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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

au bonheur des dames 413

d'oliveira, 25.10.19

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Retrato a sépia de um país à beira da resignação

mcr 24.10.19

 

Estas eleições recentes e os dias que se lhe seguiram deixam em quem vive diariamente o país por cuja dignidade (e dignificação) lutou em tempos sombrios um laivo de amargura que não se desvanece mesmo se, por vezes, haja pormenores que não podem ser levados a sério.

Comecemos por aquela senhora candidata do PAN que numa entrevista parecia incapaz de explicar o programa do partido. Não pela eventual complexidade do mesmo mas porque, pura e simplesmente, dava a ideia de não o ter lido.

Os espectadores viam-na rir-se tontamente e não acreditavam no deprimente espectáculo a que assistiam. O povo generoso e ignorante tê-la-á premiado elegendo-a.

A senhora “coordenadora” do Bloco de Esquerda afirmou sem se rir que o BE não tinha sido derrotado. À uma porque conservava o mesmo número de deputados. Depois, porque, segundo ela, em vários círculos a percentagem de votos na sua formação teria aumentado.

Ou seja, cinquenta mil votos a menos significam nada!

Haja quem explique à boa senhora que aumentar a percentagem quando o quadro é de aumento da abstenção pode nada significar. Basta saber alguma matemática, ter uma pequeníssima noção de estatística e, sobretudo –sobretudo- não querer atirar areia para os olhos dos portugueses.

O BE e o PCP, outro perdedor claro (100.000 votos!) parece quererem transmitir ao público a ideia de que foram eles que impediram a maioria absoluta do PS. Obviamente não impediram nada tanto mais que os votos a mais do PS vieram provavelmente das perdas que eles registaram.

O PPD/PSD disparou em todas as direcções para justificar uma claríssima derrota. Se é verdade que os quezílias internas ajudaram à festa, não menos verdade é que o percurso errático de Rio não suscitou qualquer espécie de entusiasmo nos eleitores potenciais que, eventualmente transferiram votos certos no partido para a vitoriosa Iniciativa Liberal e para a calamitosa Aliança do dr. Santana Lopes, um homem sem norte que já merecia uma tranquila velhice na reforma. Ao que parece, a criatura nunca mais se candidatará ao Parlamento. Em boa verdade, eleições só haverá eventualmente daqui a quatro anos pelo que todos os cenários são possíveis, desde o da Aliança já não existir (se é que actualmente existe...) ou de uma morte indesejada mas misericordiosa acompanhar a morte política do cavalheiro.

O PCP é de certo modo o retrato de um país envelhecido. Cada idoso que desaparece é, eventualmente, um eleitor a menos. Como a natalidade é o que se sabe, o “partido” enfraquece. E vê, aterrado, como os seus homólogos por esse mundo fora, desapareceram sem que se verificassem grandes prantos ou algumas saudades.

É verdade que a China, a Coreia do Norte e Cuba andam por aí. A primeira leva a cabo uma política de expansionismo capitalista que choca com os EUA. Qualquer milionário chinês que se preze é membro do PCC e até no comité central há muitos exemplos disso. Convenhamos que, mesmo se a ditadura permanece, o proletariado já foi.

Na Coreia é o que se sabe: uma dinastia instalou-se no poder de pai para filho, deste para o neto e não se vê nesta curiosa história de terror instalado e bombas atómicas em fabrico nada que nos recorde Marx, sequer Lenine ou mesmo Mao. (só o “nosso” “partidão” não o vê mas isso é pura cegueira devida ao autismo e à idade avançada)

Aliás um bom retrato deste PCP foi-nos indiscretamente dado pela televisão a propósito de uma reunião de quadros no Porto. Uma sala não demasiado grande cheia de cabeças brancas!

O PS apresentou um Governo a que só por cortesia se pode chamar “novo”. Desapareceram os laços familiares. Por um lado, Vieira da Silva deve ter achado que os seus 66 anos lhe dão direito à reforma enquanto Cabrita, um ministro tão discreto que as pessoas perguntam para que serve, vê com evidente desgosto e redobrado azedume despedirem-lhe a esposa amada.

Em boa verdade, Ana Paula Vitorino era dez vezes melhor do que o cônjuge e deixa, mesmo que algumas críticas se lhe possam ser dirigidas, obra importante.

Porque é que a defenestraram? Ou o simples facto de o marido ser um velho e próximo compincha do Primeiro Ministro pesou na escolha desta espécie de sentença salomónica e, aliás, muito tradicional por cá. (à mulher a casa, ao homem a praça).

É verdade que Cabrita debitou nas redes sociais um comentário furibundo. Não se demitiu claro. E, mais surpreendente ainda, ninguém o demite! Mesmo quando a criatura põe em causa a formação do Governo!...

Ninguém consegue explicar a manutenção da Ministra da Saúde. Marta Temido parece imune ao desastre do SNS. Ainda por cima, tem uma péssima presença na comunicação social e uma confrangedora falta de argumentos.

Também ninguém consegue entender a permanência da dr.ª Graça Fonseca ao volante da Cultura. Ou entende-se demasiado bem porque lá está, mesmo sem se recorrer à absoluta fidelidade ao Primeiro Ministro. Também nunca se entendeu como é que a senhora chegou ao poderoso coração do partido. O PS é useiro e vezeiro em mistérios destes quando toca ao Ministério da Cultura. João Soares, Manuel Maria Carrilho ou Luís Filipe Castro Mendes para só falar nestes (e esquecendo a srª Canavilhas outra miragem) tem aqui uma digna sucessora. Só que mais ignorante...

A cereja no topo do bolo é o número desconforme de ministros e secretários de Estado. 19+50, eis algo que desafia a imaginação sobretudo se pensarmos que todas estas luminárias teráo assessores nos seus gabinetes. Depois, perdoem se me engano, ainda ninguém conseguiu explicar onde começam e onde acabam as competências reais e a possibilidade de agir, de uma boa dezena de Secretários de Estado que gerem áreas próximas, as mais das vezes secantes. Os conflitos surgirão. Ou então nada se passará porque nada se poderá coordenar com tempo, eficácia e baixo custo.

(uma amiga minha, demasiado à esquerda para meu gosto mas inteligente e sardónica q.b., jura que havia que premiar um ror de pessoas. Um cargo no Governo pode não ser muito gratificante do ponto de vita financeiro mas dá currículo hipóteses de futuro no privado, no semi-privado e no semi-público.

Não vale a pena referir dois senhores juízes no Governo. Os denunciantes da judicialização da política bem que se podiam entreter na doméstica politização da judicatura... E os sindicatos & restante comandita dos magistrados nada dizem! É obra!

Convicto de que nasceu para salvador do mundo, o dr. Rio vai à luta. E promete gerir a bancada parlamentar até ao congresso do partido. Mesmo para quem, como eu, que nunca passou nenhuma certidão de óbito ao ex-presidente da Câmara do Porto e sempre o considerou resiliente (abominável palavra!) ou meramente teimoso, há que considerar que Rio é presunçoso (“aprés moi le deluge) até dizer basta. Não admira que tenha criado anticorpos em quantidade (já em qualidade é mais duvidoso...).

No CDS em vez de dilúvio temos o deserto a perder de vista. Ninguém se chega à frente! Ainda acabaremos de ver o senhor Manuel Monteiro (coveiro dos centristas noutros tempos) a candidatar-se.

Convenhamos que seria divertido se não fosse também um retrato a sépia de um país exausto.

 

 

Estes dias que passam 335

d'oliveira, 22.10.19

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Quousqe tandem...

mcr, 22.10.19 

 

(esdevens hereu

dels dies de l’odi

i del degovern.

Salvador Espriu, La pell de brau)

 

Permitam-me os leitores dar ao folhetim um título ciceroniano. É que, de facto, anda por aí um abuso desconforme da ingenuidade (ou do desconhecimento) dos leitores a quem são atirados manifestos, declarações, abaixo-assinados e (uma concessão à modernidade) fake news de todo o tipo.

