.Pessoa caiu no pântano do domínio público mas merecia ser respeitado e defendido. Publiquem-no, ganhem dinheiro com ele (o dinheiro que ele nunca ganhou) mas defendam a obra. Defendam aquela parcela de património imaterial da Humanidade e sobretudo de Portugal e da língua portuguesa!

(curiosamente o grande opinante nacional ainda não disse nada sobre o assunto. Também não é preciso e, já agora, saúda-se esse silêncio cada vez mais raro .Também são de saudar os respeitáveis silêncios de dois ministros, o da Educação e a a da Cultura. No 1º caso, S.ª Ex.ª teria de explicar ao pópulo a persistência anti económica – e pelos vistos –anti educativa – de, no mesmo exíguo país existirem tantos e tão (na aparência) diversos manuais escolares. Serão todos bons? Será apenas fruto da ganância de editores e de autores?

No caso seguinte, já não se espera da Sr.ª Ministra opinião fundamentada em algo mais do que o seu pessoalíssimo gosto sobre qualquer matéria.)

Na imagem: retrato de Pessoa (Almada) que esteve em anos saudosos nos "Irmãos Unidos". Muitas bicas bebi com o tio Quim à sombra amada e amável do poeta. Acho que, por minutos, nos sentíamos membros do grupo do Orfe, ou pelo menos seus leitores imediatos e contemporâneos.

Diário Político 212

d'oliveira, 09.01.19

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E vão duas...

Por d’Oliveira, travestido em velho do Restelo (antes isso que Pangloss!) no 12ºdia de Decervelage, festa de S Landru, ginecólogo

 

(declaração de interesses: nada me move contra o Doutor Marcelo Rebelo de Sousa cujas inteligência, habilidade e cultura não ignoro. De todo o modo, e desde sempre – ou quase- desde os tempos do “Expresso”, para ser mais concreto, achei-o demasiadamente amigo da intriga política, da invenção de factos políticos, de clamorosa soberba e muito convencido da sua superior missão de guia do povo. Tal ideia, foi-se confirmando com a sua desastrada liderança do PSD, hoje bastante esquecida e prolongou-se durante os longos, longos anos em que exerceu uma “magistratura de influência” via televisão. Foi sem dúvida um excelente comunicador para o que muito deve ter contribuído a sua experiência de professor, de bom professor a acreditar em muitos testemunhos, mas, desde o início previ – e disse-o aqui – que ali havia um calculo frio e uma enorme ambição política. A televisão foi uma rampa de lançamento – como com costa e a quadratura do círculo- e, quando se lançou na campanha, escrevi aqui que aquilo parecia um remake da Branca de Neve e os sete anões. A campanha, mais do que um passeio, foi uma cção inteligentíssima. Recursos mínimos, apoios só consentidos a uma conveniente distância, naturalidade e muitos beijinhos. Ganhou por knock out ao primeiro assalto. E agora, prepara, com segurança e algum suspense para os ingénuos, a recandidatura. Porém, como diria Brecht, há um defeito: fala muito, muitíssimo, admira-se ainda maise não percebe, ou finge que não percebe que isso, essa barulhenta e ternurenta presença constante nos media, cansa alguns e, com o tempo, cansará muitos mais).

Duas intervenções recentes, recentíssimas obrigam-me a rabiscar algumas linhas.

A primeira diz respeito às propinas universitárias. A mesma pessoa que há uns anos as defendia vem agora considerar que devem acabar. Para, parece, que os filhos da (quase inexistente) classe média possam entrar na Universidade e, pelo menos obter uma licenciatura.

As propinas representam entre trezentos a quinhentos milhões de euros o que, em termos absolutos pode parecer pouco, uns trocos, mas que, perante a miserável situação das Universidades é muito. A simples descida de 200 euros prevista no Orçamento daria, afirma a Associação Académica do Porto, para criar uma boa quantidade de residências estudantis, coisa para 1500, 2000 camas.

