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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Norte com dois terços dos infectados com Covid-19

José Carlos Pereira, 30.04.20

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A revelação de que a Região Norte volta a registar mais de dois terços dos infectados com Covid-19 sublinha uma realidade que tem intrigado muitos portugueses. Muitas razões concorrem para este resultado numa região que encerra em si muitas disparidades, económicas, sociais e culturais.
Sem necessidade de recorrer a grandes estudos científicos, é sabido que uma maior exposição ao estrangeiro por via da indústria exportadora, dos emigrantes que regressaram em grande número e do turismo, neste caso numa fase inicial de contágio com posterior propagação, ajuda a justificar a maior concentração de casos a Norte, tal como a elevada densidade populacional em muitos centros urbanos, uma população mais envelhecida em outros locais, laços familiares alargados a diferentes gerações que promovem múltiplos contactos intergeracionais e muitas unidades industriais que terão continuado a laborar sem observar todos os cuidados devidos, entre outras razões.
A surpreendente diferença nos números registados no Norte e em Lisboa e Vale do Tejo, que a muitos surpreende, encontra uma pertinente justificação adicional quando comparamos, sem qualquer tom depreciativo, a fortíssima concentração de funcionalismo público em torno da capital com o perfil industrial do litoral Norte, muito menos propício ao recolhimento e ao isolamento protegido (do vírus e dos cortes salariais) no conforto do lar.

estes dias que passam 379

d'oliveira, 30.04.20

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Diário das semanas da peste

Jornada quadragésima terceira

A"MOVIDA"MADRILENA ANTES DA"MOVIDA"

mcr, 30 de Abril

 

 

Há mitos que têm a pele dura e demoram em persistir para além de toda e qualquer decência. Um deles é o de Madrid capital da movida.

Passei por lá vai para seis meses e mover o que se chama mover só vi os êmbolos das seringas dos "drogadictos".

 

Desculparão os mais radicais, mas as únicas pessoas interessantes no que se convencionou chamar período da movida, já existiam antes, e, num dos casos, continuam. Refiro-me a D. Henrique Tierno Galvan e a Francisco Umbral. O resto não passava de um pacho culturaloide simbolizado com a ascensão da "gente guapa" e anexos marbellenses que faziam a glória (e o lucro...) da "Hola".

 

Movida a sério, e em Madrid, conhecia-a eu no ano de 75, mais propriamente entre meados de Setembro e fins de Outubro. Eu conto:

 

A Faculdade Internacional de Direito Comparado e Santa Gulbenkian (graças e louvores a todo o momento lhes sejam dados) entenderam na sua (delas) infinita sabedoria fazer deste vosso servidor um verdadeiro euro-jurista. Para o efeito concederam-lhe ao longo de anos, bolsas que não sendo faraónicas eram mais que decentes. A de Madrid não foi excepção pelo que se não melhorei significativamente os meus conhecimentos juridicos consegui, em quatro semanas, de noites brancas, ficar ao par da noite madrilena e, milagre dos milagres, da outra "movida" da altura.

 

Expliquemo-nos: entrei em terra espanhola a 27 de Setembro de 75 depois de esperar 6 horas na fronteira. Os espanhóis não estavam propriamente satisfeitos com a lusitanagem que, no dia anterior, lhes tinha assaltado e saqueado a Embaixada de Lisboa e o Consulado do Porto. Protestava-se contra a execução de mais um grupo de políticos o que era louvável e honroso. Roubaram-se, todavia, muitas coisas o que deu ao acto o toque canalha que ainda hoje nos envergonha.

 

À   chegada a Madrid tive oportunidade de verificar que Portugal não gozava de boa reputação entre as autoridades. E isto chegou mesmo ao ponto de mandarem arrear a bandeira portuguesa que, com mais uma dúzia, ornava as instalações onde decorria o nosso curso.

 

Ao ver a afronta à bandeira e com o intrépido apoio da catalã Marguerita, da basca Maria del Coro e da castelhana Pilar, recorri ao professor Salinas director do Instituto para os protestos patrióticos de usança. Ao fim de dez minutos de conversa o professor   abriu a porta num gesto dramático e chamou-nos. Pelo corredor fugiam estudantes e os polícias que os perseguiam até metralhadoras usavam.

 

Sobre ser um homem de bem o professor Salinas era, naquele momento, um homem envergonhado. Lembrado de tempos idênticos cumprimentei-o e saí estreando, nesse momento, a primeira cacetada espanhola. Faltava-me para a colecção e, como era português, pareceu-me adequado desandar rápida e silenciosamente. O mesmo fizeram as do país irmão que entretanto guinchavam fortes "hijoputas" logo que se viram a salvo. Acompanhei-as no nosso vernáculo no que fui aplaudido por uns galegos emigrados na construção civil. Foi com quem acabámos a primeira jornada madrilena a beber vinho do Ribeiro e a comer empanada.

Três dias depois, conduzia eu o cansado Austin perto da Plaza de Oriente quando um polícia me mandou parar. Em má hora o fiz que o carro que me seguia me meteu a mala dentro.

 

Os minutos que tive de gastar para convencer um enfatuado agente que não necessitava de ajuda policial deixaram-me encurralado. Toda a Espanha de "olé e pandeireta" resolvera, num último estertor, sair à rua para apoiar o cadaveroso Franco, espúrio filho do Ferrol.

 

Imaginem-me leitoras, cercado de franquistas assanhados que só paravam de cantar o "Cara al sol" para dar morras ao México e a Portugal países onde os excessos ainda que justificados foram evidentes... Durante os dias restantes a cidade alternava entre a violência nos "campus" e a noite louca, entre a "gauche divine", os "tablaos progres", e encontros com tudo o que era clandestino e que ia tomando posições na cidade como quem sabia próximo o fim do regime. A polícia conseguia apanhar células inteiras mas eles vinham de todo o lado, da França, da Bélgica, de Portugal com um verso de Celaya ou de Alberti na boca e a vontade firme de acabar uma guerra que tinha quarenta anos e um milhão de mortos a mais. A Espanha, como dizia o poeta, "estava em marcha".

 

 

                                                                      Gaudeamus igitur

 

Quem gostaria de ver Madrid e galegos amavelmente cúmplices seria Fernando Assis Pacheco meu amigo desde 1960. Sabia destas charlas, pedia, amiúde, notícia da publicação em livro. Já o não verá que um coração daquele tamanho que tanto, e a   tantos , se deu não podia durar muito ...

 

Nota: já aqui referi vários maus hábitos meus, entre os quais o mais que gravoso de escrever. Durante algum tempo, colaborei numa bela e bem ilustrada revista do CCAM que tinha o duvidoso nome de “Mea Libra”.

A minha colaboração reduziu-se a uma dúzia de crónicas com o título geral “Gaudeamus Igitur”, primeiro verso de uma cantiga que é mais ou menos e oficiosamente o hino dos estudantes europeus. Dessa série, editou-se uma separata de que ainda terei um que outro exemplar perdido na cave ou em qualquer outro recôndito lugar. Há já bastantes anos, publiquei-a neste mesmo blog e se o volto a fazer é apenas para cumprir uma promessa a alguns leitores de narrar três ou quatro aventuras de um passado demasiado longínquo.

 

Hoje celebra-se o “dia internacional do jazz”, ocasião para propor alguns discos. Nada dos incontornáveis que esses os meus leitores já conhecem de cor e salteado. Trata-se de alguns discos muito simpáticos, claramente bons, e menos frequentes nas listas de compras.

Ei-los:

Art blakey & the Jazz Messengers” (por causa de Noanin’...)

Lester Bowie “all the magic” com uma homenagem belíssima a Armstrong cantada por Fontel a Bass

Miles Davis The man with the horn

dois concertos imperdíveis

Esquire’s All American hot jazz sessions

Toronto, Massey Hall, May 15, 1953 se há algum disco fundador do bebop é este

E uma antologia absoluta do jazz em tempo de guerra:

The complete Jazz at the Philarmonic on Verve 1944-1949

a vinheta: Art Kane: Jazz portrait, Harlem 1948.

Andei anos atrás deste poster. Quando já tinha desistido de o encontrar, eis que farto de estar numa bicha para ver uma exposição de escultura de Picasso no Pompidou, deixei a CG a guardar o lugar e fui dar uma espreitadela numa loja de posters. E não é que o encontrei. Quando disse ao vendedor, magrebino e manhoso que andava à procura daquilo há mais de dez anos, ele perguntou-me se eu figurava nele. Com pesar, respondi-lhe que não que não tinha essa honra...

 

 

 

 

 

estes dias que passam 378

d'oliveira, 29.04.20

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Diário das semanas da peste

Jornada quadragésima segunda

mcr, 29 de Abril

 

Viva a Noiva! Fora a polícia!

 

 

Deve ter sido há trinta anos mas não o juro. Foi de certeza em Março, mês em que teimosamente, se tentava celebrar o "Dia do Estudante". A cena era sempre a mesma: a estudantada juntava-se para uns festejos, a reitoria proibia, a malta insistia e a polícia "matracava". Como saldo final restavam meia dúzia de comunicados indignados, cabeças partidas e uma mão cheia de presos. A "benemérita" engrossava os ficheiros da clientela política jovem conseguindo com isso amedrontar não poucos e assanhar outros tantos.

 

Ponhamos que, uma vez mais, o dia do estudante amanheceu carregado de presságios e ameaças que contrastavam com uma manhã quase primaveril. Por razões que já não recordo foi no "Técnico" que nos reunimos e lá mesmo que, sem surpresa, fomos notificados que estava tudo proibido. Ao mesmo tempo a autoridade académica, invocando já não sei que legislação, cominava a populaça a destroçar rapidamente.

