estes dias que passam 491
Alguém não fez o trabalho de casa
mcr, 30 de Setembro
Eu não sei se é a DGS, se é o Ministério da Saúde, se é mais algum departamento estatal que pensa Portugal como uma república bananeira ou se, pura e simplesmente, é a habitual bur(r)cracia.
Também não excluo a estupidez ou, pior, a vontade de alguém em governar-se à custa dos governados.
Eis o caso: aproxima-se o tempo da gripe o que, junto à persistência da pandemia, torna a vida de todos e, particularmente dos mais velhos (é é o meu triste caso) mais complicada.
Faço parte daquele grupo de pobres diabos que leva a sério as prevenções dos médicos, do SNS, da DGS, enfim dos que entendem dever vacinar-se contra a gripe.
Em chegando o fim de Setembro, passo pela farmácia e, zás, por uma módica soma, vacinam-se. Não vou ao Centro de Saúde por duas razões muito simples. Uma pessoa chega lá e espera horas para ser atendida. Depois, razão menor, sempre poupo ao Estado o custo de uma vacina. Aliás, mesmo sendo “beneficiário” da ADSE (que mensalmente me leva uma bela soma) apenas a utilizo para o desconto nos poucos medicamentos que, por sorte -por serem poucos – sou obrigado a tomar. O resto fica por minha conta, tanto mais que reaver o dinheiro gasto dá uma trabalheira dos diabos e recebe-se tarde e a más horas. Por outras palavras a minha saúde fica barata ou, até dá lucro ao Estado e/ou à ADSE.
Todavia, enquanto cidadão, entendo que tenho direito a que o Estado se preocupe com a minha saúde e atempadamente ponha ao meu dispor os meios para me manter tão são quanto possível.
Portanto, e para abreviar, desloquei-me à farmácia para a vacina. Nada feito. Já há vacina mas, para já, é para os profissionais de saúde e para certos grupos de risco residindo em lares, isto é para os que, por milagre, ainda não foram mortos pelo covid e pela péssima assistência sanitária de que “gozam”.
Aceito que haja prioridade mas, porém, não percebo porque é que, cá fora, sem pesar no SNS não poderiam as farmácias fazer este ano o que sempre fizeram. Ou seja, abastecer-se no mercado armazenista, e vender o seu produto a quem esteja disposto a pagá-lo.
O amável jovem farmacêutico que me atendeu afirmou-me que este ano a DGS ou outra qualquer instituição bur(r)ocrática entendeu que ou não haveria abastecimento no mercado livre ou, se acaso o houver, ele será deixado para as calendas de Outubro.
Convenhamos que isto tem um nome e esse é atentado contra a saúde publica, entendendo-se que nisto vão incluídos o receio, a angústia e a cautela de milhares, dezenas ou centenas de milhares de cidadãos que, avisados do que pode por aí vir, e escaldados pelo que as televisões mostram de outros países decidiram não deixar para amanhã o que poderiam fazer hoje. E sempre, note-se bem, sem obrigar o Estado a pagar seja o que for!
O mesmo farmacêutico (corroborado por dois outros colegas em duas outra farmácias) explicou-me que decuplicou o número de pessoas que tentaram já inscrever-se para a vacina.
Razões são várias mas sobretudo esta: as pessoas não confiam nos centros de saúde, na sua eficácia, basta lembrar o trabalho inglório que se tem ao tentar telefonar para lá. Não atendem e não devolvem as chamadas. Eu próprio já verifiquei isso quando quis avisar uma senhora enfermeira que me enviou um mail justamente sobre vacinas. Por três vezes tentei dizer-lhe que tinha tido essa cautela. Nada feito.
Agora, depois de saírem notícias sobre surtos em clínicas e hospitais, ainda é maior o receio, justificado ou não, dos utentes. Sobretudo porque, ao ouvir as televisões ninguém consegue ver onde está a razão e onde ela falece. A DGS tem posições tão sinuosas, tão dispares no tempo que o seu crédito se reduz dia a dia.
E o covid sempre presente. E a gripe a chegar. A gripe que, ainda há meses para afastar o espantalho do covid era, dizia-se, muito mais mortífera! Quem semeia medos recolhe pânicos!
