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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

Nos 60 anos de J. M. Coutinho Ribeiro

José Carlos Pereira, 31.07.20

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O meu amigo Joaquim Manuel Coutinho Ribeiro, responsável pela minha entrada no Incursões e editor deste blogue durante vários anos, completaria hoje 60 anos. Para evocar a data e também o seu percurso, escrevi um texto no jornal "A Verdade", de que foi fundador e primeiro director, publicado hoje na sua edição online e ontem na versão em papel do jornal:

"No dia 31 de Julho, o advogado, jornalista e político marcoense Joaquim Manuel Coutinho Ribeiro, primeiro director deste jornal, completaria 60 anos de idade. Falecido precocemente em 2014, deixou nos seus familiares e amigos, bem como em todos os que o conheceram de perto, uma marca indelével. Irreverente e inconformado, Coutinho Ribeiro foi sempre um espírito livre, muito exigente consigo próprio e incapaz de ceder nos princípios e valores que norteavam a sua vida e a sua relação com os outros.

Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, exerceu advocacia durante mais de 25 anos. Enquanto jurista, dedicou particular atenção à lei de imprensa e ao estatuto do jornalista, tendo publicado duas obras de referência: “A nova lei de imprensa face ao novo código penal”, em 1995, e “Lei de imprensa (anotada) e legislação conexa”, em 2001.

Nesta vertente, colaborou com vários cursos de ensino superior nas áreas do jornalismo e do direito da comunicação. No início da carreira profissional, foi professor do ensino secundário.

A paixão pelos jornais e pela comunicação social fez-se sentir desde a juventude, o que levou Coutinho Ribeiro a interromper algumas vezes o curso normal dos seus estudos universitários. Distinguiu-se como jornalista sobretudo nos extintos jornais “O Comércio do Porto” e “Semanário”. No diário portuense conduziu a investigação sobre o denominado caso “Sãobentogate”, relacionado com a corrupção na Polícia Judiciária, que abalou os meios políticos e judiciais na segunda metade da década de 80 do século passado. A cobertura jornalística da visita de João Paulo II a Portugal foi outra experiência que o marcou sobremaneira.

Coutinho Ribeiro manteve ao longo dos anos colaborações regulares com a RTP, Porto Canal, NTV, TSF, Rádio Nova e vários outros órgãos de informação de âmbito nacional e regional. Em Marco de Canaveses, foi também o primeiro director do jornal “Voz Marcoense”. Nos últimos anos de vida, alargou a sua intervenção a alguns dos mais respeitados blogues de expressão local e nacional, com uma escrita mordaz e interventiva.

A política foi outro eixo que se destacou na vida pública de Coutinho Ribeiro. Tendo vivido ainda muito jovem o período revolucionário pós-25 de Abril, integrou as fileiras do CDS entre finais dos anos 70 e inícios dos anos 90. Foi dirigente nacional da Juventude Centrista e candidato por esta organização à presidência da Associação Académica de Coimbra. Foi vice-presidente da Comissão Política Distrital do Porto e candidato ao Parlamento Europeu, em 1989, numa lista encabeçada por Francisco Lucas Pires, uma personalidade que admirava e em quem se revia em termos políticos.

Como autarca, Coutinho Ribeiro foi presidente da Assembleia de Freguesia de Soalhães (1982-84) e vereador da Cultura da Câmara Municipal de Marco de Canaveses (1984-85), ficando intimamente ligado à criação do Museu Municipal Carmen Miranda. Neste período, acreditou convictamente que a liderança e o espírito empreendedor de Avelino Ferreira Torres provocariam as mudanças necessárias para agitar consciências e colocar Marco de Canaveses no trilho do desenvolvimento, ultrapassando as amarras de algumas elites locais mais conservadoras. Não demoraria muito tempo a perceber que o caminho seguido se afastava do que projectara, sofrendo mais tarde na própria pele as arremetidas do poder que ajudara a criar.

Coutinho Ribeiro acabaria por aderir ao PSD na segunda metade da década de 90. Integrou como assessor o gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares no XII Governo Constitucional e em 2001 candidatou-se à presidência da Câmara Municipal de Marco de Canaveses, assumindo em seguida o cargo de vereador sem pelouros. Em 2009, foi o mandatário da candidatura do PSD à autarquia marcoense.

Os amigos que o recordam dos anos da juventude lembrar-se-ão ainda do ciclista promissor, que manteve sempre um particular entusiasmo por esta modalidade. Foi presidente do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Ciclismo e tinha sido o primeiro presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação Portuguesa de Ciclistas Profissionais. Foi também vice-presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação de Basquetebol do Porto.

Joaquim Manuel Coutinho Ribeiro teve uma vida curta, mas plena. Os familiares, em particular os seus dois filhos, e os muitos amigos que fez tiveram sempre a seu lado alguém muito dedicado, atento e preocupado com o bem-estar dos que o rodeavam. Tinha ainda muito para dar aos seus e à sua terra natal, com a espontaneidade, a irreverência e a entrega que o caracterizavam. A sua presença faz falta. Faz-me muita falta."

estes dias que passam 469

d'oliveira, 31.07.20

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Os dias da peste

Jornada135

Rien ne va plus!

mcr, 31 de Julho

 

 

Desculpem o franciú do título mas a expressão há muito que passou as fronteiras da França, graças à roleta em particular e à jogatina em geral. A coisa, nesse contexto, significa que terminou o prazo das aposta e que, a partir desse momento, só a sorte ou o azar comandam. Normalmente é o azar que é por isso que os casinos prosperam e os jogadores se arruínam.

No caso, o jogador chama-se Portugal, criatura que pôs todas (ou quase) as suas fichas no turismo com os resultados que se conhecem.

Eu venho de uma terra onde o casino era rei (será ainda?), aliás, em tempos mais antigos a coisa não se usava no singular. Havia casinos. Pelo meos dois. Ainda hoje a rua do Grande Casino Peninsular é conhecida por ru dos casinos e, aliás na esquina em frente ainda lá está um estabelecimento de cafetaria que ostenta o nome de Casino Oceano. Deixou essa função há muito tempo, perdeu nobreza e distinçãoo mas na minha recordação aquilo era uma sala enorme e tinha mais dependências. Aliás foi lá que vi as primeiras máquinas caça moedas, se é que não estou a confundir memórias.

Havia, aliás, mais locais preparados para a jogatina, dotados de mesas para toda a espécie de jogos de azar, pelo menos com cartas. Recordo-me de, nas imediações o café Europa, possuir umas salinhas lá para trás onde, ainda no meu tempo, a juventude ociosa ensaiava os primeiros passos do poker e do”21 real” (black jack).

Pessoalmente, fui fraco, fraquíssimo, cliente e só do poker. De facto eu jogo qualquer jogo de baralho mas se puder só me dedico ao bridge que aprendi vendo jogar o meu pai e os amigos. Como eu estava calado, fazia os recados e genericamente me postava bem, os jogadores iam-me explicando, uma vez findo o jogo porque é que tinham feito tal jogada, anunciado um determinado naipe, enfim a mecânica do jogo que não é tão complexo como por aí corre e, seguramente, é menos exigente que o xadrez. E sobretudo é muito mais divertido. Um dos grandes mestres, Terence Reese, declarava que o melhor momento de uma partida é quando ela chega ao fim e se pode criticar duramente o parceiro. Todavia, na generalidade, os ambientes de bridge (que, em muitos países, desde a França à China, desde os Estados Unidos ao Brasil, é um jogo muito popular com milhões de praticantes, clubes por todo o lado, torneios, revistas dedicadas, enfim um pequeno universo amável e tolerante).

Deixemos porem mais esta digressão e regressemos ao tema de hoje. Portugal, um certo Portugal apostou demasiadamente no turismo e agora está pendurado na falta de visitantes. Nada ajuda, muito menos a proporção de mortos por cem mil habitantes que nos livraram dos bêbados ingleses que acorriam em hordas gigantescas ao Algarve. Claro que no meio havia gente excelente, há uns milhares de ingleses estabelecidos na província, a maioria longe da praia e apreciando tudo que a região oferece de bom. Mas é um clube fechado que se mistura pouco, que aproveita o regime fiscal favorável e mantém sólidos hábitos britânicos frente aos indígenas.

Andam por aí criaturas rosnadoras que não “compreendem” como é que uma “velha aliada” nos faz a desfeita da quarentena. I seu indiscutido chefe, mesmo se em tom sibilino, é o Sr Ministro dos Negócios Estrangeiros que manifesta o seu “desapontamento” e não percebe o critério único que exige a quarentena dos que regressam ao Reino Unido vindos de Portugal.

É provável que este critério, por único, não seja o melhor mas da sua escolha não se infere nenhuma especial afronta a Portugal. Outros países nas mesmas condições sofrem as mesmas consequências como agora parece ser o caso de Espanha. Claro que uns espanhóis “inteligentes” vieram afirmar que na Andaluzia há menos casos do que na Inglaterra como se a Andaluzia fosse uma região independente da Espanha ou, não acessível a milhões de espanhóis que justamente a procuram por via das praias multitudinárias desde Marbella a Torremolinos. Enfim, lá como cá.

O turismo massificado e brutal que se conheceu nos últimos anos, mormente em Lisboa, criou milhares de empregos (muitos deles sazonais) mal pagos desde os guias “benévolas que se amontoavam no Camões para mostrar aos turistas um cidade irreal mas sugestiva, aos condutores de tuk-tuk que invadiam tudo e tornavam o transito ainda mais caótico, aos empregados de mesa de cafés, bares, esplanadas e restaurantes. No espaço de poucos anos, ergueram-se dezenas, aliás centenas, de hotéis que obviamente, estão às moscas ou, até, fecharam portas como o “Mercy” (quatro estrelas!) da rua da Misericórdia que até entaipou as portas!