Agora é a Catalunha que dá o mote.

Indignados lusitanos reabrem a polémica da odiosa Castela e das inocentes nacionalidades periféricas.

Antes do mais e a este respeito, conviria dizer que Galiza, País Basco e Catalunha são realidades geo-políticas absolutamente diferentes. A primeira foi efemeramente um reino em meados do século XI mas desapareceu rapidamente em benefício da monarquia leonesa por um lado e da separação de Portugal, por outro. O País Basco nunca foi independente mesmo se no seu extremo nordeste tivesse existido uma nação, a Navarra que, com várias interrupções existiu entre oos séculos XI e XV. A Catalunha fez parte do reino de Aragão e depois da Espanha com os Reis Católicos. De per si, nunca foi um reino independente.

A língua galega depois do período de esplendor poético galaico-português foi pouco a pouco perdendo o favor das elites a pontos de apenas ser usada durante séculos por camponeses e pescadores (“labregos e marinheiros”). Mesmo no século XX os principais escritores galegos (Cela, Torrente Bsllester ou o enorme Valle-Inclan) escreveram em espanhol dando-me mesmo o caso do último deles ter proibido a tradução das suas peças em galego porquanto os galeguismos que ele usava perderiam todo o seu efeito estilístico. È verdade que outros (Rosalia de Casto, Castelao, Celso Emílio Ferreiro ou Luís Seone) usaram preferentemente o galego mesmo se não desdenhassem o espanhol. No País Basco aconteceu o mesmo; só os mais pequenos e humildes se mantiveram fieis à língua nativa e, de resto, desconhecem-se até há bem pouco textos cultos em basco. Na Catalunha a sorte da língua foi diferente porquanto nunca foi totalmente abandonada pelas elites mesmo se, excepção feita à poesia, a grande maioria da sua literatura tenha sido escrita em espanhol. E vale a pena recordar que, fora da Catalunha, os seus escritores só tenham atraído a atenção quando os seus textos foram vertidos para espanhol (pessoalmente, e desde os anos sessenta, graças a Ricardo Salvat, comecei a ler e a apreciar o catalão mas, confesso que nunca vi nas bibliotecas dos meus amigos um único livro em catalão. E foi-me difícil encontrar fora da Catalunha livros na mesma língua. E mesmo lá, deparei-me, vezes sem conta, com edições bilingues ou. quando monolingues, em duplicado, catalão e espanhol...

2 A Espanha construi-se lentamente. À uma porque se trata de um grande território que se foi unificando contra os ocupantes árabes. Depois, porque, durante a “Reconquista” se formaram reinos (Astúrias, Castela, Leão, Navarra, Aragão e Portugal que com dificuldade se uniam esporadicamente. Foi com Fernando e Isabel, os Reis Católicos, que a Espanha se pode considerar unificada dado que ao mesmo tempo, acabou a presença política árabe na península. E, nesse momento, já Portugal era um reino independente com séculos de existência arduamente defendida e conseguida umas vezes pacificamente (D Dinis e o Tratado de Alcanices – onde se fixou praticamente toda a fronteira hispano portuguesa-) ou militarmente, Aljubarrota, que garantiu definitivamente a independência de Portugal (o facto de três Filipes terem reinado durante sessenta anos em Portugal não diminui em nada esta afirmação uma vez que se tratava de uma monarquia dual. Estes reis eram-no de Espanha e de Portugal. Ao contrário do que muito boa gente pensa Portugal não tinha um estatuto idêntico ao da Catalunha. Ainda, há poucos dias, vi um historiador fazer um paralelismo entre as duas situações o que é um absurdo político-jurídico e uma mentirola histórica. É verdade que D João IV foi ajudado pela insurreição catalã na medida em que Espanha teve de lutar em duas frentes. Todavia, a frente catalã era mais importante por se tratar claramente de uma tentativa francesa de agressão a Espanha mais perigosa sobretudo por haver entre a França e a Catalunha uma fronteira comum que permitia a entrada de reforços e armas. Portugal, isolado entre a Espanha e o mar oferecia, eventualmente menos dificuldades militares. De todo o modo a guerra prolongou-se durante quase trinta anos. Não foi pera doce e conquistámos a nossa liberdade de acção à custa de enormes sacrifícios e, muitas vezes, praticamente sós (os Holandeses, os franceses e os ingleses tentaram e conseguiram, nesse período expulsar-nos de territórios na Ásia. No Brasil e em Angola as campanhas portuguesas foram longas, custosas mas ,finalmente, vitoriosas.

3 A Catalunha reapareceu (diferente) politicamente durante o conturbado período da 2ª República espanhola. Conseguiu a autonomia e um governo próprio e, de certo modo, conservou-o graças quase exclusivamente ao proletariado catalão (onde não faltavam fortes concentrações de emigrantes de outros pontos de Espanha) que conseguiu conter a revolta dos generais facciosos. E conseguiu-o também contra boa parte da burguesia catalã que, mais tarde, receberia entusiasmada e de pata ao alto (e “Cara al Sol”) os contingentes franquistas que entraram na cidade. (Bem diferente foi a sorte de Madrid onde as forças da República levaram a cabo uma formidável resistência contra as colunas franquistas. Foi em Castela e Leão, na Estremadura e na Andaluzia que os combates foram mais duros mesmo se o País Basco (ao contrário da Navarra) tivesse, juntamente com as Astúrias, resistido durante algum tempo. E justiça seja feita à frente de Aragão onde populares e forças anarquistas se bateram com denodo. A Galiza, terra de Franco caiu rapidamente e a Catalunha só caiu no fim da guerra por ser a região mais afastada da frente. Aliás, a estratégia franquista passava pela conquista do eixo Madrid Valência justamente para evitar uma luta em várias frentes o que, de resto era lógico de todos os pontos de vista.

E durante boa parte do franquismo o nacionalismo catalão não teve especial actuação. Por um lado as circunstâncias não ajudavam e, por outro lado, grande parte das elites políticas e financeiras da Catalunha sentiram-se muito à vontade nesses anos fatais. Porém, também não deixa de ser verdadeiro que na Universidade Autónoma, nos sindicatos e em zonas populares (onde aliás predominavam emigrantes) o PSUC (partido socialista unificado da Catalunha) versão catalã do PCE registava aderentes. Das restantes correntes políticas, desde a Democracia Cristã até à Esquerra Republicana são débeis –ainda que existam –os sinais mesmo se no exterior subsistia um governo catalão no exílio tão isolado e impotente quanto o governo da república no exílio. Quem fazia frente (a frente possível) ao franquismo eram os partidos comunista e socialista e os restos da FAI, Frente Anarquista Ibérica e dos seus sindicalistas que tinham sobrevivido (primeiro às tchekas depois aos franquistas). Já nos anos 60 e primeiros 70 não houve na Catalunha um movimento revolucionário com o peso da ETA mesmo se haja notícia parca do “Terra Lliure” a partir de 1978. Facilmente destroçado pelas autoridades este grupo independentista desapareceu por completo meia dúzia de anos depois.

Os partidos que reapareceram ou apareceram depois da instalação da democracia (entre eles a tradicional Esquerra Republicana e o mais recente Convengência i Unió são réplicas de partidos menos ou mais conservadores mesmo se a Esquerra se intitule social democrata. No principio deste século a social democrata Esquerra arvorava um par de slogans xenófobos que porventura agradaram aos seus seguidores mas claramente demonstravam a sua aversão a árabes, a africanos e também a emigrantes de outras comunidades. Todavia, como acenava com a hipótese independentista essa característica odiosa passou despercebida ou foi esquecida.

