Au bonheur des dames 477
Lemos e não acreditamos ou
No desconversar está o ganho
mcr 29.3.19
Temos um país todo sal, sol e sul (O’Neil) que, ao que dizem é a inveja dos estrangeiros que nos visitam. Vê-se que eles apenas passam, “leve, levemente” (Augusto Gil) e pouco se demoram. Ou quando se demoram refugiam-se no Algarve mais profundo, um pouco na zona de Cascais e, agora, alguns no Alentejo. Gozam uma velhice tranquila como os alemães em Maiorca, num terra onde as suas reformas valem bem mais do que na pátria longínqua e fria.
Eu que, por breves períodos, habitei noutras latitudes europeias, bem os percebo. O sol, o peixe do Atlântico, a natural gentileza das gentes, os baixos preços desculpam muitas coisas e entre elas o analfabetismo político sobretudo quando este se mistura com a espertalhice saloia.
Vem tudo isto a propósito de uma algazarra defensiva soltada por segundas e terceiras figuras do PS (Carlos César, Ascenso Simões ou Pedro Marques.
Supondo que ninguém desconhece estas estes abencerragens, basta-me recordar a questão que, sem qualquer gosto ou prazer, me faz citar estas criaturas é a famosa endogamia governamental e o desenfreado clientelismo que parece vigorar em nomeações longe do escrutínio público de familiares para cargos ditos de “confiança” (chefes de gabinete, assessores, adjuntos, consultores e o que mais vier).
O primeiro a intervir foi Carlos César, cavalheiro sem chama e menos qualidade oratória que desempenhou o cargo de presidente do governo regional dos Açores (e sempre que recordo isto vem-me à memória um famoso texto de Eça sobre o arquipélago e a política da metrópole em relação a ele que vivamente recomendo aos leitores. Estará na Campanha Alegre e, como de costume é um mimo) e é actualmente deputado, chefe da bancada socialista e “presidente do partido”.
. Li algures que vários familiares seus, eventualmente uma boa meia dúzia, desempenham cargos relevantes sempre na velha base da nomeação.
Este César (não confundir com o Borgia ou o Júlio) acha naturalíssima a presença de familiares no mesmo Governo e, já agora, as nomeações de familiares de responsáveis governativos para cargos de “confiança política” para os gabinetes. Tem até uma bizarra teoria para esta surpreendente acumulação de políticos todos eles familiares. Parece que há famílias em que a res política vive com grande intensidade e contagia todos rebentos da mesma gens. Desconheço se César atribui isso a um especial ADN, à Providência Divina, ao “grande arquitecto ou ao mero acaso. A verdade é que ele parece acreditar piamente nesta coincidência porventura científica que faz de uma série de desconhecidos ligados pelo sangue uma espécie especializada no cursos honorum político, seja ele local, regional ou nacional.
No meio da defesa das peripécias governamentais, terá (no que depois foi exemplarmente seguido) citado o caso de deputados que são parentes. César, ou esquece que um deputado é, mesmo no actual sistema de “tudo ao molho”, eleito pelos cidadãos 8e não empossado num cargo político por “confiança”, ou propositadamente chama à colação os eleitos para confundir a opinião pública. No primeiro caso é mera ignorância – indesculpável no seu caso) e no segundo é manifestamente uma tentativa pouco hábil e mainda menos inteligente de deitar areia para os nossos olhos.
Pedro Marques, que de ministro sem obra foi alcandorado a cabeça de lista para as europeias, descobriu fortes doses de misoginia nos comentários: de facto, muitos dos reparos aparecidos tinham como alvo uma extremosa filha de ministro e duas “belas, inteligentes e mais não sei quê” esposas de responsáveis por pastas. Não se no lote também incluía a mulher do ministro Cabrita. Se sim, faz mal. No caso vertente é ele que, muito naturalmente está na sombra da mulher que já tinha um sólido percurso. Fora esta originalidade, Marques fica-se dentro do modestíssimo perfil que se lhe reconhece. Não descobriu a pólvora, nunca a descobrirá mas se atendermos ao que fanfarrona, já vai na energia a hidrogénio... A Europa que se ponha a pau.
E finalmente, cereja no bolo, Ascenso Simões. Ao que sei, ainda antes dos trinta aninhos, esta luminária já emprestava todo o seu charme à vida política. E pelos vistos nunca mais de lá saiu. Um exemplo típico de político lusitano!
Indo pelo seu currículo, verifica-se que além de múltiplas outras coisas há uma forte produção literária (14 títulos, sendo um provavelmente poético e outros – eventualmente- pequenos folhetos). Todavia, não é este o aspecto mais impressionante. Contas feitas, para alguém nascido em 1963, temos que aos vinte anos já era membro da Assembleia Municipal. E com 24 já exercia de vereador. Tudo antes de terminar a sua briosa carreira académica (presidente de uma AE em 1991). A deputação só veio em 2005 mas antes já se tinha passeado por S Bento (adjunto do presidente da AR entre 1995 e 2002). Ao Governo chegou em 2005 e por lá perdurou até 2009, percorrendo, se não erro, três Secretarias de Estado.
É bonito! E exaltante!...