 

Não foi preciso mais para que a reunião descambasse num comício violento pontuado por vivas à liberdade e morras à polícia e ao obscurantismo. Em menos de meia hora, tinham sido aprovados dez telegramas de protesto, cinco moções e a imediata realização de uma marcha, desde o "Técnico" até á cidade universitária, percorrendo as avenidas de Roma e dos Estados Unidos a fim de alertar a população para mais aquele agravo à democracia.

 

A polícia de choque demorou alguns minutos a descobrir o nosso itinerário pelo que já estávamos a sair da praça de Londres, quando começou a carga em duas frentes: Avenida de Roma e Guerra Junqueiro. Adivinhavam-se mais movimentos policiais noutras ruas pelo que, mesmo para os mais rodados de entre nós, a coisa estava mais difícil do que nunca. A confusão generalizada, as correrias fizeram com que, movidos por um imperioso apelo da fé, entrássemos de supetão, na Igreja de S. João de Deus buscando o tradicional direito de asilo.

 

Em má hora o pensámos porquanto a polícia de choque não estava disposta a fazer destrinça entre edifícios laicos e religiosos.

Pior: realizava-se, naquele preciso momento, um casamento com uma noiva toda de noiva, fraques, capelines, enfim tudo de estadão.

 

Imaginem leitores, o caos que a sarrafusca provocou nos santos lugares sobretudo, sabendo-se como se sabe, que quando toca a arrear na freguesia, a polícia não distingue caras, casos, classes mostrando-se, nesse único ponto, uma especial adepta da democracia radical.

 

Lembrado dos meus tempos relapsos de catequese consegui introduzir-me na sacristia e daí noutra dependência onde permaneci mudo e quedo durante quase uma hora.

 

Fui descoberto pelo padre da paróquia que me exprobou severamente a invasão esquerdistoide e me propôs uma confissão. Embora indiferente entendi dar-lhe esse pequeno prazer e relatei-lhe ipsis verbis os meus últimos cinco anos de vida fora do redil. Cumpri a penitência que sou pessoa de princípios. E salvei o costado magro de uma carga, que, a avaliar pelo estado calamitoso dos meus amigos reencontrados mais tarde, tinha atingido o grau máximo na escala de Richter das cargas policiais.

 

Passados tantos anos, é, talvez tarde para desculpas mas sobra tempo para a gratidão:

 

VIVA A NOIVA!!!

 

 

3 notas

Este texto foi publicado em fins de 90 num livrinho que empreendi e que tinha por título A pedra no sapato a pata na poça. Foi editado pelo Centro Cultural do Alto Minho e, para surpresa minha, vendeu-se bem apesar do editor Fernando Canedo (que já não está aqui para me contraditar) desconfiando de distribuidores

(“uns ladrões que nunca pagam ao editor!”, resmungava ele, provavelmente com alguma razão) tivesse optado por o distribuir por duas dúzias de livrarias que pelos vistos pagavam.

Eu nunca tinha pensado em publicar fosse o que fosse, fora alguns artigos e críticas em meia dúzia, nem tanto, de jornais e revistas (Vértice, O Jornal, Expresso, JN, 1º de Janeiro e Comércio do Funchal). Todavia, vá lá saber-se porquê, fui em meados de 90 contactado por gente da redacção do “Público” que, gentilmente e generosamente (muito generosamente $$$ ), me convidaram para colaborar com regularidade semanal com crónicas que não deviam exceder umas centenas de caracteres , já não recordo quantos mas bastará para quem for mais curioso contar os que constam da crónica acima.

A mesma pessoa que me convidou aconselhou-me a ter em carteira uma espécie de bolsa de crónicas não fosse faltar-me a inspiração no pior momento. Eu, espantado pelo pagamento prometido, afiancei-lhe que sim e atirei-me ao trabalho, pela primeira vez remunerado. Porém, ainda não começara a ser publicado, fui com mais outros cronistas convidados que, a crise já não permitia convidar novos colaboradores.

Que fazer com o material já escrito? Lembrei-me de juntar uma dúzia de crónicas e oferecê-las no Natal a também uma dúzia de amigos. Um deles, achou que aquilo com mais uns pozinhos dava um livro. Um editor aceitou e cheguei a ver “provas”. Todavia, faliu. O meu amigo não desistiu e arranjou outro que, acreditem ou não, acto contínuo, fechou portas. A minha Mãe declarou que eu tinha “mala pata” e quando eu estava prestes a acreditar nela, surgiu um terceiro, desta feita no Porto e meu amigo. “É desta”, pensei. Não foi. O meu amigo zangou-se com os sócios, saiu batendo a porta e levando o meu “futuro livro” debaixo do braço. E eu sem saber de nada!  

Finalmente, o Manuel Simas Santos, tirou-se de cuidados e apresentou-me o quarto candidato a editor. Chamava-se ele, Fernando Canedo e presidia o Centro Cultural do Alto Minho que tinha uma editorial com mais de uma dúzia de livros publicados.

O livro vendeu-se bem, para minha surpresa. Houve mesmo alguns leitores que o difundiram entre amigos com inesperados e vultuosos resultados. Há uns anos o Fernando Canedo morreu e eu fui ao CCAM ver quantos exemplares restavam e comprei quase um cento deles deixando apenas os poucos que a editora entendia dever conservar. Edição esgotada, portanto!

 

Entendi, recolher desse livro quatro crónicas que relatam, com alguma bonomia e outro tanto de eventual ironia (ou auto derisão...), algumas aventuras politico-policiais em que me vi metido. E entendi ainda que este período entre o 25 A e o 1º de Maio era uma boa altura para, excepcionalmente, me reeditar, agora em versão digital.

Espero que os leitores/as se divirtam. Para chatice já basta o cabrão do vírus. E gostaria de prevenir que o tom ligeiro, acaso bem humorado, com que narro estas historietas, não tenta obliterar a seriedade do que se passou naquele áspero tempo. Tenho o maior orgulho em o ter vivido, em ter feito o que fiz, a maior amizade pelos meus antigos companheiros, muitos dos quais já desaparecidos.

Cuidem-se! Isto ainda está a rondar por aí. Era o que me faltava perder os poucos leitores que me aturam.

A festa anda no ar. Duas propostas musicais: o meu querido amigo e colega Adriano sobretudo, já agora, a cantar temas açorianos. E “don Giovanni”, Mozart. E oiçam com ouvidos bem abertos o dueto “La ci darem la mano”. Mozart, dizia alguém, e bem, é como o porco: aproveita-se tudo.

E, não resisto, apanhem outra opera extraordinária, provavelmente a de que mais gosto: “Cosi fan tute”. Estes discos agora andam por aí a rastos de barato.

* a vinheta: igreja de S João de Deus, praça de Londres, Lisboa. Aceite o agradecimento de um agnóstico reconhecidamente grato... 

estes dias que passam 377

d'oliveira, 28.04.20

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Diário das semanas da peste

Jornada quadragésima primeira

A primeira vez!

mcr, 28 de Abril

 

 

A propósito da não realizada manifestação festiva do 25 A, avenida abaixo, uma leitora (Ena! Ena!) pergunta-me em tom de desafio se tenho algo contra as manifestações, ou se alguma vez me manifestei.

Pressinto nestas duas afirmativas perguntas (passe o trocadilho) que a leitora me dá como um desses comentadores encartados que nunca se molharam. Não o creia, cara leitora, eu comecei cedo, mesmo se involuntariamente. De facto, à saída de um cinema, por razões que nunca descortinei, a polícia vulgar, entendeu que o ajuntamento dos fregueses que acabavam de ver “A ilha ao sol” (de Robert Rosen com, entre muitos e importantes, dois actores negros Dorothy Dandrige e Harry Belafonte, que é também o autor e intérprete da canção com o mesmo título) não passavam de adeptos do general Humberto Delgado, esperado em Braga nesse mesmo dia.

Vai daí, começou o bataclã. Atiraram-se voluptuosa e insistentemente a nós e conduziram-nos (empurraram-nos como carneiros)para a Avenida central onde, isso sim, milhares de pessoas esperavam o candidato. Jovem e desprevenido e, pior ainda, ingénuo, em vez de correr tentei explicar a minha presença. Baldado intento! Fui corrido à chanfalhada como os outros e metido numa confusão para que não tinha contribuído.

Três anos depois, estava na faculdade e já sabia como é que as coisas funcionavam, ou melhor, começava o meu tirocínio de oposicionista. Nesse ano de 1961, disputavam-se as eleições legislativas e a oposição apresentava umas listas que, obviamente, não iriam até ao fim por falta absoluta de garantias. Mas enquanto não se desistia, o que acontecia sempre quase à boca das urnas, lá se iam fazendo uns comícios.

E, como não podia deixar de ser numa cidade universitária, com uma Associação Académica gerida pelos “republicanos”, previa-se um comício para a Juventude. Eu fui mobilizado para a equipa que prepararia o Teatro Avenida, a distribuição de panfletos e já não sei que mais.

O que sei, e bem, foi que na tarde do dia do comício (que seria à noite) se soube que este estava proibido. Razões? Não me lembro ou não as havia.

Desanimado, deixei o Teatro mas alguém me chamou. “Vamos fazer uma manifestação. Anda daí que a malta vai tratar de combinar os pormenores”. Segui o meu guia e acabei, com mais uma dúzia de conspiradores, no escritório do dr. Alberto Vilaça, advogado, comunista, recém chegado de mais uma estadia na prisão. Foi ele que nos explicou que não deveríamos anunciar a proibição do comício senão quando já houvesse muita gente à porta do teatro. Depois, havia que denunciar a perseguição aos democratas e propor uma ida até ao Governo Civil para protestar por mais aquele atropelo.

