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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

O recurso das decisões arbitrais

José Carlos Pereira, 25.09.19

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Participei como testemunha por duas vezes em Tribunais Arbitrais e nas duas ocasiões não fiquei rendido à bondade desse instrumento jurídico. Numa das vezes isso decorreu enquanto testemunha do Município de Marco de Canaveses num processo - que ainda dura - contra o concessionário privado da água e saneamento, na sequência das minhas intervenções como eleito na Assembleia Municipal. A outra experiência foi como testemunha de uma associação privada de utilidade pública de que fui dirigente, numa contenda contra um fornecedor de serviços de conservação e manutenção.

Em ambos os testemunhos não gostei do "clima" existente no Tribunal Arbitral, designadamente da forma como os árbitros designados pelas partes lidam como o presidente do Tribunal, normalmente um jurista eminente, escolhido por acordo entre as partes, que de algum modo acaba por impor o seu estatuto e o seu veredicto. Num dos casos que mencionei, o facto de o presidente do Tribunal Arbitral ser um antigo presidente do Tribunal Constitucional ajudará a perceber o que pretendo dizer acerca dos salamaleques e até da submissão dos restantes árbitros.

Por estas razões, e também por acreditar que muitas vezes os processos em arbitragem não são analisados de forma tão aprofundada quanto deveriam, sempre defendi que as decisões dos Tribunais Arbitrais deveriam dar lugar a recurso para os tribunais comuns, mesmo quando contratos leoninos dizem o contrário.

Pois bem, a Assembleia da República alterou recentemente o Código dos Contratos Públicos e fixou um novo normativo que estipula que todas as decisões arbitrais que envolvam valores superiores a 500 mil euros são passíveis de recurso para os tribunais administrativos. Foi uma excelente decisão e diria que essa fasquia ainda deve reduzida para alargar a garantia de recurso a mais processos de arbitragem.

É claro que os defensores da arbitragem (e dos honorários, das despesas, dos encargos...) e da alegada maior celeridade na decisão dos diferendos por essa via vieram clamar contra a medida legislativa, esbracejando com o aumento da pendência nos tribunais administrativos. Mas, pesando prós e contras a partir das minhas experiências, creio que a possibilidade de recurso aberta com a revisão do Código dos Contratos Públicos traz muito mais vantagens do que inconvenientes.

Au bonheur des dames 411

d'oliveira, 19.09.19

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As palavras também valem politicamente

mcr  19.09.19

 

Ando nisto há demasiados anos, e se o faço agora com passos mais curtos, paragens mais frequentes e percursos menos longos, nem por isso olho para o mundo com menor curiosidade e, ai de mim!, com menor indignação. Comovo-me e zango-me com a mesma antiga frequência mesmo se os motivos para tal se tenham alargado à medida que fui tendo mais mundo.

Ao mesmo tempo, outro sinal de afastamento da juventude, foi diminuindo o meu entusiasmo e arrefecendo a minha atracção pela novidade. Nem tudo o que reluz ao sol do meio dia tem luz própria e o oiro da surpresa é muitas vezes mera purpurina.

Vem tudo isto a propósito das próximas eleições legislativas e da desenfreada conversata de jornais e candidatos (qual deles o mais prolixo) sobre os benefícios do voto nas suas listas.

Pelos vistos estamos num combate onde vale tudo. Nalguns casos a coisa começou há mais de um ano. Quem não se lembra daquele ministro patusco que anunciou num espaço de escassas semanas uma catarata de investimentos do Estado em tudo o que mexia, com especial incidência para a ferrovia que está num estado catatónico? A criatura foi mandada para a Europa para eventualmente ocupar um lugarzinho de comissário. Não contavam os seus patrões que, apesar de tudo, na Comissão Europeia ainda há critérios e, finalmente, foi Elisa Ferreira a escolhida. (por acaso, ou talvez não, logo apareceram vozes alvissareiras a uivar que com Elisa no poder ia ser um regabofe para o país pedinchão. Esqueciam-se as criaturas que, justamente por lhe caber um pelouro de que Portugal é grande beneficiário, todos os cuidados serão poucos. Elisa terá de ponderar criteriosamente cada solicitação nacional. Os comissários não são embaixadores dos seus países mas membros de uma estrutura que representa todos).

