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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Estes dias que passam 390

d'oliveira, 06.03.19

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E o raio do Carnaval que não chega (III)

 

Deus, Pátria e Família (ou quase)

 

Eu não queria falar dos variados laços familiares que ornamentam este Governo. É que, do ponto de vista de Sirius, receio ser preconceituoso mas, mais comezinhamente, do ponto de vista do cidadão comum que sou, parece-me um exagero: Marido e mulher (ou vice-versa, não vá ser acusado de machismo) pai e filha se é que não há por lá padrinhos e afilhados, primos, parentes longínquos, enfim toda a parafernália do que, eventualmente, poderia configurar um potencial caso de nepotismo, parecem-me um caso de imprudência política. Não vou dizer que um ou outro é incompetente, ou está ali apenas por ser familiar, mas a bem da democracia e da transparência (mais uma nova palavra a ser rapidamente gasta pelas esquinas da opinião pública) conviria que estes casos não ocorressem. Tudi isto, este cerrar de horizontes, dá a ideia de uma elite exausta, incapaz de procurar sangue novo fora dos limites da sua freguesia, do seu bairro ou da sua rua.

 

Ao que sei, e sei muito pouco, a dr.ª Mariana Vieira da Silva é licenciada em Sociologia e a partir de 2005 andou pelos ministérios. A ideia com que se fica é que, fora o trabalho político nunca teve contacto com a vida de todos os dias, as chatices de procurar um emprego, de ser mal paga, de aturar patrões chatos ou simplesmente exigentes.

Há quem afirme de modo mais ou menos genérico que a senhora é muito competente, coisa que, por cortesia, vou aceitar mesmo se valesse a pena ser provada com factos concretos. Não lhe invejo a sorte de suceder a uma Ministra competente, discreta e burramente empurrada para um segundo lugar na lista de candidatos a Bruxelas. Aqui, vai ter de mostrar se, além de filha querida, é também competente e capaz de fazer isto andar para a frente.

Ora, o seu primeiro assomo no Ministério parece ser a proposta de um dia de luto nacional pelas mulheres vítimas de violência doméstica. A ideia é, sejamos generosos, peregrina. Que efeitos se pretende com isso? Bandeirinhas a meia haste? Discursos e soluços de comoção na véspera do 8 de Março? Alguém espera ver o agressor que rebentou o tímpano à aterrorizada mulher, que anda espavorida a esconder-se por aí, a vir pela rua fora de baraço ao pescoço. Pés descalços e a cabeça coberta de cinza a bradar pecavi, pater pecavi, chorando baba e ranho?Ou, mais extraordinário ainda, será que um certo magistrado virá a terreiro afirmar que, volta e meia, sai da realidade e dispara mais depressa do que a própria sombra, como o excelente Lucky Luke que, aliás só maltratava bandidos horrorosos mas simpáticos pelo menos no que toca a mulheres pois não consta que batessem nas legítimas se é que as tinham?

Ou iremos ter direito em todos os noticiários a uma mão cheia de ministros e outras idênticas luminárias a solenemente garantir que agora sim, agora é que os violentadores domésticos vão saber com quantos paus se faz uma cruz?

Eu até poderia espera que o governo, ou então o Parido, propusesse uma lei a aumentar fortemente as penas contra esta indiscriminada perseguição das mulheres (mesmo das “adúlteras”, das “descaradas”, das que “provocam” o inocente macho lusitano, das “que o abandonam” (horribile dictu!) . Será difícil?

Dirão que não há tempo para concretizar a medida. Sem dúvida, mas também não há tempo (nem dinheiro) para concretizar os famosos 11.500 quartos em residências universitárias e andou por aí um secretário, ou Subsecretário, tanto faz, a anunciar isso como se a medida fosse para ontem e não para as calendas gregas.

