Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

estes dias que passam 329

d'oliveira, 31.12.19

14507077979_1dc42d246f_b.jpg

“É preciso dar força à razão para que o acaso não governe nossas vidas”

(Cavaleiro de Oliveira)

mcr 31.12.2019

 

Leitoras e leitores que me aturam mais do que mereço. Desejo-vos um bom ano de 2020 que, por mais bissexto que seja, vem carregado de esperanças e avisos.

Se as primeiras são sempre bem-vindas, os segundos devem ser tomados a sério.

Nos últimos dia, os jornais encheram-se de previsões. Conviria olhá-las de soslaio e não levar demasiado a sério o que, muitas vezes, não passa de apressada futurologia.

Se ´verdade que do correr dos dias há situações previsíveis, quase inevitáveis, também não é menos verdade que há muitas coisas que podem ocorrer mercê de acontecimentos que estão para lá da normal previsão. Ninguém esperava que o vale do Mondego, agora tão castigado e sempre tão abandonado dos poderes centrais se convertesse naquele imenso mar de água a cobrir quase vinte mil hectares de terra boa e fértil. É verdade que alguém, um ministro não ouviu quem pedia uma barragem. Parece que achou aquilo um gasto inútil (sempre veremos se o que poupou d´para compensar o imenso prejuízo destes primeiros dias de invernia...) e que com um simples riscar de aldeias do mapa actual tudo se resolverá. O senhor ministro tem uns tiques estalinistas e um modo autoritário de olhar o mundo que nos fazem temer um qualquer novo plano quinquenal a juntar ao deslocamento forçado de populações. Para um recém chegado ao partido socialista a criatura tem assomos soviéticos dos anos trinta que nunca passariam pela cabeça de qualquer social-democrata. Enfim, a cada um a realidade segundo o olhar enviesado que terá.

Promete-se para o ano que entra daqui a uma dúzia de horas um orçamento com superavit. Eu, velho, cansado e cínico, já me contentava com um deficit ligeiro sobretudo quando se verifica que os saldos orçamentais sempre se fizeram à custa de menos e piores serviços públicos essenciais. É verdade que, neste capítulo, e sobretudo na saúde, anda a promessa de despejar mais 900 milhões. E com isso pagar as dívidas em atraso, contratar muitos médicos, muitos enfermeiros e mais, muito mais pessoal. É bom lembrar que talvez seja preciso saber se há candidatos em número suficiente (e não tem havido...). Seria também bom saber se a gestão do parque público de hospitais vai mudar, se o ministério das Finanças vai entregar a tempo as verbas necessárias. É sempre bonito saber que as taxas moderadoras vão ser eliminadas. Já agora também seria bom reconhecer que estas taxas tinham mais o objectivo de dissuadir a corrida às urgências do que arranjar mais uns dinheirinhos. A corrida às urgências vai manter-se e o travão das taxas não estará lá para a controlar. É bom saber que os serviços locais de atendimento vão ter maior amplitude horária (e maior custo). Será que os longos entupimentos destes serviços desaparecerão e isso encorajará as pessoas a renunciar à corrida aos hospitais?

A imprensa e a televisão fizeram-se eco das conclusões do Tribunal de Contas sobre os resultados das parcerias público-privadas no caso de alguns hospitais. Tudo visto, o Estado economizou, no mínimo, trinta milhões de euros num só hospital. A má notícia é que essa parceria vai acabar. Outras duas já acabaram por os privados entenderem que não tem condições para continuar. Em boa verdade, os actuais responsáveis (se é que a actual senhora que faz de ministra pode ser considerada responsável...) na ânsia de controlarem tudo ainda não perceberam que, sem os sectores privado e social, o caos actual e o desastre a que se assiste seriam ainda maiores e mais graves. E contra os menos protegidos de quem eles se arrogam a representação.

Um orçamento com superavit só deveria ser alcançado se isso não representasse, como tem representado nestes anos de Centeno, um feroz ataque ao investimento público (inferior inclusive ao dos anos Passos Coelho) e em sectores críticos desde a saúde à educação, uma falecida ambição de Guterres.

Não perceber ou fingir não perceber o país que somos e temos, sobretudo desde a perda do Brasil, não é só ignorar a História, e também dispensar qualquer noção de Economia.