Deixemos, porém, aquele político de via reduzida e passemos a algumas afirmações da campanha. O primeiro prémio vai sem dificuldade para Catarina Martins que afirmou, com a sua habitual candura, que o Bloco era social-democrata! Assim, a secas...

Eu não sei se a distinta senhora terá alguma vez manifestado qualquer espécie de curiosidade sobre a história pregressa do socialismo. Não sei sequer se, alguma vez, sobrecarregou a sua cabecinha com os chamados textos fundadores e diferenciadores dos socialismos que por aí vicejam, permanecem, murcham ou vegetam. Nem sequer a vou importunar com as querelas que atravessaram as duas primeiras Internacionais em que se agigantam os primeiros grandes revolucionários, depois elididos por Marx que os combateu asperamente, com o crescimento da social-democracia alemã (e aqui Bernstein e Kautsky, “o renegado” são imprescindíveis) com o corte brutal da 3ª Internacional, a de Lenin e amigos, que cindiu definitivamente o “movimento operário” e se cindiu a si própria dezenas de vezes quando não eliminou fisicamente e em atroz quantidade milhões de pessoas e dezenas de milhares dos seus mais devotados apóstolos e aqui mereceriam destaque os membros dos comités centrais do PCb (bolchevique) e posteriormente do PCUS bem como a esmagadora maioria dos elementos do Komintern, dos revolucionários profissionais despachados de Moscovo para a restante Europa e Ásia, que acabaram praticamente todos diante de pelotões de fuzilamento ou no gulag. A história do pai ou do avô do Bloco seja em que variante fundadora for (trotskista, maoísta ou dissidente do pcp) é a crónica de uma permanente, visceral, animosidade contra a social democracia.

É verdade que, nestas coisas, que à falta de melhor, chamaremos “os restos do marxismo-leninismo” todas as cambalhotas foram dadas, todas as palavras subvertidas e todos os princípios reinterpretados segundo as conveniências do momento.

O BE nasceu de uma aliança de pequenas formações que tiveram a clarividência de perceber que (excepção feita da UDP) sozinhas nunca sairiam da cepa torta e que o juntar-se numa proto-geringonça surpreendente por muito que isso fosse aberrante havia uma forte possibilidade de chegar ao Parlamento. O que aconteceu: a sua massa eleitoral, urbana, educada e órfã de partido poderá não ter importância sindical, não tocar senão ao de leve as estruturas autárquicas, não arrastar massas proletárias, mas, nos grandes meios urbanos, dá-lhe a força suficiente para eleger um grupo parlamentar. Para tal bastou acenar com causas fracturantes o que é sempre rentável e envolver o resto num discurso radical apelando à perdida unidade do campo revolucionário. A mítica unidade que nunca existiu (basta lembrar os ataques de Marx a Proudhon, a Bakunin e mais uns tantos na 1ª Internacional) e que foi esmagada com as famosas 21 condições de adesão à 3ª Internacional (Komintern). E os partidos comunistas também nunca foram exemplos de unidade ou, pelo menos, as exclusões, a condenação e a liquidação maciça de dirigentes e militantes (na URSS mas também em Espanha durante a guerra civil ou ainda na URSS entre as comunidades comunistas estrangeiras aí refugiadas e posteriormente nos países de leste satelizados por Moscovo) mostram à evidência que a luta ideológica (que também escondia luta pelo poder) ia “purificando” o partido libertando-o de inimigos verdadeiros ou imaginários e convertendo-o numa organização de funcionários cada vez menos criativos e, sobretudo menos eficientes na governação e direcção dos respectivos países. Os dramáticos anos 80 que viram o desaparecimento da URSS, de todas as “democracias populares” europeias, as mais das vezes de forma pacífica (excluem-se a Albânia e a Roménia curiosamente arredadas da esfera próxima do Kremlin bem como a posterior implosão da Jugoslávia, uma criação de Tito que não resistiu ao desaparecimento dele. E não se consideram o Afeganistão, uma aberração ou o Cambodja onde a revolução comunista se traduziu no genocídio.) mostraram como um sistema cai de podre perante a indiferença dos cidadãos ou o seu activo repúdio (DDR e Polónia).

