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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

diário político 218

d'oliveira, 31.05.19

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A cobardia tem mil caras

(e os abusos de poder, mil formas)

( e outras observações impatrióticas, q.b.)

d'Oliveira fecit 31.05.19

 

Isto de um bando de criaturas do fisco mancomunado com polícias (ou guardas republicanos, tanto faz) acampar numa estrada e fazer parar os automóveis para verificar se os seus condutores devem ou não alguma quantia aos cofres públicos não é uma graçola de mau gosto, um abuso de poder mas apenas uma reedição dum filme série B de bandoleiros do nosso pouco recomendável século XVIII.

Isto de cruzar dados que deviam estar mais protegidos para receber uns poucos centos de euros tem muito que se lhe diga.

Comecemos pelo mais óbvio: aquela gentinha fiscal tem direito a uma percentagem do cobrado! Aquilo é, como antigamente, a caça à multa. Com um pormenor agravante: seja qual for a dívida é o carro que fica penhorado e, pelos vistos, quem viaja nele fica automaticamente transformado em peão caso não possa, no momento, satisfazer a importância em dívida.

Mas há mais: o cidadão refém daquela gente de maus bofes e armada não tem como defender-se. Até pode já ter pago. Ou pode ter recorrido contra o que considera uma exigência fiscal sem razão. Nada feito: este é o novo jogo “a bolsa ou a vida” mesmo se menos sangrento.

Há muito que prego por aqui que os cidadãos portugueses não o são. São súbditos, no melhor dos casos e os seus direitos são apenas favores do Estado e da sua torpe máquina burocrática. Em questões fiscais o Estado parte sempre como ganhador e o contribuinte como perdedor. É dele o ónus da prova.

Isto acima dito só tem uma excepção: caso o contribuinte alegadamente faltoso seja pessoa de cabedais e grande devedor então tudo lhe corre de feição. Ninguém lhe pôe o nome nas bocas do mundo pois isso seria atentar contra a sua dignidade pessoal. Alguém alguma vez viu o alegado Rolls-Royce do senhor Berardo ser parado por polícias e fiscais por dívidas à Caixa, aos outros bancos e, indirectamente, aos cofres do Estado? Bem se vê que Valongo, ou Alfena ou os outros agora conhecidos cinco sítios onde esta vergonha se produziu estão longe do CCB!...

O Ministro não sabia. O Secretário de Estado, idem. A Directora Geral também não, coitadinha. Quem é que sabe? Quem é que manda no distrito do Porto? Ninguém põe o nome deste indivíduo ao sol? Ainda não foi demitido? Ainda não pôs o lugar à disposição? Ainda se passeia por aí, impante e satisfeito com a sua proeza?

Em que Estado, em que continente vivemos?

Alguns juristas entendem que as vítimas deveriam (e ganhariam) pôr um processo crime ao homenzinho que mandou fazer isto. Mal, muito mal. Isso custa dinheiro, demora imenso tempo e há sempre um recurso, dois recursos, um juiz que achará que os devedores são como as mulheres que apanham dos maridos. É o Estado, autor dos desmandos, que deve proceder à justa reparação do agravo. Para isso há lei e há constituição. Compete-lhe defender os direitos dos cidadãos, perdão dos súbditos. A ideia peregrina de conhecidos abundantemente os factos, até na TV!, com imagens repelentes, haver ainda um inquérito que outra vez irá incomodar as vítimas, fazê-las perder tempo e dinheiro é uma palhaçada absoluta.

Toda esta história é repelente, isto fede à distância e diz muito sobre a alegada democracia em que vivemos e que, pelos vistos, sufragamos.

....

ia este texto a todo o vapor quando surge a notícia de que o Director de Finanças do Porto apresentou a demissão que foi “prontamente aceite”. Quem quer apostar que daqui a poucos dias o homem terá outro cargo meritório em prémio de se ter oferecido como cordeiro sacrificial. É que assim cessa o escândalo e deixa-se de tentar perceber como é que esta, aliás continuada, actividade “fiscal” pode durar tanto tempo. E mais duraria se não fosse a presunçosa e imbecil chamada de meios de comunicação...

 

 

 

 

 

A polícia deteve dois autarcas, a querida esposa de um deles e um presidente do IPO. Para tal, a polícia, informa que há suspeitas graves, provas fortes que não permitem que estas quatro pessoas continuem a passear-se por aí. Convém dizer que esta operação surge na sequência de outras com os mesmos acusados ou pelo menos com alguns deles. Um senhor advogado veio declarar que o “Ministério Público está a promover uma investigação espectáculo”. Outro colega acrescenta que “é ilegal a investigação estar a ser conduzida pelo DIAP visto o âmbito geográfico do processo ser disperso por vários sítios”

O que surpreende (ou não, dados os costumes em voga no país) é o facto de o IPO e CM de Barcelos terem contratos e mais contratos com a empresa da dedicada esposa do presidente de Santo Tirso, a maioria deles por ajuste directo. E não valem assim tão pouco dinheiro.. Nos últimos tempos, os dois autarcas tem sido alvo de varias acusações e as investigações já levam mais de ano e meio. No caso do presidente de Santo Tirso 8 um dinossauro autárquico!) os jornais relevam o facto da criatura viajar que se farta para destinos de tal modo diversos que das duas uma Ou Santo Tirso tem uma projecção mundial desmesurada ou então o responsável camarário adora países exóticos.

Ontem numa televisão, alguém comentava que o excessivo tempo nos cargos acaba por ser indutor de más práticas e de uma originalíssima noção da responsabilidade (ou da irresponsabilidade). Por mim, tenho a ideia de que os mandatos autárquicos sejam eles quais forem e onde forem não devem ultrapassar os doze anos (e já é muito). E a direcção de organismos público, sobretudo os que gozam de autonomia financeira deveria cessar ao fim de duas legislaturas. E nunca deveria permitir-se que após o mandato, este se prolongue anos e anos em “regime de substituição”. Consta que há um directorgeral que está à espera de ser substituído há 1500 dias !

Sabe-se, aliás, que a CRESAP só serve quando aponta um candidato que satisfaça o senhor Ministro. Se não for da sua simpatia, nada feito. Prodígios da lei e, sobretudo, prodígios da sua livre interpretação.

Neste país não é só a ética que falta. É a civilidade e o respeito pelas instituições independentes.

O Banco de Portugal (agora irresponsavelmente ameaçado por um ministro arrogante que nem à Europa e ás suas instituições, mormente o BCE, dá ouvidos) não quer abrir mão dos nomes dos cavalheiros que tem dívidas brutais (e impagáveis) à Banca. Dos cavalheiros que, com cumplicidades várias, políticas, bancárias & outras andaram a fazer e a desfazer uma economia frágil mas a arredondar o bolso próprio, a família, os amigos e um farto quarteirão de homens de palha que lhes guardam os haveres mal adquiridos e lhes pagam o passadio requintado de que gozam. Quês, coitados, nada têm de seu: são pobres mais pobres que os do subsídio de reinserção social...

Nós, os poucos que se interessam, que leem jornais e seguem as televisões estrangeiras, vamos ouvindo e vendo banqueiros a ser presos nos Estados Unidos em meia dúzia de meses. Vemos grandes dirigentes industriais a serem presos no Japão ou n Europa, até em Espanha, Santo Deus!, até em Espanha onde banqueiros e políticos dão com os ossos na enxovia. Cá passeiam-se por aí e clamam inocências muitas. E os processos acumulam-se, crescem, engordam, entopem juízes e tribunais. Até quando, até quando? Por mim, já não acredito estar vivo e ver esta canalha toda na cadeia. E sou de uma família que dura muito ...