O “milagre das rosas” da diminuição do deficit tem sido alcançado com captivações e não com uma racional diminuição da despesa.E bom será que se recorde aos mais optimistas que o mesmo resultado tem como base uma carga fiscal sem precedentes que engrossando a receita não tem efeito no investimento público ou na maior/melhor racionalização dos gastos do Estado.

Há quem encha a boquinha mimosa com uma aproximação à Europa só porque percentualmente estaríamos uma décima melhor do que p.ex. a França. É bom lembrar que 0,3%de 10 não é igual (nem aproxima) quem tenha apenas 0,1de 30 ou de 40. Recorram à aritmética da antiga 4ª classe, hoje tão fora de moda e de memória.

Também seria bom não tentarmos ver nos nossos êxitos, por vezes passageiros, algo melhor do que realmente é. Estamos à inteira mercê das tempestades políticas, económicas e financeiras que eventualmente se possam abater sobre o mundo ou apenas sobre a Europa. E com menos meios (que não sejam a inércia e a pobreza) do que muitos outros países nossos directos concorrentes.

Até o oásis turístico em que, por força de situações dramáticas na bacia mediterrânica, nos convertemos trouxe como consequência uma tenaz, acentuada e obstinada subida de preços na habitação nas grandes cidades e no litoral algarvio. E daí também uma falta de médicos e professores que não podendo pagar os arrendamentos nessas terras deixam vagos postos em hospitais e escolas. “Estamos na moda”, diz-se. É provável mas a moda muda constantemente e passa tão depressa como a “linha saco” nos vestidos das mulheres ou as “calças em boca de sino” mos cavalheiros. Se é que alguém se lembra disso...

O ano que entra pode não ser uma absoluta incógnita mas nem o Orçamento, nem as previsões, nem os votos pios são favas contadas.

De todo o modo, Bom Ano para todos ou, pelo menos, que não seja pior do que este que hoje termina.

E gozem os fogos de artifício que são a mais cabal demonstração do modo estúpido de queimar dinheiro.

 

*republica-se a fotografia das cheias do Mondego pois as águas ainda não foram embora. E teme-se que não o façam tão cedo.   

 

 

au bonheur des dates 407

d'oliveira, 26.12.19

Unknown.jpeg

mcr le fou

(na morte de Ana Karina, minha impossível namorada)

 

Tinha a minha idade, talvez um ano mais, mas continuo a vê-la (e desejá-la) muito, mas muito, mais nova. E, nesse impossível filme, também eu sou jovem, também eu deambulo pela vida sem saber exactamente o que queria embora tivesse certezas absolutas quanto ao que detestava e do que terrores nocturnos e diurnos fugia sem rumo.

Faço parte de uma geração que nasceu em pleno auge do cinema. No meu caso, mais precisamente, o saco das águas de minha mãe, então grávida de mim, rebentou em plena sessão de um filme parece que com o Gary Cooper.

Lá fomos ela e eu, à boleia e quentinho, no seu ventre generoso, numa corrida para Coimbra, para a maternidade. O meu pai, jovem médico cauteloso, entendeu –e bem, muito bem- que um prematuro de oito meses devia nascer num local adequado e com as máximas garantias de sucesso.

Desde cedo, demasiado cedo dirão alguns mais pernósticos e invejosos, acompanhei (com o meu irmão, mais novo catorze meses) a minha mãe às matinées do Cine Peninsular. Uma vez entrados na sala escura, os dois, mais outros compinchas tão pequenos e aventureiros como nós, íamos para os camarotes que prolongavam o balcão pelas laterais até ao ecrã. Aí, de pé, olhos perdidos na tela, víamos os filmes, os desenhos animados, os documentários enfim tudo. Em boa verdade, o primeiro filme que recordo foi “Não há paz entre as oliveiras”, um excelente clássico neo-realista de Giovanni de Santis, um autor, hoje (tolamente), esquecido.

Depois, ao longo dos anos, fui devorando quantidades absurdas de filmes que, graças ao cine clube de Coimbra, a umas escapadas a Paris, praticamente cobrem toda a produção interessante (e não só) dos anos 50 a 90.