Todavia, o sentimento de orfandade de alguma esquerda, sobretudo da que embarcara na “doença infantil”, foi suficientemente mobilizador para fazer nascer o BE. Ali estava, pensou-se, algo de novo, de diferente do PC enquistado no Alentejo e nas zonas industriais de Setúbal e Lisboa, afastado do poder pelo cordão sanitário dos partidos do arco da governação. E, além do mais, envelhecido e dogmático...

O BE ao apresentar-se à sociedade, trazia um ar de juventude e de ousadia e garantia a potenciais votantes que aquilo nunca seria como o PC. E não era, e não foi. Não penetrou nas tradicionais zonas de influencia comunista e não conseguiu criar raízes sindicais ou autárquicas. A geringonça foi uma bênção que lhe caiu no regaço mesmo se a ideia e a proposta tenham vindo do PC. O BE naquele pacto só trazia os seus deputados, necessários para formara maioria parlamentar e votar o Orçamento. Em boa verdade, cumpriram a parte deles e, pela primeira vez cheiraram o doce perfume do poder. E verificaram, porventura surpreendidos, que o PS, que deles dependeu durante estes quatro anos, pretende uma maioria absoluta que o liberte de parceiros que pouco ou nada tem a ver consigo. É este o sentido último da proclamação de amor pela social democracia. Só lhes falta revelar uma súbita paixão pelo euro e defenderem intransigentemente a pertença de Portugal na União Europeia. Esperei alguns dias por um eventual sobressalto nas hostes do Bloco onde, volta e meia, aparecem uns militantes desalinhados a acusar a direcção de abastardamento dos princípios. Surpresa: nada! Será que a ânsia de duas Secretarias de Estado levaram tudo de vencida? Ou, contra as sondagens (aliás sempre falíveis) o BE confia na alegada desconfiança do eleitorado que, juram alguns comentadores, detesta as maiorias absolutas. Em boa verdade já houve três e nada faz pensar que não possa haver mais...

Já gastei demasiada cera com tão ruim defunto. É hora de olhar para o último prodígio parlamentar, o PAN. Em boa verdade ainda não havia um partido ecologista no areópago. “Andam por lá, ao colo do PC, umas criaturas que se são verdes por fora, são vermelhinhas por dentro e votam sempre ao lado do padrinho que lhes abriu a porta de S Bento. Terá sido por isso que m punhado de animosas criaturas entendeu fundar o “Pessoas, Animais e Natureza”. Demasiada areia para uma só camioneta mas como dizia o Vadinho “impossíveis não há!”. Não sei se foi o efeito novidade ou se, de facto anda por aí uma multidão ansiosa por mudar o mundo (e eventualmente a vida, como em tempos presunçosos mas juvenilmente sinceros, alguns sonhámos). A verdade é que o partido chegou ao parlamento, à Europa e caracola nas sondagens . Há, todavia, um pequeno problema. O seu cabeça de cartaz em saindo do estreito campo da ecologia não acerta uma para a caixa. Além de impreparação, de per si grave, anda por ali muita ignorância. Política e não só. A economia, a cultura, a sociedade parecem ser (para não parecer indelicado) conhecidos vagos e de fresca data. E tirando os animais até as pessoas parecem uns vagos fantasmas. Chega-se a pensar que o tema pessoas incomoda como aliás do mesmo parece padecer a Natureza. Eu não sei onde está a base eleitoral deste jovem partido mas de tudo o que ouvi julguei entrever que a natureza por eles pintada é mais cenário do que realidade. Há anos que acompanho as peripécias dos verdes europeus, mormente franceses e alemães e depois do qu observei pemso que é urgente uma visita prolongada dessa malta ao nosso pequeno canto. Ou pelo menos mandem um treinador ao PAN e que seja mais feliz do que o senhor Keiser ao Sporting. Doutro modo, até a senhora Apolónia parece o prémio Nobel comparada com o esforçado senhor Silva. Mal comparado, o PAN é uma caricatura primitiva da conferencia de S Vicente de Paula da ecologia...convenhamos que por mais generosas que sejam as vontades, aquilo é pouco, muito pouco. Ganha votos porque é uma espécie de menor denominador comum da política. E não ofende ninguém, sequer os amigos das touradas ou os caçadores.. Estes, como os pássaros, já perceberam que o PAN é apenas um espantalho desengonçado no meio da seara.