O valor das actuais, futuras, propinas, anda pelos oitocentos e tal euros o que dá cerca de 75 euros mês por cabeça. Isto, face às despesas de habitação, alimentação, transportes e material de estudo, é pouco, muito pouco. Um quarto, diminuto, anda nas grandes cidades sempre acima dos 500 euros – caso, por milagre, se encontre a esse preço. As cantinas universitárias custam no mínimo três euros ou pouco menos por refeição mas parece que a despesa por refeição nunca fica abaixo de quatro euros. E seria bom não esquecer o pequeno almoço e uma pequena refeição pelo meio da tarde. Façamos de conta que, em alimentação, o estudante gasta dez euros dia. São num mês trezentos euros. Juntem-lhe os trasportes e o material de estudo. Mesmo fazendo tábua rasa das outras despesas “sociais” que um jovem faça, temos aqui outros 500 euros . Claro que os números reais serão sempre superiores mas estamos a falar apenas do mínimo vital e despojado.

Portanto, antes de falr em propinas, deveria estudar-se um fortíssimo aumento de residências dignas, de cantinas melhores e com melhores ementas, de bibliotecas bem apetrechadas e de serviço de empréstimo de material escolar acessíveis e bem fornecidos.

Durante os meus tempos de estudante, tive oportunidade de conhecer residências e cantinas em diferentes países europeus (Espanha, França, Itália, Belgica, Holanda e Alemanha). Passaram muitos anos, é evidente, mas nada havia de comparável por cá, excepção feita de uma residência de estudantes em Lisboa onde caí por imensa sorte –e durante férias – que tinha alojamentos de boa qualidade. Era da MP e confesso que nunca paguei o que fiquei a dever: duas semanas de cama mesa e roupa lavada. Na altura, desculpei-me com a “luta contra o Estado Novo” mas na verdade, os responsáveis daquela casa acolheram-me quando estava sem dinheiro e contra a promessa, de pagar logo que voltasse de férias. Curiosamente, fora dessa residência que fugira o Joaquim Chissano semanas antes.

O desconto nas propinas ou mesmo o seu fim podem ser uma maneira habilidosa de deixar o resto como está (mal ou muito mal). Na Universidade, como na Saúde (SNS) ou na Escola na Ferrovia (ontem avançaram com uma exígua resposta) ou nos Transportes em Geral anunciam-se propostas, leis base e outros “divertimenti” que dizem muito (e muito pouco) do desnorte e do bloqueio em que nos encontramos. Entre a facilidade com que se fazem propostas para sectores da função pública sem curar de verificar os seus efeitos em todo o seu conjunto (e aqui PC e BE e por vezes o PSD tem fortíssimas responsabilidades que não exoneram o PS de ter aberto a caixa de Pandora) e a falta de um perspectiva segura, sã e bem pensada para as próximas décadas tudo anda em roda livre. Com o beneplácito do Presidente da República...

 

 

Telefonemas...

O Sr. Presidente da República entendeu telefonar à Sr.ª D. Cristina Ferreira no (fartamente anunciado) dia da sua estreia na SIC. Terá sido para “compensar” uma entrevista ao Sr. Manuel Goucha (o cavalheiro que acha interessantemente “polémico” o tal Machado da suástica tatuada) e que durara mais de vinte minutos! Esta, há que dizê-lo, não lembra ao mafarrico! S.ª Ex.ª argumenta que é “amigo” de Cristina e que já deu uma entrevista numa revista que ela dirige ou dirigiu. Estou para ver quando é que S.ª Ex.ª telefona para a 2 (que por acaso é bem mais “culta e adulta” que as já citadas e que tem nos programas de fim de semana a melhor série policial dos últimos anos – “O Comissário Montalbano”, produzida pela RAI a partir dos magníficos e imperdíveis livros de Andrea Camilleri, alguns traduzidos em português (Bertrand, Difel etc.). Isto para não falar de um programa diário, 14-15 h, “sociedade civil” que bate em cuidado, inteligência e condução qualquer dos já citados na concorrência. Mas a “2” tem fracos índices de audiência... ).

