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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

estes dias que passam 495

d'oliveira, 30.10.20

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Sepultar os mortos e cuidar dos vivos

mcr, 30 de Outubro

Bolinhos e bolinhós
Para mim e para vós
Para dar aos finados
Que estão mortos, enterrados
À porta daquela cruz
Truz! Truz! Truz!
A senhora que está lá dentro
Assentada num banquinho
Faz favor de se levantar
Para vir dar um tostãozinho.

O título recorre a uma frase atribuída ao Marquês de Pombal e que seria a resposta a uma pergunta do rei logo depois do grande terramoto. Se é ou não verdadeira pouco importa e só a refiro porque estamos em plena época de celebração dos nossos mortos, o dia de finados.

Em tempos muito próximos, ontem, isto é no ano passado, uma vez mais se floriram os cemitérios, as campas rasas como os jazigos imponentes. Sei de pessoas para quem esta piedosa romagem faz parte essencial das suas vidas e que, por isso, lamentam doridamente a proibição de circular entre concelhos.

Em boa verdade, a civilização, ou os seus primórdios, passa, eu diria começa, pelo hábito de enterrar os mortos, de proteger os seus restos da violência dos elementos e dos animais selvagens.

A tradição não é apenas ocidental e cristã mesmo se aqui ela se expresse com grande força. Dezenas de civilizações protegem ciosamente os seus cemitérios, consideram o território por eles ocupado como santo, há tabus diversos para proteger ossadas perdidas no tempo, eventualmente desaparecidas na terra. As pirâmides (e Gizeh é uma , a única – julgo – das sete maravilhas que se pode ver quase tal qual como foi erigida. Havia uma outra maravilha também tumular o mausoléu de Halicarnasso mas desse nada resta) ou o Taj Mahal para não falar do túmulo do imperador Qin Shi Huang e do admirável exército de terracota que o guarda mostram bem que o fenómeno é universal mesmo se, das chamadas civilizações primeiras haja apenas um vago rasto (alguns lugares sagrados, máscaras mortuárias, esqueletos cuidadosamente guardados, ritos funerários ( p. e. o caso da etnia dogon que enterrou simbolicamente com grande pompa o etnólogo Marcel Griaule, grande divulgador da sua extraordinária cultura).

Tudo isto para referir a proibição de circulação relativa a este dia que força muitas dezenas de milhares de cidadãos a não cumprir a tradição (e bem mais do que isso) de lembrar os seus mortos.

Não faço parte desse enorme grupo mas, sei lá porquê, tenho um grande respeito pela tradição deste dia. Recordo-me que foi em Coimbra, andava eu no terceiro ano, acabado de sair da casa paterna por não haver na Figueira 2º ciclo dos liceus, que ouvi numa noite fria e feia a cantilena que acima reproduzo. A tia Cristina lá foi dar qualquer moeda aos rapazitos que cantavam à porta e isso, essa sensação de solidão essa falta dos pais e irmão, foi algo que nunca esqueci. Nunca fui ao jazigo familiar mas em chegado este dia lá me lembro dos meus mortos, e já são tantos. E percebo a incomodidade dos que não poderão ir florir as campas sobretudo agora que paira sobre todos a sombra aziaga do vírus.

Percebo as razões, racionalmente admito-as, mas não entendo o facto da medida se estender a todo o território.

E, também sem perceber as extravagantes voltas e reviravoltas da memória, recordo-me de ter chegado a Berlin justamente num “Totentag”, dia dos mortos, no ano longínquo de 1970. A cidade, murada pelos soviéticos e pelo regime fantoche da RDA, respirava um ar pesado. Ali, no palco final da 2ª grande guerra europeia, esse dia ainda estava muito vivo. Centenas de milhares de mortos entre soldados russos e alemães e civis berlinenses apanhados naquela armadilha, ainda eram demasiado próximos dos habitantes actuais, enfim dos que lá viviam nesse ano de permanente contestação que desde o SDS até aos grupos esquerdistas e aos ainda fortes núcleos vagamente simpatizantes da Rote Armée Fraktion, o grupo dito “Baader-Meinhof”.

Enfim, esperemos que estas medidas, e as que se imaginam bem próximas, permitam, de facto, tornar actual a frase do Marquês.

Seria terrível que no afã descontrolado do combate ao covid se descuidassem os mortos e se sepultassem em casa, isolados e acabrunhados, os vivos.