(para ser “justo” eu deveria debruçar-me sobre alguns surpreendentes e novos partidos da Direita, a Aliança ou o Chega, por exemplo. Em boa verdade, do partido do dr. Santana Lopes basta lembrar este fantasmático cavalheiro que “anda sempre por aí” para logo se desvanecerem quaisquer dúvidas. Ninguém percebeu os motivos do abandono do PSD mesmo se toda a gente já estivesse habituada aos seus malabarismos circenses. Quanto ao outro ajuntamento, fora uns slogans radicais e racistas, nada indica que venha a fazer mossa nos resultados eleitorais. O mesmo, aliás, se augura para o grupo do dr. Marinho e Pinto. Aquilo, ideologicamente, é nada, faz nada, e não merece sequer mais que quatro palavras: estrelinha que o guie!...).

 

António Costa vs. Rui Rio

José Carlos Pereira, 17.09.19

O embaixador Seixas da Costa fez uma curiosa análise do debate televisivo de ontem entre António Costa e Rui Rio. De facto, Rui Rio, que fazia a sua prova de vida, foi desde o início mais incisivo e enérgico nas suas intervenções. Jogava o tudo ou nada frente a António Costa e marcou pontos, pelo menos na sua área política.
O secretário-geral do PS esteve mais expectante, mais "adormecido", talvez a pensar que não valia a pena afrontar demasiado Rio. Penso, contudo, que António Costa comete um erro grave se partir do princípio que a vitória confortável está no bolso e que basta deixar correr o tempo a seu favor. As vindimas duram precisamente até ao lavar dos cestos.

Estes dias que passam 332

d'oliveira, 13.09.19

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Votos piedosos e medo de explicar o passado

 

mcr, sext feira, 13,  49 anos depois do óbito por mim mais desejado da segunda metade do sec- XX)

 

 

Parece que o Parlamento entendeu lavrar m voto contra o projecto do museu Salazar ou, mais exactamente, do Centro de Interpretação do Estado Novo. O voto terá sido aprovado por PS, PCP e BE & acólitos respectivos. O PPD e CDS ter-se-ão abstido. Segundo li no jornal trata-se de “impedir romarias ao local de (eventual) culto salazarista”

Claro que isto é o chamado fim de festa estival da AR, altura em que o Parlamento avia, a trouxe-mouche, dezenas de votos, moções e se desdobra em declarações para memória futura.

Pessoalmente, enquanto adversário do Estado Novo desde 1958, com largas dezenas de manifestações de permeio, duas crises académicas, quatro prisões e muita bordoada no lombo, para não falar em centenas de abaixo assinados, participação activa na única eleição em que a Oposição foi até às urnas (fui fiscal numa mesa eleitoral, um dos poucos, por sinal que se arriscaram), autor de dezenas de escritos, quase todos censurados em todo o tipo de publicações com destaque para a “Vértice” e para “O Comércio do Funchal”, o famoso e aguerrido “jornal cor de rosa”, lamento esta perdida oportunidade para verificar algo de que desconfio desde há muito: o dr. Salazar está “morto e apodrece” e poucos ainda sentirão o seu coraçãozinho e restantes vísceras vibrar ao ouvir o seu nome.

Vejamos. Salazar morreu há quarenta e nove anos mas estava afastado do poder há 51, graças a uma cadeira subversiva e bolchevista que, caindo, o arrastou na queda e lhe provocou danos irreparáveis na cabeça antiga e manhosa.

Assim sendo, os que ainda se lembram da criatura e, eventualmente, o veneram deverão andar pelos setenta anos, vá lá sessenta e cinco (para casos de grande precocidade política como depois de 74 já sucedeu, vejam-se os casos de Costa ou Louçã)

Convenhamos que não é especialmente crível que esta velharia a cair da tripeça se junte em ruidosa romaria e desande, todos os anos, ou todos os meses, para Santa Comba Dão para, comovida e “patrioticamente”, louvar o ex-Presidente do Conselho e ao mesmo tempo cantar o “Angola é nossa”, o Hino da Restauração ou o “... tronco em flor estende os ramos à mocidade que passa...”..