O Parlamento, em boa verdade, seguiu-lhe o exemplo. Aos súbditos, isto é a nós que vamos limpar essa dívida, compete-nos estar calados, atentos, veneradores e obrigados.

As eleições passaram e praticamente três em cada quatro portugueses não se deram ao trabalho de dizer água vai. O senhor Presidente da República acha que apesar de tudo se evitou o pior e que esta medonha ausência é inferior às suas espectativas. Sª Excelência contava com que percentagem? 75%? 80% ? 90% ? E acha-se Sª Ex.ª optimista não irritante?

Pelos vistos, toda a gente achou normal o absenteísmo eleitoral. Até os que perderam...

 

Há sempre um Portugal desconhecido à sua espera!

Au bonheur des dames 485

d'oliveira, 31.05.19

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Onde votar?

mcr 30 de Maio 2019

A pergunta mais lógica, sobretudo em se tratando de votação para o Parlamento europeu, seria, “votar porquê?”.

Não sou um federalista europeu, muito menos um fanático da pátria, sequer da língua materna, mas algo muito fundo em mim, atira-me para o desconsolo deste meu sofrido país, desta gente rude e pobre, deste mar sempre ameaçador, desta terra sáfara que “eppure si muove”

Sou, já o disse um par largo de vezes, “um pobre homem” de Buarcos, como o meu querido Eça o era da Póvoa de Varzim (isto quando não se considerava um “peixe da ria de Aveiro” onde provavelmente passou os melhores tempos da sua infância desamparada).

Sei que dito desta maneira, a coisa soa a artificial. Nunca nos devemos socorrer de uma citação literária seja ela de Eça, de Homero de Dante de Cervantes ou de Rabelais, só para citar paixões imensas e antigas. Todavia, para onde quer que me vire, é Buarcos, a escola (oficial) dos professores Mourinha e Cachulo (que Deus os tenha em santa glória), a praia, os botes, as lanchas, as bateiras (e algum buque...), varadas na areia, as redes a secar, os meninos de tamancos, as mães com os seus aventais domingueiros, os pais em passos estugado a caminho da doca das traineiras com o foquim no braço, a ronca dos dias de nevoeiro, a espera ansiosa dos barcos de regresso que tentavam passar a barra fintando as ondas e a morte, o dia da chegada dos grandes lugres bacalhoeiros (Jesus, que alegria, aquilo era o fim de meses e meses nas águas frias de Saint John, homens metidos em dóris minúsculos a apanhar o peixe à linha, dentro de um espesso nevoeiro e um mar generoso mas frio. E era uma paga melhor, não digo a abundância, que isso não era para os de Buarcos mas apenas um pouco mais de dinheiro e um pouco menos de pobreza. Era a época em que iam lá casa pagar ao meu pai, as consultas, as visitas domiciliárias e a atenção, sobretudo a atenção que o médico lhes reservava. “Toma lá estas amostras, leva um mata borrão para o teu filho...”

Eu era o filho do senhor doutor, o que usava sapatos, aliás um valente par de botas de atanado que resistiam a tudo e durante algum tempo me foram úteis para me defender dos maiores que eu era o mais novo e “o inimigo de classe” mesmo se naquela terra mágica entre mar e serra não houvesse nenhum discípulo do senhor Marx. De barbas só os santos, especialmente o S Pedro, padroeiro de pescadores e mesmo esse menos importante que a Senhora da Boa Viagem a quem se encomendavam todos logo que punham pé num barco.

E não é de menos insistir na santa porque nas terras do litoral, em que os homens estão as mais das vezes ausentes, são as mulheres que governam, pagam as contas educam os filhos e vendem o peixe.

Mas não era disto que eu queria falar, ou então era, que isto de votar, de escolher, vem desse tempo em que se não votava, não se escolhia. Vem daí a recusa daquela vida dos outros, muito “safanão a tempo” apanhei logo que cheguei à idade da razão, alguma hospedagem gratuita em Caxias e afins, alguns medos, alguma cólera, uma pouca de esperança e amigos e companheiros até hoje. Votar significava muito, e essa aventura começou naquele dia de Outubro de 69 em que finalmente a “Oposição” foi às urnas. Não que esperássemos ganhar ( e não ganhámos, claro) mas apenas para nos contarmos mesmo se, por toda a ordem de razões, muitos não estivessem nos cadernos eleitorais. Fui fiscal na mesa eleitoral onde votei e isso, também isso, ficou registado pela polícia e, em seu tempo, constou de mais um processo (e foram 14 se não estou em erro) da pide/dgs contra este vosso envelhecido cronista.

Por isso nunca perco a ocasião de votar mesmo se, nos últimos tempos, as opções são o que se sabe. Voto, voto furioso, voto em branco se for o caso (e foi) mas a abstenção, os tais quase 70% não me contam no seu número.

Vim de Lisboa onde fui ver a família e sobretudo a minha Mãe, numa carreira para chegar antes do almoço à mesa de voto na escola para onde há trinta anos me empandeiraram. Como fui dos primeiros a registar-se como eleitor andei já por vários sítios todos longe do local onde moro. Desta feita, porém, quando me apresentei na “escola Maria Lamas” e na secção entre o fim dos Manuéis e o principio das Marias, dei com o nariz na porta. A senhora que me viu os cadernos eleitorais, surpreendida com a minha irritação e com a ameaça de não votar, atirou-me com as filas que em África, à torreira do sol, esperam horas e horas. Tive que lhe dizer que votava há mais anos dos que ela tinha de idade e que me irritava mais esta modificação (a 5ª ou a 6ª!!!) do meu local de voto. Lá me explicaram que agora vigorava o “critério da proximidade”, local de morada/ local de voto. Aí zanguei-me a sério pois que vizinhos meus recentes (de há 10, 15, 20 anos) já votavam aqui ao lado enquanto eu, graças a ser mais velho e mais pressuroso na inscrição como votante tinha que ir para cascos de rolha. Parece, no entanto, que desta feita, é para valer: irei votar a duzentos metros da minha casa, da casa onde vivo desde 1976! A CNE ou lá quem distribui o eleitores lá se lembrou deste critério muito mais justo e ajustado do que o do número do falecido cartão de eleitor, uma inutilidade (mesmo como precaução) que só chateava o seu portador.

E lá votei, em menos tempo do que demora esta crónica, mesmo se os meus projectos de vida e as minhas esperanças quanto às actividades do Parlamento Europeu sejam muito, mas muito, moderados.

Parece que, por cá, anda muito boa gente entusiasmada por não haver “populistas”, nacionalistas, direita extrema e não sei que mais. Sempre direi que de facto não aparecem mas também não aparecem sete em cada dez eleitores. Desinteresse? Não se sentem representados? Estão por tudo? Mais cedo ou mais tarde é daí que sairão os populistas, os nacionalistas , os que não conseguem sentir-se representados.

A noite eleitoral foi o que se sabe e o que se esperava. Uns cantam vitória, outros negam a derrota. Nos primeiros, aparece um cataplasma chamado Pedro Marques que andou todo o tempo ao colo do dr Costa. Nos perdedores bom teria sido que no PPD alguém se lembrasse da deputadagem que votou aquela borrada (e aquela burrice) sobre os professores. Até esse momento PPD e PS iam juntos e colados. Daí até hoje vão dez pontos de distância...