 

*na vinheta : ritos funerários Dogon com a presença das famosas máscaras “kanaga”  

 

...

d'oliveira, 29.10.20

De baraço ao pescoço, descalço e coberto de vergonha

mcr

 

No melhor pano cai a nódoa e neste, pano de pouca dura, pior!

Então não é que, levado pelo entusiasmo, troquei o prémio Camões pelo Pessoa vá lá saber-se porquê. E nesse equívoco teria permanecido não fora um amável aviso do meu colega de blog e amigo JCP. 

Poderia dizer que a culpa é do covid mas o virus ao que se sabe ataca os pulmões não a cabeça sonhadora.

Homero por vezes dormita, diziam os de antigamente, mas eu sou moderno e de Homero apenas leitor e devoto. Meti a pata na poça foi o que foi.

Resta-me, apresentar -me perante os eventuais leitores que me aturam e pedir desculpa.  

Como o rei emérito de Espanha, prometo que não repetirei esta façanha. No caso dele, a caçada não se repetiu mas meteu-se noutras touradas pouco adequadas à sua idade. 

Espero não lhe seguir o (mau) exemplo. De tdo o modo, Victor Aguiar e Silva mereceria igualmente o Pessoa mesmo já com o Camões no papo.

E um público agradecimento ao JCP. 

diário político 230

d'oliveira, 29.10.20

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O jogo do chinquilho

(Versão sec XXI)

 

d’Oliveira fecit (28/10/20)

 

 

A história, caso se lembrem, começou no dia em que o PS perdeu as eleições legislativas. O dr. Costa apareceu com caro de enterrado vivo, pesaroso, a família estava em lágrimas e tudo levava a pensar que um governo minoritário PPD/CDS.

Isto pareceu verdadeiro até aparecer o sr Jerónimo de Sousa travestido de Jesus de Nazaré a fazer ressuscitar um morto. No caso o dr. Costa. De facto foi o Secretário Geral do PCP quem virou o bico ao prego, quem inventou a geringonça, quem varreu a coligação centro/direita, quem realmente decidiu acabar com a fumaça de um (im)possível bloco central.

O dr. Cavaco Silva, presidente da República, descrente de alianças espúrias ou assim consideradas desde os inícios da IIIª República, obrigou a que se celebrasse um contrato escrito- Também ele é, ainda que sem o querer, pai da geringonça.

E, na verdade, durante quatro anos, a coisa funcionou. Com equívocos vários, seja dito. A “austeridade” manteve-se com outro nome graças a cativações que impediram excessos despesistas, o investimento público foi mais baixo do que durante o horrível período da Passos Coelho, mas a comunicação faz milagres. E a propaganda fá-los parecer ainda maiores...

Entretanto, quando o PS sonhava com uma maioria absoluta, o milagre pareceu excessivo. Não a teve e o PPD, mesmo ferido na asa, conseguiu aguentar-se. A geringonça II teve hipótese de seguir mesmo sem o milagroso Centeno, um Ronaldo de pouca dura mas sabedor que os milagres não se repetem e que depois do Verão vem o Outono e, pior, o Inverno.

A pandemia e o dr. Rebelo de Sousa fizeram o resto. A primeira pôs a nu as debilidades de uma economia que devia tudo, ou quase, ao turismo. O segundo achou desnecessário exigir acordos escritos entre os falsos irmãos geringoncistas.

E chegamos a isto. O BE sabe perfeitamente que por muito dinheiro que nos chegue, vai haver austeridade por uns anos. O desastre, o verdadeiro, o “diabo” sicut Passos Coelho, está prestes a chegar. As consequências da pandemia, que está viva e em progressão, vão ser duradouras. Com ou sem vacina, o período de terror vai estender-se por todo o ano que vem. A UE, que reservou 700 milhões de doses da futura vacina, já fez saber que a vacinação nunca estará completa antes do fim do próximo ano. Não basta descobrir a molécula maravilhosa também é preciso produzi-la em quantidades impensáveis até agora. E há a recuperação da confiança, o restabelecimento de relações de todo o género mesmo se, nos próximos tempos, nada suceder de especialmente dramático. Qualquer doença deixa sequelas, exige um longo período de convalescença. De certa maneira, mesmo falsa, a ideia de que nada voltará a ser como dantes, vai ser verdadeira durante algum tempo. E a nossa vida mede-se em algumas dezenas de anos apenas. Daqui a cem anos isto vai merecer apenas um período breve, meia dúzia de linhas num futuro manual de história. O diabo é que já cá não estaremos nem os nossos filhos. O tempo que nos resta é limitado.