Jazem em estante própria, cá em casa cerca de mil dvd, 90% dos quais de cinema até esses anos (se algum eventual leitor souber de um dvd com “Douro faina fluvial”, por favor avise-me que não dou por ele em parte alguma).

Durante esses longos e maravilhosos anos, foram muitas as actrizes que me encheram o olho e me provocaram uma respiração acelerada. Num país soturno, o cinema era uma porta aberta para a liberdade, às vezes para o futuro, para a aventura que nos era diariamente negada. Vivi até aos treze anos numa zona turística e balnear e o simples facto de o Verão transformar abissalmente as nossas vidas e experiências, tornava ainda mais urgente o mundo (mesmo se de fantasia) que o cinema abria. Era um época em que se viam fitas vindas de boa parte da Europa (da França, da Inglaterra, da Itália, da Alemanha e da Suécia) e a realidade, mesmo reinventada, dessas longínquas paragens aliada à pequena mas constante visita de turistas estrangeiros, tornava ainda mais difícil o nosso dia a dia mesquinho e obrigava-nos a tentar mudar a realidade política e social que nos castrava o pensamento. Não eram precisos os admiráveis Esenstein, os proibidos italianos ou o “Zero de conduite” para sonharmos dar um rumo diferente às nossas peregrinações pelo “país triste”. O cinema explicava-nos que havia outra realidade que por muito cor de rosa e adulterada que fosse, permitia pensar um mundo diferente.

Eu nem me atrevo a fazer aqui a lista das actrizes que me emocionaram mais do que era devido não só pela sua arte mas também, há que confessá-lo sem rebuços, pelo corpinho. Em minha defesa devo acrescentar que algumas mulheres que não primavam pela beleza ou fugiam do cânone também mereceram a minha devota atenção. Basta-me citar duas italianas de primeiro plano: Ana Magnani e Giulietta Masina, mulheres de corpo inteiro que contribuíram enormemente para o sucesso de alguns dos grandes realizadores italianos (no caso de Masina, Federico Fellini, a Magnani filmou mais e com muitos e não há dela um único filme piroso).

Porém a Karina - e também um pouco Eleanora Rossi Drago ( “Verão Violento” de Zurlini), Claudia Cardinali (“A rapariga com a mala” ,Zurlini outra vez!) e Jeanne Moreau (“Eva” de Losey) – acertaram em cheio nesta tosca e tímida criatura nessa década dourada mas violenta dos anos sessenta. A esse grupo junta-se a trágica figura de Jean Seberg (“O Acossado”, Godard) de que sempre lembrarei, e por mais de uma razão (como alguma vez contarei), a rapariga que vendia o New York Herald Tribune. Também ela foi musa, e de que maneira, de Romain Gary um notável escritor que cometeu a proeza de ganhar por duas vezes o Gongourt.

Todavia, a Karina tocou-me mais fundo. Provavelmente a época agitada e exaltante que se vivia contribuiu muito para isso. E a presença do grande Samuel Fuller no elenco, prova provada de quanto o cinema americano influenciou a nouvelle vague em geral e Godard em particular. Ana Karina surge já o filme leva um largo par de minutos mas a sua força, ou a sua simplicidade transforma o ambiente fílmico e dá um sentido absolutamente novo quase iconoclasta à aventura do herói (Jean Paul Belmondo, numa actuação densa quase à beira do cabotinismo) cuja vida cinzenta se transforma numa rota imprevista rumo à liberdade). Num único filme a jovem actriz entra na divisão maior das actrizes francesas, clube exigente e pouco numeroso.

Eu não sei se basta um filme para marcar um intérprete e tornar lendária uma personagem. Porém, verdade ou não, pouco me importa, isso ocorreu com Ana Karina que na altura andaria pelos vinte cinco, vinte seis anos.

Citei acima algumas actrizes e respectivos filmes onde tiveram uma preponderância marcante. Para, algumas, e basta citar Claudia Cardinale, esse momento de entrada na alta roda do cinema dá-se com “La ragazza con la valigia” teria ela também pouco mais de vinte anos mesmo se já trabalhara com Bolognini ou Visconti sem falar numa breve mas fulgurante aparição em “I soliti ignoti”. O processo foi semelhante com Jeanne Moreau mesmo se até ao “Eva” ela já tivesse filmado com Louis Malle, Vadim, Truffaut ou Molinaro sempre com presenças interessantes mas não ainda com o toque de génio que, nesse filme, também ele hoje esquecido, demonstra.