3 o nacionalismo catalão é curioso. De facto, a Catalunha é a par da comunidade de Madrid a mais desenvolvid e rica região de Espanha, Exporta para toda a Península e atrai sobretudo do sul fortíssimas vagas de trabalhadores sem os quais não sobreviveria. Um conhecido e reputado jurista catalão confidenciou-me uma vez sem tentar ser irónico que a Catalunha era “a única metrópole que queria libertar-se das suas colónias”.

Isto, se não diz tudo, diz, de todo o modo, bastante.

O renovado independentismo catalão acompanhou de certo modo outros independentismos que tiveram o seu momento nos idos de 60, a Flandres, a Córsega, a Bretanha francesa, o Alto Ádige entre outros sem esquecer a Escócia. Em alguns casos desapareceram (a Bretanha) noutros conseguiram o seu fito (Kossovo) em vários são uma ameaça recorrente (a Padânia, outra metrópole que se quer libertar das suas colónias que no auge da unificação italiana, conquistou e explorou desalmadamente e que enriqueceu. Também ela, com a a desapiedada exploração do proletariado emigrado do Sul ao mesmo que o desprezava. O caso da Flandres é relativamente diferente na medida em que foi vítima da Valónia francófona e só emergiu graças ao aumento da sua população eà renovação do seu aparelho industrial que ultrapassou há muito as envelhecidas estruturas do sul belga.

De todo o modo, na Europa que tant bien que mal tenta unir-se, falar a uma só voz, estas tentativas não são bem vistas. A Catalunha apela para uma parede de silêncio que não lhe pode responder por receio de ver o exemplo do irredentismo multiplicar-se. Não restam dúvidas que, se alguma vez se desvinculasse de Espanha, teria dramáticos problemas ao não conseguir integrar-se na UE nem no vasto grupo de países ibero-americanos de língua espanhola. De resto, e ao contrário da Galiza, nunca lá teve comunidades emigrantes (como é o caso da Argentina ou de Cuba onde até Fidel de Castro era descendente de galegos).

Em Portugal, onde o catalão é mais desconhecido que o árabe, o que não é dizer pouco, parece haver agora uma “Catalanofilia” seguramente fruto dos velhos e persistentes ressentimentos anti Castela. De facto, entre certa esquerda chique depois do perdido amor pela ETA recentemente falecida, apareceu esta simpatia extrema por outra região periférica. Mesmo se tudo desconhecem daquela região, desde a geografia às artes, da história à gastronomia.

Na França dos anos sessenta havia políticos que afirmavam que o seu amor à Alemanha era tal que não lhes bastavam duas mas antes preferiam três, quatro ou mais. Várias, guerras perdidas outras só ganhas graças a aliados poderosos, oportunamente esquecidos ou renegados, explicam este sentimento que a necessidade histórica e a UE fizeram retrair mas não desaparecer totalmente

4 A Espanha tem uma Constituição, uma lei fundamental que. se reconhece e ampara as autonomias regionais conferindo-lhes poderes que regiões de outros países invejam, também estabelece limites e deveres a estas e aos cidadãos.

Ao tomar a iniciativa de activar os prolegómenos da declaração de independência, os dirigentes catalães (e basta ler o que então diziam e proclamavam – oh que maçada por cá ninguém lê a imprensa espanhola e muito menos a catalã!...- ) sabiam perfeitamente ao que se expunham, sabiam que. embora num grau reduzido, exprimiam uma opinião minoritária na cidadania catalã, mas persistiram escudando a desobediência à lei fundamental e às leis do país no facto de estarem a fazer política. Quando o Supremo Tribunal depois de um processo que respeitou todas os procedimentos legais condenou alguns dirigentes a duras penas logo se levantou o escândalo. “Judicialização da política” parecendo, em boa verdade que seria preferível uma sentença desconforme com a factualidade e com a lei aplicável ou seja uma “politização da justiça”.

É verdade que há um problema político. É verdade que o independentismo é três ou quatro pontos menor do que a manutenção do status quo. Também é verdade que um sistema hábil e lesivo dos direitos dos cidadãos permite uma oportuna divisão territorial em que há sub-representação de votos em zonas onde habitam cidadãos recentemente chegados e sobre-representação em círculos mais afins das aspirações catalanistas.

Também é verdade que o Governo espanhol tratou com sobranceria alguns dirigentes catalães e se recusou a ouvir as boas ou as más razões destes. Diga-se, aliás que esse mesmo Governo está (e esteve sempre) acossado pela opinião pública espanhola, isto é por mais de 80% dos cidadãos, que não aceita a postura catalã.

Parafraseando um velho título dos tempos irrespiráveis: estamos de novo face ao “Labirinto espanhol” mesmo se já passaram muitos anos sobre esse notável livro de Gerald Brennan. Os abaixo-assinantes do último patético manifesto pró-catalão poderiam dedicar um par de horas à leitura desta obra fascinante. Preferem porém, a indignação fácil, o ressentimento lusitano e a demagogia. E fica bem o nome no jornal...

Tanto tempo perdido....

 

Em memória de Ricardo Salvat que me deu as primeiras lições de catalá;

recordando Luís Seoane, um galego a quem devo muita da literatura do seu país

E com imensa e antiga ternura para Maria del Coro, basca que me mostrou a Madrid que ela amava (tão jovens que eramos..)

* Na gravura: "Els 4 Gats" aqui se beberam muitas e boas cervejas com o Ferrand, a Pilar, o Eugeni, o Xavier, a Marguerita, o Pere, a Montse e outros amigos catalães com quem fiz um par de cursos de Direito Comparado. Que estejam bem e a gozar uma doce velhice

 

José Luís Carneiro, o novo "número dois" do PS

José Carlos Pereira, 18.10.19

Na sequência das eleições legislativas e do rearranjo partidário no seio do PS, Ana Catarina Mendes será indicada para nova líder parlamentar e o lugar de secretário-geral adjunto será ocupado por José Luís Carneiro.

Em 2005, José Luís Carneiro conquistou a presidência da Câmara de Baião, nas mesmas autárquicas em que no concelho vizinho de Marco de Canaveses, liderei, como independente, a candidatura socialista à Assembleia Municipal. Desde então fomos cimentando um conhecimento mútuo, que muito beneficiou dos convívios promovidos por um amigo comum, nos quais se foram encontrando alguns outros autarcas e actores políticos da região. Conheço bem as suas capacidades, a sua verticalidade e as suas ideias.

Acompanhei com atenção a acção política de José Luís Carneiro na autarquia de Baião, mas também no Comité das Regiões e na liderança da Federação Distrital do Porto do PS. O seu desempenho enquanto secretário de Estado das Comunidades Portuguesas foi comummente elogiado e era claro para os seus amigos que José Luís Carneiro poderia ambicionar novos desafios.

António Costa optou por lhe confiar a coordenação do partido na preparação do ciclo que antecede as próximas autárquicas e José Luís Carneiro, que liderou a associação dos autarcas socialistas, está especialmente preparado para conduzir com êxito essa missão.

Carneiro não é só a "formiguinha do campo que vingou na cidade", como escreveu com graça o "Expresso" ontem. É alguém que, além da preparação académica, tem uma particular noção do serviço público e da prestação de contas pelo trabalho realizado, o que é raro nos dias que correm. Em Baião, era seu hábito percorrer o concelho para apresentar às comunidades o resultado do seu trabalho e colher os contributos de todos. Do mesmo modo, publicou em livro o balanço da sua intervenção autárquica, da acção partidária, da participação no Comité das Regiões ou agora do exercício como secretário de Estado. O princípio muito britânico da "accountability" está desde sempre presente em José Luís Carneiro.

O lugar de secretário-geral adjunto do PS proporcionará a José Luís Carneiro uma notoriedade nacional elevada e estou certo que, no futuro, isso será muito útil para enfrentar outros desafios políticos.