Seria aliás deliciosamente ridículo ver todas essas ruinas humanas com a velha farda de legionário ou, cereja no bolo, com a fardeta da Mocidade Portuguesa (que de resto, já não era obrigatória desde os primeiros anos 50) com o famoso cinto com S e tudo... E em rigoroso sentido, aos vivas ao velho ditador, à Pátria e ao Império que vai do Minho a Timor.

O salazarismo foi uma doença endémica misto de oportunismo, medo, sacanice e raras, raríssimas, fidelidades ideológicas. A partir da queda de Rolão Preto (1934) e das cisões verificadas no movimento nacional sindicalista, aquilo, a tentativa de génese de um verdadeiro movimento fascista em Portugal, desintegrou-se com meia dúzia de prisões por curto espaço de tempo mas com duradouras consequências. Rolão Preto, que, em 33, num famoso comício, se proclamara anti-salazarista acabou, muitos anos depois, por se juntar à Oposição Democrática, primeiro ao MUD, depois apoiando Quintão de Meireles e mais tarde Humberto Delgado. Esta trajectória comum a muitos outros servidores devotados do Estado Novo (lembremos, por todos Henrique Galvão ou Norton de Matos o putativo pai do “milagre de Tancos”) mostra bem como a política nacional andava naquela época.

Justamente por isso, para descortinar alguns fios condutores da moscambilha lusitana, talvez valesse a pena o tal Centro Interpretativo. De todo o modo, duvido que durasse muito que isto de estudar a história recente é pior do que “cavar em ruínas”, Camilo que me desculpe. Andamos desde há anos a celebrar bacocamente uma 1ª República sem fazer o mínimo esforço de separação do trigo e do joio. Andam por aí una livrinhos patuscos onde as glórias republicanas são exaltadas enquanto os atentados, a “formiga branca” a famosa “camionete dos assassinos” de Granjo e Machado dos Santos, o inacreditável número de governos mais de quarenta em dezasseis anos, os pronunciamentos, a “artilharia civil”, a perseguição encarniçada aos sindicatos e as centenas de mortos por violência política são silenciados, obliterados do mesmo modo que foi esquecida a diminuição para menos de metade dos insritos nos cadernos eleitorais vindos do fim da monarquia. Mas foi tudo isto, mais a dementada perseguição da Igreja e dos católicos em geral e o desastre económico que levou o país inteiro a assistir impávido ou cúmplice ao passeio militar de Gomes da Costa (um herói republicano que meteu Mendes Cabeçadas, outro que tal, na algibeira e lhe roubou o poder de que apressadamente se reclamava. Acabaram ambos na inexistência política, mesmo que o segundo tenha tentado sempre sem sucesso animar o “reviralho”)

Salazar governou todos aqueles anos por algum mérito próprio mas, sobretudo, por demérito profundo e absoluto de adversários. Foi a guerra nas colónias, uma longa guerra de usura e de baixa intensidade, que atirou o Estado Novo para as catacumbas. E foram os militares (os mesmos ou algo do mesmo género e substância dos de 1926) que, depois de terem trazido o cavalheiro de Santa Comba a S. Bento, retiraram o seu sucessor do quartel do Carmo. E, num ápice, entre o 25 de Abril e o 1º de Maio, o país vestiu-se de vermelho e do nada surgiram multidões compactas de democratas

Não se sabe de onde surdiram tantos e tão devotados amigos da liberdade mas talvez valesse a pena tentar traçar-lhes o eventual rasto durante o último decénio de Estado Novo. Ora aí estaria uma excelente missão para o fantasmático “centro interpretativo”.

Quanto aos restantes argumentos da Câmara Municipal de Santa Comba Dão e especialmente o desejo de aumento de turismo graças ao Museu ou a algo do mesmo teor, estamos conversados. A documentação de Salazar está toda em Lisboa nos arquivos da Presidência do Conselho de Ministros, na Torre do Tombo. Bens pessoais, além de escassíssimos são absolutamente irrelevantes. Fotografias irrelevantes, um par de panelas alguns pratos duas camas desconjuntadas na velha e pobre casa do ditador. Eventualmente, o último par de botas com as solas em miserável estado. A criatura era pouco dada à acumulação de quaisquer bens e disso se fazem eco amigos e inimigos. Aquilo era um eremita cuja criada para todo o serviço criava galinhas no quintal de S. Bento. Está tudo dito.