S.ª Ex.ª é, parece, “amigo” de meio mundo e muito amigo do restante mas se tiver de telefonar a toda essa boa gente, incluindo o fraternal Bolsonaro, não lhe sobra tempo nem para ir à retrete.

É a esta híper-actividade, a este querer estar com todos, a todos os momentos que, por muito que custe a S.ª Ex.ª, costuma chamar-se populismo que, como se sabe, não se limita aos Salvini, aos Mélenchon, às Le Pen ou ao homenzinho da Hungria. Eu, pobre de mim, lembraria, se o ousasse, que esta permanente procura de consensos com selfies e telefonemas a todo o bicho careta, tem a escassa utilidade do azeite sobre as ondas ameaçadoras: acalma-as um momento mas não lhes retira o poder destrutivo. A anestesia popular que reina neste cantinho da Europa é apenas resultado de varrer para debaixo do tapete os lixos acumulados por anos e anos de desleixo, de incúria, de egoísmo, de ignorância, de corrupção e desgoverno.

À superfície tudo calmo, ternurento e nos conformes. Por baixo, as placas tectónicas movem-se imperceptivelmente e, mais cedo ou mais tarde, o maremoto chega à costa descuidada e desmazelada.

* na gravura um dos cenários da série Montalbano

Estes dias que passam 384

d'oliveira, 08.01.19

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Indo por partes

mcr 7/8 Jan 19

 

O país, algum país, provavelmente apenas uma pequena parte, está comovido, exaltado, indignado ou, simplesmente, excitado. A causa tremenda é conhecida: um pobre diabo, um indivíduo sem a mínima representatividade (política, moral, social) apareceu num programa da manhã a responder a uma questão (também ela) pouco interessante. Tratava-se, ao que li e agora estou farto de ouvir, de saber se Salazar, enfim o seu impertinente fantasma, estava vivo (como o de Stalin nos corações progressistas de uns centos de criaturas “m-l” que ainda hoje rodam por aí dentro de partidos legais ou de frentes partidárias assumidas e com responsabilidades) e se seria necessário o seu regresso. Convenhamos que a pergunta não era do mais inteligente e que denotava falta dolorosa de tema para uma televisão ou para um programa (ou para um mero apresentador).

Todavia, um tal Manuel Machado, assanhado cabeça rapada, foi ao dito programa dado, pelos vistos, ter “opiniões polémicas”. No caso polémico deve significar burro (e não me refiro só ao entrevistado...).

Na questão de polémicas ficou-se por pouco. Regougou umas frases com escasso sentido e pior gramática, afirmou que não era contra os homossexuais nem contra os pretos e deixou no ar – ao que consigo perceber dos relatos confusos mas palavrosos que vão chegando – a ideia de que com uma extrema direita daquele género podemos nós, sem sequer erguer um pé para uma canelada. A coisa foi, e estou a ser generoso, risível. Direi mesmo que convinha repetir o programa duas, dez, vinte vezes para que o público português percebesse que se o perigo é aquilo então poderemos dormir descansados. Um pouco como a prestação da senhora Le Pen frente a Macron: um desastre e uma goleada do actual presidente francês.

Uma segunda constatação, também prévia decorre da personagem entrevistada. A criatura tem antecedentes criminais e não poucos inimigos no meio onde vegeta. Foi condenada e esteve na cadeia largos anos pelo que, nesse domínio, pagou à sociedade as suas malfeitorias. E pagou-as pesadamente, ao contrário de algumas “personalidades” que, volta que não volta, se pavoneiam nas televisões indígenas e que tem nas mãos o sangue inocente de umas quantas “vítimas colaterais”. Não consta que tenham sido julgadas e condenadas e, pelos vistos, aquilo, aquela autoria moral descabelada, parece ter sido um pecado venial, umas dores do parto da democracia, uns pequenos excessos perdoáveis pela opinião pública já esquecida (ou apenas conformada com uma justiça a várias velocidades e com a conveniente amnésia política da nomenkatura).