Um governo quase sem surpresas

José Carlos Pereira, 16.10.19

A composição anunciada para o novo governo não surpreende. Privilegia as áreas transversais que António Costa anunciara na campanha eleitoral e prepara o executivo para a presidência portuguesa da União Europeia. Se conta entre os novos ministros com mais membros do secretariado do PS, também é certo que dispõe de uma maioria de independentes à mesa do Conselho de Ministros. Tem mais mulheres e isso acaba por ser mais relevante do que o aumento do número de ministros (que poderá ser compensado com a redução do número de secretários de Estado).

Considero que a grande surpresa é a nomeação do independente Pedro Siza Vieira (embora militante do PS nos anos 90) como número dois do executivo enquanto ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital. Será apenas para ultrapassar o facto de o anterior número dois, Augusto Santos Silva, estar proximamente muito centrado na presidência da UE? Será para dar um sinal ao meio empresarial da importância destinada pelo novo executivo ao investimento e às empresas? Ou será para testar Pedro Siza Vieira, alegadamente muito próximo de António Costa, para voos futuros?

Au bonheur des dames 412

d'oliveira, 10.10.19

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13 anos depois!

mcr 10.10.19

 

Mais precisamente, 13 anos, cinco meses menos um dia. Eu explico. Em 11 de Maio de 2006, neste espaço livre chamado “incursões” escrevi na edição 24 de “estes dias que passam”, umas linhas sobre uma sacanice mesquinha perpetrada pela “Comédie Française”. De facto, uma peça de Peter Handke que estava a ser preparada para levar à cena foi desprogramada pela direcção do teatro (um teatro nacional, note-se) porque o autor tinha estado presente no funeral de Milosevic, um antigo chefe de Estado da Sérvia e valente filho da puta.

Eu sempre entendi que uma coisa é a obra (literária, pictórica ou musical, etc) e outra é alguma eventual posição política, moral do respectivo autor. Caravaggio não era companhia recomendável, como também o não era Villon ou, neste século, Céline ou Pound. Todavia eram, são, serão exemplos ímpares de grandes criadores e a sua memória persistirá muito mais tempo do que os politicamente correctos que apontam o dedinho inquisidor e denunciam as ideias, os costumes, as atitudes ou ate o pensamento de um qualquer outro indivíduo.

E, sobretudo, sou contra qualquer espécie de censura artística que em vez de criticar o objeto critica o autor ou outras circunstâncias mais ou menos conexas.

Handke, dizia eu (e quem quiser pode ir até ao dia e data anunciados (11.5.2006, pag 11) e ler o que então entendi escrever.

Lembro-me, como se fosse hoje, que terei pensado que Handke nunca receberia o “Nobel” justamente porque a bem-pensância o identificaria com um tiranete. Por muito menos Borges, o admirável Jorge Luís Borges, foi proscrito das listas dos nobelizáveis. Borges, dizia-se, era a favor dos generais argentinos. Por junto, o escritor congratulara-se com a queda dos peronistas (aliás tão corruptos e tão anti-democráticos como os militares mesmo se matassem infinitamente menos), Isso bastara para o confundirem com os meliantes militares argentinos. Convirá notar que alguns dos que criticavam as Juntas militares babavam-se de admiração perante Fidel de Castro, os coreanos e outro autênticos democratas progressistas que “reeducavam” os opositores nos gulags do costume...

Afinal, treze longos anos depois, eis que o Nobel lhe cai no regaço. Valeu a pena não ter morrido, ao fim e ao cabo, Handke é da minha idade, uns meses mais novo e já poderia estar num pacífico cemitério a fazer tijolo. Mas o homem é resistente e a nova composição da Academia sueca lá terá entendido que não pode estar sempre a descobrir talentos desconhecidos de quase toda a gente.

Este prémio é merecidíssimo, Handke é um escritor notabilíssimo, tem inclusive alguns livros traduzidos em português (devem estar esgotados mas seguramente podem encontrar-se nos alfarrabistas) e, por outro lado, este gesto dos suecos é um bofetão de luva branca na gentinha da “Comédie...”

Aliás, provavelmente já nem sequer por lá andam os censores de 2006 que a lei da vida (e da morte) também se aplica em Paris.

 

....

um breve parágrafo para lembrar que Chico Buarque é o “prémio Camões ” deste ano. Prémio justo sobretudo se lembrarmos o autor de uns centos de canções de alta qualidade poética. Conheço pior os romances mas os textos das canções que me vem acompanhando há mais de quarenta anos bastam pra felicitar o júri.

Parece que o sr. Bolsonaro, cujas qualidades intelectuais são assaz conhecida,s está “aborrecido”. Chico não é criatura da sua privança (como alguém, um duque, parece-me, terá dito a Franco “es que hay clases...”) e terá amigos duvidosos. Mais uma vez aqui se lembra que ser amigo de Lula não estraga a qualidade do poema “Construção” e que a falta de assinatura de Bolsonaro no documento que concede o prémio torna este muito mais valioso. Há assinaturas que destroem uma reputação ou uma declaração.

Resta saber se Bolsonaro sabe escrever o seu nome todo e não se engana nalgumas letras...

Força, capitão Bolsonaro, não assine, por favor, não assine...

 

* na ilustação: a extraordinária "Descida da Cruz" do enorme Caravaggio

A vitória socialista no país e na região

José Carlos Pereira, 07.10.19

A edição online do jornal "A Verdade" publica um texto de opinião em que reflicto sobre os resultados das eleições legislativas no país e na região do Tâmega e Sousa:

"António Costa e o PS obtiveram uma vitória categórica nas legislativas do último domingo, crescendo em votos e em mandatos na Assembleia da República, mas sem conseguir alcançar a maioria absoluta que chegou a parecer possível alguns meses antes do acto eleitoral.

Os portugueses avaliaram assim de forma positiva a governação dos últimos quatro anos, que obteve resultados reconhecidos na consolidação das contas públicas, desde logo com a forte redução do défice, a contracção da dívida pública em percentagem do PIB, um crescimento anual do PIB que esteve sempre acima dos 2% e a acentuada diminuição do desemprego, com a criação líquida de 350.000 empregos. Do mesmo modo, também a política de reposição de rendimentos e direitos contribuiu para que o PS crescesse cerca de 125 mil votos e alcançasse mais 21 deputados face às eleições de 2015, isto sem contar com os votos dos círculos da emigração.

Se é verdade que o PS ficou aquém de outras grandes vitórias em legislativas, não é menos significativo que tenha alcançado sozinho mais votos do que toda a direita junta, incluindo os novos partidos que asseguraram representação parlamentar, o Chega e a Iniciativa Liberal.

No que diz respeito à viabilização do futuro governo, António Costa, no discurso da vitória, fez questão de lançar pontes para os partidos com os quais admite negociar acordos permanentes ou eventuais. Além do BE e da CDU, que viabilizaram a geringonça, também o reforçado PAN e o Livre, que alcançou o seu primeiro deputado, foram envolvidos nesse propósito de diálogo. O facto de o BE não ter crescido eleitoralmente como se perspectivava e de a CDU ter recuado em votos e mandatos, pode permitir ao PS construir maiorias na Assembleia da República com todos ou apenas alguns destes parceiros. O que permitirá a António Costa contornar algumas dificuldades na negociação de orçamentos ou de certos pacotes legislativos.

A discussão e aprovação do programa do novo governo socialista deixará aos portugueses uma primeira amostra das bases de entendimento possíveis entre os partidos de esquerda. Espera-se, por outro lado, que o PS aprenda com os erros cometidos na legislatura anterior e que seja escrupuloso na constituição do executivo e na formação dos respectivos gabinetes.

A direita teve um resultado desastroso nestas legislativas. O PSD teve o pior resultado em termos absolutos desde 1976 e o CDS registou a votação mais baixa de sempre, o que fez com que Assunção Cristas tenha tomado a decisão, digna, de abandonar a liderança do partido.