O voto parlamentar é um tiro de pólvora seca, num jogo de batalha naval sem barcos. Uma só coisa me espanta: o voto do PPD e do CDS. Que significado político tem aquela abstenção? Haja quem me ilumine e me explique estes dias de “muito barulho para nada”.

(à margem: vários amigos que muito prezo enviaram-me mails com o convite para me abaixo-assinar contra o tal museu. Ser-me-ia fácil fazê-lo. Nada fiz por entender que aquilo não era guerra que valesse apena. Com dois deles vim à fala e, curiosamente, ambos me disseram que só tinham assinado por desfastio sem acharem que a ideia do museu valesse sequer a pena tanto mais que, desde sempre, se afirmara que nem um cêntimo dos dinheiros públicos iria para ali. Até por isso valia a pena ver o projecto tentar seguir em frente. Aposto dobado contra singelo que dos particulares também não viria dinheiro que se visse e muito menos o suficiente para criar sequer uma casa museu sobre as ruínas da actual casa que foi de Salazar. Em boa verdade, até aposto três contra um...)

* na gravura um fotografia de Rui de Melo sobre os despojos da casa de Salazar

 

o leitor (im)penitente 212

d'oliveira, 12.09.19

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Aventuras com livros

mcr, 11,9,19

 

Já nem sei quando começou esta doença, pois que de doença se trata. Entre mim e a livralhada há uma paixão (correspondida ou não, pouco importa) assolapada que vem desde a mais tenra infância, ou melhor desde o momento em que sentava junto dos meus pobres pais e li em voz alta livrinhos. Não recordo os títulos mas estou ainda a vê-los, muito bem ilustrados, capas duras e histórias simples desde a de uma criadinha holandesa com tamancos e tudo que encerava as escadas com tal afinco que o seu rubicundo patão escorregava e se estatelava mais abaixo sem, contudo, se zangar até outra que metia o pássaro roc e me aterrorizava. Eram edições brasileiras, muito bem feitas e e já tinham servido ao meu pai. Onde pararão (se ainda tem forma) esses livros lindíssimos? E onde pararão dezenas de outros com que me cruzei ao longo de uma vida que já vai longa?

Tudo isto, e o que virá a seguir, me passou pela cabeça quando um velho e excelente amigo me veio devolver um dos dois tomos da “Prosa Completa” volume 1 de Jorge Luís Borges (Brughera, 1980, prémio nacional de literatura “Miguel de Cervantes, 1979). É uma excelente edição, apresentada em caixa própria e não lhe conheço sequência. De todo o modo convem começar por saudar a devoluçãoo de um livro que se emprestou. Digamos que não sendo um caso exactamente raro também não é tão frequente quanto deveria ser.

A minha biblioteca foi vítima de frequentes “esquecimentos” por parte de pessoas que dali levaram livros emprestados. E alguns desses esquecimentos foram terríveis. Assim perdi a “Electronicolírica” do Herberto Helder livro que nos alfarrabistas anda (quando aparece) por preços estratosféricos, duas obras de Eduardo Guerra Carneiro, entre elas o livro de estreia (fraquinho) “O perfil da estátua”, “Passage de l’homme” de Marius Grout, premio goncourt de 1943 e considerado o primeiro verdadeiro romance surrealista. Este livro desapareceu pelo menos duas vezes da estante e foi o cabo dos trabalhos encontrar outro exemplar. E por aí fora...

Na lista de livros desaparecidos cabe também referir os que a PIDE m foi levando ao longo dos anos. A cada prisão corresponde mais uma lista ou nem isso pois com o tempo as pessoas tendem a esquecer-se da rapina policial. Ou então, quando se voltava a casa, era tal o alívio que a última coisa em que se pensava era em ir ver os buracos na estante. O mais curioso é que na longa lista de livros que me confiscaram não entra nenhum dos chamados “clássicos” marxistas. Que sempre estiveram a bom recato. A polícia, aquela polícia, confiava as buscas a agentes de segunda ou terceira categoria que se fiavam apenas nos títulos, na língua (livros estrangeiros eram sempre um bom alvo) ou nos nomes dos autores. Autor que cheirasse a russo ia para o cesto.