MS Fonseca, um genial cronista sobre cinema (no Expresso) titulava a sua coluna “o cinema dá o que a vida leva” (creio que era este o nome mas onde estou não tenho possibilidade de o confirmar). É uma verdade imensa que, porém, se âncora num equívoco igualmente grande. Porque o cinema, quer se queira quer não, molda costumes, hábitos e modos de ver. Torpedeia a diferença e constrói uma realidade que não é mais do que uma aproximaçãoo à imitaçãoo da vida.

Provavelmente, temos todos necessidade disso. De sobre a crua vida lhe vestirmos o manto diáfano da fantasia como Eça, sempre esse homem fatal, escreveu.

Ana Karina (e tantas outras) ajudaram-me a viver onde a vida era triste e desesperada. Só isso faz dela uma namorada ideal. E presente, sempre presente.

 

(este texto começou a ser escrito no dia seguinte à morte da actriz. Razões várias, viagens, Natal (ai o Natal! Ai a distribuição das prendas! Ai algumas prendas!...), preguiça (sempre presente, Deus seja louvado), amigos que aparecem inopinadamente à mesa da esplanada onde logo pela manhã me sento a tomar os primeiros cafés do dia, a ler o jornal e a escrevinhar estes folhetins, tudo se conjugou para só hoje, um dia depois das festas acabá-lo e acabar o luto por essa belíssima mulher.)

E já agora para vos desejar a todos um bom ano de 2020, bissexto e tudo. E deseja-lo a sério mesmo se como um verdadeiro “pobre homem de Buarcos” eu desconfie da avalancha de promessas que as ilustres e excelentíssimas autoridades que nos governam prometem. Que não seja pior do que o que passou...

estes dias que passam 328

d'oliveira, 17.12.19

Daumier_Le_Ventre_legislatif.jpg

 

Telhados de vidro seguido de

Palminhas, muitas (e tontas) palminhas

 

 

Ontem, a SIC mostrou três intervenções do então deputado Ferro Rodrigues durante o anterior governo PPD/CDS.

Nelas o senhor deputado por três vezes (três), tantas quantas as que o galo cantou, disparava sobre o governo da altura várias tonitruantes Vergonha e “É vergonhoso

O eventualmente ingénuo Presidente da AR dessa altura devia ignorar que tais palavras eram ofensivas do Parlamento, dos parlamentares e dele mesmo Ferro Rodrigues. Não repreendeu o fogoso (ainda que pouco inspirado) tribuno nem lhe chamou a atenção para o agora considerado abuso linguístico e semântico.

Tudo leva a crer que, nessa época bárbara e viciosa, aqueles termos eram considerados vulgares e apropriados à oratória tribunícia. Em suma português corrente e normal como aliás ainda hoje parece ser consensual.

Quatro anos depois, Ferro Rodrigues, agora presidente da mesmíssima assembleia, admoesta com inusitada acrimonia um deputado, tão eleito e tão legítimo quanto ele próprio, pelo uso das mesmas expressões que, se não erro, iam dirigidas ao escândalo da persistência teimosa de amianto em edifícios públicos, mormente escolas.

Que dizer, para além do que em tempo se registou em anterior folhetim?

Que as palavras envelhecem e se envilecem em menos de uma década?

Que as palavras mudam de significado consoante saem da boca de um cavalheiro alegadamente de esquerda ou de outro assumidamente populista e já tachado de fascista?

Que a idade não perdoa e que Ferro envelheceu irremediavelmente a pontos de não se lembrar das suas extravagancias vocais de outros tempos?

Depois da crítica quase unânime da opinião pública (jornais, rádio, televisão, anedotas e redes sociais de todo o espectro político) será que não seria tempo de Ferro Rodrigues perceber que ultrapassou autoritariamente as suas competências e que isso deveria dar lugar a um pedido de desculpas já nem digo ao abencerragem Ventura mas pelo menos a nós todos, eleitores que nos demos ao trabalho de ir num domingo recente a uma assembleia de voto para meter o papelinho na urna e legitimar aquilo a que se chama escolha dos representantes do povo?