Quanto ao PSD, Rui Rio foi fiel ao seu estilo na noite das eleições. Procurou acertar contas com todos menos consigo próprio. Imputou responsabilidades a sondagens, a órgãos de comunicação, a adversários internos e à conjuntura externa, mas sem reconhecer quaisquer debilidades suas e da sua equipa. Afirmar que o PSD não teve uma grande derrota quando o PSD registou o pior resultado desde as eleições legislativas de 1976 é enterrar a cabeça na areia e não querer ver o óbvio.

Rui Rio pode queixar-se dos rivais internos que, desde cedo, se colocaram na primeira linha para lhe sucederem na presidência do PSD, criando um ruído enorme e atrapalhando a sua afirmação perante os portugueses. Mas Rui Rio também foi acumulando casos e excentricidades que prejudicaram a sua liderança. A sua recuperação na campanha eleitoral ficou a dever muito à sobranceria do PS, que entrou com o rei na barriga na campanha, certo da vitória, mas sem saber se devia lutar pela maioria absoluta.

Haverá eleições para a liderança do PSD em breve e ver-se-á se Rui Rio se recandidata. Adversários não lhe faltarão, por certo, mas creio que Rui Rio só avançará para essa corrida se entender que tem sérias possibilidades de voltar a ganhar, ou seja, se considerar que pode passar por cima das estruturas partidárias que lhe são adversas e conquistar o apoio dos militantes.

A eleição de deputados do Chega e da Iniciativa Liberal, que juntos somaram cerca de 132 mil votos, foi uma novidade à direita, mas também aqui se pode ler sinais de descontentamento com as lideranças de PSD e CDS. Apesar das agendas e propósitos serem muito diferentes, Chega e Iniciativa Liberal representam um eleitorado que se identificava em larga medida com as políticas do anterior governo PSD/CDS e que deixaram de se rever nestes partidos.

O surgimento de novos partidos, entre os que alcançaram representação parlamentar e os que não o conseguiram, terá captado novos eleitores, mas não foi suficiente para contrariar o contínuo crescimento da abstenção. Houve menos 288 mil portugueses a votar, sem os valores da emigração, e esse é um dado que persiste de eleição para eleição, sem que os partidos e os demais agentes políticos consigam travá-lo.

Centrando agora o foco no distrito do Porto e na região do Tâmega e Sousa, constata-se que também aqui o PS cresceu e aumentou a sua representatividade. A atenção que António Costa tem dado à região deu frutos e ajudou certamente aos resultados verificados.

No distrito do Porto, o PS cresceu de 14 para 17 deputados ao aumentar a votação em cerca de 28 mil votos. A sua lista de deputados apresentava vários nomes de relevo, com experiência política e reconhecimento profissional e académico, e o PS viu-se recompensado pelos eleitores.

Na região do Tâmega e Sousa, o PS venceu em nove municípios, com registos entre os 38,84% em Penafiel e os 50,25% em Baião. O PSD apenas ganhou as eleições nos municípios de Paços de Ferreira e Celorico de Basto, em ambos os casos próximo dos 40%.

O PS assume forte responsabilidade na região com esta vitória, uma vez que os eleitores acreditaram que os socialistas são capazes de levar por diante os projectos estruturantes de que o Tâmega e Sousa carece. Apesar de António Costa já ter afirmado que a ferrovia é a sua prioridade, devendo ser lido nessa óptica o investimento na electrificação da linha do Douro entre Marco de Canaveses e a Régua, há investimentos na rodovia que são fulcrais para a região. A construção do IC 35 entre Penafiel e Entre-os-Rios e a concretização da ligação entre Marco de Canaveses e Cinfães, aproximando os concelhos ribeirinhos do Douro da A4, são obras sucessivamente proteladas e que podem ajudar a desencravar um território pleno de potencialidades, mas com várias limitações ao seu desenvolvimento.

No círculo eleitoral do Porto, foram quatro os deputados eleitos com origem no Tâmega e Sousa. Pelo PS, José Luís Carneiro, secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, presidente da Assembleia Municipal de Baião e ex-presidente da Câmara, Cristina Moreira, vice-presidente da Câmara de Lousada, e Hugo Carvalho, actual deputado na Assembleia da República e na Assembleia Municipal de Amarante. Pelo PSD, o único eleito foi António Cunha, professor e director de um agrupamento de escolas em Penafiel.

Na economia, na educação, na área social, no turismo ou no ambiente, há várias etapas a ultrapassar para que o Tâmega e Sousa abandone a cauda em vários indicadores decisivos para aferir o desenvolvimento integrado de uma região. É sobre os deputados eleitos, a que se pode vir a juntar mais algum em regime de substituição, que recai a primeira responsabilidade na defesa do Tâmega e Sousa e da sua população."

estes dias que passam 334

d'oliveira, 07.10.19

 

 

Lisboa, sempre, o Porto de vez em quando

(e os arredores excepcionalmente)

mcr 7-10-19

 

As eleições acabaram, o país respira de alívio, os comentadores gargantearam a preceito e a confusão estabeleceu-se quanto a vitórias e derrotas.

Quem ganhou?

O PS teve mais deputados e mais votos (120.000, números redondos). Ganhou, portanto. Todavia ficou aquém da maioria absoluta por que lutou denodadamente. E agora? Vai “gerigonciar”? Com quem? O “Livre” e o “PAN” não chegam, o PC não arrisca e o BE, guloso, vai querer um dote condigno.

Assim sendo, esta vitória sabe, “a poucochinho”. E, no entanto, tudo parecia correr sobre rodas, a conjuntura externa e o milagreiro Banco Central Europeu, a cordura sindical nas ruas, a patuleia instalada no PPD/PSD, as hordas de turistas sobre o país indefeso a permanente paciência dos portugueses face ao descalabro do SNS e de mais uma boa meia dúzia de serviços públicos. A quatro, cinco semanas das eleições a maioria absoluta estava “no papo”. Ontem andou ausente e em parte incerta.

No BE, ao que se via nas televisões, o ambiente parecia festivo. Sorrisos e palminhas, muitas palminhas. Celebrava-se o quê? Os 50.000 votos desaparecidos mesmo se o número de deputados se manteve? E para onde foram esses votos? Quiçá para o Livre, jamais par o PC e eventualmente para o PS. A ouvir os comentários (ai os comentários!...) a grande vitória do BE está no facto da maioria absoluta não ter sido atingida pelo PS. Como quem diz “com o mal dos outros posso eu bem”.

Ontem, alguém afirmava que o “Iniciativa Liberal” fora buscar a sua base de apoio aos “bairros chiques”. E o BE foi onde? Às zonas de exclusão, aos bairros da lata, aos cintrões industriais? Não me façam rir que tenho cieiro...

O PAN quadruplicou o su número de deputados. É obra! Sobretudo porque depois da absoluta mediocridade das prestações do seu líder, convenceu quase mais noventa mil eleitores. D repente, um número apreciável de portugueses acordou “ecologista” ou algo do mesmo género. A pergunta que se impõe para este súbito entusiasmo pelo planeta (num país desenfreadamente “plástico”, beatas na rua, cocó do cãozinho em todas as esquinas e abandono galopante de animais domésticos) pode ter alguma resposta no facto de nestas últimas e decisivas semanas se ter realizado a grande e anual discussão sobre os efeitos nefastos da actuação humana sobre o clima. Que o perigo é evidente e diário já se sabe mas que a sua discussão neste momento ajudou não me restam dúvidas. Todavia, a pergunta permanece: que vai o PAN propor sobre praticamente todos os grandes temas a que não respondeu ou respondeu mal durante a campanha?