Nem sei se jantei mas fui dos primeiros a chegar ao Teatro, vi a multidão engrossar paulatinamente até que alguém de uma janela comunicou  a ofensa aos direitos, a proibição sem motivo. Logo outro, berrou que se devia ir reclamar para o Governo civil e em menos de cinco minutos uma multidão de rapazes, sobretudo rapazes, poucas raparigas e alguns cidadãos mais velhos, começou a descer a Avenida Sá da Bandeira, obliquou à esquerda para as ruas Visconde da Luz e Ferreira Borges (o “canal”) desembocou na Portagem e, daí, tentou subir pela Couraça de Lisboa até ao Governo Civil

Do ponto de vista policial era uma má escolha porquanto, depois da Portagem, o percurso estreitava-se na Couraça e qualquer carga policial seria facilmente bem sucedida. Mas, por outro lado, desde Santa Cruz até à Portagem havia meia dúzia de cafés cheios de gente além da que se passearia na Baixa.

A manifestação seguiu este percurso, cheia de genica mas, obviamente, foi barrada por um cordão de polícia nos primeiros metros da Couraça. Em Coimbra, naquele tempo, a polícia não era especialmente benquista pela estudantada. Por seu lado, os irrequietos estudantes também não seriam especialmente amados pelos agentes. À uma, porque tinham o sangue na guelra, depois porque, por isso, conseguiam, de quando em quando, esmurrar conscienciosamente os polícias que lhes saíam ao caminho. Acrescia o facto de nas famosas escalas de criaturas da “praxe”, os caloiros estarem abaixo de cão mas acima de polícia, coisa que, provavelmente, desagradava aos servidores da lei.

Portanto, e como calcularão, durou pouco tempo, o frente a frente. E só durou algum quarto de hora porque, por outros percursos, estariam a chegar mais forças policiais de modo a bloquear os atrevidos e dar-lhes pela medida grande.

Eu ao estreitar-se o percurso fiquei na segunda ou terceira fila mas isso não me salvou de apanhar umas cassetetadas no lombo magro. Claro que fugi a sete pés, como todos os outros que se espalharam em direcção ao Parque da cidade, à ponte de Santa Clara, à marginal do rio, pelas escadinhas dos Gatos direitos à “Baixinha” ou retrocedendo pelo anterior itinerário que já estava pejado de polícias.

Magro, veloz e com as costas aquecidas, consegui escapulir-me pela praça do Comércio e daí alcançar a rua da Sofia, ainda desimpedida e meter-me na pastelaria Sirius. Só parei ao lado de um casal de estudantes de Medicina a quem implorei o empréstimo de uma qualquer sebenta que tivessem a mais. E um lugar à mesa.  Ainda tive tempo de pedir uma bica, abrir aquelas folhas absolutamente confusas para um mau aluno de Direito quando a polícia irrompeu. Felizmente, ainda estariam repousados pelo que se limitaram a passar de mesa em mesa onde estudavam quase todos os presentes e ao verem-me agarrado a um papel erudito julgaram-me inocente. E saíram como entraram começando então a batida aos que ainda tentavam escapar ao cerco policial. A refrega durou mais uma boa hora, eu não tugia nem mugia, o simpático casal de jovens médicos olhava-me como quem olha para um ET (mesmo se na época ainda não houvesse ETs) e até me pagaram a bica quando eu me dispus a desandar para recolher a penates.

A partir desse dia, imorredouro e doloroso, estive em todas as manifestações que saíram o caminho. Em Portugal e na estranja (Madrid, Paris, Berlim, Pescara, - Pescara? Pescara sim senhor! - , Roma).

A maioria das vezes, manifestei-me em Lisboa e Coimbra, a situação de estudante assim o impôs mas, com um saber de experiencia feito, comecei a teorizar sobre a melhor maneira de uma pessoa se manifestar e evitar o arraial de bordoada que isso acarreta.

A primeira cautela, se for possível, é reconhecer a geografia do local que se vai percorrer. Por exemplo, em Lisboa, por ocasião de um dos vários frustrados e proibidos Dia do Estudante, descobri que, na Praça de Londres, há uma Igreja enorme onde um fugitivo, arremedando a Idade Média, se pode acoitar se possível dentro de um confessionário vazio ou, melhor ainda, na sacristia ou anexo do mesmo teor.

Depois, o melhor percurso de fuga, porventura com algum risco, é o de furar a barreira policial, logo que começa o entrevero quando os agentes ainda não estão suficientemente enraivecidos. Uma vez do lado de lá, consegue-se sair do aperto sem consequências demasiado penosas para os nossos lombos.

Em terceiro lugar, manter, se possível o sangue frio, evitar os pontos para onde aflui mais gente, tentar escapulir-se por qualquer porta aberta sem ficar parvamente atrás dela se houver mais andares. Só um polícia sádico e sem vergonha é que sobe mais do que dúzia e meia de degraus. Sem ver a presa, desiste e segue para outra.

Lembro-me de, com o João Bilhau,  ter começado uma espécie de “guia do manifestante” que, até ser abandonado, já levava um quarteirão de conselhos úteis e simples. Como seria de esperar esta obra imortal desapareceu na voragem dos anos, na calma post-abrilista e no sossego que a idade vai aconselhando. Aliás, as únicas manifestações duras em que participei depois do 25 A, ocorreram em Madrid antes da morte de Franco.

Como por acaso, numa dessas alturas, mas ainda em pré-manifestação, encontrei o dr. Alberto Vilaça (cfr supra) que, curioso como um cuco, tinha rumado a Espanha para ver o que se passava. Salvei-o de prosseguir até à Porta do Sol onde a polícia espanhola estava prestes a malhar nos nuestros hermanos que se contramanifestavam. De facto, em Portugal ( e não só) tinham-se feito manifestações contra a pena de morte de uns pobres diabos anarquistas que foram garrotados e uma multidão espanhola e imensa tinha acorrido à Praça de Oriente proferindo impropérios contra todo o mundo e cantando o “Cara al Sol” de pata ao alto. Era contra estes que um punhado menos numeroso mas intrépido decidira juntar-se, mais abaixo. Deve ter sido uma tourada à moda antiga porque os “grises” em começando a malhar não param.

Se não me dei ao luxo de estar nesta, ocasiões não faltaram pois, na cidade Universitária onde eu seguia um Curso de Direito Comparado, raro era o dia em que a polícia não invadia o campus e a malta não andasse numa correria proferindo toda uma série de hijos puta e outras amabilidades enquanto escapava. Por uma única vez levei uma coronhada na costela que me ia derreando mas, como sabia que se não corresse ainda apanhava mais, fiz das tripas coração, aliás pernas, e cavei a bom cavar calle Princesa abaixo. De todo o modo, uma em cinco possíveis foi um bom score, talvez até digno de um rabo ou uma orelha de guardia  civil. Mas isso são outras contas e só um especialista espanhol as poderia fazer. Não me lembrei na altura e agora é tarde de mais.

Leitora manifestante, estou limpo de dúvidas suspeitas? Então lá vai livro: “Poeta en Nueva York”, um livro que foge um pouco daquilo que sempre pensamos ser o Lorca verdadeiro. Na mesma onda, se preferir teatro, há também uma peça onde a herança surrealista é mais visível e interessante: “Asi que pasen cinco años!”. Lorca é sempre bom mas estes Lorcas, ligeiramente fora da caixa, são surpreendentes e de cortar a respiração. Há edições baratíssimas. Se alguém tiver paciência, viver em Lisboa e se já houver alfarrabistas abertos, vi, por várias vezes, a preços inacreditavelmente baixos, as “Obras Completas”, edição em papel biblia encadernada, da Aguillar. Uma beleza e um prodígio.

 

*na vinheta: os primeiros libertadores de Paris eram, na quase totalidade, espanhóis da 9ª companhia apelidada “la nueve”. Os seus carros de combate tinham, todos, nomes de batalhas da guerra de Espanha em que tinham participado. Refugiados em França que os não recebeu bem, conseguiram chegar À argélia e aí ofereceram-se para combater nos recentemente criados exércitos franceses "livres". Durante muitos anos, esta história foi silenciada mas, de há uns tempos a esta parte, esses homens foram redescobertos e honrados como os primeiros combatentes, mesmo se integrados, e bem, numa unidade francesa.

estes dias que passam 376

d'oliveira, 27.04.20

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Diário das semanas da peste

Jornada quadragésima

Comemorar Abril (carta a 3 leitores generosos)

mcr, 27 de Abril

 

A culpa, cara leitora Sarin e caros dois leitores desconhecidos é minha e só minha. Este meu estilo desenfastiado, esta mania de escrever sem rede, de ir escrevendo sem plano, dá nisto: provavelmente terá parecido que eu acharia que não se deve comemorar Abril. Nada mais falso e mais longe do meu pensamento.

Em Abril (de 74) foram alegrias mil. Como se, desde a minha adolescência até esse momento, tivesse estado encerrado num quarto escuro, de castigo e sem saber porquê.

De facto, desde um dia longínquo de 1958, quando na “Braga idolátrica” passeava o meu spleen, até esse dia primordial, vivi na recordação da primeira carga policial que sofri ((eleição Delgado), das muitas seguintes, das prisões que se foram sucedendo, de um angustioso sentimento de viver na “pátria lugar de exílio” (Daniel Filipe). Era um sufoco!