O alojamento local que em dois/três anos expulsou do centro da cidade milhares de inquilinos e criou uma espiral imparável de preços nos arrendamentos, guincha agora por um socorro dos poderes públicos, esquecido das feridas pungentes que provocou numa população remediada que foi obrigada a ir para a periferia pagar mais, por alojamentos piores e por transportes raros e caros.

Os bares e as discotecas que tinham surdido como cogumelos também ajudam à festa. Dir-se-ia que não percebem que por muito boa vontade que haja, são estabelecimentos onde o Tal “distanciamento social” só por excepção poderá existir. Se lhes aplicarem as medidas draconianos de x pessoas por metro quadrado mais lhes vale estarem fechados. Parece que o Governo vai permitir a abertura. Com condições, claro! Estou para ver as “condições” e as contas que se poderão fazer . claro que vai ser um ver se te avias, tudo ao molho e fé em Deus, depois vem as multas, ou nem isso. Na Bélgica, que tem larga experiência e menos indisciplina, já se encerram bares e cervejarias. E há recolher obrigatório a partir das 11:30 (ou será uma hora antes?).

A mesma Câmara Municipal que proíbe a “feira da ladra” (ou a feira dos alfarrabistas, ali ao Chiado) vai permitir a abertura de bares, “mesmo com condições severas” acreditando que estas serão cumpridas?

Um país que na economia oficial registava o turismo como vector de verbas na ordem dos 15% do PIB (ninguém se lembrou – oh esquecimento! – da economia ubmersa!...) anda agora “ao tio, ao tio” à rasca. Hoje serão conhecidas as perspectivas de perdas no rendimento graças (desgraças) à covid. Alguém acredita que, se tais perdas se cifram em 15/20 em países mais ricos e mais dinâmicos, por cá se fique abaixo dos 14%?

Sebastião da Gama, um poeta injustamente esquecido, tinha um livro intitulado “Pelo sonho é que vamos” vale a pena ler esse poema que dá título ao livro. Está, verifiquei, na internet, e é um retrato do futuro não poético que nos ameaça.

Com as últimas novidades sobre “a pipa de massa” que a União Europeia nos mandará, parece que se instalou outra vez o optimismo. Só que há dois problemas:  mesmo assim o dinheiro não chega por muito bem aplicado que seja; e subsistem as mais fundadas dúvidas sobre a boa aplicação desses cacaus (é só recordar o passado próximo).

Detesto ser um “velho do Restelo” mesmo se, mesmo nesse caso, Camões talvez não quisesse vituperar as criaturas que futuravam maus dias (que vieram) para a aventura marítima e ultramarina. Temo, porém, graças ao que vou vendo em comentários televisivos, declarações políticas partidárias e governamentais que a imortal canção de Bob Dylan, justíssimo e recente prémio Nbel da Literatura, “the times they are a changin’ seja algo em que se deva meditar. A sério.

E é com três versos dessa magnifica canção que dou por finda a tarefa de hoje

 

 

Then you better start swimmin'

or you'll sink like a stone

For the times they are a-changin'

De Bob Dylan podem ler-se em edição bilingue “Canções” dois grossos volumes em boa hora editados pela ecxcelente editora “Relógio de Água”

*na vinheta: Casino Peninsular, Figueira da Foz

 

 

 

 

estes dias que passam 468

d'oliveira, 30.07.20

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os dias da peste 

jornada 134

o papel do papel nas sociedades de socialismo avançado

mcr, 30 de Julho

 

Ando a organizar penosamente, preguiçosamente, vagarosamente, o que suponho ser um lote de  mil e muitos textos escritos ao longo dos anos que medeiam entre meados de 80 e a actualidade. 

Disse meados de 89 porquanto, uma valente resma de outros textos de anterior factura morreram num pequeno incendio de um apartamento em que vivia. Curiosamente só as caixas de textos e cartas  e duas pastas de desenhos, serigrafias, gravuras  - 2 de Picasso, porra! -é que desapareceram nas chamas. O fogaréu foi rapidamente atacado pelo vizinho de baixo (Deus o abençoe mil vezes!)  que, ao ver um coluna de fumo ainda júnior a sair da janela aberta, não pensou duas vezes: encostou uma escada do seu pátio à minha varanda, entrou de rompante e com uns baldes de água acudiu ao mais importante. Depois vieram os bombeiros chamados pela mulher e encheram o apartamento de pó. Entretanto, não sei como, alguém me telefonou e vim a mata cavalos presenciar a desgraça. 

Tudo aquilo terá começado porque, com a manga de um sobretudo posto sobre as costas, rocei no manípulo do aquecedor que era redondo e, pelos vistos, fácil de manusear. As caixas e as pastas estavam todos encostadas à placa do aquecedor , nunca usado, e aquilofoi um ver se te avias.

Portanto, só existem textos a partir dessa época, a menos que eu vá pelos jornais e revistas onde escrevinhei e encontre coisas da minha lavra. Não o fiz e creio que não o farei que aquelas escritas não eram exactamente assinadas pelo padre António Vieira, ahimé! 

Ora este texto, e mais alguns aliás, destinou-se a um livro que perpetrei mas que a pedido do editor foi alterado. A excelente criatura era militante cultural e também político. Torceu o nariz aos textos que punham em cheque não só o paraíso socialista (que ele prezava acima de tudo) mas por uma questão de equidade, outros tantos que sacudiam o pó dos costados da Direita. De certo modo, aquilo era já uma antevisão do politicamente correcto. Eu ainda pensei duas vezes mas como tinha textos suficientes para colmatar a brecha, acabei por ceder, não sei se por inércia ou por vontade de me ver publicado. Pendo mais para a primeira hipótese porque o que pretendia era contar um par de historietas e, sobretudo, atirar o livrinho à cara de 3 (três!!!) editores que tinham tentado publicar o livro. Um faliu, outro zangou-se com o sócio e saiu da editora com os meus originais debaixo do braço, o terceiro entrou em processo de divórcio litigioso e vendeu o negócio por preço vil para expoliar a mulher! E o livro, pela segunda vez (primeiro e terceiro editores) em provas, foi pelo cano. 

Ora, como hoje, não tinha nada de interessante a desafiar-me, entendi publicar este rigoroso inédito de 1987 que, na altura, foi dado em cópia a meia dúzia de amigos quase todos desaparecidos (Fernando Assis Pacheco, José Valente, Luís Meneses Monteiro, José Portocarrero e Pedro Sá Carneiro. De todos conservo uma vivissima imagem, uma ternura sem limites, outro tanto de saudade. Os três últimos, então, fazem duplamente falta. Além de amigos do peito eram parceiros de bridge...

Espero que estejam nalgum sítio, à minha espera, sentados a uma mesa coberta de pano verde, dois baralhos prontos a servir, e um bule de chá (também pode ser uma cerveja) à espera de consumidor. Aguentem os cavalos, camaradas, que eu já não demoro!

E aí vai texto:

 

 

O papel do papel nas sociedades do socialismo avançado

 Noticiam os jornais de 20 de Abril que na República Socialista da Checoslováquia falta o papel higiénico. Para ser mais preciso, e cingindo-me ao que dizem os matutinos portuenses, faltam cinco mil toneladas de papel higiénico por ano prevendo-se que o mercado só esteja convenientemente abastecido dentro de 4 anos. Até lá ter-se-á que recorrer a soluções de racionamento severo ou, no caso do exército (sempre segundo os jornais) ao uso de papel de jornal.

Quarenta anos após o golpe de Praga é esta a situação na pátria de Kafka e de Hasek. O valente soldado Schveik, que me lembre, nunca se viu em tal apuro se bem que, expedito como era, decerto resolveria tão aflitiva situação.

Não informam os jornais sobre as razões desta gritante carência. Terá aumentado a população? Haverá, da parte dos militantes da carta 77, um particular empenho em açambarcar esta especial e utilíssima mercadoria para tornar mais fácil o regresso de Dubcek ao poder? Modificou-se o regime alimentar dos checos de tal forma que, agora, abandonado o pudor proletário e materialista-dialético, consomem num desaforo burguês e cosmopolita, mais do que seria de esperar atentas as expectativas do plano quinquenal para a indústria papeleira (secção de papel leve, subsecção de artigos de higiene, capítulo "suave e absorvente") tudo isso ocasionando esta temível e inesperada ruptura?

É que cinco mil toneladas é muito: pelas minhas contas, depois de pesado o rolo nacional (e de descontados o cartão e o papel da embalagem) verifico que a falta em causa ronda, por baixo, os cinquenta milhões de rolos. E fiz contas com um rolo de folha dupla!

A notícia, que confirmei, lendo vários jornais, acrescenta ainda que já existe um próspero comércio fronteiriço (contrabando tolerado entenda-se) e que os turistas estrangeiros mais avisados não só trazem papel que chegue para os seus gastos pessoais mas também um suplemento para trocar no mercado paralelo. Imagino a praça junto da velha e prestigiosa Universidade Carlos cheia de ávidos traficantes a apregoar "Dois rolos por um par de sapatos Bata" ou "Dois rolos do duplo especial de luxo por três cervejas "pilsner urquel".