Apetecia-me substituir-me ao extremoso pai e dizer comovido: “Marianinha, não seria melhor ir pôr um raminho de flores no túmulo da misera e mesquinha Inês de Castro?”. Ainda por cima fica em Alcobaça, aqui tão à mão e t\ao romântico.” (Bem sei que a bela Inês foi executada e que o crudelíssimo e desalmado Pedro – que só por chalaça é chamado de Justiceiro – não meteu para isso nem prego nem estopa. Se esta Inês não servir então recordem Maria Teles de Meneses, amante de um dos bastardos desse mesmo Pedro que, roído de ciúmes a matou também em Coimbra no palácio de Sub-Ripas, acicatado por Leonor Teles, irmã da assassinada e mestra eximia em malas-artes.

 

Da vida de estudante

E já que se falou nessa cornucópia de residências universitárias a vir numa manhã de glorioso sol, vale a pena analisar a conversão do ex-Ministério da Educação em residência. No meu peregrinar por Universidades estrangeiras tive a sorte de ser alojado, por cinco ocasiões em residências deste género: na Holanda (Amsterdam), na Itália (Trieste), na Alemanha (Berlin oeste), em Espanha (Madrid) e na Jugoslávia (Ljubliana). O programa era mais ou menos assim: Havia quartos que tinam uma pequena casa de banho, outros apenas com um lavatório, ficando os duches ao fim do corredor. As cozinhas comuns estavam também instaladas em cada andar e poderiam ser utilizadas por várias pessoas ao mesmo tempo. Duas dessas residências tinham mesmo cantinas no rés do chão o que era bastante prático. Isto, convém dizê-lo, entre os anos 60 e 70. Ou seja, há praticamente 50 anos! Conheci, ia-me esquecendo, uma residência portuguesa, em Lisboa, na Visconde de Valmor, se não erro com instalações modelares. Alojaram-me lá, por duas semanas enquanto esperava embarcar para Moçambique num programa de férias que, nós mesmos organizávamos a preços excelentes. Havia apenas o problema de só na véspera do dia de embarque sabermos se havia ou não vaga naquele avião. A residência era gerida pela Mocidade Portuguesa, organização com a qual não só não mantinha nenhum vinculo mas abominava. Todavia a ideia de dormir ao relento e de fazer jejum também não me agradava pelo que lá pedinchei um quarto prometendo pagar a hospedagem quando regressasse de férias. Não paguei mas ainda hoje encaro a ingratidão como uma falta. As dívidas pagam-se e a verdade é que nessa residência estivera alojado até semanas antes da minha chegada, o Joaquim Chissano, meu antigo colega no liceu de Lourenço Marques e posterior Presidente da República de Moçambique. (também ele deixou um calote que no caso tinha alguma forte desculpa. Não se “dava o salto” avisando da saída e pedindo a conta.)

Ora, um programa de residência estudantil implica pois um fartote de obras mesmo se o prédio lá está. Em poucas palavras aquilo, se tudo correr com celeridade, projecto, concurso, adjudicação, obras (e atrasos!...), irá demorar uns anos, três ou quatro, pelo menos. O mesmo se poderá dizer com todos os restantes prédios já identificados (adorei a ideia de umas cocheiras num palácio lisboeta!...).

Este anúncio, mesmo se feito com boa fé, peca por parecer mera propaganda eleitoral. Anuncia-se algo que este Governo não fará e que só com muita celeridade se irá concretizando na segunda metade da próxima legislatura...

Eu, velho do Restelo e mau patriota, estou nisto como o troiano ao ver o cavalo de Ulisses: Timeo Danaos et dona ferentes (ou seja: arreceio-me dos gregos mesmo quando dão presentes).

 

ADSE, um romance policial?

(entradas de leão...)

 

São cada vez mais patentes as desafinações nesta opereta em que a doutora Sofia Portela deveria representar o papel de casta diva e o coro dos maus ficava a cargo dos “privados” sejam eles quais forem. Foi exemplar (mas pediam-se mais três sessões) o programa da RTP 1 sobre a questão.

É que ainda não se sabem algumas coisas.