Depois há o PC. Esses nunca perdem. Aquilo de ontem foi uma pequena contrariedade dialéctica no caminho para a construção do socialismo e da sociedade sem classes sob a égide do proletariado. Ou o “proletariado” morreu ou foi todo para a praia ou é todo, ou quase, “lumpen” ou o imperialismo monopolista e capitalista estabeleceu uma ditadura férrea sobre os trabalhadores e as classes populares e as impediu de justamente mostrarem a luminosa via dos “amanhãs que cantam”. A culpa é seguramente dos outros, da Direita (qual? A do PS, a do PAN ou a do BE?) jamais da “análise concreta da situação concreta” como pretendia o camarada Ulianov que no século foi conhecido por Lenin.

Por uma vez sem exemplo o camarada Jerónimo não pode acusar a dr.ª Cristas ou o dr. Rio pois esses perderam redondamente, vítimas da sua parva ingenuidade e dos seus obtusos parlamentares que cegos pela desrazão entenderam juntar os seus preciosos votos aos da Esquerda radical mesmo quando esta e o PS (convém não esquecer a votação deste quanto às medidas de salvaguarda propostas pelos primeiros) derrotaram as suas condições. Ainda hoje estou por saber se o PS tinha perfeita consciência do seu voto e sobretudo dos efeitos dele. De todo modo, a minha convicção é que o PS agitou um trapo vermelho e o CDS e o PSD carregaram que nem touros alucinados. Em boa verdade, não eram touros mas apenas uns tristes patos marrecos).

Entretanto, acabado o futebol e ainda longe das férias, terá começado a campanha eleitoral. Costa faz contas e os seus cabos eleitorais já pedem uma maioria absoluta. O PPD tenta limitar os estragos enquanto que do CDS que se julgou maior do que a sombra nada transparece. Talvez esperem ter mais votos que o PAN ou o PC (eu nunca digo CDU porque os verdes daquela banda são fundamentalmente vermelhos por dentro. E úteis: votam sempre, sempre, ao lado do povo, ou daquilo que o PC entende por povo). O BE espera melhorar a sua representação parlamentar e, provavelmente, alguma razão lhe assiste: é mais atraente do que o PC, tem uma base de apoio jovem e educada e anda num extraordinário número de malabarismo circense tentando convencer o PS a chamá-lo a um acordo.  

Aqui para nós, como se ninguém nos ouvisse, este tipo de textos sobre a política imediata desenvolvida na pátria dos heróis do mar, nobre povo, nação valente (narizes de cera que serviram para protestar contra o Ultimato britânico e aliciar gente para o nascente partido republicano) deixa-me deprimido e com a desagradável sensação de parecer ainda mais velho do que na realidade sou, e já não sou, ahimé, nenhuma novidade. Todavia, persisto, contrariando o meu lado de velho do Restelo, a afirmar como no quadro maravilhoso de Rouault “demain sera beau disait le naufragé”.

*na estampa: “demain sera beau disait le naufragé”, gravura 11ª de Miserere (série de cerca de 50 gravuras publicada nos anos 20) (Georges Rouault , 1851-1958)

 

 

Notas breves sobre as europeias

José Carlos Pereira, 30.05.19

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Já quase tudo foi dito sobre as eleições europeias do passado domingo em Portugal, mas ainda assim justificam-se algumas notas breves. O PS teve uma vitória significativa, cujo resultado serviu mais para atestar o nível de aceitação e de popularidade de António Costa e do Governo do que para validar a bondade das escolhas dos deputados eleitos ao Parlamento Europeu (PE). A sondagem de hoje da TSF/JN vem consolidar uma posição muito confortável para os socialistas a poucos meses das legislativas.

O PSD teve um dos piores resultados de sempre, pese embora a tentativa pífia de ganhar alguma coisa na noite eleitoral com a comparação com as eleições de 2014. Mas nessa altura o PSD estava no poder e a governar de forma impopular. Se agora na oposição e com uma liderança renovada há não muito tempo não consegue afirmar-se, as perspectivas para as legislativas não auguram nada de positivo.

O Bloco recuperou eleitorado, aumentou o número de mandatos no PE e, sobretudo, fixou-se como terceiro partido a nível nacional. A CDU desceu de modo significativo em votos, mas o facto de ter perdido apenas um mandato em Bruxelas amenizou a digestão da derrota. O  CDS teve um resultado desastroso para quem se auto-projectava como líder da direita, apresentando Assunção Cristas como candidata a primeira-ministra. O PAN foi a surpresa das europeias ao assegurar o primeiro mandato no PE, penetrando no voto jovem e urbano, sensível às questões ambientais e dos direitos dos animais, na mesma vaga que fez crescer os partidos verdes em vários países.

De resto, não houve mais partidos a obter mandatos em Bruxelas. O Aliança não conseguiu tirar partido do efeito novidade. O Livre voltou a não chegar lá, apesar de ter uma das campanhas mais elogiadas nos meios de comunicação. As campanhas unipessoais de André Ventura (Basta) e de Paulo Morais (Nós, Cidadãos) não resultaram e o discurso anti-Estado da Iniciativa Liberal não colheu de todo.

Muita e diversificada oferta partidária, mas que se revelou incapaz de reduzir substancialmente os votos brancos e nulos, um "partido" que seria o quarto mais votado, à frente de CDU e CDS. Estes votos e, sobretudo, a elevadíssima abstenção merecem reflexão e acção dos responsáveis políticos.

 

As europeias e o resto

José Carlos Pereira, 24.05.19

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A dois dias das eleições europeias, as últimas sondagens apontam para uma vitória confortável do PS, mantendo-se o PSD abaixo dos 30%. É curioso verificar que Rui Rio já construiu um argumentário para amenizar a derrota: a base de comparação são os resultados das anteriores europeias, expurgados da votação que caberia ao CDS, pelo que um “crescimento” para os 27%/28% já deixará o líder do PSD a reclamar um aumento significativo da votação. Isto quando se sabe que os partidos na oposição costumam ganhar as eleições europeias e não só aproximar-se do partido no poder. E em 2014 PSD e CDS estavam no poder e não na oposição...

Esta vitória nas europeias vem confortar o PS a poucos meses das eleições legislativas, após tempos nada fáceis para os socialistas. Por um lado, o desgaste e os erros da governação provocam a erosão natural de algum eleitorado menos fiel. Depois, a remodelação governamental não foi brilhante e não trouxe o suplemento de entusiasmo e de energia que certamente António Costa esperaria. Pedro Nuno Santos subiu a ministro, mas curiosamente perdeu protagonismo e notoriedade face ao papel relevante que tinha na articulação da “geringonça”. Mariana Vieira da Silva passou a ser a terceira figura na hierarquia do Governo e a verdade é que, por muita capacidade e qualidade de trabalho que revele, não se lhe reconhece dimensão política para tal posição. Finalmente, o muito debatido “familygate” provocou sérios danos na credibilidade do executivo e dos dirigentes socialistas.

Contudo, a incapacidade revelada pelas lideranças da oposição, designadamente PSD e CDS, foram permitindo que o PS passasse por entre os pingos da chuva. Mais tarde, a crise criada com a aliança entre PSD, CDS, CDU e BE para repor na íntegra as carreiras dos professores revelou-se decisiva para que o PS recuperasse na simpatia e nas intenções de voto dos portugueses, cuja larga maioria não aprova o privilégio (e o custo) que representaria a reposição integral das carreiras de certas classes profissionais.