Portanto, vir agora, relembrar o passado prisional do tal Machado parece-me uma segunda tentativa de condenação por factos já julgados e punidos.

Porém, o pior disto tudo, desta gritaria escandalizada de filisteus é confundir uma burrice televisiva com um golpe de Munique, com uma marcha sobre Roma, com um 28 de Maio, com a “cruzada” do Franco, para já não falar do tropical Jair que arrota postas de pescada num português lamentável diante da impassível e fraterna testemunha que de Portugal lá foi para defender a CPLP, a “amizade” luso-brasileira, os restos de uma colónia de portugueses em terceira geração que, eventualmente, terão aplaudido o capitão “mito” com ambas as mãos.

Hoje os jornais noticiam que mais de trezentas “personalidades” e um quarteirão de pessoas colectivas (de que pouca gente ouviu falar, cuja actividade era até agora desconhecida ou mínima) escreveram uma “carta aberta” que, francamente, também não demonstra que os redactores tenham inventado a pólvora. Nos últimos dias o sindicato dos jornalistas, uma alta autoridade que tutela a imprensa, vários jornalistas e comentadores com tabuleta na última página de um jornal de “referência”, enfim todos, ou quase, ou seja, os do costume, vieram subscrever-se no politicamente correcto em bicos de pés, “também eu, também eu”... Deprimente!

Contra a corrente, só li Pacheco Pereira, honra lhe seja, que marcou com segurança as fronteiras desta nova guerra do alecrim e da manjerona.

Entre os indignados sobressai a baça figura do senhor Ministro da Defesa que num tweet alardeou duas considerações de fraca qualidade e uma imagem de florestas a arder para agradar a incendiários. S.ª Ex.ª ministro da “grande silenciosa” (as forças armadas) deveria ter reflectido cinco minutos andes de se esganiçar contra a estação de televisão onde os factos horrendos se passaram. É que poderia alguém, de má fé, claro!, pensar que na declaração do cidadão que, aliás, é ministro e não dos menores, perpassava a sombra de uma coação. Claro que S.ª Ex.ª nunca, de nenhum modo, sequer em sonhos, quis dar essa penosa impressão. Não quis mas deu.

Do senhor ministro espero com intranquila ansiedade algo sobre a merda de Tancos e sobre os que sabiam do que se tratava. Falo de militares e de civis e dos importantes. Até à data, nada, zero, raspas de raspas... Como se, cada vez mais, o rol de culpados e conhecedores alastrasse qual mancha de azeite e fosse paulatinamente atingindo muita gente acima de toda a suspeita (se é que se lembram de um filme italiano de Elio Petri: “indagine sul un citadino al di sopra di ogni sospetto” (1970, um grande filme político)

S.ª Ex.ª tem o direito de cidadania como é evidente. No entanto, é ministro. E um ministro tem de saber que tudo o que faz ou diz é escrutinado pelos cidadãos, amigos ou adversários, como já ocorreu um par de vezes com outros membros do actual executivo, mormente a senhora Fonseca, ou, antes, o senhor João Soares o “esbofeteador” e aquela senhora ministra da Administração Interna de que já nem o nome recordo. Aos senhores ministros pede-se trabalho, zelo, competência e que despachem as matérias que lhes competem com brevidade e sensatez. Não precisam, como Tartufo, de vir para arena bater três vezes com a mão no peito. A gente sabe que o senhor ministro é democrata, dos quatro costados. Se quiser adversários escolha um à sua altura melhor que um rapazola já entrado em anos, de suástica no braço e poucas ideias na cabecinha sonhadora.