Dentre os vencedores estão obviamente os três recém chegados ao parlamento. Curiosamente, as reacções divergiram. A chegado do “Livre” e do “Iniciativa Liberal” não causaram um décimo do alvoroço da entrada em cena do “Chega”. O “comentariado” estabelecido e com tabuleta para a rua, encheu o peito e uivou condenações. Pelos vistos as dezenas de milhares de eleitores que (outra vez em Lisboa) levaram o senhor Ventura ao parlamento são uns réprobos ou, no mínimo, uns imbecis catatónicos. Tudo pelas declarações cuidadosamente escolhidas daquela gentinha. Pessoalmente, dou tempo ao tempo e espero para ver, como no poker. Em toda a europa há gente bem pior, representada nos parlamentos e as instituições lá vão funcionando, às vezes bem melhor do que cá. Que eles se anunciam populistas não há quaisquer dúvidas mas ainda os não vi apregoar o partido único o lager ou o gulag, a polícia política, a limitação das liberdades públicas ou a proibição dos outros partidos.

O Chega é segregado por minorias localizadas idênticas ás que deram origem ao “Livre” ou até à “Iniciativa Liberal”.  

E se quisermos levar com rigor esta pesquisa a cabo verificaremos que excepção feita aos chamados partidos do “arco da governação”, até o PCP carece de uma implantação nacional equilibrada... para não falar no BE e no PAN que não saem de parte do litoral entre Porto e Setúbal...

Neste grupo de pequenas formações o caso mais inesperado é o da “IL” que ao fim de poucos meses consegue atrair o número necessário de portugueses para (batendo o Livre) entrar no parlamento. Ontem acusaram este novíssimo partido de ter gasto uma fortuna. Só pelos cartazes imaginativos valeu a pena.

Aliás, ontem, embevecido pela vitória, o coordenador do Livre afirmou que, entre outras virtudes, o partido só tinha gasto 10.000 euros. Deve esquecer-se da sua tribuna trissemanal no “Público”, das vezes que é entrevistado nas televisões e dos anos que passou no Parlamento Europeu, à boleia do BE, primeiro e como “independente” depois.

Passemos aos vencidos.

Do dr. Santana Lopes, esse cavalheiro que “anda, há anos, por aí” não vale a pena falar. A criatura no seu ziguezagueante percurso político apenas conseguiu ferir com alguma gravidade o PSD/PPD. Ainda ninguém percebeu porque saiu e ao que vem. O resultado foi o que se viu, nem 40.000 votos, apenas um pouco mais do que os amigo do sr. Tino de Rans!

Os restantes (incluindo o inefável MRPP que já tinha idade para ter juízo e direito à reforma por inteiro) são meros ajuntamentos de amigos de que não vale a pena fazer a destrinça. Desta vez faltou-nos o POUSque também já não comparecera em 2015. Curiosamente estes doze grupos averbam muito menos votos que o somatório de brancos e nulos. Ou seja, houve dumais de 200.000 portugueses que se deram ao trabalho de ir testemunhar nas urnas que se não queriam os grandes também não queriam os pequenos!

O CDS deu à costa como o S Macaio. Todavia, ao contrário daquele quase ninguém se salvou. Naufrágio completo com perda de pessoas e bens (de 18 deputados passa para 5 o que também resulta do facto de os seus eleitores estarem estarem dispersos por quase todo o país Se sofressem da mesma concentração do PC ou do BE poderia ter elegido mais 3 ou 4). Quase se diria que por pouco não morria na mesma semana do passamento do seu fundador. Este que teve um percurso pelo menos bizarro (até ministro de Sócrates foi!!!) vingou-se além túmulo do partido que mandou, despeitado mas com alguma razão, a sua fotografia para o Largo de Rato. Assunção Cristas teve o bom senso de se demitir que o caso não é para menos. Regressa o fantasma do táxi e, pior do que isso, tornaram-se mais opacos o programa e a ideologia deste partido.

O CDS entrou em modo de espera.

O PCP perde um terço dos seus deputados (incluindo aquele senhora Apolónia, verde por fora e vermelha por dentro) e quase um terço dos seus eleitores. A lei natural da vida estará, um pouco, na base desta perda. O “partido” não atrai jovens em número suficiente para colmatar a morte dos velhos e dedicados militantes. Parafraseando Churchill, isto “não é o princípio do fim mas o fim do princípio”. Todavia, mantém a sua máquina sindical, a rígida disciplina interna qua abafará as acusações ao apoio à geringonça e, se acaso se puser fora desta, tornará a rua insegura par o PS.

E o PPD/PSD?

As más línguas afirmam que teria perdido 500.000 votos. É não contar com os que vinham do CDs com ele coligado na PAF. Mais líquido é o facto de ter perdido 22 deputados, mesmo se este resultado não tem em linha de conta as perdas derivadas de não existir coligação alguma.

Rio, ontem, era um derrotado calmo ou mesmo “aliviado”. De facto há um mês o PSD andava a arrastar-se pelos 20% e acaba ultrapassando os 27%. Também é verdade que, mesmo sem o beliscarem muito, a Aliança, o Chega e a Iniciativa Liberal podem ter-lhe arrebatado entre 80 e 100.000 votos. A oposição interna pode ter desviado para a abstenção mais uma boa fatia de votantes habituais, enquanto o efeito Costa/Centeno terá arrebatado um númeo grande dos chamados eleitores “móveis” que não obedecem a nenhuma disciplina de voto. Até o PAN lhe pode ter retirado vozes.

O estado de guerra civil larvar no PSD/PPD não é uma novidade mas, desta feita, a verdade é que Rio só agora controla a frente parlamentar e poderá eventualmente enfrentar os seus numerosos (e nem sempre conhecidos) adversários internos com alguma vantagem. No meio da derrota pungente obteve uma vitória pírrica: tirou a maioria absoluta que esteve à mão de Costa. Esse mérito só a ele cabe. Nem o PCP, nem o BE nem a dr.ª Ana Gomes, sempre desassossegada, se podem gabar do mesmo. Os dois partidos perderam cerca de 150.000 votos de 2015 para 2019 pelo que a campanha por eles desencadeada contra a maioria absoluta morreu na praia. Foi Rio quem, perdendo votos, não perdeu os suficientes – como há um mês alguém previa – para assegurar a Costa o tapete vermelho. Neste capítulo, rio, ao perder ganha qualquer coisinha e torna a constituição do futuro Governo mais insegura, mais difícil e menos estável.

Eu nunca votei no dr. Rio fosse pra que cargo fosse. Aliás, não o conheço nem me apetece conhecê-lo. Porém, estando na mesma cidade, interessando-me pela poítica local e pela nacional, cedo percebi que a criatura tem uma qualidade: é “resiliente”, teimosa e violentamente “resiliente”. A primeira vítima disto foi o dr. Fernando Gomes que, depois de uma disparatada e inútil incursão ministerial a convite de Guterres, tentou regressar à Câmara Municipal do Porto. Na altura, um parceiro meu de bridge e militante desapaixonado do PPD informou-me sobre Rio. “O gajo é um chato, só arranjou complicações enquanto Secretário Geral, indispôs os militantes ou os sindicatos de militantes que tinham a mesma direcção postal e só apareciam como homens de mão para votar nas eleições partidárias internas”. E acrescentou: “no partido anda tudo entusiasmado com a candidatura à Câmara. O Gomes vi esmaga-lo e o rio deixa de chatear o indígena. E chega de política que estamos aqui para um bridge sossegado!”

Fernando Gomes regressou ao Porto e ao saber quem tinha pela frente terá pensado que nem valia a pena dedicar demasiado tempo à campanha. A Câmara era PS, estava lá, mesmo que zangado, um testa de ferro dele e os portuenses, pensava Gomes, na sua inocência de nativo de Vila do Conde, são pessoas agradecidas. Talvez sejam, digo eu, mas também gozam de uma memória de elefante. E, na cidade, caíra mal o abandono da Câmara e consequente ida para um ministério ridículo em Lisboa. E Rio ganhou (42 contra 38%) tornando-se assim Presidente da Câmara e obtendo depois maiorias absolutas. Ao sair, conseguiu eliminar da corrida, Luís Filipe Meneses vindo da Câmara de Gaia, mesmo que isso tivesse como consequência entregar a cidade a Rui Moreira (que também é Rui, é tripeiro e tem a frieza suficiente para, de certo modo, continuar o legado de Rio, resumindo, contas à moda do Porto).