O PS elegerá, assim, oito ou nove eurodeputados nas eleições do próximo domingo, mesmo apresentando uma lista de qualidade global inferior à candidatura de 2014. Não me parece que as saídas de Francisco Assis, Elisa Ferreira, Maria João Rodrigues e do notabilizado Ricardo Serrão Santos tenham sido compensadas, no seu todo, por candidatos de igual craveira política e técnica. A eleição do nono deputado, Manuel Pizarro, poderia permitir renovar a liderança da distrital do Porto do PS e ajudar a resolver a candidatura socialista à Câmara portuense nas próximas autárquicas.

Veremos também como se distribuem os restantes deputados ao Parlamento Europeu e, sobretudo, se algum dos partidos mais pequenos consegue eleger representantes em Bruxelas. Numas eleições determinantes para o futuro da Europa e de Portugal, pois é no contexto europeu que se decidem as políticas os instrumentos que formatam a coesão e o desenvolvimento do país, é fundamental que os portugueses participem, votem, façam as suas escolhas e continuem a dar mostras de que os extremismos e populismos anti-europeus e anti-liberais não têm espaço para medrar em Portugal.

Ultrapassadas as eleições europeias, o país entrará rapidamente em modo pré-eleitoral para as legislativas e aí o PS terá o desafio de lutar por uma maioria, sem destruir as pontes que permitam construir novas soluções parlamentares no caso de não conseguir aquele objectivo.

au bonheur des dames 484

d'oliveira, 24.05.19

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Isto mais parece o pinhal da Azambuja

mcr 24.05.19

 

Eu nem sei se ainda existe o pinhal da Azambuja, palco de grandes ladroeiras, no século XIX a pontos de, por isso ficar (mal)afamado. Também não sei se a expressão ainda corre com o significado que na altura lhe era dado.

Portugal, este “torrãozinho de açúcar”, alegadamente inventado por Pinheiro Chagas, segundo Eça, goza da pouco recomendável fama de, em questões de História (Geral, Internacional ou Pátria) ser ligeiramente esquecido, para não dizer cruamente ignorante.

A coisa torna-se ainda mais evidente quando, citando sempre o autor do “Primo Basílio,” convém deitar um pesado pano de esquecimento sobre a nudez acusadora da realidade. Num país de brandos e pouco recomendáveis costumes, os gatunos andam à solta pelas ruas e pelos campos sem que a opinião do indigenato local se comova sobremaneira. E com eles, os espertalhaços, os aproveitadores, os que andam continuamente quase a pisar o risco coisa que eles (e os basbaques) confundem com agudeza de espírito e intligência

Agora, segundo o “Público”, uma senhora deputada da Beira Baixa locupletou-se com quase três centenas de milhares de euros de dinheiros europeus. Em duas páginas, lê-se esta saga extraordinária que narra como empreendimentos já a funcionar tiveram ajudas para projectos onde o nome da deputada aparecia como responsável técnica. Aliás, enquanto parlamentar, a deputada no registo de interesses afirmava isso mesmo. Só muito mais tarde é que veio a propor um novo registo onde, imagine-se!, aparecia desvinculada da empresa desde antes da data do primeiro registo. Tudo isto, acrescente-se, dentro de uma história maior e menos brilhante de compadrios no distrito com investigações policiais a várias empresas. No caso em apreço há ainda a nota extraordinária de de a referida criatura ser alta responsável política local e “especialista” na atribuição de verbas para empreendimentos com fins turísticos. Lá que é especialista não há úvida. Sabe-a toda, a senhora deputada. Conhece, ao que se vê, todos os interstícios da lei, todos os truques e todos os atalhos.

Resta saber o fim desta história que no meio do turbilhão das eleições e das férias que se aproximam pode, até, ficar “em águas de bacalhau”. A ética, como se sabe, vai para férias na estação calmosa. E, às vezes, não regressa...

O segundo caso desta crónica de costumes surpreendentes no reino da Lusitânia de Baixo, é o de um artista (um “artista português”) dedicado às artes fotográficas. Vejamos: um cavalheiro de Torres Vedras é um apaixonado pela fotografia paixão que só é sobrelevada pelo amor ao torrão natal. Vai daí decidiu consagrar o seu robusto talento a imortalizar fotograficamente o Carnaval de Torres que, como é amplamente sabido e reconhecido, só pede meças aos do Rio de Janeiro, de Veneza e de New Orleans.

O continuador de Relvas, Alvão ou Emílio Biel, possuído pelo mais lídimo amor à terra onde nasceu e vive, fotografou abundantemente os festejos que fazem a glória da sua cidade e despertam a inveja das vizinhas e concorrentes.

Ao fim de anos de película impressionada e gasta, eis que ao artista ocorreu a ideia de publicar um livro onde constassem não apenas a pesquisa etnográfica mas sobretudo a beleza e a plasticidade das suas fotografias. Vai daí, produziu um volume com 380 (trezentos e oitenta) peças fotográficas.

Ora, sem dúvida atentos à genialidade da obra, os cavalheiros da Câmara Municipal, melhor dizendo da empresa municipal “Promotorres” (responsável pela organização do famosíssimo carnaval indígena,) entenderam dever comprar por 9433,96 euros quinhentos exemplares do livro para “o utilizar como oferta em situações de representação ou agradecimentos”(sic).

E para que não houvesse dúvidas quanto à legalidade do acto, entenderam não comprar o livro diretamente ao autor mas sim a um terceiro, no caso a Livraria União onde a obra estava à consignação. Esclareça-se que esta consignação tinha o belo volume de 500 exemplares (metade da edição). Eu, comprador compulsivo de livros, ex sócio de uma extinta editora, de duas livrarias entretanto finadas, nunca pensei que uma consignação ultrapassasse nos casos mais simpáticos as duas, três cinco dezenas de exemplares.

E, também com sessenta e muitos anos de comprador, nunca entendi como é que se vai comprar uma obra a um intermediário e não ao editor. É que entre editor, distribuidor e vendedor final (livreiro) o livro sai pelo dobro do preço, como é natural.

Tendo em linha de conta o preço anunciado da edição (10500 euros) metade dele seria 5.250 ou seja a Promotorres pouparia (a ela e aos cofres municipais) 4100, 96 euros. É dinheiro!

Poderemos sempre pensar que, ao pagar esta forte diferença a Promotorres estava a ajudar o comércio local, no caso a já citada livraria União feliz consignatária da obra de arte em causa. Sempre era um prémio a quem tão ousadamente aceita uma consignação tão extraordinária.

Simplesmente, há mais dois ou três pormenores nesta história mecenática torriense e carnavalesca.

O celebrado fotografo (que “cultiva desde jovem o gosto pela fotografia, expondo de quando em quando e é um apaixonado pela arte contemporânea” (sic)) é actualmente Secretário de Estado. E antes disso foi presidente da câmara municipal durante dez anos (2004 a a 2015).

Claro que o artista pensou maduramente na hipótese de existir alguma incompatibilidade e por isso mesmo “certificou-se de que o cargo que exerce não o impedia de colocar à venda em local de comércio regular” (sic) o produto da sua veia artística. E ao fazê-lo sempre pode afirmar que foi ou será “tributado pelo produto das vendas em regime próprio ou em sede de IRS” (sic, de novo, Ufa!)

Não oso questionar o génio do fotografo e amador de arte contemporânea (qual?) e que expões de quando em quando (onde?) mas também não consigo deixar de perguntar se nesta compra miraculosa não intervieram factores menos artísticos tais quais o peso político e institucional do artista e o seu passado próximo na direcção da autarquia.