É que povo é toda a gente desde a que elege Ventura até aos que levam Ferro ao mesmo local , a AR.

E já que de vergonha se fala, devo lembrar em mau trocadilho que nestas circunstâncias há que ter “as vergonhas” no sítío e sobretudo ter vergonha na cara para reparar os disparates que esses sim ofendem eleitos e eleitores.

 

Palminhas, palminhas

Em seu tempo pedia-se aos inocentes pequerruchos quase bébés ainda, “palminhas” e toda a família encantada se ria da ingénua criaturinha quando esta batia as mãozinhas uma na outra. Os babados adultos achavam que o menino (ou menina) demonstrava com isso um génio digno de Einstein e futuravam-lhe momentos de glória para quando fosse adulto.

Era uma tolice mas  dali não vinha mal ao mundo.

Todavia, ao rever a cena na AR entre Ferro e Ventura, confesso que me espantei com a reacção do grupo parlamentar do PS que aplaudiu freneticamente a farpa do presidente da AR e a profundidade do seu pensamento político e filosófico.

E lembrei-me de Eça, sempre esse homem fatal, que descrevia na “Campanha Alegre” um par de sessões no parlamento. Dos parlamentares da altura ninguém se  lembra  enquanto que o seu crítico continua eterno e jovem como uma consciência moral que grande falta faz a muita gentinha. Sobretudo aos batedores de palmas e palminhas seguramente mal inspirados e sobretudo desoladoramente ignorantes da língua que são supostos usar.

Que tempos! Que costumes!   ...

*a ilustração vm de Daumier, um génio da caricatura política  

  

Vergonha é dar troco ao André Ventura

JSC, 16.12.19

A TSF elegeu André Ventura como tema da conversa de hoje. O modo como formularam a questão colocada aos intervenientes já pressupunha, induzia, a condenação do Presidente da Assembleia da República. Não ouvi. Contudo, com grande margem de certeza, o promotor da conversa irá aproveitar para, sob a pseudo- defesa da “liberdade de expressão”, denegrir as instituições públicas em geral e o Presidente da Assembleia da República, em particular.
Eu também penso que o Dr. Ferro Rodrigues, enquanto Presidente da Assembleia da República, não andou bem na crítica que fez à quele deputado. Não tanto pelo que disse, antes porque penso que aquela pessoa, que ocupa aquele lugar no parlamento, deve ser deixada a falar sozinha.


Ele está ali, não pode ser removido, contudo, pode ser ignorado.


O que o Dr. Ferro Rodrigues fez foi dar-lhe palco e abrir-lhe os microfones da comunicação social, sempre zelosa, faminta, por casos, casinhos. É lamentável que jornalistas, como os da TSF e outros não vislumbrem o que move o Sr. André.


Depois do episódio das cadeiras, que deu uma semana de notícias e comentários, tal a importância da coisa, seguiu-se a manifestação dos polícias, as facturas, os votos de pesar, etc. O objectivo é sempre o mesmo, ser falado, aparecer, que notem a sua existência. Tem-no conseguido e de que maneira!


É natural que o Presidente da Assembleia da República esteja cansado de tanta charlatanice, do uso desmedido de palavras vazias de “vergonha” e “vergonhosas”. Não há volta a dar. Vão ser quatro anos disto. Só há uma forma de o conter. Passar à frente, ouvi-lo, sem o ouvir.


Depois, sempre que a TSF, a CMTV, o Correio da Manhã ou outros quiserem dar auditório ao Sr. André Ventura, o melhor é deixá-lo ficar a falar com eles, só com eles.

au bonheur des dames 425

mcr, 13.12.19

427px-Goya9.jpg

Pido la paz y la palabra

 

mcr 13 Dezembro 2019

 

 

O título do folhetim de hoje é de Blas de Otero, poeta grande entre os grandes e resistente entre os resistentes, ao franquismo primeiro e a tudo na realidade.