A saber: como é que se controlam as despesas apresentadas pelos “privados”? quantos desses privados abriram demasiadamente a boca (dez, vinte, noventa, como alguém adiantou)? Há nesse número de degenerados que “querem lucrar com a saúde dos portugueses” algum(s) dos grandes hospitais que, provavelmente arrebanharão a parte de leão dos actos médicos? Quais são os actos médicos que apresentam diferenças notáveis? E a quanto ascende cada diferença? Há algum acordo antigo entre a ADSE e as “piranhas” privadas sobre preços de todas e cada uma das intervenções que se efectuam? Como é que despesas de há três e quatro anos só agora são analisadas? É verdade que, ao invés de ver reforçados os seus quadros, a ADSE tem vindo a perder trabalhadores e, sobretudo, trabalhadores especializados na análise e controlo das despesas? Porque é que a ADSE não aceita mais utentes especialmente os provenientes da função pública? É verdade que, como foi afirmado na referida emissão da RTP, que o Estado tem guardado ao fresquinho um total de 500 milhões de euros do Instituto Público? Percebendo-se quea ADSE é só financiada pelos utentes, como é que aparecem nos seus órgãos entidades como autarquias, sindicatos etc? Qual é a hipótese de um utente como eu com mais de quarenta anos de desconto para a ADSE pode intervir, fazer perguntas, obter respostas, enfim ser ouvido com alguma atenção devida a quem mete ali 3,5% do seu salário ou da sua reforma? Deve o Conselho Directivo da ADSE ter membros não utentes? Etc., etc... (a lista de perguntas é infindável e pelos vistos, só agora, de supetão, é que se fazem.

E fazem-se porque estalou um conflito começado com a denúncia vaga de um excesso de 38 milhões de despesas cobradas sem justificação capaz que teve como primeira resposta uma ameaça de suspensão de prestação de serviços por parte de dois ou três grandes grupos hospitalares.

É verdade, como foi repetidamente afirmado na já citada sessão televisiva, que, ao contrário do que oficiosamente sai do Conselho Directivo, não há qualquer reunião oficial e/ou formal entre prestadores de serviços (e nesses os grandes grupos capitalistas, monopolistas e lesivos dos mais sagrados interesses do povo, dos utentes, do proletariado e da pátria sofredora) e a virginal direcção da ADSE?

Neste momento, começa a ser perceptível uma certa vontade de apaziguamento: declarações incendiárias de certos responsáveis da Saúde baixaram de tom ou, até mesmo, cessaram. De repente perante a iminência de corrida desenfreada aos hospitais do SNS, de quebra maciça de quotizações na ADSE, eis que uma certa calma parece surdir. Do lado dos privados, nomeadamente dos grupos hospitalares de grande dimensão, a ameaça d suspensão é, ao que parece, apenas algo que eventualmente poderia suceder mas que, para já está apenas no domínio dos cenários possíveis. Claro que a ninguém e sobretudo a estes prestadores convém uma quebra acentuada da procura de cuidados médicos. A saúde, ao contrário do que só os tontos asseveram, é também um negocio. Sempre foi, basta atentar que desde que há médicos há medicina privada. Aliás, até há bem pouco tempo, a grande maioria dos médicos exercia nos seus consultórios, em clínicas privadas. Só uns quantos estavam nos hospitais públicos que, de resto, sofriam a concorrência dos hospitais das Misericórdias mesmo em cidades tão importantes quanto o Porto. A expressão “direito à saúde” significa tão só que se entende que nenhum cidadão possa ficar privado de cuidados médicos sejam eles públicos (Centros de Saúde ou Hospitais Públicos ) ou convencionados. Neste último grupo é preponderante desde sempre a acção dos laboratórios de análises para onde o SNS encaminha praticamente todos os utentes não internados. Ou os dentistas, a fisioterapia e mais um quarteirão de especialidades a que, por diversas razões, os hospitais não podem dar resposta atempada.

Muitos dos pretensos salvadores do Estado providencial deveriam ter pensado nisto, ter-se lembrado disto em vez de subirem às trincheiras desguarnecidas da defesa a outrance do SNS. O SNS é uma boa ideia, vai funcionando e, para já, deveria ver os quadros hospitalares completos de médicos, enfermeiros e demais pessoal de saúde, auxiliar e administrativo. Deveria, urgentemente, melhorar as instalações que, em muitos casos, estão degradadas, reorganizar sob uma nova óptica centrada no doente muitos serviços, delimitar cuidadosa e prudentemente o estatuto do seu pessoal, impedindo a transumância que, ainda hoje, se verifica entre hospital público e medicina privada.