Portanto, poderão ser muitos os gratos ao 25 A mas nenhum mais do que eu.

Explicada esta primeira parte vamos ao que eu julgo ser a verdadeira comemoração da liberdade e do seu dia primeiro.

Todavia, como é costume, uma pequena historieta.

Em 1969, ainda com a crise de Coimbra em aberto, realizaram-se eleições para a “Assembleia Nacional”. Os dados, como se sabe, estavam sempre viciados, os cadernos eleitorais omitiam milhares de cidadãos, era difícil levar a cabo uma campanha de esclarecimento para convencer as pessoas a registarem-se como eleitores e a campanha eleitoral propriamente dita estava sujeita a limites tais que com dificuldade se podiam realizar comícios, sessões de esclarecimento, editar e distribuir propaganda.

Pela primeira vez, que me lembre, a oposição entendeu dever ir às urnas. Eu fui um dos maiores entusiastas dessa ideia. Não esperava ganhar mas argumentava que, pelo menos, nos podíamos contar. Contar não todos os que estavam do nosso lado mas aqueles que tinham passado entre as gotas da chuva autoritária e conseguido ir votar. E ir votar era já uma façanha pois o medo imperava e muita gente receava que esse simples acto cívico lhe estragasse a vida.

Pior: era preciso recrutar fiscais para casa sala de eleição e isso era ainda mais difícil. Claro que me ofereci e, no dia marcado, lá estava, de fatinho e gravata para chatear a gentinha da União Nacional que, na altura talvez já tivesse outro nome.

Não posso dizer que fosse maltratado mas também ninguém me facilitou a tarefa, bem pelo contrário. Na altura da contagem dos votos, pouco ou nada pude fazer para controlar as listas entradas mas também pouco me importou.

Dessa minha incursão na farsa eleitoral fiaram vestígios em dois processos da PIDE com o meu pobre nome. Lá se dizia que o perigoso mcr, veterano do reviralho mais incendiário, tinha oficiado de representante da oposicrática na freguesia de Santo António dos Olivais, Coimbra.

Confesso que esta minha incursão pelos actos pretensamente eleitorais durante o Estado Novo, pouco ou nada me impressionou. Eu fazia coisas bem mais interessantes e mais gravosas contra a “situação”. Aquilo até fora quase um passeio.

Portanto, em chegada a liberdade, jurei a mim mesmo que não falharia uma única eleição, fosse qual fosse a sua importância. Quarenta e seis anos depois aqui estou sem uma única falta. Cheguei a ir votar doente, com febre uma vez. Não concebia ficar na cama sem dizer o que me ia na alma. Com o papelinho branco, coitado, um entre mil, entre milhões.

Ora, é a isso que venho. Votar! Votar1 Votar! Para a Junta de freguesia, para a Câmara Municipal, para o parlamento, para a presidência da República e para a Europa.

Devo dizer que no caso das autárquicas acho absurdo que a maioria dos votos não leve ao total preenchimento dos órgãos Junta e Câmara. Só na Assembleia Municipal é que deveria haver representação repartida consoante as percentagens de cada formação política. É que no executivo camarário pode perfeitamente bloquear-se o funcionamento dos edis da minoria. E estes podem sempre ser uma “força de bloqueio” mesmo minoritários. Só assim se traz para a Assmbleia Municipal o papel importantíssimo que ela deve ter.

No caso do parlamento, a votação por lista é uma aberração. À uma, salvo nos círculos mais pequenos, ninguém conhece os candidatos todos. Lisboa, Porto, Aveiro, Braga, Coimbra Setúbal, tem tanta gente que fora os cabeças de lista e mais dois, três, cinco candidatos ficam visíveis. Os partidos podem preencher os restantes lugares de “levanta e senta cus” agradecidos, obedientes e acríticos.

Os cidadãos interessados nunca conseguem chegar à fala com o “seu deputado”, elogiá-lo ou castiga-lo consoante o seu desempenho na Câmara.

Dir-se-á, sem grande prova, que o sistema de votação por lista e pelo método de Hondt permite proteger as pequenas e médias formações partidárias que de outro modo poderiam ficar excluídas.

Não é verdade ou, melhor, não é exactamente verdade. A representação de minorias pode ser garantida de várias maneiras. Ou por uma reserva de lugares em lista nacional. Ou pela criação de uma segunda Câmara (Senado) que garanta o mesmo resultado A Espanha, a França, a Alemanha e quase todos os restantes parceiros europeus elegem os seus deputados, um por cada círculo e não são menos democráticos que o “torrãozinho de açúcar”. E tem duas Câmaras o que aliás tem vantagens de maior e melhor controlo da função legislativa. E em Portugal foi essa a tradição constitucional quer na Monarquia “republicana” do séc. XIX quer na 1ª República. Foi o Estado Novo que empandeirou a segunda câmara porquanto aquela coisa corporativa nunca passou de um faz de conta.

Portanto, caros leitores que me viram ao caminho protestando o seu amor pela comemoração, comemorem, manifestem-se, desçam a Avenida de cravo ao peito se vos der na gana, Mas votem, votem, votem!

Não deixem que se repita a tristíssima pandemia abstencionista. Os números da abstenção são uma vergonha. Então os do Parlamento Europeu são horrendos.

Quase metade dos portugueses não se dá ao trabalho de num domingo de quatro em quatro anos gastar meia hora para ir votar!

Porque acha que não vale a pena, porque descrê das listas monstruosas pejadas de desconhecidos (só no Porto são 36, mais os suplentes). Porque sabe que o seu voto não castiga os deputados que pouco ou nada fazem que obedecem mais depressa ao líder e ao aparelho do que à sua (inexistente) vacilante consciência!

Votar. Escrutinar! Informar-se e informar! Eis as conquistas de Abril. Ou uma, e essencial, conquista de Abril !

A liberdade é isto, ou é também isto.

Vosso, muito grato, mcr

Na vinheta: imagem para “namoro” (mandei-lhe uma carta...) e Viriato da Cruz, seu autor, poeta, fundador e primeiro Secretário Geral do MPLA, e vítima da camarilha que, a partir de 1963 se apoderou da direcção do movimento. Morreu pobre e abandonado no exílio na China. Tinha apenas 45 anos.

A Casa dos Estudantes do Império editou-o em 1961 (Poemas) Em 1974, a Capricórnio (Lobito) reeditou-o e, mais proximamente, 2014, a UCCLA (União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa) voltou a reeditá-lo. Esta ultima edição está integrada numa colecção de 23 originais publicados primeiramente pela CEI nos anos 60/61 e 62. Orgulho-me de ter feito parte do grupo que ajudou a vender alguns desses livros, proibidos quase todos e obviamente procurados pela polícia política. Na minha última prisão, os agentes da pide fizeram uma razia na minha incipiente biblioteca e levaram-me muitos livros (cerca de 50 no total) que encontraram sobre África e política. Felizmente, analfabetos como eram, ainda ficaram bastantes por roubar. Mas o Viriato não escapou.

Nos alfarrabistas é fácil encontrar parte ou a totalidade dos exemplares publicados pela UCCLA. São muitos os cantores portugueses que gravaram “namoro”. Entre eles, o Sérgio, o Fausto e o Dany Silva. Abençoados sejam !

 

 

estes dias que passam 375

d'oliveira, 26.04.20

 

 

 

Buarcos 1634 20 - cópia.jpg

 

Diário das semanas da peste

Jornada trigésima nona

À polícia e aos costumes diz-se nada

mcr, 26 de Abril

 

 

Gostaria de começar esta digressão pela história de um bolchevique vitima dos famosos processos de Moscovo, uma longa série de infâmias politico-judiciais que diz tudo sobre o regime  soviético, mas que, na época, passou por uma defesa do socialismo contra os seus múltiplos inimigos.

Como quase todos os outros acusados, esse velho militante foi instado a confessar os seus horrendos crimes. A solicitação da polícia política, por muito estranho que pareça, foi recebida por muitos dos presos que, para salvaguardar o “partido” e a “revolução” confessaram coisas extraordinárias, impossíveis. Há autores que sustentam a tese que essas confissões absurdas eram uma mensagem cá para fora sobre a deliquescência do Estado soviético e do partido comunista.

Só assim se explicariam aquelas confissões que, mesmo se obtidas por torturas inenarráveis, são de tal modo originais que qualquer observador, e houve muitos, concluiria pela impossível verosimilhança de tais deposições.

Seja qual for o caso, a verdade é que este velho revolucionário, de origens modestas e escassa educação convencional, não se conformou. Sabia, pressentia, que seria morto fossem quais fossem as suas declarações pelo que, terá ditado para a acta mais ou menos o seguinte: “Chamo-me .... tenho sessenta anos de idade e quarenta e cinco de revolucionário. É demasiado tarde para estragar a minha biografia!”

Isto que li num livro do meu sogro, impressionou-me muito e por várias vezes conversámos sobre o assunto. Todavia, perdi o nome desse herói e, pior, o título do livro onde se narrava a sua história. Durante muito tempo, julguei que constaria de “Les bolcheviques par eux-mêmes” uma recolha impressionante de biografias do Who’s who soviético pescado na Enciclopédia Granat por Georges Haupt e Jean Jacques Marie (Maspero, Paris, 1969). Quando, finalmente adquiri um exemplar não consegui encontrar rasto dessa história.