Este longa excursão sobre um homem do Norte, que na política sempre preferiu um par de princípios aos jogos malabares, teimoso e chato como a espada de D Afonso Henriques, tido por bom gestor, pouco dado a salamaleques, não explicam tudo, porventura até muito pouco, mas tentam provar que Rio, ao contrário de muitos outros, anda por ali sabendo bem o que faz. E a prova provada foi a sua campanha que deixa a de Costa a milhas. Ao ponto de um comentador, dos encartados, afirmar que com mais quinze dias o PPD reduziria bastante a diferença com o PS. Eu não iria tão longe que do nariz de Cleópatra não me ocupo, mas faço parte da pequena tribo dos macacos de rabo pelado e nunca achei que, mesmo não simpatizando, se devia subestimar Rui Rio. Se vai ou não levar de novo o PPD/PSD à terra onde corre o leite o mel não sei pois, como ele, prudente e avisadamente, afirmou, em cima da realidade portuguesa, há a conjuntura internacional, o Brexit, as guerras comerciais EUA- China, e tudo o resto.

E no rol dos perdedores poderia constar aquele PS que sonhou – e com razão!- com a maioria absoluta. Isso era (é) a única maneira de governar sem estar dependente dos “humores” ou da chantagem dos parceiros daquela vaga frente popular. Governar “a la carte” pode significar ter de fazer acordos com os vencidos de ontem, umas vezes, e com o BE (e eventualmente com o PCP) . As experiências passadas (e o auge foi atingido com a coligação do queijo Limiano! ) não são entusiasmantes. Se a geringonça paralisou o país no que toca a investimento público não será agora que, de súbito, a bolsa do Estado se poderá dedicar às necessárias (aliás urgentes) tarefas que se anteveem.

Não é o impacto da entrada de meia dúzia de deputados dos pequenos partidos que torna a situação mais melindrosa. É a falta de uma maioria estável e robusta (e ousada!) que vai condicionar a nossa vida nos próximos quatro anos (ou dois se tivermos em linha de conta a enigmática frase de Costa, cuja explicação é imperiosa.

A ver vamos, como dizia o cego...

 

 

 

 

 

As razões para um voto

José Carlos Pereira, 04.10.19

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Estamos a escassas horas do fim da campanha eleitoral que precede as eleições legislativas. Hora, portanto, de balanço e de prospectiva. Sobre a legislatura prestes a terminar e sobre a governação que desejamos para os próximos anos.

Faço um balanço positivo da "geringonça" e das políticas levadas a cabo pelo executivo de António Costa. Chegamos ao final da legislatura com vários ganhos adquiridos, desde logo a consolidação das contas públicas, com o défice previsto para 0,2% em 2019, o crescimento anual do PIB sempre acima dos 2%, a redução significativa da dívida pública em percentagem do PIB, a forte diminuição do desemprego, através da criação líquida de 350.000 empregos, e a consequente credibilidade reconquistada junto dos parceiros europeus e dos mercados financeiros. Também a reposição de rendimentos e direitos, o aumento extraordinário das reformas e do salário mínimo nacional e o aumento do abono de família foram promessas cumpridas pelo governo socialista.

É claro que nem tudo foi positivo. O reduzido investimento público, com penalização da qualidade de alguns serviços públicos - é curioso verificar que a direita que aponta o dedo à deterioração de certos serviços públicos é sempre pressurosa a defender a privatização de alguns desses serviços! -, o investimento empresarial longe do desejado, a tragédia dos incêndios e as falhas reveladas na protecção civil com consequências dramáticas, as trapalhadas com as nomeações e os negócios com familiares de membros do executivo, tudo isso marcou pela negativa a governação socialista.

O saldo, contudo, é favorável a António Costa e, perante as alternativas existentes e o quadro político que se desenha, só o voto no PS contribui para uma solução de governo forte, credível e responsável. O PSD de Rui Rio não está em condições de almejar a vitória, apesar de o líder social-democrata ter feito uma campanha em crescendo, recuperando terreno, mas sem conseguir mobilizar o partido. Rio é ele, as suas manias e a sua entourage, incapaz de mobilizar equipas e de agregar aqueles que se lhe opuseram nas disputas internas. Algo que não surpreende para quem seguiu os seus dias na presidência da Câmara do Porto.

António Costa entrou com alguma sobranceria na campanha, a pensar que tudo estava ganho e que só restava decidir se alcançava ou não a maioria absoluta. A campanha correu mal ao PS e os valores das últimas sondagens mostram isso mesmo. A acusação do caso de Tancos, surgida de forma curiosa em plena campanha, foi a cereja no topo do bolo. 

No entanto, para quem se identifica com os valores da esquerda democrática, é vital assegurar para o PS o melhor resultado possível, de modo a diminuir a dependência da esquerda comunista e radical, num quadro de notório afastamento entre os partidos que suportaram a geringonça. Os próximos anos serão bem mais complicados e a conjuntura económica internacional está aí para nos lembrar isso mesmo. Tempos que não vão ser propícios a ambições desmedidas e exigências irrealistas. Só um PS forte permitirá uma solução de governo fiel aos compromissos europeus e empenhada na consolidação das contas públicas e na promoção do investimento e do desenvolvimento económico do país.

estes dias que passam 333

d'oliveira, 04.10.19

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Morte, onde está a tua vitória?*

 

mcr 4-X-19

As televisões, por um momento subitamente graves, o Governo a proclamar um dia de luto oficial, os comentadores, unânimes, a louvarem um político morto bem antes de morrer, o súbito reconhecimento de que havia menos um “pai da democracia de Abril”, enterram, pela segunda vez, Diogo Freitas do Amaral.

Sob um aparente aluvião de louvores, está (estava) alguém que alguma vez afirmou “ter vivido no ostracismo”. Um jornal, o Público fala num “homem só”. Surgem, em catadupa, amigos que, pelos vistos (é ele que o diz ao falar de ostracismo), andaram por í ligeiramente esquecidos. Até os adversários curvam respeitosamente a cabeça e endereçam à família do finado as suas mais sentidas condolências.

Sob o manto pesado dos elogios, resta a solitária nudez de alguém politicamente morto desde há muito.

Resta a este comentador ocasional recordar, da sua experiência pessoal e política um que outro facto de que foi testemunha.

Comecemos, como dizia um imortal professor de Direito, pelo princípio. Em 1972, frequentava eu o 3º ciclo da Faculté Internationale pour l’Einsegnement du Droit Comparé quando ouvi, pela primeira vez o nome de Freitas do Amaral. E pelas piores razões: Frequentavam a mesma faculdade, se bem que noutros ciclos dois ou três estudantes de Lisboa que, ao saberem que DFA poderia vir a reger um curso logo se insurgiram contra a sua presença argumentando que era um fiel servidor do regime opressivo da Faculdade de Direito de Lisboa e um fascista. A alma da FIEDC, madame de Solá y Canizares convocou-me, por já me conhecer, para lhe prestar qualquer informaçãoo sobre a criatura. Lealmente respondi que o não conhecia, que nada sabia dele e por isso mesmo não tinha qualquer posição sobre o assunto. E, de passagem, lembrei que o Professor Marcello Caetano, na altura Chefe do Governo, era presença assídua na FIEDC o que punha um problema difícil.

De todo o modo, se porventura Freitas fora convidado, a verdade é que não apareceu.

Logo a seguir ao 25 de Abril, surgiu, à frente do CDS um partido que se reclamava da Democracia Cristã e onde se refugiaram muitos dos antigos seguidores do Estado Novo.