E se uso Otero nesta croniqueta é porque talvez (um talvez esperançado mas não muito) o seu nome seja conhecido por Eduardo Ferro Rodrigues,  pelo menos devido ao facto do poema com este título ter dado origem a uma bela canção de Paco Ibañez que se ouvia muito nos anos duros a cujo estertor final EFR assistiu e, aliás, para o qual colaborou, honra lhe seja.

Gostaria de começar com um “meu caro Féfé” mas não o faço. Foi na qualidade de Presidente da Assembleia da República que ele tropeçou e a uma autoridade destas há que, mesmo para a criticar, usar um tom que sem ser subserviente não caia no desrespeitoso ou no demasiado familiar.

De facto, ontem o sr. Presidente da AR perdeu a cabeça e a contenção exigida pelo alto cargo que exerce. E, pior, cometeu uma injustiça ao tratar diferentemente dois deputados que usaram a mesma palavra “vergonha”. A um tratou-o rudemente, para não dizer mal, para não dizer que abusou da sua posição naquele areópago. Ao censurar o termo “vergonha” e, sobretudo ao extrapolar do seu uso para um insulto aos restantes deputados, o sr. Presidente demonstrou (mesmo que, como espero, contra vontade e para além do que devia) uma impaciência (e estou a ser demasiado suave) e um forte desconhecimento da língua portuguesa.

“Vergonha” mesmo no plural (“vergonhas” por partes pudendas masculinas ou femininas) não é insulto.

Mais: é usado aqui e em muitos outros lugares, parlamentos incluídos e quase não há sessão no britânico em que alguém não brade em discurso ou em aparte, “shame on you!”

Eu, como o dr Ferro Rodrigues (presumivelmente) não tenho qualquer simpatia pelo doutor André Ventura. Em boa verdade tenho mais sorte que o meu ex-camarada de MES porquanto nem sequer conheço a criatura e muito menos sou obrigado a ouvi-la.

Porém, o Presidente do parlamento está lá para ouvir sem emoção os desabafos, desde que civilizados, dos deputados. E mesmo os outros pois a AR já foi palco de muita discursata ofensiva.

Não cabe nas funções de Presidente da AR deidir qual o português que se usa e, muito menos, interpretar semanticamente o que se diz. No caso, nem sequer é uma interpretação. É uma distorção absoluta ou, em língua corrente e,  com o respeito devido, uma asneira de todo o tamanho.

Há porém mais, como argutamente o notava o caricaturista Luís na última página do Público de hoje. O dr Ferro Rodrigues deu, de mão beijada, ao representante (por enquanto único) do Chega uma oportunidade extraordinária de mostrar urbi et orbe, que é perseguido por quem deveria velar pela ordem , pela paz e pelo bom uso legítimo das palavras na AR

A coisa torna-se ainda mais caricata, o dr Ferro Rodrigues que me desculpe, quando na mesma sessão uma deputada do BE usou a mesma palavra sem ser admoestada.

Claro que poderemos sempre pensar que o dr Ferro Rodrigues quis ser um “galantuomo” e tratar uma senhora com requintes de amabilidade e compreensão. Mas também aí erra e não pouco. De facto o BE é um potencial aliado do PS, partido a que o dr Ferro Rodrigues pertence. Fez parte da “geringonça” e os seus votos são fundamentais para a aprovação do Orçamento.

Não ouvir a “vergonha” do BE quando ao som da outra do Chega se perde a calma e a razão e o sentido da língua é um erro dramático e um péssimo sinal para a defesa da democracia. Pode parecer parcialidade!

E em política, dr Ferro Rodrigues, o que parece É    

 

(a parte: como amigo do visado a quem reconheço humor e inteligência devo dizer que fiquei arrepiado com a sua intervenção, com o tom que usou que me pareceu prepotente. Numa palavra: estou envergonhado)

 

estes dias que passam 336

d'oliveira, 11.12.19

images.jpeg

Carlos Amaral Dias

mcr em Dezembro de 2019

 

Não se pode dizer que fossemos amigos do peito, nada disso. O Carlos era mais novo mas foi meu contemporâneo em Coimbra. E é daí que me lembro bem, muito bem, dele.

Tivemos ambos um especial interesse pela “Internacional Situacionista” e algumas vezes trocámos ideias sobre aquele movimento original que por um lado anunciava o Maio de 68 e, por outro o ultrapassava.