Todavia, não venho agora reabrir o dossier infame do comunismo stalinista mas apenas, como ontem prometi, referir a minha mais prolongada prisão (1971). Preso em Coimbra, no café “A Brasileira”, fui levado para a sede da PIDE e rapidamente expedido para Lisboa. Na António Maria Cardoso fui encaminhado para o último andar. Ali havia umas salas quase vazias onde os presos recém-chegados eram interrogados. De pé e sem dormir. Estive lá por dois períodos num total de onze dias. Por razões que já terei narrado, os interrogatórios incidiram em algo que eu não tinha feito pelo que, mesmo com as dificuldades que são supostas,  consegui “não falar”.

Quando, finalmente, já em Caxias, fui visitado pelo meu sogro, consegui sem grande dificuldade anunciar-lhe que a minha "biografia estava intacta". Esta mensagem iluminou-lhe o rosto e percebi que tinha conseguido dizer a única coisa importante. Éramos muito amigos, tínhamos manias comuns e em Paris era verem-nos correr todas as capelinhas (livrarias, claro!) numa longa e minuciosa pesquisa de livros no caso quase sempre de índole política. Dois terços, três quartos dessas livrarias já desapareceram (A Joie de Lire, a Globe etc...) mas ainda sou capaz de me lembrar de cada recanto delas.

Tudo isto, esta historieta de que fui actor involuntário, resistente sem saber ler nem escrever, tem na sua raiz esta ideia. Pior do que a cadeia, do que os maus tratos (eu, em boa verdade, fora o ter estado onze dias sem dormir e de pé não posso queixar-me de qualquer violência física. Se calhar era por ser um “finguelinhas” com cinquenta e sete quilos, um pelém, e terem o receio de com meia dúzia de sopapos me estragarem mais do que seria útil e devido. E, depois, devem ter concluído que eu não era mais do que um oposicionista extremo mas não perigoso. Por perigoso entenda-se alguém com actividades ligadas ao PC e responsabilidades no aparelho), pior do que a prisão, repito depois deste parêntesis tão comprido, seria sair de lá com a consciência pesado de ter traído alguém, de ter colaborado com aquela canalha, de ter confirmado acções que poriam em risco outrem, além de mim mesmo. Isso matar-me-ia de vergonha. Ser objecto do olhar de outros mesmo que desculpabilizante era-me insuportável. Durante aqueles onze dias o meu medo resumia-se a isso, só a isso.

Quando fui para o “conforto” de uma cela, felizmente com vista para a estrada e para o rio, fiquei em paz comigo mesmo e achei que aquilo, aquela privação de liberdade, não era tão horrível como suspeitara. “Agora, pensei, é aguentar e cara alegre que isto, mais dia menos dia há de acabar”. Demorou mas acabou. E saí de lá, abatido mas de cabeça erguida, olhando os meus e os amigos de olhos nos olhos.

O encontro com Jorge Delgado foi, como não podia deixar de ser, caloroso se é que a palavra pode exprimir a cumplicidade, a camaradagem política e humana, a estima e a alegria. Se éramos amigos mais amigos ficámos. Depois de me divorciar, continuei a frequentar a casa dos meus sogros e só me pesa o facto de não ter podido ir ao enterro dele. Estava fora do Porto, em Lisboa, e só por acaso soube da morte dele. Nem sequer dei pelo anúncio do enterro por justamente este não constar da edição impressa em Lisboa. Ligo pouco a enterros, por mim, se fosse possível era embrulharem-me num pano velho e deitarem-me ao mar. Comi tanto peixe, sou tão de Buarcos, que esse seria o meu melhor túmulo. E útil para os predadores do mar. Infelizmente, parece que a lei não o permite. Podem deitar para o mar toda a merda, todo o plástico, todo o mercúrio que quiserem mas o cadáver de uma criatura parece proibido.

Ah fora eu Quincas Berro d’Água e tivera amigos como os dele que outro galo me cantaria.

Ora aqui está uma boa sugestão de leitura. Jorge Amado: “Os velhos marinheiros”. E mais outra: “Navegação de Cabotagem”, também de Amado, uma divertidíssima autobiografia que põe em cena centenas de intelectuais de todo o mundo desde Neruda a Ilya Ehrenburg ou Kuo-Mo-Jo (uma historieta delirante!) .

a vinheta: ""Atlas das costas de Espanha e Portugal" de Pedro Teixeira Albernaz, (c.1595-1662) português instalado em Madrid onde morreu. Este atlas foi encomendado por Felipe IV de Espanha, IIIº de Portugal, e é uma preciosidade pois descreve as costas da península com uma minúcia exemplar.  Foi descoberto, trezentos anos depois da sua confecção,, e deve ter sido elaborado circa 1634.  Está na biblioteca Nacional da Austria (cod. min.46)- O cartógrafo, como muitos outros portugueses, por exemplo Manuel Faria e Sousa,  autor de "Ásia Portuguesa", continuou a viver em Espanha depois da independencia de Portugal que, em boa verdade, só foi reconhecida perto de 1680. A primeira edição fac-simile ( 200 páginas, 348x446 mm) é de Siloé (Burgos) e a ilustração refere Buarcos e Figueira da Foz, evidentemente!

 

 

 

 

estes dias que passam 374

d'oliveira, 26.04.20

Diário das semanas da peste

Jornada trigésima oitava

Agrião, maçãs e recordação

mcr, 25 de abril

nota: só o meu analfabetismo informático poderá ter feito desaparecer este texto de ontem que pensava ter publicado. Pelos vistos, voga noutra galáxia  

A CG afirmou que estava cansada e mandou-me preparar agriões para uma sopa. Depois, a fatigada anunciou que ia fazer um bolo. Estive para rosnar que isso iria aumentar o cansaço mas, homem previdente, com três casamentos no lombo fora alguns intervalos amorosos, entendi sabiamente que, nestes casos de visível contradição, o silêncio é de oiro.

Obedientemente, preparei os agriões como ela me exemplificou, descasquei e cortei em quartos seis maçãs, desandei para o supermercado fazer umas compras urgentes, levei o lixo (pela 2ª vez) ao contentor da cave, pus a mesa e sentei-me frente ao computador, com um café da nespresso.

E, subitamente, as memórias de há quarenta e seis anos bateram-me à porta. Vamos por partes: o meu colega de curso e de escritório, José A. Mobilizara-me dias antes para a intentona. Eu, dada a minha experiência de passador de fronteira, teria de arranjar uma flotilha de carros e respectivos motoristas para, caso a coisa falhasse, levar os revoltosos que escapassem para longe das garras da polícia. Assim, mobilizei a família (a João e os pais), o Rui Feijó e a filha Teresa. Comigo eram cinco ou seis viaturas e respectivo pessoal condutor.

A Teresa mudou-se para a nossa casa, um dúplex, sogros em baixo e arraia miúda em cima, pretextando urgência nas operações de resgate. A minha sogra, Alcinda Delgado, antiga militante do “Socorro Vermelho” disse que dormiria tão placidamente como sempre pois tinha as maiores dúvidas sobre a eficácia dos revolucionários. Portanto, e nisso foi seguida pelo Jorge Delgado, recomendou que só a acordassem se a coisa desse raia. O Feijó, rejubilou, ficou em ânsias e resolveu dormir ao lado do telefone.

E a noite caiu connosco de prevenção.

Fracos revolucionários, também era a primeira revolução em que, na segunda ou terceira linha de fogo, nos alistávamos, fomos para cama à espera dos sinais da rádio. Primeira decepção: a senha que devia ser dada pelos emissores reunidos de Lisboa (ou qualquer nome parecido com este) não apareceu. Nem podia aparecer que no Porto essa emissora não se apanhava!

“enganámo-nos na hora”, decretei eu para as desconfiadas donzelas. E, com a passagem das horas e da emoção, adormecemos. De repente, no meio de um sono pejado de intermitências, acordei, seriam duas, três ou quatro da madrugada com um aviso, apelo do “movimento das forças armadas”. Uivei, acordei as duas criaturas, vestimo-nos num ápice e liguei para o Feijó que só conseguiu murmurar numa voz entrecortada: “vem buscar-me!”

Preveni os meus sogros, que não se comoveram especialmente e, pelas quatro, cinco da manhã, no mini da João arrancamos para o centro da cidade (vivíamos na Foz). Eu de piloto, o Rui de navegador, as duas perigosas atrás e cheias de genica, e ala que se faz tarde.

Primeira passagem, CICAP onde eu tinha vários colegas de curso a cumprir o serviço militar. Dois deles, sabia eu, metidos até aos cabelos na conspirata, o Zé Afonso e o Manel Simas. Outros, o Sottomaior, por exemplo serviam noutros quartéis, e eu preocupava-me por desconhecer qual o grau de conhecimento deles. Não que os não soubesse capazes de estar na conspiração. Mas, uma coisa é ter sido prevenido e aliciado, outra é ter sido esquecido.

Segunda passagem, desta feita pelo Quartel General, algumas luzes acesas como no CICAP mas nenhum movimento cá fora. Terceiro quartel, desta vez o da Guarda Republicana: nicles. Nem luz nem movimento. O mesmo se diga das esquadras de polícia. Abstive-me, por razões que facilmente se entendem de passar pela sede da PIDE onde, poucos meses antes estivera a ser outra vez!, a ser interrogado.

Pelas seis, ou mais tarde, descobrimos que o café das piscinas, na Constituição estava aberto. Achei que valia a pena sondar o local. Melhor dizendo, eu estava alucinado por um café dom ou sem revolução em curso. A restante comandita apoiou não sei se por falta de cafeína ou por curiosidade.

Lá dentro várias criaturas com ar de saberem qualquer coisa, desconfiadas a olhar em volta. Encontro a mulher de um dirigente sindical metalúrgico que logo me disse “ai se ao menos libertassem os presos políticos!...”