Fosse eu criatura de torva má fé, teria o arrojo de resmungar que a mediação da livraria não passava de um truque e, ao mesmo tempo, de algum favor. E que o entusiasmo da Promotorres teria um sabor politiqueiro pronunciado. Mas sendo eu, mesmo velho e resmungão, criatura de pios hábitos incapaz de ver a maldade onde ela não existe, forçoso é concluir que tudo isto se passou da melhor maneira, no melhor dos mundos e sempre, sempre, motivado pela causa maior da felicidade dos cidadãos torreenses e do país em geral. Tout est bien quando finit bien\1

(ou como diria o imortal Beru, do não menos imortal San Antonio/ Frederic Dard: du “lard or du cochon”.

(se os leitores se interessaram por este último parágrafo sempre informarei que cito um dos mais extraordinários criadores da língua francesa, objeto de estudo e de teses universitárias e autor de uma boa centena de livros vagamente policiais e fortemente humorísticos. Assinou, fundamentalmente na “série noire” sob o nome da San Antonio e menos de Frédéric Dard. Mereceu ter um “dictionnaire amoureux” e ser alvo de números monográficos de revistas como “Le Magazine Littéraire” um must absoluto que descobri por via de um amigo sardo e bem disposto numa Berlin longínqua e murada no ano da graça de 1970. Devo-lhe mais esta devoção e uma receita imbatível de spaghetti alla bolognese. Espero que esteja vivo como merece, de boa saúde sempre curioso de línguas e diversas literaturas.

Mesmo correndo – como sempre! – o risco de me alongar, devo contar que o conheci no primeiro dia do Grundstuffe 1 do Goethe Institut. E à primeira hora. Alguém ao ver deambular a nossa professora de alemão pela sala, exclamou “Che bel culo!” concordei em voz baixa e ficamos logo amigos. Nem podia ser de outra maneira!)

 

O leitor (im)penitente 209

d'oliveira, 23.05.19

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O melhor sucessor possível de Raduan Nassar

(e de João Cabral, Rachel de Queiroz e Jorge Amado)

mcr 23. Maio 2019

 

Não me tenho na conta de fanático. Com a miopia dos muitos e longos anos de vida não recordo nenhum momento de entusiasmo de tal modo exuberante que fizesse a realidade, a áspera realidade (para citar enviesadamente Danton), descarrilar. Não que tenha, e desde há muito, amores fundos e desamores furibundos. Não falando dos segundos – não vale a pena trazer à cena coisas e pessoas detestáveis que prefiro sepultar no silêncio pesado e escarninho, recordo alguns autores que sempre amei sem peias. Desde Verne até Salgari (sem esquecer Edgar Rice Burroughs, pai de Tarzan) até Fernão Mendes Pinto, Garrett, Camilo, Eça, Pessoa, Aquilino, O’ Neil e Hélder, não tem conta os meus escritores favoritos. Da estranja trouxe, desde cedo, Homero, Dante, Rabelais, Stendahl, Shakespeare alguns russos, Rilke, Prévert, Whitman, Pound e Cervantes. Há mais mas estes são lidos e relidos, tenho-os em muitas e variadas edições, nunca andei por Itália sem um Dante de bolso. Tempos houve que sabia de cor longos trechos, sobretudo dos poetas e mesmo de Rabelais (e no maravilhoso francês em que foi escrito, ora tomem lá!).

Afirmei que a lista não era exaustiva até porque mesmo já fortemente entrado em anos ia descobrindo outros autores e fazendo novos – mesmo se raros – amigos.com a música passa-se o mesmo. Apesar de me considerar definitivamente marcado pela música da minha adolescência onde os grandes nomes do primeiro rock se juntavam a alguns músicos italianos ou franceses e a um solitário e admirável Harry Belafonte. Apanhei com os golden sixties em cheio e daí vem outra enorme pazada de músicos quase todos anglo-americanos. Nunca os distingui dos meus (muitos, uma multidão) admirados músicos de jazz (outra paixão. O que eu daria para ter, mesmo sem já poder ouvir, um enterro à moda de New Orleans!...) da ópera italiana e dos divinos Mozart, Bach e sucessores.

Vem do fim dos sessenta uma empedernida admiração pelo Chico Buarque que atravessou Portugal como um meteoro com a peça “vida e morte severina” por ele integralmente musicada. É verdade que o texto (do enorme João Cabral de Melo Neto, membro do trio fantástico Drumond e Manuel Bandeira – e uma lembrança carregada de ternura para Vinicius, um poeta igual à vida) era de per si uma “assombração” (uso o belíssimo termo brasileiro em todos os seus sentidos possíveis. Mas o Chico, rapaz da minha criação e do meu tempo, levo-lhe dois anos mais, foi outro cometa. Eu “até que nem sou” muito da música brasileira mas ao Chico (e um pouco ao João Gilberto, ao Caetano e ao Tom Jobim) não resisto: rendição incondicional não apenas pela música mas sobretudo – e muito – pelas fabulosas letras. Nesse capítulo ele está (oh que vulgaridade! ) ao lado de Dylan, do Brel, do Ferré, do Leonard Cohen e de mais alguns, que deram um lastro admirável aos nossos anos de juventude.

A recentíssima atribuição do Camões ao Chico Buarque foi, para mim e apesar de tudo, uma surpresa. E um momento de pura felicidade: já antes tivera o gozo de ver premiado o Manuel António Pina (um amigo antiquíssimo...) e o Raduan Nassar o autor mais avaro de palavras que alguma vez conheci (três pequenas obras que se lêem de um só fôlego e que andaram por aí aos caídos em saldos de saldos sem que alguém lhes pegasse. À conta disso, sempre que as via, comprava-as e oferecia a amigos escolhidos com forte recomendação e indizíveis ameaças para o lesa-crime de não ler.

Não deixa de ser curioso que, ao saber da notícia do prémio, a primeira palavra de Chico fosse para esse escritor brasileiro tão desconhecido e não para João Cabral de Melo Neto autor da “vida e morte...” já citada. Ou para outros e mais recentes “Camões” brasileiros...

Não sou dos que correm atrás do Camões ou do Nobel sem mais nem menos. Bem pelo contrário, quer num quer noutro, tenho largos motivos para me perguntar a que título os prémios caíram no regaço de certos autores. No caso do Nobel tenho uma lista infindável de escritores que o não receberam sabe-se lá porque (más) razões. Jorge Amado, Lawrence Durrell, Graham Green ou Philip Roth são exemplos evidentes. Ando há anos com uma aposta pendente com um velho amigo meu sobre o poeta libanês (nascido na Síria) Adonis. Eu, que além dos versos lhe conheço a generosa biografia, entendo que nunca receberá o prémio. Vão adiando, adiando sempre a espera que o homem morra (e ele já está com um pé nos noventa anos!...). Nessa altura, os do Nobel suspirarão aliviados. O mesmo já lhes tinha sucedido depois da morte de Amos Oz, um israelita com que os poderes públicos do Estado hebreu sempre conviveram mal. Como este, Adonis poeta que nunca aceitou os fanatismos radicais da zona, fossem eles sionistas ou jihadistas, é um incómodo para as plácidas criaturas suecas muito amadoras do mainstream e dos equilíbrios geo-políticos.

Suponho que no Brasil bolsonarista a notícia não seja motivo de festejos mesmo se, a imensa popularidade do cantor seja, suponho, transversal à sociedade brasileira. Mas o Chico nunca foi persona grata para a ditadura e a polícia ter-lhe-á enviado mais de vinte intimações para ele se apresentar “para esclarecer”... O costume, como se sabe, ou como os da minha geração sabem, ou sabiam, de ginjeira.