Ora o BE sabe tudo isto mesmo sede economia e finanças no sistema capitalista saiba pouco. E vive na obsessão da via albanesa ou algo no género. A pequena burguesia radical que desconhece a classe operária e a verdadeira vida dos pobres acredita nas receitas que durante um inteiro século já mostraram ser nados mortos. Em boa verdade vive, viveu sempre, da alucinação fracturante porque nunca teve de governar fosse o que fosse. Nem a recente experiência grega em que o BE embarcou alegremente lhes serviu de lição. Depois de vermos a candidata Marisa ao lado dos gregos momentaneamente triunfantes nunca mais a lobrigámos logo que a realidade, a “estúpida” realidade, derrubou um governo práfrentista.

O BE contou com o ovo no cu da galinha, isto é, pensou que o PC o ajudaria. Vê-se que os bloquistas nunca leram Lenine e muito menos a “doença infantil...”. O PC, este PC é um velho partido bolchevique enraizado numa parte do país real, informado do que as pessoas comuns pensam. Ao votar o OE, o PC vai, n especialidade marcar alguns pontos e tentar atenuar a erosão eleitoral que o tem atingido. Dá a ideia que Jerónimo de sousa e os seus camaradas conduziram com o seu silêncio o BE para um beco sem saída.

Há indícios, ténues mas indícios, de que o BE pode recuar no voto final. Tentará reduzir os prejuízos mas mesmo essa alternativa é perigosa porquanto, à mínima cedência, será acusado de traição por uns e de oportunismo por outros. Logo veremos o que se passará.

Finalmente, mesmo que ninguém, ou poucos, a queiram, a crise política paira por aí. Um OE chumbado obrigará, queira o dr. Rebelo de Sousa ou não a eleições legislativas mesmo que só depois do período “europeu”, isto é d primeira metade do ano. Até agora, o PS parece estar em boa posição para vencer sem maioria absoluta. A menos que a ruptura do BE resulte numa forte transferência de votos para o PS. Isso, dadas as características do BE permitirá alguns aumentos de votação nas grandes cidades ou seja mais lugares de deputados praticamente garantidos. I Chega morderá sobretudo as franjas da Direita ou seja o CDS e algum PPD. A anomalia Livre evaporar-se-á e não é crível que outra anomalia chamada PAN conserve aquele bizarro número de deputados. Para o PC o melhor resultado possível seria o estancamento da sangria que tem sofrido de eleição para eleição. É provável que a sua atitude quanto ao OE decorra desse cálculo. Poderá até captar desiludidos do BE. Convenhamos que de uma pequena ou grande recomposição da extrema esquerda não virá mal ao mundo.

E talvez os jogadores de chinquilho desapareçam do cenário onde andam agora alegremente. Que diabo, já nos basta a pandemia...

estes dias que passam 494

d'oliveira, 28.10.20

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Para variar da política

mcr, 28 de IOutubro

 

Convenhamos. Não é só para variar do triste espectáculo que a geringonça dá neste momento. E só refiro a geringonça porque a Direita foi varrida da discussão pelo dr. Costa

há já várias semanas. Aproveite-se o momento para estranhar as contínuas frechadas atiradas ao PPD a propósito do sentido do seu voto. Este OE tem a marca da bizarra “frente popular” que nos governa (ou desgoverna) e seria milagre forte que o dr. Rui Rio movido por um misterioso sentido de Estado e outro não menos incrível sentimento patriótico pudesse dar o seu aval a algo que a própria UTAD já qualificou de desastrado.

Deixemos pois mais este patético episódio da vida nacional, sinal, aliás, de um atávico modo de estar no mundo, enquistado no corpo da Nação desde há séculos, e passemos a outro assunto bem mais interessante.

Soube-se hoje que o prémio Pessoa, iniciativa do “Expresso” (um dos raros meios de comunicação que resistiu à usura dos anos, recaiu sobre um professor universitário, Victor Aguiar e Silva que começou a sua carreira docente em Coimbra e a finalizou em Braga na Universidade do Minho.

Nos meus tempos bem longínquos de faculdade, ouvi, por várias vezes, alunos e alunas dele, referirem-no. Tinha fama de competente, interessado, culto e (se não erro) de vagamente conservador. Li, sem especial atenção mas com indisfarçável interesse, alguns artigos dele e não sendo oficial do mesmo ofício nem pretendendo sê-lo, fiquei impressionado com a qualidade desses textos de que já só tenho uma vaga (mas boa) recordação.