“Está feito”, respondi-lhe com uma fezada das antigas, das tontas, das de sempre, das que vinha alimentando há já quinze anos, quase metade da minha vida. “Ai Deus queira” retorquiu aliviada a criatura.

Mais outra volta por uma cidade entorpecida que começava a acordar. Tudo calmo! “Porra que isto é demais”, arrisquei. “Vamos para Miramar ver o que se passa com o Rádio Clube.

Finalmente uma luz, na manhã já de sol: uma meia dúzia de soldados de arma aperrada à volta do prédio. . às nove, resolvemos recolher a penates para saber notícias que o diabo da cidade parecia igual ao de sempre.

E as rádios a começar vagarosamente, timidamente a transmitir notícias fugazes, breves, escassas, de que qualquer coisa estava no ar. E em terra, raios me partam!, em terra, como em Miramar.

Ao meio dia, uma da tarde, já havia boas notícias.

Desandei, desta feita, sozinho para a baixa. Juntei-me a uns esgrouviados que queriam assaltar o consulado da África do Sul, nos Aliados. A porta de entrada do prédio parecia robusta e estava fechada. Tentámos apedrejar as janelas mas não tenho a certeza de se ter acertado nalguma. Obliquámos para a rua de Ceuta onde dois polícias aterrorizados iam sofrendo uma lapidação em regra com os calhaus sobrantes da tentativa de assalto ao consulado. Fui eu que os salvei arengando aos insurrectos que, na generalidade pertenciam ao Grito do Povo de que eu era advogado. Aliás, no grupo, estavam alguns clientes meus que ouviram o meu apelo e conselho e resolveram ir por outra guerra mais capaz.

Dei um salto ao escritório do meu antigo patrono, dr. José Sá Carneiro Figueiredo e pu-lo a par de tudo. Acto contínuo, pegou no telefone e ligou ao primo Chico Sá Carneiro. Passou-me o telefone, eu disse o que sabia, e depois o velho senhor, disse ao futuro líder do PPD. “E agora, Francisco, agora o menino é só política, ouviu? Só política!” (sic).

Nunca um velho grande e respeitado advogado foi tão veemente, tão perspicaz, tão seguro do futuro.

Eu conhecia Francisco Sá Carneiro desde o tempo em que era estagiário do primo e íamos a meio da tarde lanchar numa pastelaria perto do escritório já a dar para a praça D João !. Juntava-se ali um numeroso grupo de advogados, quase todos da oposicrática e alguns do meu tempo como o Vasco Airão Marques, o Mário Brochado Coelho ou o António Taborda. Acho que, uma que outra vez, aparecia também o Rui Polónio Sampaio, tudo gente que em Coimbra, andara pelas lutas académicas, pelo CITAC, enfim por tudo o que mexesse.

Curiosamente, o grupo dos Cal Brandão, António Macedo e outros socialistas ia a outro café, mesmo sendo vizinhos de rua.

Em breve os veria, a organizar afanosamente (com o Zé Luís Nunes, amigo e contemporâneo de Coimbra) as bases do futuro PS. Gente boa, gente que passara anos e anos à espera, que volta e meia ia presa só para lhes ser estragada a vida profissional, umas semanas e já está mas isso com um advogado e com os prazos dos tribunais, era terrível.

Oh que sorte tive, em os conhecer, privar com eles, mesmo se, na altura, eu os julgasse demasiado agarrados ao velho “reviralho”, aos velhos republicanos, à incapacidade organizativa o que os fazia parecer estar sempre atrás dos comunistas e, nos últimos tempos, atrás de tudo o que era esquerdismo infantil ou senil.

À noite, lá apareceu a Junta de Salvação Nacional, as primeiras imagens do delírio colectivo do Carmo, onde um advogado cheio de garra e de coragem, Francisco Sousa Tavares arengou à multidão. Sousa Tavares era monárquico e oposicionista, corajoso e aventureiro, exemplar. Seria bom que nestas alturas também o recordassem, fogoso, inteiro s sincero.

É que, subitamente, na semana que permeou entre o 25 A e o 1º de Maio, multidões gigantescas apareceram vindas dos nevoeiros espessos do Estado Novo onde hibernavam, medrosas e coniventes. De repente, era tudo anti-fascista ou mais ainda. Arre!, que volta a 180 graus tão rápida, que virar de casacas tão grande, tout le monde il est beau, tout le monde il est gentil tout le monde il est revolutionnaire... para parafrasear um filme, na altura, recente. Aquilo não era Portugal, era a Comuna de Paris! Sem os incêndios nem os prussianos à porta, claro...

No dia seguinte, pela tarde, reunião magna na casa da Fernanda Bernarda e do Zé Ferraz. Estávamos lá todos, os do grupo vindo de Coimbra, da crise de 69, que tínhamos mantido as reuniões conspirativas, a Isabel Ferraz, a Isabel Pinto, o Zé Bandeira, a Alberto Martins, a Joana “aleijadinha”, a Mi, o “Didi” Lopes Dias e a Lena, a Leonida e o Manel Strecht sei lá quem mais. Aliás, todos estavam metidos de um ou outro modo, comprometidos e maravilhados. “E agora? “

Sabíamos que a partir desse agora algo, bastante, ia ser diferente. Como, quando isso naquele dia era-nos indiferente. A revolução apanhara-nos nos trinta anos, no começo da vida profissional, depois de anos e anos de angustia, de medo, de coragem, e de sofrimento. Estávamos prontos para o tempo que iria começar.

O mesmo se diga para outros, os das anteriores gerações que tinham passado por agruras bem maiores e pago um preço muito mais elevado. Os já citados Cal Brandão e António Macedo que viriam a ser figuras icónicas do melhor que o PS alguma vez teve, do Rui Feijó, membro do grupo de jovens intelectuais de Coimbra que inauguraram o neo-realismo, que tinha feito parte do “grupo Shell”, anfitrião de tantos refugiados políticos que acolheu e escondeu na sua quinta na Senhora Aparecida, membro fundador da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos e futuro deputado constituinte ou o Jorge e a Alcinda depois dos anos passados em Izeda, ele preso no campo prisional que construía a cadeia, ela, companheira que o seguira com uma filha de poucos anos.

Poderia juntar cem, duzentos nomes a esta lista. Que naquele tempo anterior éramos tão poucos que nos conhecíamos todos e todos e cada um sentíamos como nosso o sofrimento de uma prisão de outrem e todos e cada um tivemos a oportunidade de sentir a solidariedade de todos os outros quando o azar nos bateu à porta. Tenho disso uma experiência razoável já que frequentei, contrafeito, alguns calabouços. Foram eles, foi a solidariedade deles o que me fez aguentar esses tempos adversos. Foi a ideia do olhar deles que me fez resistir à tentação de confessar fosse o que fosse. Não era coragem, era vergonha, medo de ter de sentir vergonha.

Na próxima jornada falarei disso.

Hoje é dia de festa. Nada de livros mas música. Por exemplo: ouvir Joy to the world pelos Three Dog Night (ou pelas Supremes ou pelo Little Richard). Ou então, ouvir o cd “The Big Chill (original motion picture soundtrack) Motown, 2072347. De certeza que a Amazon tem.

É a banda sonora do filme que por cá passou com o título “Os amigos de Alex”. A Fernanda Bernarda adorava esse filme. Como a Joana e o Zé Bandeira, já cá não está para voltar a ouvir “I heard it through the grapevine”

Agora, mesmo, recebo no telemóvel, uma mensagem da Isabel Pinto:”viva Abril e a liberdade”. Viva, claro, e vivas tu e toda a tua gente. E vivam os nossos amigos então exilados, o meu irmão Octávio, o outro Octávio (Ribeiro da Cunha), o João Quintela ou a Fernanda Granado. Oh que dias de vinho e rosas!

 

 

 

 

Estes dias que passam 373

d'oliveira, 26.04.20

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Diário das semanas da peste

Jornada trigésima oitava

Agrião, maçãs e recordação

mcr, 25 de abril

 

A CG afirmou que estava cansada e mandou-me preparar agriões para uma sopa. Depois, a fatigada anunciou que ia fazer um bolo. Estive para rosnar que isso iria aumentar o cansaço mas, homem previdente, com três casamentos no lombo fora alguns intervalos amorosos, entendi sabiamente que, nestes casos de visível contradição, o silêncio é de oiro.

Obedientemente, preparei os agriões como ela me exemplificou, descasquei e cortei em quartos seis maçãs, desandei para o supermercado fazer umas compras urgentes, levei o lixo (pela 2ª vez) ao contentor da cave, pus a mesa e sentei-me frente ao computador, com um café da nespresso.

E, subitamente, as memórias de há quarenta e seis anos bateram-me à porta. Vamos por partes: o meu colega de curso e de escritório, José A. Mobilizara-me dias antes para a intentona. Eu, dada a minha experiência de passador de fronteira, teria de arranjar uma flotilha de carros e respectivos motoristas para, caso a coisa falhasse, levar os revoltosos que escapassem para longe das garras da polícia. Assim, mobilizei a família (a João e os pais), o Rui Feijó e a filha Teresa. Comigo eram cinco ou seis viaturas e respectivo pessoal condutor.

A Teresa mudou-se para a nossa casa, um dúplex, sogros em baixo e arraia miúda em cima, pretextando urgência nas operações de resgate. A minha sogra, Alcinda Delgado, antiga militante do “Socorro Vermelho” disse que dormiria tão placidamente como sempre pois tinha as maiores dúvidas sobre a eficácia dos revolucionários. Portanto, e nisso foi seguida pelo Jorge Delgado, recomendou que só a acordassem se a coisa desse raia. O Feijó, rejubilou, ficou em ânsias e resolveu dormir ao lado do telefone.