Não quero com isto dizer que me não preocupam os assomos autoritários de governantes seja cá seja no Brasil, na Venezuela, na Guatemala, na Coreia do Norte ou na China. Ou no leste europeu onde perpassa um cavalheiro húngaro que também foi fraternamente abraçar o Bolsonaro. Vivi trinta e três anos da minha vida sob um poder rural, católicão, gangrenado por dentro, incapaz de pensar o mundo exterior e de perceber a sociedade portuguesa. Não me conformei e recusei-me a ser súbdito dessa gente. E lá marchei para cadeias variadas. O melhor da minha vida passou-se nesse universo cinzento, pesado e triste. Apesar de tudo tive sorte, porquanto alguns centos de portugueses tiveram pior estadia nas cadeias e por mais tempo. Talvez a minha juventude me tivesse salvo de horrores piores. Duma coisa estou certo. Esses anos e os primeiros da democracia curaram-me de várias coisas, entre elas do hábito de gritar pelo lobo mesmo se apenas se avista um pobre cão. E de ver o mundo a preto e branco. Dum lado os atentados à liberdade pessoal são monstruosos do outro, simétrico, são louváveis esforços de construir o futuro. Não são. Ponto, parágrafo.

Se, e quando, o autoritarismo anti libertário vier, não terá o Machado como anjo anunciador, podem estar certos. Espero que, nessa altura, os que se apressam a ver a floresta a arder mesmo quando a luz que se avista seja apenas a de um pirilampo à procura de fêmea, se exaltem e se disponham a agir. A agir. A impedir. A dizer, alto e bom som, NÃO.

Até lá, bom ano.

* Na gravura: o ovo da serpente (filme de Ingmar Bergman)

estes dias que passam 383

d'oliveira, 02.01.19

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Novo ano. Ano novo?

mcr 2.1.19

 

Arre que esta já passou! Refiro-me à noite de “ano bom” que para muitos, eu incluído, é uma valente estopada. Mesmo em família (e a que me caiu na rifa é óptima) as coisas são sempre complicadas. Comecemos pelo jantar. Mas antes uma referência ~2ª em 12 meses! - ao inevitável Nuno Maria que com uns meros 13 meses está que ferve. O catraio aprendeu a andar, anda sozinho, com uma que outra aflição, cai e levanta-se sem se dar por vencido e, sobretudo, para a sua pequena figura parece ser dotado de uma energia imparável. As pessoas cansam-se só de o ver no espaço que se criou em ambas as casas (nossa e dos pais dele), mcerca de 5 ou 6 metros quadrados (mais ou menos o mesmo espaço que me era dado em Caxias nos tempos nunca saudosos da “outra senhora”) fechados por sofás e cadeirões. Incansável e bem disposto, deve ter pensado que aquela era a sua particular corrida de S Silvestre e levou a peito ganhá-la. Só interrompia o passeio para se apoderar dos telemóveis da mãe ou da avó que a criançada desta leva já nasce com o dedinho espetado para a electrónica. Aguentou a pé firme até tarde, demasiado tarde, e foi para a cama contrariado. Estava claramente possuído pelo espírito festivo dos mais alucinados adeptos dos “reveillon”!

E voltemos ao jantar: A minha enteada (melhor filha não podia eu ter tido) acha que um jantar para tão pouca gente há de dar para três vezes (e estou a ser modesto) mais pessoas que as presentes. Com as entradas , entre marisco, enchidos, queijos vários, teríamos todos ficado mais que bem comidos. Sobretudo porque havia uma infinidade de sobremesas, entre elas um queijo da Serra que  ficou a rir-se de mim... Mas a Ana não pactua (pactuar e não “compactuar” , alarvice agora em uso nos ignorantes de português) com essas modernices e vá de arranjar uma sólida “piéce de resistance”, no caso um excelente bacalhau disfarçado que já só provei por falta de espaço.

É uma dor de alma o que fica por comer mas eu já não estou na primeira, segunda ou terceira mocidade.

Depois, há aquela coisa chamada televisão portuguesa e os seus programas para a data. Medonho, horrendo, inqualificável ou abaixo de cão, escolham vocês a expressão mais adequada. Em boa verdade, durante grande parte do tempo, o que se via era a “baby tv” para uso da criancinha aguerrida que aliás, se estava nas tintas. De resto, cá em casa ele vê com a mesma atenção o “Mezzo”. Já ouviu ópera, jazz, concertos vários e até bailado. Desde que haja música e umas figuras a adejar, ei-lo atento durante um período máximo de dez minutos que, depois, vira-se para os telemóveis, os computadores ou os comandos da aparelhagem. Suspeito que são os pais os principais admiradores da tal “baby tv”.

