estes dias que passam 325
Sim, mas...
mcr 18.06.19
Deve ser “esta a vez primeira” (oh recordação terna e antiquíssima dos meus companheiros de cela em Caxias, no longínquo ano de 61. A “charamba” era cantada pelo José Orlando Bretão, desaparecido demasiado cedo na sua Terceira natal deixando um punhado de excelentes estudos sobre o folclore da sua ilha) que chamo o PAN (Pessoas, Animais Natureza) à colação.
O PAN começou por parecer uma coisa simpática mesmo se para o público aquilo parecesse mais uma organização de bons sentimentos em relação aos animais domésticos. O resto, as pessoas e a natureza, era pouco visível quer nas palavras quer nas acções. De todo o modo, já se afirmava como um partido ecologista diferenciado daquela coisa chamada “os verdes” (cópia descarada de uma sigla internacional, sobretudo alemã) e que em Portugal só são verdes por fora. No resto não passa de um satélite menor do PC.
Todavia, a entrada no parlamento e a consciencialização crescente (e urgente!) de que há que dar uma volta às políticas ambientais e ao desenfreado ataque à natureza, fez emergir o PAN que obteve um bom resultado nas europeias. De certo modo, começa a ser olhado como um refúgio para os descontentes com a voracidade do PS, o conservadorismo do PC, a inércia da Direita e as farroncas do BE.
Ora o PAN desdobra-se esforçadamente em propostas às vezes irrecusáveis, outras utópicas mas sempre generosas. Dentre elas, destaca-se a da punição do descontrolado arremesso de “beatas” para a rua.
A ideia em si mesma é boa. Os restos de cigarros, mormente com filtro, demoram imenso tempo a desaparecer, atafulham sargetas, sujam praias e parques e poluem forte e feio. A propositura de multas pesadas (200€) para quem atire a beata para o chão deveria ser dissuasiva do gesto. Deveria, digo, mas não é. É que a multa depende de um agente da autoridade, seja ela qual for, que multe rapidamente o infrator. Isso pressupõe um exército (para já não falar no que generosamente chamarei de motivação. (Como a que levou umas criaturas do fisco a parar carros em rotundas para verificar se os proprietários tinham os impostos pagos...)
Eu ainda recordo um dos desportos favoritos do tempo do Estado Novo: o uso de isqueiro. Era obrigatória uma licença e obviamente, naqueles tempos insultuosos e difíceis, havia um grupo de criaturas que andavam à caça dos não licenciados.
Da mesma época, recordo também uma lei que previa multar as pessoas que atravessavam as ruas fora das passadeiras (uma inovação de finais dos anos cinquenta). E ainda uma outra disposição que obrigava as pessoas a circular calçadas. Na Figueira da minha infância as rijas peixeiras de Buarcos traziam uns tamancos (ou algo do mesmo género) atados ao pescoço e quando viam um polícia lá se calçavam. No resto do caminho voltavam ao pé andarilho e rapado.
Conviria explicar ao esforçado deputado do PAN que a multa, dissuade apenas quando está presente. Porém isso não inibe a tentação nem substitui a necessária consciência cívica que impõe respeito pelos outros, pela natureza e pela higiene (pessoal e pública).
Não deixou de ser curiosa a recepção da ideia. Houve mesmo um(a) parlamentar que achou exagerada a quantia a comparou à multa por circular acima do permitido nas vias públicas.
Recordaria ainda que vigora, desde há anos, a proibição de falar ao telefone enquanto se conduz. “Cadé” as multas ou, pelo menos, as multas pesadas e em número suficiente para fazer desaparecer essa prática criminosa?
E finalmente: se é verdade que as beatas incomodam e prejudicam, que dizer dos milhares de cães que donos devotados passeiam diariamente por todo o espaço público e que fazem o seu cocó tranquilamente? Haverá multas? Ou o respeito a outrance pelos fieis companheiros permite essa libertinagem excrementícia dado que o PAN dedica todo o seu carinho aos excelentes bichos?
A coisa (o desrespeito pelos outros peões e passeantes) é de tal ordem que quando se vê alguém apanhar o cocó do cãozinho pensa-se que estamos frente ao novo milagre das rosas. Para não ir mais longe: n zona onde moro há um jardim agradabilíssimo no meio dos prédios. A zona (classe média alta!) abunda em cães. Pois só uma vizinha nossa é que se dava ao trabalho de recolher as fezes dos seus bichos. Todos a achavam uma excêntrica!
De tudo o que venho dizendo só se retira uma conclusão: não é mais uma lei que vai modificar os (péssimos) hábitos dos indígenas. Quanto mais não seja porque está praticamente garantida a impunidade dos que desrespeitam. E as leis que se não cumprem levam ao incumprimento das outras. A uma cultura que começa nas pequenas (más) maneiras e acabam no escândalo da corrupção quase generalizada, exactamente essa que começa no desenfreado hábito da pequena cunha e acaba nos banqueiros que concedem generosas subvenções a arrivistas e bos autarcas que governam os municípios a seu bel prazer.