Na crise académica lá estivemos lado a lado e confesso que me utilizei dele, melhor dizendo da sua detenção pela polícia.

A coisa conta-se em poucas linhas: O CAM estava acusado de pertencer a uma “comissão da confusão” cujo objectivo era enganar as forç de segurança destacadas para Coimbra utilizando para o efeito notícias falsas (olha, afinal as fake news sempre servem para alguma coisa!...).

Não sei se o expediente resultou mas o facto é que por isso ou por outra razão qualquer (e a polícia prendia a torto e a direito naqueles dias exaltantes e desafiantes) o CAM malhou com os ossos na Judiciária e terá estado a ferros nas celas do Tribunal.

Quando, muito mais tarde, e depois de umas semanas de fuga (partilhadas com o Orlando Leonardo e o João Bilhau) fui preso lá me albergaram nas mesmas enxovias onde tantos antes de mim tinham passado. Certo dia, por razões que nunca descortinei, fui metido, na sala do piquete onde na porta, convenientemente fechada estava um prego com ordens de prisão de muitos (quase todos?) os meus companheiros.

Eu, que já ali estava há umas semanas, descobri maravilhado que o Carlos fora preso de madrugada no dia 9 de Junho. quando finalmente, me decidi a confessar os meus horríveis crimes de “sedição” lembrei-me dessa data maravilhosa e confessei que fora o seu substituto na famigerada comissão.

Em boa verdade a polícia queria fechar os processos o mais depressa possível e esta confissão, ao fim de quase três meses (um recorde absoluto de tempo logo seguido pelos já citados Orlando e Bilhau), permitiu-me sair dali sem prestar quaisquer declarações que comprometessem quem quer que seja. Devo acrescentar que só me   confessei a um chefe de brigada e a um tal inspector Couto (ambos da Judiciária, vindos expressamente do Porto) por ter visto que nos 22 (vinte e dois !!!) volumes que o processo já levava eu aparecia em todos!

Portanto, tentei o expediente de me fazer passar pelo sucessor do CAM acrescentando que o substituíra até partir para o Porto para celebrar o aniversário do meu sogro que caía exactamente a 10 de Junho.

A polícia, farta e ao cheiro do Natal próximo nem sequer confrontou, nesse momento, as datas. E assim, quando finalmente resolveram fazê-lo descobriram que a minha participação na “sedição” durara desde as duas ou três da madrugada de 10 de Junho até às dez horas do mesmo dia. A latere, eu também confirmei ter sido o autor de uma carta assinada pela Al-Fatah estudantil – com caracteres árabes no frontispício ! – em que chamava várias coisas ofensivas aos agentes da “Judite” e especialmente “medíocres caçadores de pilha galinhas”, coisa que enfureceu os cavalheiros que me interrogavam. Pelos vistos sentiram-se ofendidos, tanto mais que eles, aquela brigada, rinham no seu palmarés a detenção de uma porção de militantes da LUAR, aventura que me contaram com todos os pormenores e que entendi dever compungidamente apreciar.

Pouco tempo depois, voltei à polícia para tentar safar um pobre estudante detido e nessa altura foi insultado grosseiramente por ter usado tão miserável expediente. Logo eles que me tinham tratado com tanta consideração...

Anos passaram e que me lembre só nos encontramos duas ou três vezes. A última foi numa celebração do aniversário da crise e terá ocorrido há mais de vinte anos. Nessa altura contei-lhe a história acima reproduzida e de como ele, sem saber, fora o meu melhor aliado para escapar do calabouço. O Carlos riu que se fartou e afirmou-me que só por isso a “comissão de confusão” tinha tido êxito, o que não deixa de ser, mesmo que obliquamente uma verdade.

Agora, a notícia estúpida e canalha de uma morte em Lisboa (notem, em Lisboa, capital do país) por falha absoluta do INEM depois de ter havido uma avaria na primeira ambulância que o fora buscar. Pelos vistos, os bombeiros requereram uma viatura do INEM dotada de meios para resolver um problema de paragem cardíaca mas o que apareceu foi uma coisa em forma de assim incapaz de salvar sequer meia tigela de sopa com “bispo”.