Quem padece só tem uma ideia: ser tratado bem e rapidamente, num ambiente digno, são e acolhedor. Tudo o resto é conversa fiada ou, pior, desconversa, propaganda, ideologia oca quando não mera estupidez.

Pede-se mais sensatez, mais inteligência e mais cidadania.

A todos e cada um.

 

20 anos 20

O Bloco fez vinte anos. Digamos que atingiu a maioridade. O primeiro sinal disso éos malabarismos e contorções com que se vai fazendo ao Poder. A sua direcção percebeu, há muito tempo, que quem quer atrepa até lá chegar.

A postura anti-sistema nunca deu frutos mesmo se salva as boas consciências, sobretudo as mais juvenis. Ainda por cima, o BE tenta caçar nos terrenos do PC (e de vários micro-grupos esquerdistas que nunca puderam, souberam ou quiseram um lugarzinho ao sol).

O PC que, aliás, nunca foi anti-sistema, guarda o seu campo cuidadosamente seja nas autarquias seja nos sindicatos seja nas múltiplas frentes de massas com que vai adubando a sua futura seara e criando alguns militantes e funcionários. Ao fim e ao cabo tem quase cem anos de experiência própria e alheia. É disciplinado, pouco dado a arroubos, não se envergonha com a companhia da Coreia do Norte, da China de capitalismo de Estado ou de Cuba mesmo se esta vai dando sinais de ferrugem (muito perto dos EUA e muito longe do fantasma da URSS).

O BE nasceu de um casamento surpreendente de três grupos com diversa tradição, formação e importância. De um lado os resquícios da UDP (ela mesma já resultado de fracções e re-arranjos de diferentes grupúsculos nascidos no fim dos anos 60 ou já post 25 Abril. Teve a sorte de eleger um deputado que manteve ao longo de várias eleições. Primeiro era um operário patusco e depois o inefável major Tomé, um militar que viu a luz durante os mais ásperos momentos do PREC). A presença destas criaturas no parlamento angariou-lhes uma pequena clientela que conseguiu eleger sempre por Lisboa um único mas miraculoso (e miraculado) representante. No resto do país a UDP era só paisagem. A seguir, temos a malta trotsquista (não todos claro que uma das características dos movimentos que se reclamam da IVª Internacional é nunca estarem todos de acordo no mesmo momento. De todo o modo havia um pequeno partido, a LCI e mais tarde o PSR que lá foi titubeando pelo áspero caminho do marxismo nacional (mas de inspiração francesa, até no nome) tendo de notável o facto de os seus militantes – ao contrário de muitos “maoístas” nunca terem estado dentro do PC. De resto, mais ainda do que os maoístas, foi na universidade e nos liceus que recrutou quase todos os seus militantes. Finalmente, o terceiro e mais reduzido dos grupos fundadores vinha directamente do PC, surgido do mal estar de muitos militantes com o conservadorismo de Cunhal e com a apática política cultural nele produzida ou teorizada. Não é bem a bela história de Jules et Jim e da extraordinária mulher que os acompanhou, longe disso mas é deste namoro a que aderiu Fernando Rosas (que percorreu toda a escala: foi do PC, da Esquerda Democrática Estudantil do MRPP e finalmente do PSR (agrupamento que o candidatou sem êxito ao parlamento) que finalmente sai o BE. Como cocktail político é mais um cacharolete dada a impossibilidade teórica (e historicamente comprovada) de se misturarem tantas e tão diferentes tendências que sempre se esmurraram (em todos os sentidos) voluptuosamente em defesa de minúsculas diferenças que eles consideravam maiúsculas.

Muita e boa gente previu um naufrágio iminente mas a verdade é que, mesmo com pequenas cisões internas e várias saídas abruptas, a coisa se manteve. É provável que para isso tenha contribuído o facto de, à falta de outras frentes, o Bloco ter conseguido aguentar e fazer crescer moderadamente um grupo parlamentar. Isso deu visibilidade, pelo menos nas grandes cidades e serviu de refúgio aos eleitores órfãos do PC e do PS que viam no voto BE um voto de protesto. Vi, mesmo gente que nada tinha a ver com qualquer brotoeja esquerdista fugir do PSD zangada e correr para votar no BE convicta de que assim também não apoiava o PS ou o PC.