E a noite caiu connosco de prevenção.

Fracos revolucionários, também era a primeira revolução em que, na segunda ou terceira linha de fogo, nos alistávamos, fomos para cama à espera dos sinais da rádio. Primeira decepção: a senha que devia ser dada pelos emissores reunidos de Lisboa (ou qualquer nome parecido com este) não apareceu. Nem podia aparecer que no Porto essa emissora não se apanhava!

“enganámo-nos na hora”, decretei eu para as desconfiadas donzelas. E, com a passagem das horas e da emoção, adormecemos. De repente, no meio de um sono pejado de intermitências, acordei, seriam duas, três ou quatro da madrugada com um aviso, apelo do “movimento das forças armadas”. Uivei, acordei as duas criaturas, vestimo-nos num ápice e liguei para o Feijó que só conseguiu murmurar numa voz entrecortada: “vem buscar-me!”

Preveni os meus sogros, que não se comoveram especialmente e, pelas quatro, cinco da manhã, no mini da João arrancamos para o centro da cidade (vivíamos na Foz). Eu de piloto, o Rui de navegador, as duas perigosas atrás e cheias de genica, e ala que se faz tarde.

Primeira passagem, CICAP onde eu tinha vários colegas de curso a cumprir o serviço militar. Dois deles, sabia eu, metidos até aos cabelos na conspirata, o Zé Afonso e o Manel Simas. Outros, o Sottomaior, por exemplo serviam noutros quartéis, e eu preocupava-me por desconhecer qual o grau de conhecimento deles. Não que os não soubesse capazes de estar na conspiração. Mas, uma coisa é ter sido prevenido e aliciado, outra é ter sido esquecido.

Segunda passagem, desta feita pelo Quartel General, algumas luzes acesas como no CICAP mas nenhum movimento cá fora. Terceiro quartel, desta vez o da Guarda Republicana: nicles. Nem luz nem movimento. O mesmo se diga das esquadras de polícia. Abstive-me, por razões que facilmente se entendem de passar pela sede da PIDE onde, poucos meses antes estivera a ser outra vez!, a ser interrogado.

Pelas seis, ou mais tarde, descobrimos que o café das piscinas, na Constituição estava aberto. Achei que valia a pena sondar o local. Melhor dizendo, eu estava alucinado por um café dom ou sem revolução em curso. A restante comandita apoiou não sei se por falta de cafeína ou por curiosidade.

Lá dentro várias criaturas com ar de saberem qualquer coisa, desconfiadas a olhar em volta. Encontro a mulher de um dirigente sindical metalúrgico que logo me disse “ai se ao menos libertassem os presos políticos!...”

“Está feito”, respondi-lhe com uma fezada das antigas, das tontas, das de sempre, das que vinha alimentando há já quinze anos, quase metade da minha vida. “Ai Deus queira” retorquiu aliviada a criatura.

Mais outra volta por uma cidade entorpecida que começava a acordar. Tudo calmo! “Porra que isto é demais”, arrisquei. “Vamos para Miramar ver o que se passa com o Rádio Clube.

Finalmente uma luz, na manhã já de sol: uma meia dúzia de soldados de arma aperrada à volta do prédio. . às nove, resolvemos recolher a penates para saber notícias que o diabo da cidade parecia igual ao de sempre.

E as rádios a começar vagarosamente, timidamente a transmitir notícias fugazes, breves, escassas, de que qualquer coisa estava no ar. E em terra, raios me partam!, em terra, como em Miramar.

Ao meio dia, uma da tarde, já havia boas notícias.

Desandei, desta feita, sozinho para a baixa. Juntei-me a uns esgrouviados que queriam assaltar o consulado da África do Sul, nos Aliados. A porta de entrada do prédio parecia robusta e estava fechada. Tentámos apedrejar as janelas mas não tenho a certeza de se ter acertado nalguma. Obliquámos para a rua de Ceuta onde dois polícias aterrorizados iam sofrendo uma lapidação em regra com os calhaus sobrantes da tentativa de assalto ao consulado. Fui eu que os salvei arengando aos insurrectos que, na generalidade pertenciam ao Grito do Povo de que eu era advogado. Aliás, no grupo, estavam alguns clientes meus que ouviram o meu apelo e conselho e resolveram ir por outra guerra mais capaz.

Dei um salto ao escritório do meu antigo patrono, dr. José Sá Carneiro Figueiredo e pu-lo a par de tudo. Acto contínuo, pegou no telefone e ligou ao primo Chico Sá Carneiro. Passou-me o telefone, eu disse o que sabia, e depois o velho senhor, disse ao futuro líder do PPD. “E agora, Francisco, agora o menino é só política, ouviu? Só política!” (sic).

Nunca um velho grande e respeitado advogado foi tão veemente, tão perspicaz, tão seguro do futuro.

Eu conhecia Francisco Sá Carneiro desde o tempo em que era estagiário do primo e íamos a meio da tarde lanchar numa pastelaria perto do escritório já a dar para a praça D João !. Juntava-se ali um numeroso grupo de advogados, quase todos da oposicrática e alguns do meu tempo como o Vasco Airão Marques, o Mário Brochado Coelho ou o António Taborda. Acho que, uma que outra vez, aparecia também o Rui Polónio Sampaio, tudo gente que em Coimbra, andara pelas lutas académicas, pelo CITAC, enfim por tudo o que mexesse.

Curiosamente, o grupo dos Cal Brandão, António Macedo e outros socialistas ia a outro café, mesmo sendo vizinhos de rua.

Em breve os veria, a organizar afanosamente (com o Zé Luís Nunes, amigo e contemporâneo de Coimbra) as bases do futuro PS. Gente boa, gente que passara anos e anos à espera, que volta e meia ia presa só para lhes ser estragada a vida profissional, umas semanas e já está mas isso com um advogado e com os prazos dos tribunais, era terrível.

Oh que sorte tive, em os conhecer, privar com eles, mesmo se, na altura, eu os julgasse demasiado agarrados ao velho “reviralho”, aos velhos republicanos, à incapacidade organizativa o que os fazia parecer estar sempre atrás dos comunistas e, nos últimos tempos, atrás de tudo o que era esquerdismo infantil ou senil.

À noite, lá apareceu a Junta de Salvação Nacional, as primeiras imagens do delírio colectivo do Carmo, onde um advogado cheio de garra e de coragem, Francisco Sousa Tavares arengou à multidão. Sousa Tavares era monárquico e oposicionista, corajoso e aventureiro, exemplar. Seria bom que nestas alturas também o recordassem, fogoso, inteiro s sincero.

É que, subitamente, na semana que permeou entre o 25 A e o 1º de Maio, multidões gigantescas apareceram vindas dos nevoeiros espessos do Estado Novo onde hibernavam, medrosas e coniventes. De repente, era tudo anti-fascista ou mais ainda. Arre!, que volta a 180 graus tão rápida, que virar de casacas tão grande, tout le monde il est beau, tout le monde il est gentil tout le monde il est revolutionnaire... para parafrasear um filme, na altura, recente. Aquilo não era Portugal, era a Comuna de Paris! Sem os incêndios nem os prussianos à porta, claro...

No dia seguinte, pela tarde, reunião magna na casa da Fernanda Bernarda e do Zé Ferraz. Estávamos lá todos, os do grupo vindo de Coimbra, da crise de 69, que tínhamos mantido as reuniões conspirativas, a Isabel Ferraz, a Isabel Pinto, o Zé Bandeira, a Alberto Martins, a Joana “aleijadinha”, a Mi, o “Didi” Lopes Dias e a Lena, a Leonida e o Manel Strecht sei lá quem mais. Aliás, todos estavam metidos de um ou outro modo, comprometidos e maravilhados. “E agora? “

Sabíamos que a partir desse agora algo, bastante, ia ser diferente. Como, quando isso naquele dia era-nos indiferente. A revolução apanhara-nos nos trinta anos, no começo da vida profissional, depois de anos e anos de angustia, de medo, de coragem, e de sofrimento. Estávamos prontos para o tempo que iria começar.

O mesmo se diga para outros, os das anteriores gerações que tinham passado por agruras bem maiores e pago um preço muito mais elevado. Os já citados Cal Brandão e António Macedo que viriam a ser figuras icónicas do melhor que o PS alguma vez teve, do Rui Feijó, membro do grupo de jovens intelectuais de Coimbra que inauguraram o neo-realismo, que tinha feito parte do “grupo Shell”, anfitrião de tantos refugiados políticos que acolheu e escondeu na sua quinta na Senhora Aparecida, membro fundador da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos e futuro deputado constituinte ou o Jorge e a Alcinda depois dos anos passados em Izeda, ele preso no campo prisional que construía a cadeia, ela, companheira que o seguira com uma filha de poucos anos.

Poderia juntar cem, duzentos nomes a esta lista. Que naquele tempo anterior éramos tão poucos que nos conhecíamos todos e todos e cada um sentíamos como nosso o sofrimento de uma prisão de outrem e todos e cada um tivemos a oportunidade de sentir a solidariedade de todos os outros quando o azar nos bateu à porta. Tenho disso uma experiência razoável já que frequentei, contrafeito, alguns calabouços. Foram eles, foi a solidariedade deles o que me fez aguentar esses tempos adversos. Foi a ideia do olhar deles que me fez resistir à tentação de confessar fosse o que fosse. Não era coragem, era vergonha, medo de ter de sentir vergonha.