Não sei se se irá repetir a famosa e famigerada discussão sobre o facto de CB ser um letrista de sambas. A coisa foi tentada com Dylan mas não surtiu efeito. Pode mais uma canção do que cem poemas hagiográficos ou patrióticos e não é por acaso que em situações difíceis e limite da história recente foram canções que ficaram (a “Madelon”, o “It’s a long way to tiperary”, a “Lily Marlene”). Os pobres soldados, carne para canhão das trincheiras da 1ª guerra e das frentes sangrentas da 2ª, são (foram) testemunhas fieis e fidedignas do que agora escrevo.

(e entre nós: alguém se lembra do “angola é nossa” que as emissoras e a televisão vomitavam incessantemente?)

Parabéns, Chico Buarque. Afinal não há tanto mar entre cá e lá. Honra seja aos proponentes portugueses do prémio que, primeiros a falar, logo o indicaram. É verdade que este ano cabia a um brasileiro mas não se deve esquecer que a literatura brasileira actual apresenta um belo naipe de bons autores credíveis para serem escolhidos num prémio mais ou menos rotativo entre os PALOP. Portugal e Brasil. De todo o modo, a consagração de Buarque é ainda e sobretudo a consagração de uma poesia em português. Em bom português...

 

(nota: Existe e está em venda um belo livro com todas as letras de Chico Buarque. Com dois bónus: uma pequena biografia e muitas fotografias: “tantas palavras” Chico Buarque, Companhia das Letras, 1918)

* a vinheta: "morte e vida severina" o espectáculo dos estudantes da Pontificia Nniversidade de S. Paulo. E um abraço aos meus velhos amigos e amigas desse tempo de vinho e rosas de chumbo e de esperança

 

15 anos de Incursões

José Carlos Pereira, 18.05.19

Hoje fazemos 15 anos. O Incursões nasceu a 18 de Maio de 2004 com este belo poema de Eugénio de Andrade.

É o momento de evocar aqui todos os que foram fazendo e lendo o Incursões ao longo destes anos, com uma menção especial ao J.M. Coutinho Ribeiro, que partiu demasiado cedo e continua a fazer falta aos seus amigos.

O tempo áureo dos blogues parece ter passado, agora que as redes sociais dominam, mas continuamos a ter um número considerável de leitores, que totalizaram no último ano 21.000 visualizações do Incursões. É para eles que aqui continuaremos.

 

Au bonheur des dames 483

d'oliveira, 15.05.19

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Eppur si muove

mcr 15.Maio.2019

 

Ver o grotesco espectáculo de um tal Joe Berardo a tentar graçolas no Parlamento diz tudo sobre esse “augusto” órgão e nada sobre o cavalheiro que a si próprio se denomina Joe, à boa moda de uma certa América dos anos 20/30.

Eu não sei de onde lhe vem a fortuna mesmo se esta está a bom recato, como a bom recato está a famosa colecção que, convenhamos, não é assim tão extraordinária quanto se pinta. Há ali muito “ar do tempo”, muita moda, e muita disparidade (graças provavelmente aos rapazes e raparigas que, com tabuleta de críticos de arte, à porta, foram indicando as peças a adquirir). Ver o dito senhor Berardo a falar de arte é ainda menos estimulante do que um copo de óleo de fígado de bacalhau bem cheio.

É que não basta vestir-se todo de preto paras se poder entrar no mundo dos connaisseurs de arte. De preto andam os gatos pingados e preta é a cor do urubu e não se lhes conhece nenhum entusiasmo por Van Gogh ou Vieira da Silva. Os únicos homens que se vestem muito de preto e nem por isso perdem um certo ar de senhores são (ou eram) os ciganos e nem todos. E há (ou havia) nesses homens um sentido inato da dignidade, da honra e da palavra dada. Uma dívida era uma dívida e não havia subterfúgios (tão pouco advogados ao lado) para iludir esse facto.

Parece que o mister Berardo não tem de seu um cêntimo. Viverá de quê? Quem lhe paga a renda da casa, aliás luxuosa que, pelos vistos, não é dele mas de uma sociedade de que a criatura nem accionista directo é? Quem lhe paga a farrapada preta com que se adorna? E as jataradas e almoçaradas? E o carro? E a quinta da Bacalhoa? E, e, e?

Ver esta abencerragem na televisão dá-me a volta à tripa e faz-me pensar em fugir para muito longe, a ter um estatuto de apatridia para não me confundir com os cidadãos do país de que ele eventualmente se reclama. Será este desgraçado Portugal uma república bananeira, um imenso pinhal da Azambuja, onde cavalheiros de trabuco à ilharga fazem pela vida à custa dos passantes indefesos e inseguros?

 

2 Deixemos este tema inóspito e lavemo-nos mãos e mente com a lembrança dessa grande cantora e atriz (mal aproveitada) que foi Doris Day. Eu sou, pela idade e porque, muito pequeno, ia com a minha excelente Mãe ao cinema Peninsular todos os domingos à tarde, um do felizardos que viram muitas das fitas protagonizadas por D. D.

E, mais ainda, ouvi um ror de canções (muitas delas suavemente jazzy) que valiam cem vezes o “Que será, será?” com que os ignorantes a recordam. Não que seja algo de mau, mas é tão redutor!...

Sobretudo quando se sabe que ela interpretou (e brilhantemente!...) o “song book” de Rodgers & Hart, que cantou em dueto com Sinatra ou que tem uma colectânea de músicas de cinema de grande qualidade. Isto entre quase uma centena de discos onde é raro descer ao sofrível.

 

Curiosamente, ontem (terça feira) vi na 2 um longo documentário sobre Heddy Lamarr, actriz bem mais antiga do que DD e que teve, ainda na Alemanha, uma estreia fulgurante com o filma “Êxtase”, o primeiro a mostrar um nu impressionante. Da europa partiu para Hollywood onde sob a férula de Louis B Meyer teve uma carreira excepcional que culminou (que bem que me lembro, ai quão velho estou!) com “Sansão e Dalila”(real: Cecil B de Mille), em que contracenava com Victor Mature, um actor que tinha grande saída entre o público feminino 2 que trabalhou com John Ford, entre outros,

Além de bonita e boa actriz, Hedy era um inventora de qualidade mesmo se muitas das suas criações neste campo tenham sido esquecidas. Na sua Alemanha natal o dia do seu aniversário foi instituído como “dia do inventor” – bonita e justa homenagem E era, honra lhe seja, uma feroz adversária do nazismo e, em Hollywood, pertenceu a todos os grupos de actores que contribuíram para o esforço de guerra.

 

O jornal “Le Monde”, que devotamente acompanho desde o princípio dos anos 60 (uma vida!) entendeu, e bem, muito bem, republicar todos os livros de Julio Verne numa edição fac-similada da maravilhosa edição Hetzel. Em boa hora o faz, dado que os exemplares dessa edição atingem valores astronómicos que vão das largas centenas de euros até a alguns milhares. Esta ediçãoo anuncia-se barata mas há um horrendo defeito: não se consegue adquiri-la em Portugal, Já escrevi o raio do jornal mas nem resposta. É de uma criatura ficar com os dentes como ossos!

Todavia, pesquisei tanto quanto pude, ou, melhor, tanto quanto sei, e em breve me hegaão outos fac-similes de algumas das principais obras desse autor que já chegou (oh la la!) à colecção “Pleiade”. Uma das características mais interessantes da edição agora em fac-simile é a de apresentar todas as gravuras originais, coisa que nunca (que eu saiba) ocorreu nas edições portuguesas da Aillaud, da Bertrand ou Companhia Nacional Editora (edições ainda do fim do século XIX) que se limitavam a duas magras gravuras.