O caso mais curioso que se passou com este vosso criado teve mesmo algo de extraordinário. Nos fins de sessenta, princípios de setenta, organizei para a editora “centelha” de Coimbra uma antologia sobre o movimento “Black Panther”. Com Maria João Delgado, na altura minha mulher escolhemos uma meia dúzia de pequenos ensaios e aí vai disto. Ainda o livro não estava sequer publicado e eis que a polícia começa a procura-lo. Sendo certo que aquela gentinha ainda não tinha o dom da adivinhação. Ficámos, os da centelha, perplexos. Soubemos, depois, que numa rusga a uma tipografia os agentes tinham encontrado já prontas umas dezenas de capas e isso bastou para lhes aguçar o apetite. Como havia a precaução de diversificar os pontos de produção não encontraram os textos. De todo o modo, a coisa foi logo proibida o que, julgo, foi uma novidade absoluta e um record.

Nesta história de pilhagens policiais, houve um pequeno episódio que merece ser lembrado. Da última vez que fui intimidado para ir prestar declarações à PIDE, os agentes que me visitaram em casa de meus sogros, olharam para a abundante biblioteca de Jorge Delgado, meu sogro e comentaram algo deste género: “agora não temos tempo a perder, mas de certeza que se fazia aqui uma bela colheita de livros proibidos”. E, em boa verdade, se tivessem sequer olhado cinco minutos para as estantes teriam verificado que aquilo iria tudo ,mas mesmo tudo. O Jorge Delgado não perdia tempo com outros livros que não fossem de política. E, obviamente, da que não agradava ao regime dos falecidos Salazar e Caetano... Nunca vi uma biblioteca tão subversiva como a dele, nunca!

Voltemos porem aos livros que desaparecem das estantes, no caso das minhas. Um dos meus melhores amigos era o Pedro Sá Carneiro Figueiredo, leitor voraz, homem cultíssimo, mais distraído do que uma amêijoa melancólica e completamente desorganizado. Ia sempre jogar bridge em minha casa e, de cada vez trazia alguns livros que eu lhe emprestara e levava outros. Nem sempre trazia os mesmos que levara na vez anterior mas isso não o preocupava e também não me punha em cuidado. Com o Pedro valia tudo e eu sabia que mais cedo ou mais tarde ele traria o livro entretanto perdido em sua casa. Todavia, o destino infame e brutal, irrompeu neste vai e vem livreiro e o Pedro morreu subitamente. Durante anos, a viúva ia-me encontrando e trazendo livros que ela ia descobrindo nas estantes caóticas do Pedro. Verdade e diga que a culpa não lhe só a ele. Parece que para combater a desordem do Pedro, uma empregada excelente mas analfabeta sempre que via um livro em cima de uma mesa ou de uma cadeira agarrava nele e enfiava-o no primeiro buraco de estante que encontrasse. E o pobre livro passava à mais obscura clandestinidade pois, só por acaso é que iriam por ele no sítio onde uma mão descuidada mas amante da ordem o pusera.

Uma vez em que referia alguns desaparecimentos de livros numa roda de amigos, alguém disse que os livros eram vagabundos que saiam de casa pelo seu pé.

Retorqui, irritado, que pelo pé deles nenhum viajara mas sim e só pela mão de alguém amiga do alheio.

*a estampa: capa do livro "Os Panteras Negras" que, mesmo proibido preventivamente, saiu, foi clandestinamente distribuído e, do mesmo modo  furtivo, vendido. Se não erro, este foi um dos 32 livros proibidos à Cntelha entre 1970 e 1974. A polícia não dava tréguas e nós também não! 

 

au bonheur des dames 410

d'oliveira, 06.09.19

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Sólido, líquido e gasoso

mcr 6/9/19

 

A dr.ª Catarina Martins é, ao que sei, licenciada em Letras e Línguas Modernas e terá sido actriz. Actualmente, aliás desde há vários, bastantes, anos, é política a tempo inteiro o que, provavelmente não lhe dará tempo para grandes e diferentes estudos especialmente os que dizem respeito à Pluviosidade nacional e ao regime meteorológico português mormente no “interior” do país.

Parece que, numa discussão sobre barragens, a líder do BE terá afirmado que nas barragens se perde muita água por evaporação. Até aqui nada de novo. No Verão qualquer superfície líquida perde água por evaporação.