Não pretendo fazer desta morte sem sentido uma arma de arremesso contra o Governo ou, particularmente, contra aquela criatura que por lá vagueia disfarçada de ministra. Todos os dias, aparecem em catadupa notícias sobe o naufrágio do SNS pelo que a morte de Carlos Amaral Dias apenas confirma o desastroso diagnóstico que as Ordens dos Médicos edos Enfermeiros, os sindicatos de agentes da saúde diariamente traçam.

Não sei se, mesmo com meios capazes, o Carlos sobreviveria. Sei que merecia outro e melhor tratamento e que esta morte pode dar azo a que alguém, espavorido se mexa. Eu, espavorido estou não por temer algo idêntico mas apenas por saber que se nem em Lisboa as coisas  funcionam então o que se passará no resto do país e sobretudo nessa enorme mancha do interior onde gente isolada e abandonada de Deus e dos homens está à mercê da pura sorte.

(à margem: apareceu, claro que com este escândalo aparecem todos, uma criatura pelos vistos responsável pelo INEM ou por algo do mesmo género, garantindo que vai haver um inquérito e pedindo às pessoas compreensão e garantindo que por aquelas bandas é tudo do melhor. Vê-se!...)

 

Porque correm atrás do Partido Iniciativa Liberal?

JSC, 06.12.19

Há dias o Jornal I fez grande manchete de primeira página, com foto em grande pose, com o único deputado do Partido Iniciativa Liberal. Hoje, o Jornal Económico faz grande manchete de primeira página, com foto em grande pose, com o mesmo deputado.


É caso para perguntar, o que é que o Partido Iniciativa Liberal tem?

A conversa dos liberais, uma elite que se protege sob o manto que designa de “ideologia liberal”, é um embuste, um logro, a começar pelo próprio nome. A palavra “liberal” tende a ser entendida como defensores da “liberdade”, o que leva o povo eleitor a olhá-los como inofensivos para a liberdade e direitos individuais. Acresce um discurso assente em pseudo-verdades que à luz do senso comum são assimiladas como verdades inteiras. Veja-se o velho, muito velho, jargão, “menos Estado, melhor Estado”, que ainda rende e vende opções políticas.


Na verdade, a palavra “liberal” é o mesmo que “capitalismo desenfreado”, “sem regulação”. O Estado, para os liberais, é apenas um instrumento, um mecanismo de transferência dos recursos captados, sob a forma de impostos ou outros, para os agentes económicos privados. Essa transferência pode assumir muitos nomes, “parcerias público privadas”, “concessões”, subvenções”, “comparticipações”, isenções fiscais”. Resume-se tudo ao mesmo, transferir dinheiro público para agentes económicos privados.


Os liberais do Iniciativa Liberal estão em linha com os mais que velhos defensores da “liberdade de mercado”, os que sacralizaram o mercado como fonte de todo o bem desde que o Estado estivesse fora da economia. O problema é que não demorou muito a que os próprios Estados aderentes concluíssem pela “falência dos mercados”, pela sua incapacidade em repor equilíbrios económico sociais sem a intervenção reguladora do Estado.


No entretanto, drenaram-se recursos públicos para as empresas, estas drenaram matérias primas e recursos para os países centrais, a que se seguiu a atração de cérebros e quadros especializados. Deu-se por assente, à vista desarmada, que o “liberalismo” criou riqueza, bem-estar. Os deserdados ficaram na sombra. Estavam criadas as condições para a propagação do liberalismo.

 

Para esta fantasmagórica ideia muito contribuem os instrumentos difusores de notícias. Por exemplo, somos atulhados com notícias sobre os coletes amarelos; os sem abrigo; os que tudo fazem os para ajudar, naquela hora; notícias sobre tempo de esperas nos hospitais púbicos, cansaço dos médicos, cansaço dos enfermeiros, cansaço dos professores, cansaço dos ajudantes nas escolas, cansaço físico, cansaço mental, cansaço, um cansaço de notícias.

As margens do caminho estão feitas. Agora é só abrir alas, dar espaço, para os "liberais" combaterem os malefícios do Estado, tudo que for serviço público. Neste quadro até se entende melhor o quê, quem faz correr a comunicação social na promoção intensiva do deputado do PIL.

Pág. 1/2