A “geringonça” permitiu à direcção bloquista fazer as vezes de pagador de promessas e de farol das mais lídimas aspirações de uma certa burguesia educada e urbana. Se estivéssemos em França (onde aliás, volta e meia, aparecem fenómenos semelhantes) diria que o BE “est três tendance”. Traduzindo: está na berra, está na moda, é “bem” que se farta.

Todavia, por muto marxizante (enfim um marxismo muito sui generis) que se queira, o BE continua aflitivamente em busca de uma base social popular, trabalhadora (nem me atrevo a dizer proletária) e de polos significativos na esmagadora maioria das autarquias portuguesas. Na frente sindical vale menos do que o PS ou o PSD ou, até, provavelmente, do que o CDS. Dir-se-ia que subsiste em boa parte graças ao “ar do tempo”, ao “espírito do tempo”. E ao prodigioso equilibrismo da sua direcção política. A seu tempo tudo será “pesado, contado e dividido” se me é permitido citar, de cor, mesmo sem ser particularmente propenso a visões apocalípticas, o profeta Daniel.

Parece que o senhor juiz Neto de Moura vai atacar nos tribunais todos (ou alguns ) dos críticos que com mais ou menor felicidade e ironia lhe zurziram os fundamentos não jurídicos das sentenças em dois casos de violência doméstica. Como qualquer cidadão ele é livre de fazer o que lhe passa pela cabecinha pensadora. Todavia, sendo eu também um vago jurista (não praticante, graças a Deus) sempre, e em nome de algum resquício de solidariedade corporativa e, sobretudo temendo que a sua inusitada acção aumente uma já forte corrente anti magistrados, sempre lhe recomendaria mais discrição. Este processo vai ser a risota, melhor diria o escárnio da parte alegadamente ofendida, vai dar recursos de toda a ordem e, eventualmente acabará no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. E aí, aposto dez contra um, as pretensões do juiz ofendido não terão qualquer êxito que por aqueles lados vive-se já longe do “ancient regime” . E já, envergonhado enquanto português, imagino a chacota dos media europeus.

Ainda por cima, o caso Neto de Moura, torna-se ainda mais frágil porquanto este senhor juiz pediu ao STJ que o dispensassem do julgamento de caos de violência doméstica. Se bem percebo, fê-lo – e muito bem, por esta vez- porque se conhece e reconhece que a sua visão do mundo e da vida está em desconformidade com os tempos em que vivemos. Como se dissesse “eu sou assim, as minhas decisões nesta matéria vão ser alvo de crítica virulenta, de troça, de rancor e finalmente tudo isso irá recair sobre a generalidade dos juízes pelo que para prevenir tão medonhas situações seria porreirinho que me afectassem a outros julgamentos onde a mão, a perna, o corpo, o espírito de Eva (enviada pelo Maligno) sejam menos evidentes”.

O STJ recusou e isso condena o juiz ora desembargador a eventualmente tomar decisão inoportuna sobre algum eventual novo caso (e eles aparecem em catadupa...) .

Portanto, eu, no caso dele, teria fingido que nada era comigo e evitaria mais esta exposição pública seguramente desagradável.

 

 

O dr António Costa foi a um programa de televisão muito badalado (ou pelo menos, péssimo espectador que sou, muito visto). Eu não conhecia a apresentadora que, para meu gosto, se ri demais, tem uma voz que roça o desagradável e se veste de um modo bizarro (mas eu sou um velhadas e um conservador). Nesse programa entendeu fazer uma “cataplana” de peixe. A família que compareceu em peso (que bonito!) jura que ele é o cozinheiro da casa e que cozinha bem (melhor do que a mulher, como esta própria reconheceu. Ora aqui está uma bela aproximação ao “8 de Março). Fiquei comovido e com água na boca se bem que prefira uma boa caldeirada à pescador à algarvia cataplana.