Ocupemo-nos, porém, da engenhosa providência tomado pelo Alto Comando do Exército Popular Checo (presumo mesmo que pelo seu Estado Maior tal é a genialidade da solução encontrada): à falta do papel prescrito no Regulamento foi ordenado à soldadesca que se aviasse com papel de jornal, melhor com jornais!! Ora aqui está uma utilidade marginal da imprensa que poderia salvar alguns periódicos que, entre nós, têm circulação meramente confidencial.

Seria bom, todavia, saber a quantas páginas tem direito um soldado raso e se a distribuição obedece ao velho preceito "a cada um segundo as suas necessidades" ou se varia conforme as patentes. Terá um coronel direito a mais páginas do que um capitão? A diarreia do sargento vale o mesmo da do 2º cabo?

Mais: serão as folhas (de jornal) indistintamente distribuidas ou, pelo contrário, terão os oficiais direito ao editorial e à descrição dos trabalhos da última sessão do comité central, relegando-se a briosa classe dos sargentos para as notícias do estrangeiro e a peonagem para os factos do dia e folha necrológica?

Pode qualquer militar "usar" a "Tribuna Ludu" ou o prestigiado órgão do PC local está apenas reservado a comandantes da companhia, regimento ou divisão? E o "Pravda" (que, dizem-me, graças à glasnost, se vende muito)? Fica reservado aos quadros superiores da polícia militar, aos paraquedistas e comandos ou está ao alcance de qualquer incorporado nos serviços de intendência?

Terceira questão, e importante: os jornais utilizados são-no desde o momento em que aparecem nas bancas ou esta surpreendente "segunda leitura" só pode ocorrer alguns dias depois da data de edição? Utilizam-se só as "sobras" ou a edição total, ressalvados os exemplares destinados a bibliotecas e institutos culturais?

Quarta questão, esta meramente utilitária: vêm os jornais já com o ligeiro picotado característico das tiras de papel higiénico, ou são devidamente guilhotinados nas oficinas da tropa? É que, a não ser assim, pode acontecer que, na desordem das sentinas militares, haja um excessivo gasto de jornais o que obrigaria as empresas jornalísticas a reforçar, de modo substancial, as tiragens.

Quinta questão (de ordem protocolar): a reutilização dos jornais para este fim higiénico e nacional, não colidirá com o respeito que numa democracia popular se deve aos dirigentes políticos, maxime ao CC e ao seu "bureau" político sem falar no seu Secretário Geral? E dado que a Checoslováquia está, desde 1968, integrada no progressivo bloco da "soberania limitada", não ocorrerá que o respeito e afecto devidos aos líderes locais se deve estender aos dos restantes países irmãos e até aos líderes dos partidos fraternos do resto do mundo?

Ou será, que antes dos jornais seguirem para o prego dos wc militares, são cuidadosamente recortadas as fotografias e demais iconografia relativa aos mais destacados elementos das nomenclaturas local e estrangeira?

Continuando: os jornais portugueses referem que dentro de 4 anos a situação de carência estará debelada. Isto significa que, a partir dessa data, haverá papel higiénico à fartazana e que doenças contra revolucionárias como a disenteria serão de novo permitidas. Mais: qualquer cidadão poderá, se o quiser, disfarçar-se de múmia egípcia da IIIª disnastia, envolvendo-se todo nas suaves tirinhas.

Pode mesmo ocorrer que a produção seja excedentária. Não seria melhor, neste caso, e para aproveitar a experiência adquirida pelas mais amplas camadas populares, dar um segundo passo em frente, ainda mais decisivo para a causa dos amanhãs que cantam? Quero dizer: porque não imprimir as notícias em rolos de papel higiénico, destinando as fotos e as palavras cruzadas para a embalagem? Continuaria a haver elevadas tiragens e sempre se poupavam milhões de coroas que poderiam ser investidas na produção de toalhas e lenços de papel que, eventualmente, também faltarão no farto mercado checo.

Espero que o governo e o partido checos me perdoem esta modesta sugestão que é feita com fraterna amizade e verdadeiro espírito internacionalista e sem qualquer intuito de me imiscuir nos assuntos internos da nação centro-europeia.

Faço-a, isso sim, como homenagem carinhosa e reconhecida à memória dos camaradas Gotwald, Novotny e Husak cujo contributo para a felicidade dos povos da Boémia, da Eslováquia e da Morávia é recordado por todos os verdadeiros amantes da paz, do progresso dos povos e da liberdade.

1987

 

 

estes dias que passam 467

d'oliveira, 29.07.20

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Os dias da peste

Jornada 132

Escrever “bem” (carta a uma amiga)

mcr, 29 de Julho

 

 

Uma explicação eventualmente necessária: alguns leitores (e especialmente algumas leitoras) mais generosos do que convém, escreveram-me nos últimos tempos pequenas mensagens muito simpáticas (e generosas, repito) sobre estes meus exercícios de crónica a que me venho entregando diariamente.

Pelos vistos, divertem-se, leem afincadamente e, de quando em quando, sentem a necessidade de me encorajar.

Agradeço do fundo do coração a cortesia e o facto de me aturarem com tanta constância bem como o exagero de considerarem que escrevo “bem”.

Todavia, já tenho anos suficientes para perceber que essa extrema amabilidade não pode toldar-me o juízo que já vai esmorecendo nem fazer-me pensar que um modesto peru se transforma em pavão, ave heráldica e simbólica.

Eu alinho as palavras e as frases, tentando ser compreendido e, sobretudo, não querendo abusar dos leitores. Digo o que penso, dou conta das minhas indignações, de algumas surpresas, e lá vou cerzindo como posso esta espécie de diário em tempos de covid.

Justamente, este tempo infame e perigoso dá a esta escrita desenfastiada a alegada qualidade . Em tempo de guerra não se limpam armas e o facto de aqui se erguer uma voz, algo alquebrada, para animar a malta (que é o que faz falta!) não significa um qualquer especial génio escrevente mas apenas uma criatura que tenta enganar os dias penosos e ajudar outros a chegar a um porto mais seguro.

Há muitos, muitos, anos (quase trinta, Deus meu!) uma amiga mandou-me um postal a insistir na bondade da minha escrita. Foi a primeira vez, ressalvando algumas boas notas nas redacções da escola primária e do liceu, que alguém me elogiou. Respondi-lhe como se segue e a carta dá boleia aos meus agradecimentos sinceros aos actuais leitores.

mcr  

 

 

“escrever bem” (Carta a uma amiga em 1991)

Referiu-me V. que há dias alguém lhe terá dito com a serena convicção que se usa para falar da altura propícia para podar as macieiras que este seu humilíssimo correspondente "escrevia muito bem".

 

E disse-me isso com um brilho maroto no olho azul porventura esperando que tal atestado me envaidecesse ou, pelo menos, me desse prazer.

 

E espantou-se, se é que eu ainda consigo perceber algo das reacções femininas, ao ver-me impávido e ensimesmado repudiar o atestado de bom comportamento literário.

 

De facto, cara amiga, o caso não é para menos e por múltiplas razões que a seguir me esforçarei por desfiar.

 

Antes de mais nada convém esclarecer sem falsas modéstias que, por junto e atacado, me esforço por escrever de modo a que os destinatários entendam. Só! Não tenho a presunção de escrever "bem" e muito menos "muito bem". Assimilei, o que não foi difícil, as lições dos professores Mourinho e Cachulo na primária mais os sete anos de pastor no liceu. E li. Li tudo o que me veio à mão desde a literatura farmacêutica das capas dos mata-borrões até aos excelentes Vieira, Camilo, Garrett e Eça. Esses sim escreviam realmente muito bem. Eram, no sentido nobre do termo, profissionais. Tinham algo a dizer e diziam-no com elegância tanto mais que viviam da escrita, viviam de um produto que tinha de ter compradores.

 

Nesse tempo, hoje pintado a cores demasiado sombrias, a imprensa diária, semanal ou mensal era não só o único "media" à disposição dos portugueses mas também, pasme-se, vendia o suficiente, pagava adequadamente colaboradores e tinha um público exigente.

 

Camilo e Eça, sempre esse par fatal, ganharam muito e bom dinheiro colaborando nas gazetas e revistas que, num mercado infinitamente mais estreito, tinham comparativamente aos tempos que correm, muitos mais leitores.

 

As regras que ora vou traçando não teriam seguramente acolhimento nessas folhas por banais e deslavadas. Isto quer dizer que se hoje algum jornal as acolhe não é porque perpetuem a tradição dos grandes mestres mas, tão somente, porque hoje quase ninguém escreve coisa que se entenda e muito menos se lê algo que valha a pena.

 

Triste sinal dos tempos: na altura do ensino generalizado e obrigatório saem das escolas, liceus e universidades analfabetos amorfos que juntam, a golpes de bic, palavras e letras que não entendem e que ninguém percebe.

 

Escreve-se mal e com erros gramaticais de toda a ordem mas com orgulho e petulância. O ensino do português é uma corveia para os professores e uma abominação para os estudantes. Ministros, pais e alunos verificando esta evidência acordaram na desnecessidade de se obter aprovação na disciplina.

 

Cabe perguntar como é que se aprenderá história, inglês, biologia ou matemática sem sequer se dominar a língua materna falada ou escrita. Dir-me-ão que entre o falar, o ler e o escrever há diferenças substanciais.