O jornal refere-o como ensaísta o que, sendo verdade, deixa na sombra um labor de dezenas de anos de ensino universitário. Não pretendo aqui abrir uma guerra do alecrim e da manjerona mas convém relembrar que aos senhores professores doutores fica bem irem escrevendo e publicando o fruto dos seus estudos e do seu ensino estendendo assim à arraia miúda não universitária uma mão cheia de noções sobre os assuntos da sua especialidade. Ora VAS conseguiu sair o estrito e estreito circuito universitário e criar um público que o foi conhecendo e, seguramente, ficou melhor, mais culto e mais conhecedor de, por exemplo, Camões.

Cite-se a “Teoria da Literatura”, um tijolo que já vai na 18ª reimpressão da 8ª edição!!! É obra! E é, sobretudo, um excelente sinal de que o autor não se ensimesmou na 1ª, 2ª ou 3ª edição. Foi trabalhando pacientemente o texto, modificando (opor vezes profundamente) a discurso didactico-crítico um esforço com raros paralelos na cultura literária portuguesa. Que me lembre, assim de repente, só a Profª Dr.ª Maria Helena da Costa Pereira (estudos clássicos) ou a dupla Óscar Lopes/ António José Saraiva foram republicando e melhorando continuamente os seus textos. Há de certeza mais mas estes dois exemplos chegam para afirmar que nem tudo é sonolência na Universidade Portuguesa.

Apetecia-me dizer que o prémio é merecido e vem, felizmente, em boa hora que o autor é vivo e está ainda ali pronto para mais trabalho e para gozar o prémio. Não posso porém afirmar que este ano foi o melhor candidato mas apenas, isso sim, que é um prémio justo, justíssimo a um homem digno, um professor notável e um estudioso de grande mérito. Uma vez mais o júri do “Pessoa” mostrou estar à altura. Este é um dos raros prémios que tem merecido forte consenso. Só isso dignifica os laureados e os patrocinadores do prémio.

Ah se a política fosse pelo menos vagamente semelhante....

A natureza do Bloco de Esquerda

José Carlos Pereira, 26.10.20

Sem surpresa face às últimas proclamações, o Bloco decidiu votar contra a proposta de Orçamento do Estado na generalidade. Aqueles que, no seio do PS, almejam uma união de esforços e uma aproximação maior ao Bloco tiveram a demonstração de que este partido não se livra da fábula do escorpião. Está na sua natureza, como o demonstrou à saciedade em 2011.

estes dias que passam 493

d'oliveira, 26.10.20

"Now is the winter of our discontent...”

mcr, 25/26 de Outubro

 

 

O título é roubado a Shakespeare (Ricardo II) e deve ser lido tal e qual sem recurso ao segundo verso (made glorious summer with the sun of York, ou seja o outro Ricardo, chefe da casa de York e pretendente ao trono).

Em boa verdade este Outono tristonho já mais parece um inverno dado tudo o que nos envolve desde o covid que anda por aí à solta até ao patético espectáculo da discussão orçamental, melhor dizendo o incrível espectáculo da barganha, feita à frente de todos, estupefactos e indignado (ou enojados?) no que toca ao frete de aprovar o orçamento.

E nisso, não é só Costa que sai mal no retrato pois parece desesperado por obter um voto de quem nunca o quis mas usou (BE e PC) e os partidos de “esquerda” que já tiveram tudo o que pretendiam.

Neste ponto, o BE bate tudo e mostra outra vez o discurso incerto da exigência à outrance. Este ajuntamento que só existe no parlamento e nos meios urbanos semi-sofisticados, sem autarquias, sem sindicatos, sem bases radicalmente populares e “proletárias” como pretende ter, andou todos estes anos à boleia de orçamentos que aprovou sem hesitação mas com pequena encenação prévia. Durante um inteiro quadriénio o BE engoliu elefantes, votou todas as transferências de dinheiro para o Novo Banco e só agora é que se descobriu espoliado. Aceitou sem nunca dizer nada de relevante o negocio da venda do banco a um desses fundos mais ou menos abutres e permitiu que anualmente fossem pingando somas gigantescas. Agora, de repente, eis que uiva à lua e e recusa cumprir um contrato que durante anos aceitou. Ao BE interessam pouco (ou finge que interessam pouco) as consequências de uma recusa da última e contratada (insiste-se) tranche a ser abonada pelo fundo de resolução ou seja pelos bancos que não dependem do Estado.

Poder-se-ia perguntar porquê e agora esta exigência?