Como ia dizendo assistimos, em paga dos pecados veniais e capitais que teremos cometido ao longo de 2018, ao desbragado programa com a tv portuguesa entendeu brindar a lusa gente. Um desastre, Alcáçer Quibir redobrado. Se se resiste aquilo, então resiste-se a tudo durante o ano que entra.

No dia 1, ao fugir de outros desmandos televisivos, caí, num programa da orquestra de André Rieu, no caso um concerto na praça principal de Maastrich em pleno Verão. Coisa mais ou menos ligeira mas cheia de energia e de comunicação inteligente com um público holandês mais do que entusiasta. Eu tenho, de outros tempos, a recordação (excelente) de três meses nas terras batavas e não recordava o facto daquela malta ser capaz de se divertir assim. E também já não me lembrava de eu mesmo ser capaz de aguentar três horas a ouvir valsas, sucessos musicais antiquíssimos (“Granada”, “Marina”- do Marino Marini, oh imensa saudade, ou o “nel blu dipinto di blu”  do Modugno, coisas da minha verdadeira e perdida adolescência). Isto, esta música relativamente passável mas alegre e tocada com brio profissional, valia uma tonelada de programas nacionais, nossos. E dizemos nós, num mais que ledo engano, que os povos do sul é que são animados! O Tanas e o Badanas! Ou mais europa do norte: o Tanhäuser e o Badanauser!

Do resto do dia primeiro apenas vi o nosso inimitável 4º pastorinho no Brasil para assistir à posse de Bolsonaro. Não vejo qual a necessidade. Laços especiais, dizem-me. Nem laços nem laçarotes. Se ao menos fosse lá para enterrar o miserável “acordo ortográfico”...

Esta ida só legitima o recém chegado presidente e parece ir ao arrepio do resto da União Europeia. É bem verdade que aquele sacripanta da Hungria estava presente mas, convenhamos que para companhia, antes o fantasma de D Sebastião.

E já agora bolsonemos: Bolsonaro foi eleito por uma confortável maioria e não houve notícia de fraudes eleitorais. Por muito que isso custe, foi democraticamente escolhido pelo povo brasileiro. Agora é que se vai ver o que fará tanto mais que o Congresso tem cerca de trinta partidos e que o mais numeroso deles é o PT. Estou para ver o que é que infrequentável evangelista vai poder fazer. Como chegou lá, já sabemos. Chegou porque, antes, a corrupção, o crime (63.000 homicídios/ano!) a troca de favores e o desastre económico prepararam a opinião pública.

Curiosamente, Bolsonaro, nestas últimas semanas, quase apagou os desmandos, esses sim cada vez mais patentes, mais perigosos, mais infames, dos senhores Maduro e Ortega. Nessas zonas tão próximas do Brasil, morre-se à míngua, de fome de falta de medicamentos, de morte matada de tudo o que é opositor. Por cá alguns antipatizantes (permitam-me o neologismo) de Bolsonaro calam-se como ostras quando a Venezuela ou a Nicarágua interrompem a conversa.

Pela parte que me toca, vou seguindo o que oiço de Fernando Henrique Cardoso, o melhor presidente que o Brasil teve desde que me lembro e lembro-me bem dos Café Filho, Juscelino e posteriores, generalagem incluída. Ver para crer. Estar atento (muito atento) aos desmandos do tal Jair mas enquanto as coisas não passarem disso, de palavreado imbecil, não me comover demasiadamente.

De todo o modo, ver S.ª Ex.ª, o Presidente a cumprimentar aquela criatura não me alegrou, não compreendi, antes me envergonhou. Est modus in rebus que não há comunidade linguística que tudo justifique.

Para começo de ano, basta o frio, a bolsa em queda, bastam as greves caseiras e os maus programas de televisão.

 

*na gravura: A Nicarágua do heroico Ortega