 

Temo bem que não, sobretudo depois de verificar a imprecisão com que se comunica v.g. na televisão. Chega a meter dó ouvir políticos, cientistas ou meros profissionais sentados frente à temível câmara e exprimindo-se através de indescritíveis balbucios, onomatopeias, gestos, conjugando mal os verbos e parecendo que o diploma universitário que ostentam lhes foi conferido por uma piedosa educadora infantil à saída do lactário.

 

O uso de um vocabulário limitado indicia um deprimente pavor aos livros e à leitura e permite as maiores dúvidas quanto à qualidade profissional do entrevistado. Falar é a mais fácil das tarefas (se tarefa é) quando há hábitos de leitura e de escrita actividades certamente mais fáceis e de mais rápido resultado do que, por exemplo, desenhar uma casa ou organizar um ficheiro para o computador doméstico.

 

Não me atrevo sequer a imaginar o que será para estes analfabetos universitários a aprendizagem de uma língua estrangeira ou, mais grave, o resultado desse esforço ciclópico. E o problema não é despiciendo quando, como no caso português, se pertence a uma comunidade supranacional onde, pelo menos, o inglês e o francês são uma necessidade absoluta. Isto para já não referir o facto de não haver sequer cinco por cento de portugueses que entendam razoavelmente o castelhano falado e escrito.

 

"A minha Pátria é a Língua Portuguesa" dizia Pessoa hoje tão festejado. Quantos d’entre nós poderão ainda repetir isso sem corar? Perceber-se-á que a única fronteira viva que nos separa do poderoso país irmão é a língua e que o seu culto é condição sine qua non de independência nacional?

 

Voltemos, todavia, à minha apregoada boa escrita e às razões que, eventualmente, a fazem parecer melhor do que ela, na realidade, é. Em terra de cegos o zarolho é rei. Não deixa, porém, de ser zarolho o que não é, de todo em todo, qualidade.

 

Limito-me, e tantas vezes mediocremente, a tentar fazer-me entender pelos meus correspondentes. Trata-se, por um lado, de mera cortesia e por outro de prevenir mal-entendidos.

 

Escrevo, portanto, de forma simples e correntia. Não desdenho estrangeirismos nem calão, língua vivíssima e saborosa, mas aborreço definitivamente o bla-bla espúrio da tecnocracia.

 

Trata-se neste último caso de uma salgalhada torpe e mais ridícula do que brilhantina para carecas. Contra esta malfeitoria não deveria haver quartel de qualquer espécie que a parolice tem limites que nem a singularidade pacóvia dos costumes nacionais justifica.

 

Há que traçar limites nítidos e definitivos à bacoquice sob pena de, não o fazendo, se caminhar vertiginosamente para o limbo dos patetas.

 

Retomando o elogio a despropósito repito: não escrevo bem limito-me, tão somente, a tentar não escrever mal. Lamentavelmente muita gente que igualmente deveria fazer o mesmo esforço substituiu a palavra pelo grunhido, a caneta por um fósforo queimado e a mão pelo pé.

Com este escrevem ou, melhor, escoicinham disparates convencidos que o peso da ferradura substitui a razão do discurso.

 

Habituados à palha, já não se lembram do sabor do pão fresco pela manhã e confundem-no com o caviar enlatado da Dinamarca que os novos tempos lhes trouxeram como se fora a última maravilha da civilização.

 

Num falso exercício de humildade exaltam como boa a desescrita vulgar. "Timeo Danaos et dona ferentes" dizia o troiano desconfiado. "Antes quero cavalo que me derrube que burro que me carregue", digo eu relembrando Mestre Gil.

 

Um beijo, aliás muitos, do M.

Estes dias que passam 466

d'oliveira, 28.07.20

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Os dias da peste

Jornada 132

Já não vai a tempo

mcr, 28 de Julho

 

 

Eu não quero o mal do dr. Francisco de Assis, já aqui o disse varias vezes. Só que este corifeu da “direita” do PS põe-se a jeito, dia sim, dia não. Desta vez, numa longa entrevista o dr. Assis, entende dver fazer justiça ao dr. Passos Coelho. E lá vai dizendo que ainda será recordado mesmo se, previne, alguns passos dele não foram os melhores.

Eu, sobre o dr. Passos Coelho disse várias coisas quase sempre não abonatórias. É bem verdade que ao fim do seu mandato, o país estava notoriamente melhor do que no início e assim muitas das “grandiosas vitórias” dos dois primeiros anos de Costa devem-se essencialmente a Passos Coelho.

Ou, melhor dizendo, devem-se, e muito, ao apoio europeu, à troika (ai Jesus que me matam!...) que veio inspecionar o país várias vezes, ao trabalho árduo de portugueses anónimos, às firmas exportadoras e ao princípio do boom turístico. O Governo de Passos trabalhou tanto quanto pode, fez o possível por não empatar quem ia trabalhando (e só isso é já um enorme mérito) e foi por isso que ganhou as eleições, ainda que sem maioria absoluta.

A grande aposta de Passos Coelho foi afastar-se o mais possível da herança de Sócrates e do imenso desastre da política deste. E dos escândalos. E do BES.

Convém lembrar que um dos pontos altos de Passos foi a sua firme recusa em se deixar enredar no caso BES. Recordemos, en passant, que isso foi alvo de fortes, fortíssimas críticas e que, mesmo hoje, há quem acuse o Governo PSD/PP de ter levado o barco do dr. Salgado ao fundo. Não é verdade. O BES e o GES naufragaram sem intervenção de terceiros numa alucinante corrida para o abismo, enganando tudo e todos.

Agora, de volta à política activa, o de Assis dá uma no cravo e outra na ferradura. Explica candidamente que, se recusasse o cargo que vai desempenhar, daria por encerrada a sua carreira política. Seria bom lembrar-lhe que daí, e feito o balanço da dita carreira, não viria grande mal ao mundo. Eu até ousaria afirmar que ninguém daria pelo desaparecimento daquela figura, inteligente mas baça, culta mas enredada nos seus tiques.

Entretanto, o dr. Assis assinala as virtudes de Passos e jura que ele ficará na História. Eu diria que esta exaltação de Passos é uma pedrada enviesada ao dr. Rio mais do que, uma falsa ideia de equanimidade do dr. Assis. É evidente que ele também fala para dentro do seu partido. Dizer bem de um adversário dá sempre a ideia de que se é independente da direcção partidária.

Ora, e aqui bate o ponto, isso não é verdade. Assis vai para onde vai porque Costa quer. E Costa quer, quanto mais não seja, para mostrar às tropas que quem manda é ele e não aquele rapaz Pedro Nuno que, segundo um velho amigo meu, deve ser trotskista da ala entrista. Como saberão (ou não) havia, dentre as várias correntes sempre desunidas do trotskismo francês, uma que advogava a entrada secreta de elementos seus nos partidos de Esquerda, sobretudo no PS.

É verdade que não tiveram grande sorte com o PCF que, sempre que via um crítico o expulsava rapidamente tachando a criatura de “trotskista” ou acusando-a de fazer o jogo da reacção, da burguesia, do capitalismo, do revisionismo, e de mais uma série de pecados todos extraídos da cartilha dos processos de Moscovo e das expulsões ordenadas pelo Komintern.

Muitos dos expulsos não tinham nada a ver com o “profeta” mas isso nunca foi problema. A acusação mesmo sem provas resolvia o caso e o visado saía para o “nada” político sem apelo nem agravo. E pouca gente o recebia, mesmo entre os adversários que, conhecendo bem os processos singulares dos expurgos comunistas não se fiavam nos repentinos solitários que, aliás, também não vinham bater à porta dos partidos conservadores, tentando antes organizar qualquer coisa que continuasse o combate da Esquerda. Como isso era contrário aos interesses do PC o isolamento era definitivo. Político e social. E, muitas vezes, também cultural.

Todavia, apesar de ter estima e respeito por esse amigo que citei, não vou ao ponto de considerar o senhor Pedro Nuno como trotskista. Falta-lhe bagagem intelectual, o seu marxismo é de vulgata sonsa e a sua “determinação” (Asis dixit) é apenas teimosia e obsessão.

Se é com ele que contam para desalojar Costa, bem que podem esperar.

Assis, para voltar, ao tema, não é seguramente trotskista, os detentores da marca em Portugal não gostam dele mesmo se a sua aproximação ao poder passe por algum consenso com a “direita” do PS.

De todo o modo, a sua apreciação sobre Passos teria sido oportuna enquanto este governava. Agora é mera pirotecnia.

Eu não faço ideia do que o dr. Rio pensará do afago de Assis ao seu antecessor. Provavelmente nem leu a entrevista. O dr. Rio não aprecia jornais como se sabe. Por outro lado, Passo Coelho tem-se mantido em rigoroso (e ruidoso) silêncio quanto à vida do seu partido. Alguma razão terá que os tempos que se avizinham podem ser palco de muitas e duras mudanças.

Esta história ainda agora começou.

 

Volta e meia indico alguns livros sobre os temas que abordo. Livros lidos, entenda-se que eu tenho muito receio de apregoar novidades que parecem interessante mas que depois se transformam em decepções. Só por isso, por já o ter mas ainda sem abrir, é que não recomendo um livro de Rui Bebiano que pode valer a pena.

