As palavras também valem politicamente
mcr 19.09.19
Ando nisto há demasiados anos, e se o faço agora com passos mais curtos, paragens mais frequentes e percursos menos longos, nem por isso olho para o mundo com menor curiosidade e, ai de mim!, com menor indignação. Comovo-me e zango-me com a mesma antiga frequência mesmo se os motivos para tal se tenham alargado à medida que fui tendo mais mundo.
Ao mesmo tempo, outro sinal de afastamento da juventude, foi diminuindo o meu entusiasmo e arrefecendo a minha atracção pela novidade. Nem tudo o que reluz ao sol do meio dia tem luz própria e o oiro da surpresa é muitas vezes mera purpurina.
Vem tudo isto a propósito das próximas eleições legislativas e da desenfreada conversata de jornais e candidatos (qual deles o mais prolixo) sobre os benefícios do voto nas suas listas.
Pelos vistos estamos num combate onde vale tudo. Nalguns casos a coisa começou há mais de um ano. Quem não se lembra daquele ministro patusco que anunciou num espaço de escassas semanas uma catarata de investimentos do Estado em tudo o que mexia, com especial incidência para a ferrovia que está num estado catatónico? A criatura foi mandada para a Europa para eventualmente ocupar um lugarzinho de comissário. Não contavam os seus patrões que, apesar de tudo, na Comissão Europeia ainda há critérios e, finalmente, foi Elisa Ferreira a escolhida. (por acaso, ou talvez não, logo apareceram vozes alvissareiras a uivar que com Elisa no poder ia ser um regabofe para o país pedinchão. Esqueciam-se as criaturas que, justamente por lhe caber um pelouro de que Portugal é grande beneficiário, todos os cuidados serão poucos. Elisa terá de ponderar criteriosamente cada solicitação nacional. Os comissários não são embaixadores dos seus países mas membros de uma estrutura que representa todos).
Deixemos, porém, aquele político de via reduzida e passemos a algumas afirmações da campanha. O primeiro prémio vai sem dificuldade para Catarina Martins que afirmou, com a sua habitual candura, que o Bloco era social-democrata! Assim, a secas...
Eu não sei se a distinta senhora terá alguma vez manifestado qualquer espécie de curiosidade sobre a história pregressa do socialismo. Não sei sequer se, alguma vez, sobrecarregou a sua cabecinha com os chamados textos fundadores e diferenciadores dos socialismos que por aí vicejam, permanecem, murcham ou vegetam. Nem sequer a vou importunar com as querelas que atravessaram as duas primeiras Internacionais em que se agigantam os primeiros grandes revolucionários, depois elididos por Marx que os combateu asperamente, com o crescimento da social-democracia alemã (e aqui Bernstein e Kautsky, “o renegado” são imprescindíveis) com o corte brutal da 3ª Internacional, a de Lenin e amigos, que cindiu definitivamente o “movimento operário” e se cindiu a si própria dezenas de vezes quando não eliminou fisicamente e em atroz quantidade milhões de pessoas e dezenas de milhares dos seus mais devotados apóstolos e aqui mereceriam destaque os membros dos comités centrais do PCb (bolchevique) e posteriormente do PCUS bem como a esmagadora maioria dos elementos do Komintern, dos revolucionários profissionais despachados de Moscovo para a restante Europa e Ásia, que acabaram praticamente todos diante de pelotões de fuzilamento ou no gulag. A história do pai ou do avô do Bloco seja em que variante fundadora for (trotskista, maoísta ou dissidente do pcp) é a crónica de uma permanente, visceral, animosidade contra a social democracia.
É verdade que, nestas coisas, que à falta de melhor, chamaremos “os restos do marxismo-leninismo” todas as cambalhotas foram dadas, todas as palavras subvertidas e todos os princípios reinterpretados segundo as conveniências do momento.
O BE nasceu de uma aliança de pequenas formações que tiveram a clarividência de perceber que (excepção feita da UDP) sozinhas nunca sairiam da cepa torta e que o juntar-se numa proto-geringonça surpreendente por muito que isso fosse aberrante havia uma forte possibilidade de chegar ao Parlamento. O que aconteceu: a sua massa eleitoral, urbana, educada e órfã de partido poderá não ter importância sindical, não tocar senão ao de leve as estruturas autárquicas, não arrastar massas proletárias, mas, nos grandes meios urbanos, dá-lhe a força suficiente para eleger um grupo parlamentar. Para tal bastou acenar com causas fracturantes o que é sempre rentável e envolver o resto num discurso radical apelando à perdida unidade do campo revolucionário. A mítica unidade que nunca existiu (basta lembrar os ataques de Marx a Proudhon, a Bakunin e mais uns tantos na 1ª Internacional) e que foi esmagada com as famosas 21 condições de adesão à 3ª Internacional (Komintern). E os partidos comunistas também nunca foram exemplos de unidade ou, pelo menos, as exclusões, a condenação e a liquidação maciça de dirigentes e militantes (na URSS mas também em Espanha durante a guerra civil ou ainda na URSS entre as comunidades comunistas estrangeiras aí refugiadas e posteriormente nos países de leste satelizados por Moscovo) mostram à evidência que a luta ideológica (que também escondia luta pelo poder) ia “purificando” o partido libertando-o de inimigos verdadeiros ou imaginários e convertendo-o numa organização de funcionários cada vez menos criativos e, sobretudo menos eficientes na governação e direcção dos respectivos países. Os dramáticos anos 80 que viram o desaparecimento da URSS, de todas as “democracias populares” europeias, as mais das vezes de forma pacífica (excluem-se a Albânia e a Roménia curiosamente arredadas da esfera próxima do Kremlin bem como a posterior implosão da Jugoslávia, uma criação de Tito que não resistiu ao desaparecimento dele. E não se consideram o Afeganistão, uma aberração ou o Cambodja onde a revolução comunista se traduziu no genocídio.) mostraram como um sistema cai de podre perante a indiferença dos cidadãos ou o seu activo repúdio (DDR e Polónia).