Na próxima jornada falarei disso.

Hoje é dia de festa. Nada de livros mas música. Por exemplo: ouvir Joy to the world pelos Three Dog Night (ou pelas Supremes ou pelo Little Richard). Ou então, ouvir o cd “The Big Chill (original motion picture soundtrack) Motown, 2072347. De certeza que a Amazon tem.

É a banda sonora do filme que por cá passou com o título “Os amigos de Alex”. A Fernanda Bernarda adorava esse filme. Como a Joana e o Zé Bandeira, já cá não está para voltar a ouvir “I heard it through the grapevine”

Agora, mesmo, recebo no telemóvel, uma mensagem da Isabel Pinto:”viva Abril e a liberdade”. Viva, claro, e vivas tu e toda a tua gente. E vivam os nossos amigos então exilados, o meu irmão Octávio, o outro Octávio (Ribeiro da Cunha), o João Quintela ou a Fernanda Granado. Oh que dias de vinho e rosas!

na vinheta: Francisco Sousa Tavares no largo do Carmo no dia 25 de Abril de 74!

 

diário político 225

d'oliveira, 26.04.20

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um homem só pode valer mais do que setenta acompanhados

D’Oliveira fecit a 26 de Abril de 2020

 

A celebração do dia 25 lá decorreu, como se previa. Ou, mais exactamente, com um número reduzido de presenças, como mandaria o bom senso.

E fala-se em bom senso porquanto este faltou, e de que maneira!, ao dr. Ferro Rodrigues. Definitivamente, os longos anos de deputado os já quase cinco de Presidente da Assembleia, deram pouco fruto. S.ª Ex.ª ainda não percebeu que os seus tiques autoritários, a sua ansia de protagonismo, a sua tentativa de estar sempre a dizer coisas (como aquela prima do Solnado) enfraquece o seu papel, sujeita-o ao ridículo e torna as suas intervenções em inoportunidades.

Não se põe em causa que a data seja celebrada na AR. Mesmo se dezenas de outras actividades estejam suspensas, assistência a enterros, casamentos, baptizados ou aniversários de familiares e/ou amigos. Manda o bom senso e a prevenção geral que assim seja.

Também as grandes festas religiosas (e destaco a Páscoa, para a imensa maioria cristã portuguesa, ou o Ramadão que agora se inicia e que toca cem ou duzentos mil cidadãos nacionais ou emigrados) tiveram de sofrer fortíssimas restrições que os líderes religiosos, com mais bom senso que o dr. Ferro, aceitaram e acataram. Nem sequer vou usar o argumento da laicidade do Estado porquanto um Estado laico e democrático respeita e protege a religião dos seus cidadãos. E tanto é assim que, ontem, na tribuna dos convidados estava o cardeal patriarca. Se o convidaram por alguma razão foi.

O que toda a gente ou muita, pouco interessa, tentou dizer ao Presidente da AR foi que, justamente porque o parlamento (e bem) está em funções, deveria no caso celebrativo mostrar-se austero, sensato e respeitador das mais estritas regras de segurança sanitária. O Parlamento deve dar o exemplo.

Ora o projecto inicial da celebração era tudo menos isso, desde o número de deputados presentes até ao rol enorme de convidados. Pessoalmente, eu até preferia que os presentes usassem máscara. Para dar o exemplo. Cada vez que a utilizo sofro horrores: os óculos ficam logo embaciados, o calor aperta, a respiração enche e esvazia o raio da máscara – e já recorri a vários modelos!

A obrigatoriedade da máscara vai dissuadir-me de pôr o pé fora de casa muito mais do que o medo (e eu tenho medo, juro!) de me infectar. Numa casa em que só somos dois, em que a minha mulher tem problemas pulmonares graves, uma infecção minha será sempre muito grave. Quem é que irá às compras, à farmácia ou a um qualquer outro recado importante e imprescindível?

Ao contrário de muitos estrénuos defensores ad nauseam da democracia, das conquistas de Abril, do trauteio de Grândola ou dos cravos vermelhos, sempre entendi que uma celebração havia de ser digna, curta e exemplar.

Poderia aduzir um outro argumento: as datas, as famosas datas festivas da pátria celebram-se com normalidade. Ninguém precisa de, em dia certo, sair para a rua de punho no ar vitoreando as forças armadas. As mesmas forças armadas também trouxeram o 28 de Maio, só para dar um exemplo.

Para mim, a tropa, aquela tropa que se baseava na conscrição obrigatória e universal era o povo em armas. Agora, apesar de generoso, magnífico trabalho que os militares estão a prestar, a tropa é outra, é uma corporação quenão representa essa ideia sã e revolucionaria herdada da Revolução Francesa mas um corpo fechado, altamente especializado e, curiosamente, pouco atraente para a população em geral e para a juventude em particular.

De todo o modo, estou grato, gratíssimo, aos militares (do quadro e milicianos, é bom não esquecer estes últimos e aos soldados rasos o maior número, o menos lembrado, o que nunca tem honras sequer um voto de louvor) que correram com a pandilha.

Mas essa gratidão não esquece as sombras que as houve logo de seguida, o 5º Governo, as assembleias selvagens do MFA, a patética e lamentável inventona dos S.U.V., os golpistas sustidos pelo 25 de novembro, a tentativa duradoura de condicionar eleições, governos, assembleias. Nem todos os militares se chamaram Salgueiro Maia ou Melo Antunes, se é que me entendem. E, já agora, mesmo que nunca tivesse sido alguém que eu estimasse, devo lembrar que um certo marechal Spínola escreveu um livro que arrasava o fim do Estado Novo, o estado de guerra, a brigada do reumático. Spínola era um militar autoritário e isso viu-se. Também era, no início da guerra colonial, um oficial que poderia não ter ido para a frente de batalha, para o mato mas foi. A coragem respeita-se.

Resumindo, os militares como casta são do piorio. Como cidadãos são exactamente uma amostra deste povo que é o meu, o nosso.

As grandes datas, e dessas destaco duas, o 25 de Abril e o 1º de Dezembro, podem ser celebradas. Confesso que a maior celebração é o feriado gozado pacatamente, normalmente, como algo de definitivamente adquirido. É que hoje, julgo, ninguém põe em causa a independência pátria ou a liberdade. As pessoas já nem se lembram dos ásperos tempos, o que é um bom sinal. Sinal que a árvore da democracia está forte e que a floresta dos direitos e liberdades cresce sem perigo de fogos ou de ataque de madeireiros.

Mas, sobretudo, há algo que mais do que incomodar-me, me irrita soberanamente. É a contínua desqualificação dos adversários. No caso, como aliás, António Barreto, sublinha no “Público” é este cruzar de acusações fascista/comunista que é brandido por uns e outros.

Criticar o Poder, o Governo, este ou outro de outra cor, o Parlamento, a Câmara Municipal ou a Junta de freguesia é um direito absoluto da cidadania. Ora foi isso que foi tentado, e de forma desigual, nesta guerra do alecrim e da manjerona: os “fascistas” queriam matar o 25 A, proibindo uma meia dúzia de discursos em sessão solene que, sabe-se bem, poucos seguem na totalidade.

Os “comunistas” ou assimilados, os radicais estão prontos a ir para as barricadas para suster a onda impetuosa da Direita de faca nos dentes.

E vá de fazer petições. No caso, a da “direita” era quatro vezes maior do que a de “esquerda”, o que nada quer dizer, aliás. Em tempos de confinamento, as pessoas fazem tudo para se entreter.

Eu nem as vi nem, de resto, as assinaria. A minha frente de combate é esta modestíssima tribuna, e já me chega.

Uma palavra sobre os senhores ex- Presidentes da República. Um, o senhor general Eanes, discordando do modelo, entendeu dever estar presente. Muito bem. Outro, o paisaníssimo dr. Jorge Sampaio, homem avisado, sábio e sem necessitar de dar provas da sua histórica coragem, resolveu não comparecer por estar na situação de risco que a idade e os achaques comprovam. O terceiro, o professor doutor Cavaco Silva achou que não precisava de dar explicação pública e faltou. Não sei se escreveu ao sr Presidente da AR mas isso, eesse toque de boa educação não lhe ficaria mal.

Vir agora, como Vicente Jorge Silva, um ex director do corajoso “Comércio do Funchal”, o jornalzinho cor de rosa, afirmar que Cavaco detestaria o significado da data, é uma canalhice. Cavaco foi um dirigente político e, por acaso ou talvez não, ganhou duas eleições sucessivas por maioria absoluta, facto único na nossa história parlamentar. Não há notícia de ter sido, quando jovem, adepto do Estado Novo. Foi, como noventa por cento dos portugueses da sua idade e do seu tempo, um espectador passivo do que se passava, nada mais.

É antipático, pelo menos para mim, sobranceiro, cabeçudo, e opinante. Nada disso o faz fascista, proto-fascista ou perigo para a democracia. Não se lhe conhece nenhuma conspirata terrorista, como nos casos de alguns heróis militares e civis, nem se lhe aponta morte de homem.

Ontem, o bom senso acabou por vir à tona. Menos de metade das presenças anunciadas. Os discursos, incluindo o tão louvado do Sr. Presidente da República, foram o que foram. Dificilmente os compararão com o relativo à barca Charles et George...

*a gravura: uma imagem que se impõe pela sua dignidade: um homem só, idoso (ai,ai!...) desceu, ontem, a avenida da Liberdade. Ao pé desta imagem, nenhuma se lhe chega sequer aos calcanhares.

 

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