O BE, graças a declarações irresponsáveis do Presidente da República quanto a uma eventual crise política, tenta tuso para sair bem numa fotografia que provavelmente interessa pouco aos portugueses.

Costa que, lembremos, andou durante a Primavera a alardear a ameaça de eleições para amarrar os seus pouco fiáveis associados na “geringonça” perdeu uma ocasião de oiro para estar calado. Agora, anda tudo a fazer um totoloto de palpites sobre o sentido do voto dos pretensos aliados do Governo.

O curioso é que, no meio desta balburdia criada por esta gente, anda tudo a olhar para o PPD que nada tem a ver com esta guerra. E não tem porque Costa o preteriu alto e bom som não uma mas várias vezes. É bom que se diga que se o Orçamento for chumbado é à esquerda que há que procurar responsáveis. O projecto orçamental foi feito à medida da Esquerda, contempla reivindicações da Esquerda e tudo nele respira um vago ar de frente popular, enfim de rrente popular à portuguesa, caricata, frouxa e a pedinchar como de costume umas esmolasa da Europa. Da Europa que a Esquerda detesta mas a quem recorre sempre que se vê aflita.

Perguntar-se-á o que é que faz correr Costa. Nada mais fácil. Vem aí uma larga dinheirama europeia e isso é petisco a que o PS (o partido daquela deputada Hortense que continua impávida na Assembleia como se as suas aventurosas histórias não fossem nada. A senhora não se deite, os seus colegas não a demitem, não a confinam provavelmente até a invejam... ) não resiste.

Fique claro que não estou a defender que esse tsunami de cacau fresco seria melhor administrado pelo PPD. Apenas digo, e repito, que os rapazes e as raparigas (the boys and the girls) do PS já sentiram o cheiro da carniça fresca e europeia e como hienas esfaimadas preparam-se para a lauta refeição.

O problema é o orçamento, ou melhor, um par de exigências do BE e, eventualmente outras tantas, mas mais tarde, se se chegar à especialidade, do PC.

A Direita, nisto, não risca. O PS está nas mãos do BE e, eventualmente, de uma anomalia política, social, moral chamada PAN. Diz-se, a respeito deste último grupo de amigos, que a votação que obtiveram nas últimas legislativas era menos a favor deles e mais um voto de protesto contra os grandes partidos e, porque não, contra aquela coisa satélite do PC, “os verdes” de onde provavelmente saíram muitos dos votos que nos trouxeram aqueles deputados e deputadas patuscos/as que nos tem brindado com discursos e propostas surpreendentes.

O actual método de eleição de deputados tem disto: aparecem os mais bizarros eleitos no sistema de lista que, à frente dos candidatos, da sua personalidade, competência, discernimento e bom senso, coloca uma lista, um partido que por vezes é apenas uma vaga memória.

Os eleitos nunca são pessoalmente responsabilizados pelos eleitores como sucederia no caso da eleição nominal. Aí a coisa é fácil: a criatura eleita tem pela frente os seus eleitores, tem de lhes prestar contas e, se não servir, perde o lugar numa segunda eleição.

Deixemos, pois, este drama de faca e alguidar e passemos aos azares da navegação à bolina contra o covid.

Nem vale a pena relembrar o desdém afixado pelo uso de máscaras que “dava uma falsa sensação de segurança”!

O Governo teve todo o tempo do mundo para, desde que entendeu permitir uma vida semi-normal às pessoas que cumpriram o confinamento de cabo a rabo, preparar o plano para a segunda vaga de que sempre falou. O plano onde está?

Em Agosto, verificados que foram os casos da zona de Lisboa, que medidas foram tomadas para prevenir outros idênticos noutro pontos do país?

qual foi a estratégia que elaborou para os lares onde subitamente rebentam diariamente novos e graves surtos?

Que medidas tomou para prevenir a simultaneidade da gripe e do vírus nestes dias que se aproximam? Ao que se sabe, nem sequer se lembrou de, a tempo, sempre a tempo, comprar o número de vacinas que respondesse ao medo, à ansiedade, à angustia dos cidadãos. Na farmácia onde, desde há anos, faço a vacina os pedidos mais que decuplicaram. Pelos vistos e pelo que relatamos meus amigos o mesmo sucedeu por toda a parte. A farmácia, aliás, queixa-se de ter recebido apenas cerca de um quarto das reservas. Receberá, ou não, às pinguinhas mais algumas vacinas mas vaticina que não conseguirá ter o suficiente para todos quantos fizeram reserva.