Entretanto, sobre o tema ou sobre questões conexas lembrei-me de deixar aqui duas pistas que valem bastante e que são imperdíveis para se compreender a história do movimento comunista. Ei-los “les bolchéviks par eux mêmes” (Georges Haupt e Jean-Jacques Marie), uma curiosíssima série de curtas autobiografias de dirigentes soviéticos (mais de 200!) publicada por uma enciclopédia soviética dos finais dos anos 20 (enciclopédia Granat) seguidas de uma curta notícia do destino deles (escusado será dizer que a maioria pereceu violentamente sob o stalinismo); “Herejes y renegados” um excelente ensaio histórico de Isaac Deutscher que mantém toda a frescura apesar de ser obra publicada há mais de cinquenta anos. Recomendaria ainda, mas é difícil encontrá-la “Les procès de Moscou” apresentados por Pierre Broue, colecção Archives, ed Juillard, trezentas páginas arrepiantes sobre um dos mais infames crimes da História. É provável que exista uma edição mais recente do que esta (1964).

* a vinheta Francisco Assis, numa histórica e pungente caminhada em Felgueiras onde demonstrou grande coragem. E isso sempre foi por mim altamente considerado. Este é provavelmente o momento mais marcante da sua vida política. E o mais perigoso. Chapeau!  

 

Um país com olhos no futuro

José Carlos Pereira, 28.07.20

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As negociações no âmbito da União Europeia (UE) acerca do próximo Quadro Financeiro Plurianual e do Plano de Recuperação Europeu, que motivou uma longa jornada dos líderes do Conselho Europeu, resultaram em valores muito relevantes para Portugal: 45,1 mil milhões de euros em subvenções a fundo perdido, a que acresce a possibilidade de aceder a mais 15,7 mil milhões de euros em empréstimos concedidos em condições favoráveis. O acordo ainda terá de ser aprovado pelo Parlamento Europeu, que já foi colocando sérias reservas a alguns cortes efectuados no orçamento da UE, mas não deverá sofrer grandes alterações.

Concentrando-nos apenas nas subvenções, se aos valores agora aprovados acrescentarmos os 12,8 mil milhões de euros ainda por executar no actual quadro do Portugal 2020, o país terá à disposição fundos no montante de 6,9 mil milhões de euros por ano até 2029. Um valor nunca antes alcançado e que desafia a capacidade do Governo, das autarquias, das instituições públicas e privadas, das empresas e dos portugueses em geral.

Todos conhecemos do passado opções e projectos injustificados, obras hediondas, decisões erradas e casos de (muito) dinheiro desperdiçado. Espera-se, por isso, que o país aproveite esta oportunidade com rigor, ponderação e critério nas áreas a privilegiar e nos investimentos e infra-estruturas a promover nos próximos anos. Portugal não voltará certamente a ter à sua disposição um volume de apoios a fundo perdido tão significativo.

O Governo deu um primeiro passo com a apresentação pública da Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030, o plano desenhado pelo consultor António Costa Silva que agora deve passar do diagnóstico à acção e dar lugar à definição de prioridades e calendários de implementação de medidas e projectos. Um trabalho que deve beneficiar do contributo das demais forças políticas, das universidades, das associações empresariais, das autarquias, da sociedade civil no seu todo.

O período que se aproxima exige uma forte concertação entre Governo e oposição na busca das melhores opções de futuro para o país, assim como uma fiscalização reforçada da execução dos programas comunitários. Tudo razões que desaconselhavam a diminuição do controlo da acção do Governo pela Assembleia da República, recentemente aprovada por proposta surpreendente do maior partido da oposição.

Estes dias que passam 465

d'oliveira, 27.07.20

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Os dias da peste

Jornada 131

“a democracia é uma chatice”

mcr, 27 de julho

 

Já não sei quando foi, mas foi há um largo par de anos. Em boas contas terá sido no primeiro mandato de Rui Rio. Ora ele exerceu de Presidente da Câmara três vezes, o que dá doze anos. O actual já vai a meio do segundo mandato pelo que a prosa abaixo vertida terá quase dezoito anos.

Dezoito anos é a idade em que se começa a poder votar.

Dezoito anos é, igualmente tempo suficiente para alguém ganhar juízo e ponderação.

Ora o dr. Rui Rio, que já gasta cãs e falta de cabelo, parece persistir nos mesmos tiques de há uma duzia e meia de anos. Eu sei que ele anda aflito com a pouca conta em que é tida a sua missão de salvação do PSD, do país, da pandemia e das tripas à moda do Porto.

A ideia absolutamente peregrina de livrar o dr. Costa das pergunta incómodas (ou da gritaria) dos deputados que de quinze em quinze dias tem por missão exclarecer-se e exclarecer o país quanto aos estranhos caminhos da governação à bolina que o sr 1º Ministro pratica com audácia e oportunidade (ou oportunismo, se preferirem) deixa-me boquiaberto.

Debates deste tipo usam-se em toda a Europa naquilo que é costume chamar-se democracias parlamentares, conceito que, porventura, deveria ser explicado ao dr. Rio.

Chama-se a esta tarefa “escrutinar” a acção governamental e evitar que os detentores do poder escondam dos cidadãos o que andam ou não andam a fazer.

Parece que o dr. Rio considera isto algo de nefasto e de “não trabalho”. Parece que entende as perguntas como gritaria (bem se vê que ele nunca viu uma sessão do parlamento inglês!). Ele entende que o 1º Ministro tem mais do que fazer do que aturar os senhores deputados da oposição, isto é os deputados do partido do dr. Rio (a “esquerda” faz que se opõe mas deixa andar; os pequenos partidos e a D Joacine são irrelevantes ((o sr Ventura não é irrelevante porque há sepre um tonto que vai à luta e sai contentíssimo por lhe ter chamado fascista. O dr. Ventura ri-se desbragadamente e anota no seu caderninho mais uma publicidade gratuita que lhe tem trazido fartos votos (pelo menos nas sondagens...)). Portanto, o dr. Rio está a mandar dizer aos seus deputados que eles só são bons na chicana, na algazarra e no guincho inútil.

Ou então o dr. Rio acha pura e simplesmente que o parlamento é uma inutilidade cara que só atrapalha quem apenas quer “trabalhar”.

Vai daí ofereceu ao dr. Costa (que, obviamente, aproveitou, deliciado) o fim dos debates quinzenais que serão substituídos por bimestrais.

Eu não vou dizer que o dr. Rio é tolo, mas convenhamos que a sua proposta é um bodo aos pobres. E um óbice dormidável ao direito de escrutínio da oposição. Isto é, dele que, doravante, se já sabia pouco, muito menos fica a saber. E quando quiser reagir, há de reagir tarde e a más horas...Se é que reage, coisa de que, à vista do que tem feito, me suscita algumas dúvidas

Tmbém não vou dizer que, ao aceitar este estranho negócio, o dr. Costa e a maioria do seu grupo parlamentar (que, há dias, Sérgio Sousa Pinto classificava, com forte justeza, de repartição governamental) colaboram na insensata perspectiva do dr. Rio. Também eles provavelmente acharão que aquilo é uma “choldra” (acho que Eça usou esta expressão) que o debate é um exercício inútil, um desfiar de birras infantiloides, e uma perda de tempo.

Lembrei-me então de publicar uma cartinha endereçada in illo tempore ao dr. Rio quando ele, sempre injustiçado pela imprensa local e nacional se foi queixar ao Presidente da República. Assim mesmo. Foi dizer ao dr. Jorge Sampaio que o Expresso, o Diário de Notícias, o Público, o JN e outros que “aquela gentinha jornalista” só o criticava, não ligava pevide aos comunicados da CM do Porto, não percebia, conspirava, sei lá que mais.

O meu amigo de longuíssima data Jorge Sampaio há de ter ficado pasmado (ou apenas divertido) com as lamurias do dr. Rio mas, coitado, alguma terá sido obrigado a dizer-lhe.

Volta pois o meu antiquíssimo texto ao activo e com ele encerro o capítulo Rui Rio. Não vale a pena gastar muita cera com tão ruim defunto. E ninguém pede ao marmeleiro que dê cerejas, se possível todo o ano...

 

Carta sincera ao Sr. Dr. Rui Rio

com um aviso por causa do provincianismo

Exº Sr. Dr. Rui Rio

Porventura saberá (ou dir-lhe-á alguém) que o título desta crónica é um descarado plágio. De facto, há já longos anos, cerca de cinquenta, Luís Pacheco entendeu escrever uma “carta sincera a José Gomes Ferreira”. O texto, magnífico como quase todos os que se devem ao autor de “Comunidade”, ficou famoso e a 1ª edição do panfleto custa, em qualquer alfarrabista, os olhos da cara. Ao copiar o título rendo uma homenagem ao Luís e, indirectamente, a V. .

Mesmo assim, poderá V., e com toda a razão, dizer que eu, escriba desconhecido e pouco inspirado, estou a milhas do fulgor de Pacheco. É verdade. Permita-me, todavia, e muito compungidamente, recordar-lhe que também o Sr Dr Rio não estará muito próximo do autor de “Poeta Militante” podendo, mesmo, dar-se o caso de o não ler ou sequer de não o conhecer. Não seria o primeiro e não é por isso que me atrevo a traçar estas pobres regras.

De facto o que me leva a usar o Seu nome como viático para esta crónica é o saber que V. escreveu ao Senhor Presidente da República, uma carta na qual solicita uma intervenção discreta mas eficaz sobre o jornal “Público” que V considera ser o Seu principal adversário político.

Sr Dr Rui Rio, permita-me que, sendo um pouco mais velho que V. utilize este espaço para lhe deixar um punhado de considerações.