Ao lado desta injustificada falta de vacinas no sector farmacêutico, junta-se entretanto a ideia difusa mas repetida que o monopólio estatal garante gordas comissões a criaturas ao serviço conjugado do Estado e delas próprias. Convenhamos que, perante o espectáculo dos inúmeros altos servidores públicos acusados e em via de julgamento, a ideia da corrupção nesta distribuição não deixa de ter pés para andar.
O senhor secretário de Estado veio ontem, num discurso confuso e aos tropeções dizer que a partir da terceira semana de Outubro haverá eventualmente vacinas para fornecer às farmácias. Todavia, há que reconhecer amarguradamente que palavras de altos responsáveis da saúde valem o que valem e é pouco.
Alguém diz que isto se deve a trapalhadas de trapalhões que demoraram demasiado tempo a requisitar para o país um número decente de vacinas. Não custa nada a acreditar dada a situação em que o covid nos apanhou: de calças na mão mesmo depois de termos visto a pandemia cevar-se noutros lugares. A costumeira displicência portuguesa de que este povo, sobretudo o que não manda, não tem, não é ouvido, é vítima.
Portanto, leitoras e leitores, preparem-se. A vacina da gripe virá (ou não) daqui a três semanas. Com a gripe já perto ou já cá dentro. Com o covid à espreita. Com o SNS a espernear para chegar a todos. Com dezenas, centenas de milhares de consultas, cirurgias e outros actos médicos atrasados ou perdidos. E com o povo embalado pelas futuras presidenciais ou pela surpreendente discussão à volta do Orçamento. J´ninguém percebe nada: o PS jura que se perde de amores pela Geringonça a três ou a dois. P PC rosna que não vai a jogo, o BE faz finca pé nas suas exigências. O Presidente da República a mandar recados sobretudo ao PPD que, até à data, não é parte neste cozinhado. Ou seja, o sr. Presidente entende que o seu antigo partido tem o dever de ser uma tábua de salvação caso o tempestuoso namoro PS/BE falhe. Não se descortina como isso é possível dada a claríssima divergência programática entre os dois partidos maiores. Mesmo quando o sr Presidente se desdobra numa versão pessoalíssima da sua mais que apagada liderança do PPD e dos favores que terá feito a Guterres não se consegue perceber como é que agora isso se poderia repetir sem atirar o PPD ou os seus votantes para os insondáveis abismo de uma Direita ultramontana que quer replicar em Portugal os êxitos obtidos em França, Itália ou Espanha. Quer e, eventualmente, pode: basta que as alternativas desapareçam. Hitler subiu ao poder, por eleições livres dessa maneira. As esquerdas (PC e PS) não se entenderam, aliás combateram-se violentamente nas ruas através de milícias próprias, o Centro implodiu e os nazis foram tranquilamente ganhando eleição após eleição (A Prússia já era governada por eles antes de deitarem a mão ao resto da Alemanha). O que fizeram sem demasiado esforço e com a brutalidade congénita que os unia. Brutalidade, aliás, que se generalizava a outros estractos políticos e sociais, convém acrescentar antes que me acusem de fazer a culpa morrer solteira...
Não estou a traçar nenhum cenário especialmente previsível mas apenas quero ressaltar que a História recente (ainda não passaram cem anos) fornece algumas lições e sugere algumas cautelas.
Dançar à beira do vulcão não é exactamente o melhor remédio.
na vinheta: gravura, uma entre centenas de uma grande aventura cultural e científica paortuguesa: as viagens philosophicas (finais do sec XVIII). Desta feit, é a levada a cabo no Brasil. Já, por várias vezes, aqui referi o esforço desses exploradores naturalistas mandados para todos os cantos do Império colonial. No caso é a do dr Rodrigues Ferreira que percorreu a amazónia e o Mranhão durante dez longos anos, reunindo um espólio fabuloso que enviou para Portugal. Dessa soma impressionante de documentos de toda a ordem, ainda restam muitos embora a maior parte tenha sido saqueada pelos franceses de Junot e esteja hoje em Paris no chamado "cabinet de Lisbonne". Ferreira, claro é mais desconhecido ilustre da nossa História mas isso é o destino natural de muitos outros nacionais.