Todavia, esta perda de água motivaria uma ojeriza às barragens e represas que na óptica de Martins seriam mais ou menos inúteis. Ou não justificariam os gastos na sua edificação e manutenção. Numa palavra haveria “barragens a mais”

Convenhamos que a tese é ousada mas não passa disso. Pessoalmente conhecendo-se o regime de chuvas neste país talvez valesse a pena ter ainda mais barragens que conseguissem reter mais água das chuvas abundantes no Inverno para a falta dela durante a longa estiagem.

Evaporar-se-ia mais água? É evidente. Mas haveria mais água para a agricultura, para beber, para combater os fogos.

Suponha-se que não há barragens. Qual o benefício que daí decorreria? Nenhum! A água das chuvas e dos rios correria mais livre para o mar sempre perto e perder-se-ia sem vantagem alguma para quem quer que fosse.

Eu sei, ou julgo saber, que a dr.ª Catarina Martins é do Porto, cidade que tem uma frente de mar e outra de rio que, durante séculos registou cheias catastróficas nas zonas da Ribeira e de Miragaia. Perderam-se bens inumeráveis, morreu gente e ainda são isíveis em certos locais ribeirinhos as marcas das cheias mais violentas.

Contudo, as barragens no Douro e afluentes e outro género de represamento permitiram regularizar o curso do rio, evitar quase todas as cheias e sobretudo as catástrofes a elas anunciadas para já não falar na melhor navegabilidade do Douro. E a água que a região bebe vem obviamente de captações no sistema fluvial. O mesmo sucedeu noutros rios, Mondego incluído. E há notícias de projectos para a bacia hidrográfica do Tejo. Nem se fala nos ganhos enormes registados com o Alqueva e nos ainda futuros na mesma zona.

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(ia este texto neste ponto quando, li na edição do “Público de hoje, quinta feira uma excelente coluna de reparos judiciosos às declarações tonitruantes da dr.ª Martins. Em substância dizem o que acima fui escrevendo e acrescentam dois pontos fundamentais. A água que se evapora num determinado ponto há de gerar nuvens que se desfarão em chuva noutro. O que chove em Portugal provem, ou pode provir, de evaporação de massas de água em Espanha, na Suíça ou noutro sítio qualquer. O que evapora voltará ao estado líquido sob a forma de chuva ou sólido sob a de neve que na Primavera há de transformar-se em regatos, ribeiras e rios. A água do mar também se evapora e, perdendo o sal, nessa operação também se precipitará em algum local do planeta. O texto aliás indica a exacta percentagem de evaporação por metro cúbico de água.

O nosso país tem uma orografia difícil. O Norte é montanhoso mas rico em chuvas. Estas se bem aproveitadas poderiam formar grandes reservas de água não apenas para criação de barragens hidroeléctricas mas mesmo de reservas de água que poderiam ser canalizadas para o centro sul e para o sul onde a falta de água é habitual. Há, aliás, projectos para isso embora o investimento inicial tenha até à data assustado os nossos decisores que nunca pensam no longo prazo. Países mais secos e desfavorecidos que o nosso já mostraram que isso pode (e deve) ser feito e os resultados estão à vista.

Todavia, pelos vistos, a dr.ª Martins com a candura do desconhecimento destas realidades entende o contrário. Vistas curtas e vagamente literárias sobre o país que habita e que é bem maior do que o Porto ou, actualmente, Lisboa, lugares onde, com água canalizada, este problema não se põe. Para já!  

 

 

 

 

Elisa Ferreira na Comissão Europeia

José Carlos Pereira, 02.09.19

Ursula von del Leyen e António Costa fizeram uma escolha muito acertada para preencher o lugar de comissária europeia em representação de Portugal. Elisa Ferreira tem os conhecimentos, a tarimba e o perfil adequados para o exercício da função, após longos anos no Governo, no Parlamento Europeu e no Banco de Portugal.

Convivi profissionalmente durante cerca de dois anos com Elisa Ferreira e já então era notório o seu à vontade nas questões relacionadas com a Europa, os fundos comunitários e o desenvolvimento regional. Espera-se agora que venha a receber uma pasta que faça justiça às suas competências e seja uma das mais relevantes para a Europa e Portugal.