O Dr Jorge Sampaio exerce, neste momento, de Presidente da República e não de censor, de juiz ou de Alta Autoridade para a Comunicação Social. A Sua carta, para além de patética, roça os limites do bom senso que não da grosseria. O Senhor Presidente da República não é uma caixa de reclamações nacional e, muito menos, um censor do antigamente. Ou julgará V. que o corajoso oposicionista Jorge Sampaio pode ser tomado por um desses majores tarimbeiros que, de lápis azul na mão ignara, retalhava peças jornalísticas que desagradavam ao poder?

Ou caberá nas funções constitucionais do Presidente da República chamar a palácio o director do “Público” e os redactores do “local Porto” para um sermão, quiçá um puxãozinho de orelhas? Ou, até, quem sabe, um safanão dado a tempo? É o que me ocorre com aqueles adjectivos discreto e eficaz, ainda que eficácia a sério seria coisa sempre mais definitiva, se é que V me compreende.

Sr Dr Rui Rio: apesar de calcular que V já não teve de aprender latim, sempre lhe deixo aqui, uma máxima, que eventualmente o Senhor Presidente da República invocará, implícita ou explicitamente, numa eventual e desnecessária resposta: De minibus non curat praetor. Ou seja: o juiz não trata de ninharias.

Sr Dr Rui Rio: V é presidente da Câmara da 2ª cidade do país, não é regedor duma perdida freguesia de Paródia de Baixo, tão pouco é soba dum kraal perdido nos cafundós da selva, pelo que a ignorância do que deve à função e aos seus munícipes me parece indesculpável.

Começa a ser pungente ler, seja em que jornal for, relatos da sua actividade, do que diz, do que faz ou não. Sobretudo do que não faz ( por exemplo não avisar o “Público” dos actos da câmara). Ainda há dias se noticiava que V declarou que “pela primeira vez o Porto tem um presidente de que o país gosta” (mesmo que não seja essa a opinião dos portuenses). Sr Dr, pelas almas, contenha-se. O silêncio pode não ser sempre de ouro mas o auto elogio nunca é, sequer, de latão. O país ou não o conhece ou se ri. Ri-se do provincianismo, do autismo, do autoritarismo e da criancice. E rindo-se, ri-se de nós todos, munícipes do Porto, que, tendo ou não votado em si, o vamos ter durante quatro anos ( felizmente só mais três e meio...) aí no alto dos Aliados.

Sr Dr Rui Rio: Pela parte que me toca não tenho morrido de amores pela esmagadora maioria dos presidentes de câmara que me vão cabendo em sorte. Cada um que parte poucas saudades me deixa. Todavia, para surpresa e gáudio de amigos meus, começo quase a sentir a falta do seu antecessor de quem relembro a invenção de um fim de ano a oito de Janeiro, com fogo de artifício e tudo.

Convenhamos que já é azar.

 

*a vinheta: imagens de um parlamento regularmente eleito onde não havia a maçada de debater quinzenalmente. Eu poderia pôr uma imagem do parlamento venezuelano ou do chinês mas não arranjei imagens interessantes. Ainda pensei no parlamento húngaro ou polaco mas aí há quem reclame mais escrutínio mais discussão.

 

estes dias que passam 464

d'oliveira, 26.07.20

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Os dias da peste

Jornada 130

Um comentário

mcr, 26 de Julho

 

 

Recebi através de um bom, velho e leal amigo, companheiro de muitas lutas e consequentes ilusões, vitórias (escassas), derrotas (muitas) um inquérito lançado por duas pessoas que entendem dever perguntar se não faz falta um novo jornal.

“É comum a ideia de que a Comunicação Social existente não satisfaz plenamente muitos cidadãos portugueses,. Cidadãos que desejam um novo órgão de comunicação social isento de publicidade comercial e sem sujeição a poderes económicos ou quaisquer outros. Um novo órgão de comunicação social genuinamente comprometido com os valores da Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição da República Portuguesa. Que respeite a Informação como um bem social, contribuindo para o fortalecimento de uma opinião pública esclarecida imprescindível num Estado de direito democrático”

Resumo os considerandos desse inquérito mas gostaria de tecer um par de considerações

que julgo eventualmente úteis. E, como propunha um imortal professor de Direito, comecemos pelo começo.

Eu sou, desde exactamente os meu dezoito anos, um leitor de jornais. Leitor diário, quero dizer, que ocasional sempre o fui desde que me conheço porquanto lá em casa havia jornais e revistas que, consoante a idade que  fui tendo, ia compulsando. Comecei pelo jornal local, a Figueira da Foz teria dois ou três jornais não diários e houve sempre um ou dois que nos chegavam. Paralelamente, havia pelo menos uma revista, as “Selecções do Reader’s Digest” que nunca perdi. Só há poucos anos é que deixei de a folhear em casa de minha mãe porque ela já não consegue ler, coisa que a perturba imenso e a contrista ainda mais. A excelente senhora, não só consumia a revista citada, como passava a pente fino todas as publicações, nacionais e estrangeiras que eu lhe trazia e que, garanto, não eram poucas. Fundamentalmente não perdia dois jornais espanhóis (El País e ABC) que eu comprava todos os fins de semana por causa dos suplementos culturais e dominicais (e posso afirmar que só os suplementos dominicais atingiam no total mais de uma centena de páginas) bem como os suplementos do “Público” e do “Expresso”. Obviamente, sempre que eu estava em Lisboa, lia os diários que eu comprava e deitava uma vista de olhos a qualquer outra publicação que eu trazia. Também lia semanalmente a “visão”, contribuição do meu irmão. A latere, estava atentíssima aos noticiários matutinos da rádio e não perdia nenhum noticiário televisivo. Isto, durou-lhe até aos noventa e tal anos, entrou agora nos noventa e nove e já só escuta a rádio pelos motivos já acima explicados.

Voltando a mim, recordo que, durante os anos moçambicanos (entre os 13 e os 15 anos) não só consumia a consabida “Selecções...” mas lia diariamente o jornal mais comum em Lourenço Marques, o “Notícias”. No clube que diariamente frequentávamos e onde sempre almoçámos e jantámos, lia uma revista brasileira, “O Cruzeiro”, que, não sei porquê, chegava a Moçambique (como também chegavam duas revistas infanto-juvenis (o Guri e o Gibi). Imprensa metropolitana nem vê-la. Quando voltei para a “Metrópole”, nas casas dos familiares havia também jornais, normalmente “O Primeiro de Janeiro” ou o “Jornal de Notícias”. Quando entrei na Universidade, tornei-me leitor do “Diário de Lisboa” que comprava religiosamente cada dia. Nessa época, comecei a assinar as revistas “Vértice”, “Seara Nova” e, logo que começou a ser publicada, “O tempo e o Modo”. A partir de 61/62 comecei, com evidente sacrifício monetário, a comprar semanalmente o “Le Monde” em edição semanal, costume que mantenho e já lá vão sessenta anos!!!

Quando podia, e quando valia a pena, lia muito imprensa semanal francesa com especial ênfase em “L’Express” que se tornara conhecido pela sua corajosa posição quanto à Argélia.

Mais tarde, e com mais dinheiro, comecei a comprar com muita regularidade semanários italianos e espanhóis (“L’espresso”, “Triunfo”, fundamentalmente). Quando apareceu “El País” tornei-me também seu leitor (não diário) o mesmo acontecendo com “Le monde” (por causa do “monde des livres”).

Acho que posso dizer, com escrupulosa verdade, que as despesas maiores da minha vida de jovem eram o jornal, o café, os livros e o cinema. E, recordo-me agora, que sempre que existiram jornais portugueses ligados a questões culturais, fui assinante. Tenho uma imensa saudade do Jornal de Letras e Artes (?) anos sessenta, cuja colecção completa vendi a vil preço, e de outros jornais em que colaborei (O Comércio do Funchal) e sempre comprei. Outros semanários houve que comprava irregularmente (Século Ilustrado, Vida Mundial).

Eu tenho insistido no verbo comprar. É que uma coisa é ler aqui e ali, sem garantia de continuidade, um órgão de imprensa, outra é, participar da sua vida, ajudar, manter esse mesmo jornal.

Sem leitores poderá não haver jornais mas sem compradores é que não os há de todo. Só os compradores garantem a vida e a independência de um jornal. Muitos leitores podem significar muitos anunciantes e uma vida mais folgada para a publicação. Muitos leitores e anunciantes podem permitir uma redacção mais robusta, correspondentes nacionais e internacionais, maior acesso a notícias e agências noticiosas.

Não há almoços grátis nem jornais de borla, eis uma verdade como um punho. Não há jornais sem uma estrutura financeira por trás. Há dias, lembrei aqui, o caso do “Diário Ilustrado" que eu li (e comprei) que durou escassos anos e pertenceu ao grupo “Abel Pereira da Fonseca” que não receou ter um chefe de redacção comunista (Miguel Urbano Rodrigues) nem um punhado de jornalistas notoriamente oposicionistas ao Estado Novo (é bom que isto seja recordado aos “puristas” anti-capitalistas).

Algumas vezes, não demasiadas, colaborei com artigos meus em jornais e revistas. Deveria ter, mas ardeu, um dossier gordo de textos cortados pela censura quer na Vértice, quer no Comércio do Funchal. Pelos meus cálculos com o meu nome, mas com alguns cortes, terei publicado menos de 5% do que enviei para as redacções. E falo em 5% por modéstia, pois é provável que a minha taxa de aceitação censória (mesmo contando com os textos só com cortes parciais) seja ainda menor.

