Os dias da peste
Jornada 149
Os relatórios são meros papéis
mcr, 16 de Agosto
Não conheço a Sr.ª Ministra da Segurança Social de lado nenhum e, até há pouco tempo, nunca tinha ouvido falar dela nem da sua carreira na área do turismo. A nomeação para ministra não me surpreendeu pois, de há muito, que me habituei a este género de malabarismos em que alguém com conhecimentos fortes num sector vai para outro que não parecia ser a sua chávena de chá.
Eu não sou dos que entendem que para ser ministro de um determinado sector se deva ter uma forte preparação nesse campo mas não tenho nada contra a escolha de técnicos capazes e conhecedoras para tutelar uma área em que sejam especialistas.
Parece, porém, que a escolha da dr.ª Godinho para um ministério tão sensível como este se deve mais a razões políticas e ao facto de Costa querer ter aí alguém em que ele possa mandar. Será assim?
De todo o modo, a dr.ª Godinho lá foi regendo discretamente o seu ministério que, nos tempos próximos passados, registava um digno torpor próprio dos anos sem grandes problemas imediatos. Que eu visse, o Ministério, não sofreu nenhuma transformação importante mas, também isso, se tudo continuasse a correr de feição, podia esperar. Uma ministra novata deve ter cuidados extremos que aquilo, o labirinto da Segurança Social, tem muito que se lhe diga. Nem vale a pena falar dos interesses instalados, da pressão sindical, das guerras corporativas travadas por diferentes sectores de funcionários. Só isso dava para três crónicas...
Todavia, o vírus, sempre ele, veio interromper o meigo ronronar do Ministério e interpelar violentamente os seus deveres de tutela, mormente nos lares de idosos.
Não gostaria de falar da minha experiência neste assunto, porquanto ela limitou-se a um breve período de alguns meses em que, tive de intervir numa Misericórdia e, por arrastamento. no lar por ela (mal) gerido. Foi, de certa maneira, o último desafio, não mais complicado que outros, mas com maiores implicações na vida de pessoas. Não digo que a pequena batalha, mais guerra de guerrilha continuada, tivesse sido sempre fácil, não foi, mas consegui ganhar alguns apoios desde a autarquia até aos poderes eclesiásticos e ter um vago apoio de muitos “irmãos” afastados violentamente pela Direcção que se apoderara da Instituição.
Nunca respondi aos desafios dos titulares da Misericórdia que, freneticamente, se esforçavam para me encontrar e, eventualmente, enredar num conflito que não era meu, não era dos utentes nem do interesse público. A ideia era isolar essa Direcção que aliás fazia tudo para isso, e depois, com rapidez e segurança e respeito pelos internados no lar, varrê-la definitivamente. O que foi feito para gáudio dos jornais locais e nacionais e da televisão que me imortalizou trepado a um muro a discursar às massas.
Não vou dizer o que encontrei pois não encontrei nada. Dinheiro evaporado, vendas de bens imóveis sem qualquer autorização, actas desaparecidas, pessoal sem contratos, uma necessidade extrema de recorrer ao Banco alimentar. Felizmente, terei caído no goto dos poderes locais e de alguns filantropos de modo que, dois dias depois, de ter expulsado a anterior direcção, já exonerada pelo bispo (que tardou mas lá se resolveu), já tinha em meu poder uns bons milhares de contos (dos antigos, pré euro) e pude ir-me embora, regressar à minha instituição de origem, a Segurança Social. Tudo isto depois de ter entregue no Tribunal que me nomeara um relatório final. A breve fama adquirida, alguns louvores da autarquia e de personalidades da terra bem como do Tribunal granjearam-me a sólida desafeição do pobre diabo que geria a minha instituição. Foi o momento em que decidi que o que era demais, era demais e preparei a minha saída daquele mundillo mesquinho.
Na minha vida, bati várias vezes com a porta e não me arrependo de nenhuma. Os tempos foram-me dando razão, o meu número de amigos aumentou, continuei a dormir bem só me faltou enriquecer.
Portanto, ao recordar o mau passo da ministra que não lê relatórios sei do que falo se isso refere lares de idosos, designação simpática de depósito de cadáveres adiados.
(parece que agora a afirmação da ministra – não tinha (ainda) lido um relatório da Ordem dos Médicos sobre um lar onde pereceram, até ao momento. dezanove pessoas, está agora a ser modificada. Que a publicação onde isso foi tornado publico, “descontextualizou” o brilhante depoimento ministerial, enfim o costume. Em Portugal, descontextualiza-se à fartazana, um horror, um hooorroooor!!!
Curiosamente, nunca nenhuma das vitimas da descontextualização entendeu pregar com um processo nas ventas do agente malvado que a pôs, sem mais nem menos, inocentemente, a descontextualizar... Mistérios da política nacional...
Esta tempestade, em plena silly season, pode ser de curta duração. O futebol (ai aqueles 8 a 2 contra o Barça!!!, o que os de Madrid se devem rir, mesmo se nem a este estádio da Champions chegaram), a façanha (e digo-o, uma vez sem exemplo, com respeito, simpatia e admiração) do nadador salvador Marcelo Rebelo de Sousa (MRS é o 2º Marcelo a salvar alguém no mar. Este modesto Marcelo, vai para sessenta e tal anos, salvou na praia da Figueira uma jovem que era a namorada do grande ciclista Alves Barbosa. E tive a honra insigne de ser abraçado por ele – teria preferido a namorada. Mas enfim...- e de durante muito tempo ter tido o privilégio de usar as bicicletas do estabelecimento de aluguer das mesmas, do seu pai, à borla! Bem que me aproveitei!)
Convenhamos, já que estamos de regresso à leitura do relatório que da afirmação só uma coisa se salva: o facto da confissão. Todavia, isso, não chega, que raios! Morreram dezoito ou dezanove criaturas, provavelmente à beira do passamento, seguramente doentes, porventura imprestáveis e já sem vontade de votar, mas sempre eram 18 ou 19 almas de Deus, tinham filhos, netos, parentes que agora, desconsolados, verificam que a ministra da tutela nm concedeu aos seus tempo de leitura, meia hora, uma, talvez.
Há partidos que pedem a cabeça da dr.ª Godinho. Não conseguirão nada. Costa só empandeira alguém quando corre o risco de ser devorado na voragem. A dr.ª Godinho não deve ser do género daqueles antigos políticos que entendiam um gesto de demissão como uma prova de honradez e de arrependimento. Ela, coitada, não leu. E pronto.
E, provavelmente, voltará a não ler só que da próxima terá o cuidado de o omitir.
“ler é maçada, estudar é nada”. Se Fernando Pessoa o disse que há de uma ministra acrescentar, mesmo que nunca o tenha lido – como ele implicitamente- aconselha?
Basta-lhe ser Ministra. E enterrar os mortos. E cuidar dos vivos como mandava o sr. Marquês de Pombal.