Num país que durante alguns anos viveu crispado, o CDS era um inimigo a abater muito mais do que os pequenos e efémeros grupos que se criaram e desfizeram à Direita. A coisa culminou com as violentíssimas manifestações contra o Congresso do CDS no Palácio de Cristal (Porto) organizadas pela extrema Esquerda (e com o apoio tácito de muita gente incluindo dirigentes regionais do PC e do PS). Desse grupo, destacou-se o MES que numa reunião tremenda se recusou a apoiar o cerco, o que valeu ao seu porta voz críticas duríssimas.

O percurso seguinte do CDS, sob a batuta de Freitas e com um extraordinário Adelino Amaro da Costa como principal estratego, levou o partido ao Governo quer com o PPD (Aliança Democrática) quer com o PS. De todo o modo, muito europeu ou não, muito “democrata-cristão” ou ainda menos, o CDS nunca conseguiu (sobretudo depois da trágica morte de amaro da Costa) deixar de ter na opinião pública a imagem de um partido de Direita, conservador e com fortes laivos de ligação ao anterior regime.

A disputa eleitoral com Mário Soares pela Presidência da República exacerbou em muitos a ideia de um DFA reaccionário e profundamente conservador. Seria útil ler as reportagens, as notícias eas declarações dele na altura para se poder aquilatar do que estava em causa e do que o diferenciava de Soares, um candidato, esse sim, da Esquerda Moderada e do Centro (lembremos que Soares evidenciara a sua posição durante a corrida à candidatura quando se confrontou com Maria de Lurdes Pintasilgo e com Salgado Zenha sem esquecer a presença constante do candidato comunista.

Há actualmente a tentação de considerar como clara e insofismável a situação de oposicionista ao Estado Novo de muitos que, por razões variadas, não juravam uma lealdade a 200% ao regime. Em boa verdade, desde que surdiu das trevas do 28 de Maio, o Estado Novo, segregou, dentre o seu quadrado de fieis, muitos oposicionistas tardios desde Henrique Galvão a Humberto Delgado ou Rolão Preto. Até Craveiro Lopes (e Botelho Moniz) acabaram por ser afastados por Salazar que, com alguma razão, duvidou da sua fidelidade.

É, agora e tarde, voz corrente que DFA recusou vários lugares durante o antigo regime mesmo se Marcello Caetano seu professor e, de certo modo, seu “maître a penser” (pelo menos enquanto jurista...) o tivesse insistentemente convidado. Daqui, inferiu-se que o futuro líder do CDS era um democrata e, eventualmente, um resistente!

Em boa verdade, mesmo nos anos agónicos do fim do Estado Novo, fora o pequeno grupo de oposicionistas de sempre, engrossado pela ex ala liberal (Sá Carneiro, Balsemão & amigos) e pelos católicos que, pouco a pouco, e bem timidamente, se vinham afastando da tradição de colaboração activa com o Estado Novo, a multidão democrata era reduzida e, genericamente, perseguida. Não estava na bicha para a mesa do Orçamento, não conseguia entrar na Função Pública a simples menção pela PIDE/DGS de “politicamente suspeito”, relegava muita gente para a periferia social e económica. O exemplo mais marcante era dado pela tropa. Os oficiais milicianos iam ou não para os palcos de guerra consoante as suas opiniões políticas ou a mera suspeita delas. E até nas armas se notava isso. Por exemplo, para a Marinha iam apenas ou quase só os juristas bem comportados ou, pequeníssima excepção, os com altas classificações na Universidade. Os suspeitos apanhavam com o “mato” onde a guerrilha era mais perigosa...

Ainda na mesma linha de exaltação da oposição democrática patente em DFA avulta o já citada recusa de cargos políticos. Convenhamos: ele terá terminado a universidade em 64. Depois teve de frequentar o 6º ano de Direito e começar o percurso de preparação do doutoramento que naquele tempo não era longo mas longuíssimo. Para quem quer seguir uma carreira universitária (e DFA seguramente queria-o) todo aquele tempo foi pouco e curto para se permitir devaneios políticos que, ainda por cima, e a fazer fé nos seus admiradores actuais, não eram especialmente entusiasmantes. Daí até se vislumbrar uma forte fé democrática e pronta a qualquer sacrifício vai um passo de gigante.

Todavia, também não de põe em dúvida que, com o advento da liberdade, muitas vocações latentes terão florido e entre elas a de Freitas do Amaral, porque não? Pode mesmo ter decidido por, um pouco, entre parêntesis a sua indubitável veia académica e querer participar na refundação de Portugal, no caminho para a Europa e na democracia cristã. Porém, e a história da 2ª metade do século XX bem que o prova, a “democracia cristã”, à moda italiana ou alemã, não era, nunca se posicionou, ao Centro mas claramente à Direita. Direita democrática, crente nas instituição republicanas, no Estado laico, nos Direitos Humanos mas Direita sempre, mais ou menos conservadora consoante os tempos e as modas. E foi isso que DFA foi ou pareceu ser mesmo se, como também agora se disse, a sua inabalável fé no “centrismo”. Num centrismo neutro, a meio caminho entre as duas opções que marcaram a história dos regimes democráticos. Aliás, o “centrismo”, tal qual o descrevem era, é, uma pura abstracção mesmo se as abstracções deste teor encontrem entre os juristas um campo de eleição para florir.

Convirá, porém, salientar que, se não foi um revolucionário, um resistente, sequer um conspirador também não foi nem de perto nem de longe o ogre fascista dos anos de brasa. Nem o reaccionário que muitos (e entre eles haverá alguns dos que agora esquecidos do que então disseram) garantiam que ele era. Era apenas um conservador inteligente e culto devorado pela política a quem cedo faltou o grande companheiro que com ele fundou o CDS: Adelino Amaro da Costa. (eu atrever-me-ia a dizer que, depois da morte de AAC no trágico acidente que também vitimou Sá Carneiro, o CDS ficou órfão de um ideólogo capaz de encontrar a formula de sucesso para um partido democrata cristão em Portugal)

As eleições para a Presidência da República, onde foi batido, por uma unha negra, por Soares, marcam o fim da carreira política de Freitas do Amaral. A partir daí nem no CDS (antes de Paulo Portas) que se ia transformando paulatinamente em “partido popular”, com dirigentes prestigiados (Lucas Pires ou Adriano Moreira) em que, apesar de tudo, as “bases” não se reviam ou com alguns aventureiros (por todos: Manuel Monteiro, uma espécie de salta pocinhas desgovernado) que nem sequer podem ser tomados por chefes de facção, nem fora dele, DFA “riscava” politicamente. Não era o ostracismo (como ele proclamou) mas apenas uma morte política a que tardava a certidão de óbito.

É verdade que, de longe em longe, DFA aparecia. E apareceu algumas vezes até surpreendentemente longe do berço centrista e democrata cristão o que aliás provocou a mesquinha vingança do envio da sua fotografia de fundador do CDS para o PS! Como Monteiro ou como Basílio Horta, outro candidato da Direita à Presidência da República e igualmente derrotado por Soares, que neste momento é presidente de uma Câmara com apoio do PS com que se congraçou no tempo de Sócrates, Freitas do Amaral percorreu ou pareceu percorrer um longo caminho das pedras até desembocar como compagnon de route do PS. Não creio, no entanto, que isso tenha servido muito a causa socialista ou a Esquerda em geral. Freitas era um general sem tropas e não D Sebastião emergindo do nevoeiro.

No momento do seu passamento, resta a figura de um intelectual dilacerado pelas vicissitudes de um país obrigado a transformar-se (se é que de facto se transformou), de um professor de Direito Administrativo que os alunos recordam com respeito, de um melómano cultoe de um autor multifacetado que tentou sem especial relevo dar a sua versão de parte da história de Portugal (biografias de Afonso Henriques e Afonso !!!, bem como um escrito sobre a Lusitânia).

De certo modo, é bem mais interessante a sua obra autobiográfica que fica como um testemunho interessante deste tempo que muitos de nós (aliás cada vez menos) vivemos.

(*Corintios 1-15)

na gravura: diogo Freitas do Amaral e Adelino Amaro da Costa