Aliás, e curiosamente, até no que publiquei em livro, senti essa pressão. Nos anos 90 submeti a um editor umas largas dezenas de textos. Um bom terço deles foi amavelmente recusado ou por atacarem a Direita ou por beliscarem a Esquerda. O editor era homem cauteloso e eu percebi e aceitei as suas reservas.

Portanto, e voltando à vaca fria:

O facto de haver algumas pessoas a darem-se ao trabalho de inquirir se não faz falta um novo jornal deve ser, pelo menos, louvado.

Todavia, convém atentar neste simples ponto: é risível o número de vendas dos jornais. Salvam-se (mal) o “Expresso” e o “Correio da Manhã”. O resto é a crise e crise profunda. O meu jornal, apesar de tudo, o melhor, o mais independente do poder e, paradoxalmente um dos jornais onde a empresa proprietária menos se imiscui vende com sorte trinta e tal mil exemplares. Falo obviamente do “Público” que leio (e compro, insisto) desde o primeiro dia. Tem defeitos (logo a começar pelo suplemento cultural que em boa verdade é medíocre e profundamente desigual. O suplemento “fugas” é de uma inutilidade confrangedora). Não é exactamente o menos mau dos maus, mas não passa  de um razoável entre fracos.

A ideia, absolutamente peregrina, de ter uma publicação independente doa publicidade faria sorrir mas o simples facto de ser lançada faz-me suspeitar da sanidade dos seus proponentes. Dir-me-ão que estou a fazer o jogo do capitalismo. Já nem sequer me preocupa essa toliçada. Apenas recordo que o grande jornalismo – e desde há muitos anos – foi sempre o praticado no Ocidente. Do outro lado, desde o Pravda ao Renmim ribao, o jornalismo era apenas “his master’s voice” E ninguém, nem sequer os mais fieis militantes comunistas, liam a sua imprensa para se informarem. Aliás, e curiosamente, quando precisavam de citar algo de importante para os seus regimes imediatamente recorriam a qualquer notícia favorável publicada na imprensa “capitalista”.

Sou leitor de um jornal em que uma sociedade de redactores possui (ou possuía) algum poder efectivo (Le Monde). Mas mesmo aqui, foi sempre fundamental o capital privado. De todo o modo, houve tentativas “revolucionárias” para suplantar o “burguês” Le Monde. Uma delas, a mais famosa e duradoura, chamou-se “Libération” ( não confundir com a publicação dirigida por Emmanuel d’Astier de la Vigerie, nascida na Resistência!) e já mostrou como se morre de morte macaca.

Eu não consigo perceber (deve ser defeito meu) como é que, a partir de um panorama tão desolado como o português, se pensa num novo jornal independente do capital, seja ele qual for, sem publicidade (!!!) e capaz de trazer aos leitores notícias, comentários, artigos de opinião. Quem paga aos profissionais que o fazem? Como paga? Mais grave, dado o que se sabe da massa consumidora de jornais, quem o vai comprar?

Mais: será que os actuais jornais nacionais, ou parte deles, não estarão comprometidos com a Declaração Universal dos Direitos do Homem? Nem o Público? Nem o Expresso?

Como se tratava de um inquérito, enviado, como disse, por alguém com provasa dadas no tempo em que isso era raro e perigoso, respondi lealmente. Infelizmente, não havia a pergunta simples e fatal: acha que é possível mais um jornal em Portugal e que ele terá êxito e poderá vender digamos cem mil exemplares de modo a garantir alguma solidez e a tentar ser mais dependente dos leitores do que dos eventuais candidatos a accionistas?

Eu tenho um velho vício: embarco nas mais inverosímeis aventuras culturais. Desde uma editora (Centelha) uma livraria (Erva Daninha) ou mesmo ser o mecenas de uma editora que publicaria “com qualidade” um livro do Fernando Assis Pacheco. Custou-me essa última loucura cinquenta contos de reis no tempo em que isso era dinheiro. Custou mais ainda ao Fernando como ele magoadamente me contou em carta que conservo. A criatura que me sacou os morabitinos ainda anda por aí provavelmente a tentar repetir o mesmo golpe com outros incautos generosos, e em euros, moeda mais forte.

Desta feita, apenas prometo comprar vinte exemplares do nº 1 da publicação. Receio apenas que isso já me apanhe a fazer tijolo mas essa questão já não é importante...

estes dias que passam 463

d'oliveira, 25.07.20

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Os dias da peste

Jornada 129

Viajar na Eslovénia com espanhóis

mcr, 25 de Julho

 

 

 

Como es posible que esté usted

tan tranquilo tal y como van las cosas?

Gonzalo Torrente Ballester "Hombre al água"

 

 

O ano de 75 foi, para uns, a aberração e o escândalo. Para outros a festa vencida pela traição. Para a resignada criatura que esta escreve foi a vera descoberta da Espanha, dos espanhóis, gentes e nações todas confundidas. Numa palavra, aprendi a ser peninsular.

 

75 foi também um ano de viagens, que santa Gulbenkian seja louvada e o Doutor Ferrer Correia exaltado!

Graças a uns vagos estudos de direito comparado, passei grande parte do mês de Agosto entre Trieste (olá Svevo, olá Joyce, olá Magris) e Ljubljana.

 

Ora foi nesta última cidade que, imparavelmente, conheci:

  1. a) o efeito ascensorial da slivovice;
  2. b) a versão eslovena dos autocarros turísticos;
  3. c) o "savoir vivre" dos espanhóis.

 

Expliquemo-nos: Ljubljana. era, na altura, a montra da Jugoslávia e, como afiançava um prospecto local, sede de vertiginoso progresso. Por mero acaso este ainda não chegara ao elevador do nosso prédio que, movido por uma errónea concepção da então consagrada "auto-gestão socialista", teimava em não funcionar.

Foi o Ferran Camps, hoje grande jornalista na Catalunha, que descobriu a única maneira de subir até ao nosso 12º piso: "bastava, disse-nos em voz pastosa, entrar no café Slon, ali ao lado, e beber uma pequena carga nuclear líquida, a que os indígenas chamavam "slivovice". O efeito era garantido. Com tal viático até a Torre Eiffel seria canja.

Gostaria de vos dar a composição desta especialidade mas, penso que, ainda hoje, é considerada segredo militar.

 

Os espanhóis meus colegas, tributavam à beberragem um respeito tal, que, até conseguiam pronunciar correctamente o seu nome, quando a pediam. E, este é feito notável porquanto nem sequer conseguiam pronunciar a palavra eslovena para espetadas (Rasnici) a quem sempre chamaram "pinchos morunos" conseguindo, por milagre de Santiago padroeiro, que, em todos os sítios de comes e bebes, lhes compreendessem a encomenda e os servissem.

 

Ora foi com esta tropa, alegre e galhofeira que parti para uma excursão a Cerkno. Da comandita faziam também parte franceses, italianos, americanos e a minha querida amiga Ewa Teresa, que era inglesa, cega e de origem polaca, e se fazia guiar por uma cadela cuja graça já não recordo. O autocarro que nos transportava não tem descrição possível, a menos que me permitam usar uma linguagem desbragada, o que não farei.

 

O motorista que pilotava aquele raro exemplar de viatura, de humano só tinha uns bigodes caídos e duas manápulas capazes de estrangular um boi.

E a viagem começou: trafegávamos por caminhos que só por delicadeza se poderiam apelidar de estradas, entre terras cujos nomes eram autênticos arrepios (Pohor, Gradec, Gorenja Vas, Zakniz) no meio de precipícios que mais pareciam a autêntica entrada do inferno.

 

A tripulação só não enjoava porque o terror nem isso permitia. A cadelinha da cega uivava docemente e os dois árabes da comitiva murmuravam de minuto a minuto "Inch Alla". Só a cega, porque cega, ostentava um sorriso beatífico. A turbamulta espanhola, toda colocada a estibordo, de habitual tão cantadora, ia mais muda que um cardume de carpas. De vez enquando olhava-os e via-lhes crescer, para lá do medo, uma vaga vontade de blasfémia e desafio próprio das gentes que contra Napoleão gritaram "Viva las cadenas".

 

Ao 20º precipício sucedeu a esperada erupção andaluza. A curva fizera-se a 120º sobre três rodas duvidosas e uma chiadeira inenarrável. O "olé", soltado por aquelas gargantas tufadas pelo medo, merecia o palco da Maestranza.

O proto-criminoso motorista ao ouvir tal balbúrdia virou-se, iluminado pela gratidão, e ergueu as duas mãozorras num tosco sinal de vitória.

A partir daí, o resto da viagem foi pontuado pelos nossos guinchos histéricos, pelos uivos da cadela e por pragas no mais puro polaco que já ouvi a uma cega indefesa.

Á volta viemos todos de taxi, cega e cão incluídos, e comemoramos este nosso regresso dos arrabaldes do reino de Plutão com uma jantarada no Grand Hotel Union.

Gaudeamus igitur

 

Este é mais um texto da série "gaudeamus igitur" escrita há uns bons trinta e muitos anos. Foi publicado, com os outros, numa revista com um excelente aspecto gráfico, editada pelo Centro Cultural do Alto Minho e intitulada "Mealibra". Tenho ua vaga ideia de, no principio dos meus anos de blogger, o ter publicado aqui. No meio desta confusão escrita acaba por ser um pouco das minhas memórias. 

* a vinheta: lago Bled que era um dos principais destinos da nossa viagem. 

estes dias que passam 462

d'oliveira, 24.07.20

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Os dias da peste

Jornada 128

Um centenário

mcr, 24 de Julho

 

 

Celebra-se hoje a famosa decisão do marechal Mac Mahon, Presidente da República Francesa que reconheceu definitivamente (1875) a posse do sul de Moçambique (e especialmente da baía do Espírito Santo (baía da Lagoa, Delagoa Bay, Baía de Lourenço Marques) por Portugal.