É curioso como Verne (e também Emílio Salgari) quase desapareceram da actividade editorial nacional. Nos seus países respectivos gozam ainda hoje de grande respeito e afeição de leitores de todas as idades (e não só os mais jovens) e, no dizer de Umberto Eco ou de Fernando Savater, tão ou mais devotos quanto eu, ainda hoje se podem ler com muito maior proveito do que os Harry Potter. Em Itália, nas redes sociais aparecem inúmeros grupos de leitores de Salgari que tentam porfiadamente descobrir a mítica ilha de Mompracem, praça forte de Sandokan, um inimigo jurado dos ingleses à imagem do Capitão Nemo das “vinte mil léguas submarinas” e também da parte final da “ilha misteriosa”.   Provavelmente, isto não passa de uma mania de velho mas antes isso do que perder tempo a ouvir os dislates de boa parte dos candidatos ao parlamento europeu e, entre eles, dquele pobre diabo que dá por qualquer coisa Marques e que o PS numa hora de pesadelo preferiu a Maria Mauel Leitão Marques que sabe mais a dormir do que o cabeça de lista acordado e cheio de vitaminas. Pelo menos, aqui, o PS poderia ter marcado a diferença e apresentado uma grande cabeça de lista, num universo masculino de onde se salva Marisa Matias que, todavia, sucede (pela 3ª vez a si própria) o que não lhe retira o mérito que a sua inteligência, o seu zelo e a sua simpatia mais que justificam. Não é que vá vá votar nela  mas Marisa merece o destaque que tem tido.

*na gravura : um urubu, bicho feio e preto mas apesar disso bem menos medonho que alguns bípedes que por aí se mostram sem vergonha nem pudor

Au bonheur des dames 482

d'oliveira, 10.05.19

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As aventuras do munícipe cumpridor

mcr 10 de Maio de 2019

 

Ser cidadão em Portugal não passa de um eufemismo. Os portugueses, onde quer que vivam (ou quase) são, na melhor das hipóteses súbditos. E súbditos atentos, veneradores e obrigados. Se não...

Os governos, as repartições públicas, as polícias, o fisco (ai o fisco!...), as câmaras, os da água, os da luz, os do gás, os do lixo, o polícia de giro, o senhor presidente da Junta, o excelentíssimo presidente da Câmara e os venerandos vereadores, para não falar dos meritíssimos juízes e demais autoridades judiciais, tudo, todos merecem vénia gorda, respeitinho, muito respeitinho, RESPEITO!

Tudo que é necessário fazer junto de qualquer uma destas altas autoridades é para o desgraçado requerente um percurso armadilhado, tortuoso, cheio de alçapões. Vejamos este caso pequeníssimo.

Vivo numa zona onde o transito era um pandemónio. Estacionava-se por aqui de qualquer maneira, todo o dia. De quando em quando a polícia municipal aparecia e era um bodo aos pobres. Os infratores corriam que nem baratas tontas nas a “autoridade” estava preparada e esperava-os de contravenção em punho.

A Câmara, enfim um qualquer serviço dela, entendeu – e bem! – tornar a nossa vida menos infernal e, de passo, ganhar uns cobres fazendo pagar o estacionamento. Aos moradores foi concedida, mediante uma prestação anual de vinte e cinco euros, licença para durante um par de horas poder parar nos locais vedados ao público em geral. De um dia para o outro apareceram espaços à fartazana. Quem vem às compras tem sempre lugar por cinquenta cêntimos.

No ano passado, tornei-me, sem grande dificuldade (só tive de estar hora e meia no Gabinete do Munícipe à espera de ser atendido...) usuário do novo e útil serviço.

De facto costumo fazer tudo de manhã e saio já pronto a ir tratar dos meus assuntos logo que beba o café que me acorda e leia rapidamente o jornal. Assim sendo, saio de carro estaciono ao pé da esplanada e uma vez despachado, meto-me no carro e vou à minha vida.

No fim do ano recebi um aviso para pagar a nova anuidade mas (mea culpa, mea máxima culpa) deixei passar o prazo para o fazer via multibanco. Agarrei num cheque, juntei-lhe uma carta a desculpar-me) o meti tudo num envelope que estampilhei devidamente.

E fiquei a aguardar que no máximo até meados de Janeiro receberia o selo ou indicação para o ir levantar.

Janeiro passou, Fevereiro também, em Março comecei a desconfiar e em nova carta, desta feita registada perguntei pelo selo. À cautela juntava na mesma missiva uma fotocópia do meu estrato bancário onde se via cruamente que alguém descontara o meu cheque. Março e as suas águas foram-se e em Abril voltei a escrever mas ao senhor Presidente da Câmara: mais fotocópias, mais protestos da mais elevada consideração, enfim a habitual parafernália de cumprimentos devidos à majestosa excelência que teria a maçada medonha de me ler vinte e cinco linhas.

Por mera prudência, desta vez, fiz o registo com aviso de recepção. De facto poucos dias depois, recebia um ofício seco e curto (e grosso) que prevenia alguém com o nome do meu pai (quase idêntico ao meu) de que o meu assunto estava devidamente processado (um número infindável de letras e números!!!) e em vias de resolução e que, caso eu quisesse (e acreditasse) poderia usar um número de telefone que me forneciam. O ofício não estava assinado. Por junto no fim havia a referência “o Técnico”.

Temos assim que o Técnico desconhecido enviava um ofício a um cavalheiro já falecido sobre um requerimento assinado por o filho do mesmo!

Sempre de boa fé, prova de supina e culposa burrice minha fui aguardando pelo selo. Ao fim de dez dias, tentei telefonar. Pior do que telefonar para as criaturas da internet é telefonar para um serviço dito “público”. Do lado de lá alguém nos vai dizendo que “estamos em linha de espera há x minutos”. Ao fim de x mais y, aconselham-nos a deixar o nosso número numa jura mais falsa do que judas de que em breve seremos contactados.

Mais dois telefonemas sempre com a mesma resposta, convenceram-me a ir ao Gabinete do Munícipe. Não levei farnel mas, à cautela, ia cheio de jornais e revistas para aguentar o tempo de espera. A família despediu-se de mim como se despediria de alguém que fosse viajar para os trópicos. Paciência, disseram-me, muita paciência. E caldos de galinha...

No Gabinete reinava o ar torvo de quem espera e desespera. Eu tinha o número A 35 e um quadro electrónico indicava que o paciente 30 estava a ser recebido. A meia hora passou e miraculosamente, um número faltou e eu aproximei-me da senhora que tinha a missão de me iluminar.

Em abono da verdade, devo dizer que a funcionária que me atendeu era bonita, gentil, educada e eficaz. Em dois minutos explicou-me que o nome do meu pai aparecia depois de alguém ter andado a pesquisar. Que se eu tivesse indicado o meu NIF as coisas poderiam ter corrido de outra maneira. Expliquei, contrito, que numa carta, sobretudo dirigida ao Presidente da Câmara não me parecia curial meter um número desse tipo e menos ainda o do telemóvel (pelos vistos também aconselhável!...)

De todo o modo, a funcionária consultou rapidamente o tal processo cheio de letras e números e anunciou-me risonha que o meu selo estaria pronto num minuto. E esteve!