Todavia, o sentimento de orfandade de alguma esquerda, sobretudo da que embarcara na “doença infantil”, foi suficientemente mobilizador para fazer nascer o BE. Ali estava, pensou-se, algo de novo, de diferente do PC enquistado no Alentejo e nas zonas industriais de Setúbal e Lisboa, afastado do poder pelo cordão sanitário dos partidos do arco da governação. E, além do mais, envelhecido e dogmático...
O BE ao apresentar-se à sociedade, trazia um ar de juventude e de ousadia e garantia a potenciais votantes que aquilo nunca seria como o PC. E não era, e não foi. Não penetrou nas tradicionais zonas de influencia comunista e não conseguiu criar raízes sindicais ou autárquicas. A geringonça foi uma bênção que lhe caiu no regaço mesmo se a ideia e a proposta tenham vindo do PC. O BE naquele pacto só trazia os seus deputados, necessários para formara maioria parlamentar e votar o Orçamento. Em boa verdade, cumpriram a parte deles e, pela primeira vez cheiraram o doce perfume do poder. E verificaram, porventura surpreendidos, que o PS, que deles dependeu durante estes quatro anos, pretende uma maioria absoluta que o liberte de parceiros que pouco ou nada tem a ver consigo. É este o sentido último da proclamação de amor pela social democracia. Só lhes falta revelar uma súbita paixão pelo euro e defenderem intransigentemente a pertença de Portugal na União Europeia. Esperei alguns dias por um eventual sobressalto nas hostes do Bloco onde, volta e meia, aparecem uns militantes desalinhados a acusar a direcção de abastardamento dos princípios. Surpresa: nada! Será que a ânsia de duas Secretarias de Estado levaram tudo de vencida? Ou, contra as sondagens (aliás sempre falíveis) o BE confia na alegada desconfiança do eleitorado que, juram alguns comentadores, detesta as maiorias absolutas. Em boa verdade já houve três e nada faz pensar que não possa haver mais...
Já gastei demasiada cera com tão ruim defunto. É hora de olhar para o último prodígio parlamentar, o PAN. Em boa verdade ainda não havia um partido ecologista no areópago. “Andam por lá, ao colo do PC, umas criaturas que se são verdes por fora, são vermelhinhas por dentro e votam sempre ao lado do padrinho que lhes abriu a porta de S Bento. Terá sido por isso que m punhado de animosas criaturas entendeu fundar o “Pessoas, Animais e Natureza”. Demasiada areia para uma só camioneta mas como dizia o Vadinho “impossíveis não há!”. Não sei se foi o efeito novidade ou se, de facto anda por aí uma multidão ansiosa por mudar o mundo (e eventualmente a vida, como em tempos presunçosos mas juvenilmente sinceros, alguns sonhámos). A verdade é que o partido chegou ao parlamento, à Europa e caracola nas sondagens . Há, todavia, um pequeno problema. O seu cabeça de cartaz em saindo do estreito campo da ecologia não acerta uma para a caixa. Além de impreparação, de per si grave, anda por ali muita ignorância. Política e não só. A economia, a cultura, a sociedade parecem ser (para não parecer indelicado) conhecidos vagos e de fresca data. E tirando os animais até as pessoas parecem uns vagos fantasmas. Chega-se a pensar que o tema pessoas incomoda como aliás do mesmo parece padecer a Natureza. Eu não sei onde está a base eleitoral deste jovem partido mas de tudo o que ouvi julguei entrever que a natureza por eles pintada é mais cenário do que realidade. Há anos que acompanho as peripécias dos verdes europeus, mormente franceses e alemães e depois do qu observei pemso que é urgente uma visita prolongada dessa malta ao nosso pequeno canto. Ou pelo menos mandem um treinador ao PAN e que seja mais feliz do que o senhor Keiser ao Sporting. Doutro modo, até a senhora Apolónia parece o prémio Nobel comparada com o esforçado senhor Silva. Mal comparado, o PAN é uma caricatura primitiva da conferencia de S Vicente de Paula da ecologia...convenhamos que por mais generosas que sejam as vontades, aquilo é pouco, muito pouco. Ganha votos porque é uma espécie de menor denominador comum da política. E não ofende ninguém, sequer os amigos das touradas ou os caçadores.. Estes, como os pássaros, já perceberam que o PAN é apenas um espantalho desengonçado no meio da seara.
(para ser “justo” eu deveria debruçar-me sobre alguns surpreendentes e novos partidos da Direita, a Aliança ou o Chega, por exemplo. Em boa verdade, do partido do dr. Santana Lopes basta lembrar este fantasmático cavalheiro que “anda sempre por aí” para logo se desvanecerem quaisquer dúvidas. Ninguém percebeu os motivos do abandono do PSD mesmo se toda a gente já estivesse habituada aos seus malabarismos circenses. Quanto ao outro ajuntamento, fora uns slogans radicais e racistas, nada indica que venha a fazer mossa nos resultados eleitorais. O mesmo, aliás, se augura para o grupo do dr. Marinho e Pinto. Aquilo, ideologicamente, é nada, faz nada, e não merece sequer mais que quatro palavras: estrelinha que o guie!...).