Este acontecimento mediático-carnavalesco ocorreu em pleno Carnaval e foi, há que dizê-lo, bem menos imbecil e indigesto do que as longas reportagens sobre a miríade de carnavais que assola o país onde umas criaturas tentam provar ao pagode que cá também se samba. Não é verdade. Cá samba-se mediocremente, é uma péssima imitação do Brasil e o resto da folia é de uma pobreza imaginativa que brada aos céus. Então os pobres diabos que se vestem de mulher são de uma tristeza infinita. Vá lá que enquanto andam por aí a fazer tristes figuras não batem nas caras metades. Algum ganho se há de ter numa terra onde depois do futebol e do fado se afinfa forte e feio nas fêmeas (até há, uma santa, muito da minha devoção, que é a pafroeira das mulheres maltratadas pelos cônjuges – Santa Rita de Cássia, cuja procissão em Caminha é um festim para a boa disposição de qualquer ateu benevolente).

Bem fez o Presidente da República que desandou para Luanda e, mal chegou, foi ver o corso de lá. A criatura não perde pitada. E, desta feita, não houve selfies. Ficam para os próximos dias que os angolanos não perdem pela demora...

*na grvura: "caretos" de Podense, ou um carnaval português Ese... autêntico. 

Contra-a-corrente

JSC, 05.03.19

Dizer, hoje, qualquer coisa que não soe a elogio à ajuda humanitária ao povo da Venezuela é o mesmo que praticar um crime.


Deve ser por essa razão que nem jornalistas nem comentadores nem políticos nem intrépidos e intrépidas repórteres, que caiem de paraquedas na Venezuela, alguma vez se referem ao que está na génese do caos, da tão propagada miséria, da sempre repetida falta de tudo, tudo mesmo, nas lojas, mercearias, farmácias e mercados de abastecimento público.


Pelo menos, o povo na rua, que segue o autoproclamado presidente, não aparenta as agruras da vida que as notícias repetem e repetem. Tão pouco se observam as cargas policiais, as prisões, enfim, aquilo que permitiria caracterizar um regime ditatorial, como proclama o miguel de vasconcelos de lá.


Tudo bem. Aceitemos que falta tudo na Venezuela. E desde quando começou a ser trilhado o caminho que conduziu a Venezuela a este estado de coisas?


A verdade é que tudo começou no início desta década. Quando os governantes americanos resolveram começar a confrontar a política comercial da Venezuela. Depois, apareceram as primeiras ameaças de sanções (2013), seguidas das primeiras sanções, que tinham como objetivo isolar a Venezuela por meio de um bloqueio económico e financeiro.


A partir de então foi um crescendo. O histórico das sanções aplicadas à Venezuela, nos últimos anos, é avassalador. Sanções financeiras que não só bloqueiam as transações económicas, como impedem a reestruturação da dívida. Sanções que obstam empresas americanas, europeias e outras de transacionar com a Venezuela, incluindo empresas farmacêuticas e do ramo alimentar.


Desde então que os governantes dos EUA entendem que a forma de controlarem aquele país é precipitar a queda do governo. Como é habitual, um vasto conjunto de países, incluindo a UE, que apesar de olharem para Trump como uma personagem estranha, adotaram como suas as políticas americanas, porque, em boa verdade, estes países nunca deixam de seguir Trump, pelo menos no que é essencial para o próprio.


O autoproclamado presidente até aceita uma intervenção externa. Uma vergonha. A Venezuela, o povo venezuelano é vítima das mesmas políticas intervencionistas que mataram e matam no Iraque, na Líbia, no Afeganistão. Na altura também nos diziam que pretendiam libertar aqueles povos. O mundo não ficou melhor.


As sanções aplicadas à Venezuela fazem o mesmo sentido que as sanções que ainda hoje os EUA aplicaram a Cuba.


E quanto aos camiões da ajuda humanitária? Se pensarmos que essa ajuda vem pela mão de quem estrangulou, de modo meticuloso e por todos os meios, a economia venezuelana, inserida, ainda, numa estratégia de fazer precipitar a queda do governo, convenhamos que, no mínimo, devemos olhar de soslaio tal ajuda.

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