A decisão arbitral foi tão importante que, ainda hoje, em Moçambique a data tem significado. A avenida 24 de julho manteve o nome, ao contrário de praticamente todas as restantes artérias da cidade que ostentam nomes ligados ao período da guerra de libertação ou a “estadistas” duvidosos que em nada influíram na vida da jovem república africana. Estou em crer que, mais cedo ou mais tarde, tais nomes desaparecerão não para serem substituídos pelos antigos mas pelo menos por quaisquer outros mais conformes com o país e a sua história.

Todavia, não é da arbitragem de Mac Mahon que venho falar mas de um outro centenário, mais próximo, o da data de nascimento de Amália Rodrigues que se está a festejar um pouco por todo o lado.

Embora não fazendo parte dos devotos absolutos da grande cantora, não posso deixar de expressar aqui, e sempre, a minha profunda admiração por essa mulher excepcional que honrou sobremaneira a música portuguesa, a cultura portuguesa e, de certo modo, o povo português.

De certa maneira, acompanhei, mesmo sem o querer, a carreira dela até porque em minha casa era certa a admiração pelo que ela cantava, e como cantava. Sobretudo, como cantava.

Pedro Homem de Melo, um poeta talentoso, injustamente qualificado como “o maior dos poetas menores” depois de a ouvir cantar um dos seus poemas, foi-lhe apresentado e Amália terá pedido desculpa por o cantar sem autirização do autor. Homem de Melo, educadíssimo terá respondido que ali quem tinha de agradecer era ele porquanto, ao ser cantada por Amália, a sua poesia “tinha subido ao povo”. Nenhum poeta neo-realista teria dito isso melhor!

E, de facto, algumas das melhores canções de Amália tem a letra de PHM, a começar por “povo que lavas no rio...”um “must” absoluto que a Maria João, minha primeira mulher, cantava muito bem e a pedido de um numeroso grupo, em Coimbra nos anos sessenta.

Eu, como já disse, andava com ouvido para outras e diferentes músicas, muita chanson francesa, muito folk americano, jazz, evidentemente.

Aliás, havia na minha reticência, um factor ideológico fortíssimo: Amália já era uma espécie de embaixadora do regime que, inteligentemente, aproveitava a sua celebridade e sua singular conquista das mais variadas audiências para se afirmar.

Isso me bastava como motivo de agastamento porquanto eu, parvamente, ainda estava na fase de matar o mensageiro esquecendo que era a mensagem o que tinha de ser destruído. A meu favor, como atenuante, só apresento a idade e, o peso da educação apesar de tudo formatada pelo Estado Novo. Acrescento que o fado não é a minha música predilecta. Nem muito em pouco e aqui, tantos anos depois, não é nada de ideológico mas tão só de gosto. Não aprecio o fado, como não aprecio as mornas, o reggae, o rap, o samba e por aí fora.

Porém, ao ouvir “com que voz” ou “Amália canta Portugal”, algumas das suas versões da música popular italiana (“Amália em Itália”) sou obrigado a render-me ao talento, à interpretação vivíssima, ao critério e à cultura subjacente que preside a tantas e tantas maneiras de interpretar com verdade, com rigor, com inteligência e com uma imensa voz (lembremos que Amália era uma mezzo soprano de grande qualidade. E foi assim que alguém a quem o fado de Lisboa (ou também o de Coimbra) pouco diz se rendeu ou, pelo menos, começou a apreciar a artista.

Estive desatento às desventuras de Amália no período imediatamente seguinte ao 25 A. Devo entretanto afirmar que ela não foi a única vítima dos subitamente conversos à democracia e, sobretudo, a todas as caricaturas ideológicas da mesma sem falar dos maximalistas revolucionários que sonharam a Sierra Maestra em Monsanto. Entre Setembro de 1974 e Novembro de 1975, os loucos guiaram os cegos na peregrinação à terra do Nunca socialista. Intelectuais (demasiadamente) comprometidos tentaram esconjurar os males da burguesia e da social democracia em plenários sem rei nem roque e à sombra das armas de gente que anos antes apoiava o regime derrotado sem quaisquer problemas de consciência.

E nem os colectores de fundos para presos políticos que tinham encontrado em Amália Rodrigues uma contribuinte generosa tiveram a coragem de com força o virem afirmar diante da caterva de “anti-fascistas” da vigésima quinta hora.

A ter ocorrido esse gesto, ora tomado como certo e seguro por todos os que a biografam, é surpreendente o silêncio dessas pessoas que canalizavam o dinheiro obtido para a ajda às famílias dos presos políticos. Pelo menos o silêncio nos tempos de mais agudos exacerbados ataques à reputação da cantora acusada de ser uma fiel do antigo regime.

Não vale a pena, nem sei o suficiente, para substituir esse retrato hoje abandonado pelo igualmente duvidoso de musa da revolução.

Provavelmente, Amália nunca sentiu com especial premência a necessidade de provar a quem quer que fosse alguma militância política. Porém, e bem antes de 1974, escolheu repertórios que não eram os de uma simpatizante do Estado Novo. Cantou Alegre, O’ Neil por exemplo e certas letras de Homem de Melo não dão do povo português o retrato piedoso e conformado que a Direita entendia dever ser transmitido. De todo o modo, a preocupação da Direita não era exactamente a de missionação mas apenas a de não transmissão do vírus libertário. Por isso tolerou bem, apoiou por mero gosto pelo fado os “desvios” poéticos de certos autores que Amália foi escolhendo.

E é essa escolha, a inteligência dessa escolha que me causa admiração. Amália não tinha praticamente qualquer educação formal. Vinha do povo humilde, frequentou a escola por pouco tempo (teria eventualmente o exame da 3ª classe, mais dificilmente o da 4ª) pois entrou tarde e saiu cedo da escola. A vida obrigou-a a siar para a rua, para o trabalho duro, ainda adolescente. A música, as cantigas só a impuseram depois de anos de duro penar pois segundo li até carvão transportou. Ao pé disso, vender fruta foi refresco.

É verdade que a verdade da sua prodigiosa voz, cedo a lançou para o êxito e para os caminhos da fama. Rapidamente, ser tornou uma apreciada cantora e fadista e foi paga como tal.

E é nesse meio que começa a conhecer gente de quem absorve conhecimento, cultura. Alguém dixzia dela que era uma verdadeira esponja: o que ouvia, entendia e guardava e usava depois já transformado e pensado por ela. Estava ali uma aguda inteligência que teve meios para se desenvolver e brilhar. É verdade que ela provavelmente deva muito a muita gente. Mas não menos verdade é que o restituiu em dobrado ou em triplo ao longo de uma vida e de uma carreira sempre gloriosa

Há um legado musical e cultural de Amália que me faz pensar que, antes de estar no Panteão, ela já estava noutro e mais importante e mais visitado: no coração e na cabeça de milhares e milhares de portugueses que continuam a ouvir os seus discos, a comprar os seus discos e, desculpem esta “cunha” a exigir que dela saia uma discografia completa, como deve ser.

Entretanto, que ao menos, se reedite essa colectânea devida ao amor e à erudição de Rui Vieira Nery, um musicólogo que não precisa de ser apresentado, e um excelente amigo que já não vejo há uma boa dúzia de anos, e que se chamou “Amália nossa (1920-1999)”.

É que, caros amigos e leitores, o Panteão pode ser muito honroso mas não substitui a obra viva e entusiasmante que torna uma pessoa célebre e morta em algo de vivo e próximo de nós.

Vi Amália, ao vivo mas não em concerto, uma única vez em Moçambique, mais precisamente em Nampula. Não me recordo do ano mas tenho a certeza que foi antes de 1966, ultima data em que lá estive de férias. Os meus pais, amalianos convictos foram ao concerto e depois, ou no dia seguinte, jantaram com a diva no meio de mais uma chusma de admiradores. O meu irmão e eu não estivemos nesse encontro mas teremos entrevisto a cantora no Hotel Portugal com amigos em alegre conversa. Provavelmente, pelo menos no que me toca, não terei dado qualquer relevo ao facto. Para mim, Amália era apenas uma celebridade num país cujo regime eu detestava e contra o qual lutava. Por extensão mesmo não lutando contra ela, não a trazia no coração. Quando se é jovem e atrevido (e ignorante) o mundo é muito a preto e branco.

Demorei anos até chegar aqui, liberto de alguns fantasmas e, como diz Nietzsche, tendo destruído alguns ídolos dentro de mim. Estou pronto para ouvir com mais atenção e prazer Amália a cantar.

Ainda vou a tempo, acho eu.

 

Não me atrevo a grandes propostas de discos. Eu gravei para cd uns velhos LP da cantora, uma série de canções populares que ela cantou nos Estados Unidos. Depois adquiri o “Amalia canta Portugal” que me espantou e alegrou. Há pouco tempo adquiri o “Amália em Itália”, o “com que voz” (absolutamente imperdível !) e mais uma meia dúzia que irei ouvindo devagar, certamente com prazer e surpresa e, seguramente, comoção.

Este centenário é dos que valem a pena lembrar.  

 

Vai este texto para uma querida amiga que eventualmente fazia parte do auditório coimbrão em que a João tentava cantar o “povo que lavas...”

Assim, para Maria A, com um beijo do tamanho do mundo

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