De tudo isto, uma mera anedota, sai uma primeira conclusão em forma de pergunta: será assim tão difícil para A CMP enviar pelo correio para o cidadão requerente o selo, depois de cumpridas as formalidades necessárias e recebido o pagamento?

Eu não quereria tirar daqui, deste historieta, moral nenhuma mas não posso deixar de pensar que o correio não é meio idóneo nem eficaz de obter o que quer que seja. E mais: dei razão a uma versão distorcida do provérbio que diz que quem quer vai, quem não quer manda. Tivesse ido ao Gabinete com o cheque em punho e, provavelmente outro galo me cantaria. Ou não, mas isso é já outra história...

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Diário Político 217

d'oliveira, 10.05.19

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Pela nossa (e vossa) rica saúde

d'Oliveira fecit. 10/5/19

 

Agora que se está quase no fim da actividade parlamentar, o Parlamento entrou num furioso rodízio de actividade. Para já é a saúde que mobiliza os deputados.

Estou ainda para perceber quais as razões que levaram o PS a recusar o projecto de Maria de Belém Roseira (cujo percurso relevantíssimo inclui o ter sido deputada várias vezes, Ministra da Saúde, Presidente do partido e mais umas quantas altas funções nacionais e internacionais) e avançar com uma proposta canhestra e risível que voga nos limites da realidade nacional e da irracionalidade operacional.

Já assistimos às ameaças à subsistência da ADSE (paga integralmente pelos seus utentes) mas governada por comissários políticos partidários que ninguém elegeu.

Já tivemos uma amostra dos confrontos com os privados de que a ADSE os acusava. devido à (sobre)facturação. Em resposta, os principais grupos hospitalares ameaçaram cobrar à cabeça os serviços que prestavam. Resultado: um milhão de utentes da ADSE sentiu-se ameaçado e, pelos vistos, as coisas compuseram-se e abriu-se um período de negociações. Na realidade, se a ADSE pode ter razão, os privados também a tem na medida em que os acertos de contas ultrapassavam temporalmente todos os prazos naturais e razoáveis.

Os talibans do SNS entendem que qualquer cuidado de saúde exercido por privados é um “negócio” e, pior ainda, uma amaça à universalidade do serviço público. Vê-se que não costumam frequentar os hospitais e centros de saúde onde as bichas se alongam infindáveis. Parece que desconhecem que é a própria eficiência dos hospitais que expulsa dai (e do serviço público) numerosos tratamentos e meios de diagnóstico. Não vale a pena relembrar a demora das cirurgias não urgentes e, muito menos, das outras. Não interessa saber que, em certas (a maioria) zonas do país, uma colonoscopia pode demorar mais de três anos (entretanto, em Deus querendo, o paciente morre e o problema fica resolvido).

O SNS é, de certo modo, vítima do seu sucesso. São precisos mais (muito mais) médicos, enfermeiros e restante pessoal de saúde e, até, de administrativos e pessoal menor. Faltam camas, as urgências estão atulhadas, há doentes em macas pelos corredores e o descontentamento de pacientes e pessoal de saúde generaliza-se.

É verdade que os custos em material moderno e em tratamentos de vanguarda atingiram níveis estratosféricos o que, aliado ao envelhecimento da população (e consequente generalização de doenças próprias dessas idades), torna tudo extremamente complicado.

Por outro lado, a falta de investimento e as famigeradas cativações aumentam as dificuldades por todos sentidas mormente profissionais de saúde e (muito especialmente) doentes.

Tudo isto aconselharia que o assunto fosse “tratado com pinças”, o que até à data não ocorreu, bem pelo contrário. Como de costume, num país com um alto índice de analfabetismo político e ideológico, tudo descambou para uma espécie de guerra do alecrim e manjerona. De um lado os auto-proclamados defensores do SNS e do Estado centralizador e intérprete único da felicidade das populações. De outro, os liberais de toda a espécie desde os modestos defensores da harmonização entre serviço público, privado e social até aos que execram a palavra “publico” vendo nela a porta aberta ao mais violento bolchevismo. Em boa verdade, são poucos os abencerragens desta última e radical modalidade e bem mais os adeptos do esquerdismo juvenil ou senil que já esqueceu tudo sobre a prática do socialismo real tal qual se usou na finada URSS e satélites forçados.

(virá daí a atribuição exclusiva da paternidade do SNS ao dr Arnault (que executou as instruções de Mário Soares) e se atire para o fosso da História o “relatório das carreias médicas” e a persistente acção de Miller Guerra desde os inícios dos anos 60).

Agora, o problema parece ser a existência de meia dúzia de PPP. Ao que se sabe são apenas quatro, quase três visto a relativa ao Hospital de Braga ter sido denunciada pelo grupo privado que alegou prejuízos. Conviria, porém, salientar que segundo dados de instituições públicas de controle pelo menos três destas PPP tinham tido resultados excelentes colocando os hospitais a que diziam respeito em 1º, 3º e 4º lugares diante da esmagadora maioria dos hospitais públicos cuja gestão mereceu severos reparos. PC e BE querem que se determine em lei a proibição de contratualização de ppp. O PS e os partidos de “Direita”, recusam a proibição em graus diversos. O PS, aliás, deve estar lembrado que foi um seu prestigiado Ministro (António Correia de Campos) o introdutor deste esquema. Aliás, sendo meros contratos de duração certa parece que isso bastaria para se considerar que só se recorreria a eles em circunstâncias especiais e concretas. Tornar em principio geral a proibição é cortar apenas uma possibilidade entre muitas outras de resolver temporariamente um problema de gestão.

À cautela, o PC quer adiar esta discussão para depois das eleições europeias, para as “não inquinar”. Ora estas já estão mais que envenenadas pelo problema do descongelamento das carreiras dos professores e pela guerra de números esgrimidos entre Centeno e os restantes partidos (por acaso a Unidade Técnica de Apoio ao Orçamento já confirmou os números de Centeno que só pecavam por ser brutos e não líquidos (seiscentos e tal milhões contra oitocentos)

Algum bom senso e um exame mesmo superficial da realidade portuguesa recomendariam que o SNS fosse obviamente protegido. E, em primeiro lugar, dotá-lo dos meios financeiros, técnicos e humanos necessários em vez de o fazer andar continuamente à mingua, a arrastar-se penosamente e a sofrer a comparação desvantajosa com os serviços prestados pelo sector privado.

E já que se está com a mão na massa, bom seria que acabasse a persistente má vontade demonstrada pelos poderes públicos e por uma boa parte da Esquerda em relação à ADSE. Seria bom que fossem os utentes a eleger a Direcção desta, seria bom que se permitisse a admissão de novas categorias de utentes e especialmente de todos quantos trabalham em funções públicas. Isto aumentaria a capacidade financeira da ADSE e, eventualmente, reduziria o acesso aos Hospitais Públicos cuja capacidade de resposta está mais que esgotada. Também não se entende a recusa à contratualização de novos prestadores de serviços de saúde que ainda estão fora da constelação da ADSE (o exemplo mais flagrante é o da Fundação Champalimaud que só foi citada pela ineficaz e medíocre Ministra da Saúde como resposta à paralisação anunciada pelos grupos privados. Aliás a extensão às Misericórdias dos acordos com a ADSE seria também de inteira justiça e introduziria uma maior e mais saudável concorrência na prestação de serviços de saúde.

Ao fim e ao cabo é da saúde dos portugueses que se trata. E essa está muito para lá da cegueira ideológica (que , essa sim, é sempre uma doença. Mortal!)

* na ilustração: Rembrandt: "retrato do dr Tulp" também referido como "a lição de anatomia"

 

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