E passemos à sua intervenção na polémica cavilosa que espíritos mal formados lançaram contra o Governo actual. O “Público” (não sei de má fé ou apenas por chalaça) deu-lhe uma inteira página na passada quinta feira, 28 de Março. E aqui Ascenso ascende ao Olimpo não direi das belas letras mas pelo menos da inenarrável confusão. O texto chamado “Manifesto anti-Rangel” pretenderia citar o manifesto anti-Dantas de Almada. Só que...só que não é Almada quem quer mesmo que saiba escrever a onomatopeia “Pim!”Para isso seria necessária uma prosa interessante, uma ironia cortante e algum contexto. Nenhuma destas três modestas condições concorrem num arrazoado que se lê mais espantado que contristado tanto e tal é o disparate. Para Simões, a tese rangeliana (e só quem leu Rangel é que percebe que isto é uma diatribe contra ele...)significaria que da sua condenação do ensimesmamento familiar governamental se pode deduzir uma condenação geral de todo e qualquer laço familiar na sociedade portuguesa.
Comecemos pela singela constatação de que Simões confunde o facto de duas pessoas com laços familiares serem deputados, ao mesmo tempo ou em épocas diferentes, com a existência no mesmo governo e num determinado momento de vários familiares (marido e mulher, pai e filha) E já nem refiro os assessores, chefes de gabinete & assimilados que são parentes e pululam por lá ou lá perto. Ascenso ainda não percebeu que o simples facto de alguém ser eleito significa que passou pelo crivo do escrutínio popular, cidadão e republicano. Em teoria, os eleitores sabem quem é quem que lhes pede o voto. Por isso terão votado duas irmãs (Mortágua) pelo mesmo partido ou dois irmãos Portas por partidos diferentes e convenhamos claramente antagónicos (CDS e BE). No mesmo registo temos (e cito sempre as pessoas que a criatura trouxe à baila) os irmãos Horta. Ou ainda, pasme-se os irmãos Moreira da Silva (um ministro e um vereador!). Tambem na temível lista de Simões aparece um casal igualmente eleitos (Amandio Azevedo e cônjuge) e mais extraordinariamente ainda um ex-casal (os Roseta, ele ministro PPD ela deputada PS!!!). Mota Pinto aparece na lista mesmo se Ascenso pareça não entender que o filho que foi deputado só o foi mais de dez anos da morte do pai.
Ascenso, num desatino onde falece o mais elementar bom senso, vem depois trazer à baila dois prestigiados médicos e irmãos (os Gentil Martins). E nessa onda insana acrescenta mais três pares de irmãos, desta feita militares (os Cabral Couto, os Espírito Santo e os Reis e Fonseca) que no que Ascenso atribui a Rangel nunca deveriam ter chegado a generais !!!
E no capítulo irmãos lá conseguiu ainda mobilizar os irmãos Lopes que ele identifica como quadros do PC.
Finalmente revela que um jornalista Sebastião Bugalho é filho de uma jornalista Patrícia Reis. Também neste registo filial há uma menção a Rui Machete que foi ministro de vários governos até 2014 e Pedro Machete actual juiz do Tribunal Constitucional onde chegou após cooptação de todos os restantes membros desse alto tribunal.
Ascenso pretende dizer que a “doutrina” Rangel nunca permitiria nenhum destes casos mesmo se as situações nada tem a ver com nomeações. Em boa verdade, Ascenso deve achar que Rangel é uma amiba ortorrômbica!
Vai longa a parlenga mas convém realçar aqui que citação de Almada (um texto aliás divertidíssimo) não encobre o facto do manifesto ter tido origem numa crítica de Júlio Dantas (médico e político republicano - da 1ª República) ao então jovem futurista que anos mais tarde será um talentoso pintor e escritor apesar de, a partir do 28 de Maio ter sido um entusiasta do Estado Novo com que colaborou desde logo com o primeiro cartaz a favor da Constituição de 1933. E se é verdade que, muito mais tarde, Salazar terá torcido o nariz a algumas das suas propostas pictóricas não menos verdadeiro é que foi um claro artista do regime por muitos e bons anos. Não foi caso único, antes pelo contrário, mas é conveniente que se dê o seu a seu dono. E o futurismo não foi sempre, nem principalmente, um movimento democratizante como algum néscio poderia pensar ao babar-se com o “manifesto”. Mas ninguém, eu muito menos, exige de Ascenso qualquer luz de conhecimento histórico ou estético.
Pim, Pam, Pum!
Cada bola mata um
Prá galinha e pró peru
Quem se livra és tu!
(declaração de interesses: não conheço o dr Rangel. Identicamente não conheço nenhum dos senhores políticos citados pelos media. Também não me apetece conhecê-los. Já basta uma pessoa ter os achaques da idade e ler resignadamente os políticos que se metem a articulistas. Credo!
Fui duas vezes nomeado para cargos de certa monta por pessoas que eram minhas adversárias políticas e que, por mim, foram prevenidas disso. Recusei três nomeações honrosas e financeiramente vantajosas com que amigos meus quiseram brindar-me. Suponho que eles perceberam as minhas razões. Pelo menos, continuam a cumprimentar-me amavelmente. Provavelmente sofro de orgulho a mais (feio pecado, e mortal) e de escrúpulos que estarão fora de moda. Tenho de viver com isso e igualmente de morrer com isso que já é (muito) tarde para mudar. Nunca aceitei cunhas ou as meti. Pelas mesmas razões. O espectáculo a que assistimos é doloroso e pouco edificante.
Ai Portugal se fosses só três sílabas...
...meu remorso
meu remorso de todos nós...
(Alexandre O’ Neil)