Neste momento, a informação passada às televisões continua a ser problemática. É verdade que dão números absolutos para os novos casos de infecção mas persistem em não dizer qual foi o número de testes. É que é diferente ter 3000 casos depois de 4000 testes ou tê-los depois de 10.000. As percentagens acalmariam os cidadãos que tentam informar-se aturando aquelas dramaticamente tolas conferências de imprensa onde a sr.ª Ministra expõe a sua toleima e a sua verborreia inócua.

“Eles andam perdidos”, diz-me o meu amigo Manuel perante a aprovação de quem nas mesas vizinhas o ouve. “Olá se andam” reponto eu a olhar para o jardim e a rua desertos. Será neste cenário que seremos obrigados a andar de mordaça, de açaimo não tarda nada. Entretanto, os eventuais agentes da multiplicação de casos, continuam todas as noites a juntar-se sem protecção nem distanciamento. E são eles, são os grupos mais jovens, quem regista o maior número de infecções... ainda não consegui perceber porque é que não há meia dúzia de horas nocturnas sem gente nas ruas. Ainda por cima os grupos são facilmente detectáveis...

Deixemos este quadro grotesco e governamental e dediquemos algumas linhas à declaração da sr.ª Catarina Martins sobre as razões do voto contra do BE.

Esta senhora teve o arrojo, o desplante, o descaramento de vir agora falar do SNS e da falta de meios em que cronicamente viveu. Notem que a criatura andou estes últimos anos a apoiar orçamentos onde o descaso pela saúde dos portugueses era ainda maior. Vir agora, num tom dramaticamente choramingão, falar disso e basear nisso o chumbo do Orçamentação é uma mentirola de mau gosto, uma populismo indecente. O BE apoiou orçamentos bem piores e sobre este assunto nada, rigorosamente nada de útil disse. E na altura havia o dinheiro que neste momento não há dados os brutais prejuízos da crise.

É fartar vilanagem...

Arre!

A lição da direita espanhola

José Carlos Pereira, 26.10.20

Na passada semana, o Partido Popular espanhol, a principal força de direita do país vizinho, votou contra a moção de censura ao governo proposta pela extrema-direita, tendo o seu líder, Pablo Casado, condenado, num discurso contundente, a prática política, o "ódio, fúria e barulho" do Vox.

O Partido Popular sempre foi extremamente crítico dos executivos socialistas e do governo de Pedro Sánchez em particular, num tom a que não estamos habituados em Portugal, mas isso não o levou a ultrapassar neste caso a linha que separa as legítimas diferenças entre adversários em democracia das posições extremistas de tiranetes que apenas sabem alimentar campanhas de ódio, divisionismo e xenofobia. É certo que há coligações que juntam o PP e o Vox em algumas soluções de governo regional e municipal, mas isso não foi transposto para a realidade nacional.

Esta é uma lição para todos os que, em Portugal, vão defendendo que se deve trazer o Chega para as contas e os alinhamentos necessários ao regresso da direita ao poder. A situação criada nos Açores com o resultado eleitoral de ontem será o primeiro momento em que a direita democrática vai ter de decidir se vale tudo para atingir o poder, contando com o Chega para uma nova maioria parlamentar, ou se prefere manter o partido de extrema-direita isolado no seu reduto, agarrado a princípios e valores de cidadania que devem repugnar todos os democratas.

Uma pandemia dentro da pandemia maior…

JSC, 22.10.20

Mais logo, o EIXO DO MAL. Programa que costumo ver, umas vezes em directo, outras em diferido. A temática COVID (mais o folhetim Bloco/OE) tem dominado os últimos programas, como, provavelmente, vai entreter o desta noite.

O EIXO do Mal, com particular ênfase para as intervenções da Drª Clara, tem elogiado o comportamento das pessoas (apesar de ser as transportadoras do bicho) e arrasado o Ministério da Saúde e as conferências (que apelidam de “missas”), que promove diariamente, sendo particularmente visada a Directora da DGS.

Confesso que tenho uma grande admiração e apreço pela Senhora Directora da DGS, a quem devemos reconhecer a paciência infinita como responde às questões dos jornalistas; os conselhos concisos e precisos que incutem confiança e segurança apesar de toda a incerteza que advém desta pandemia em crescendo; a transparência e clareza na mensagem que faz passar.

No entanto, no falar do EIXO, para a Dr.ª Clara, a Directora da DGS (e já agora a Ministra) parece ser a responsável por trazer a pandemia para dentro de portas e por não conter a sua evolução. Seria bom que a Dr.ª Clara e seus companheiros de painel atentassem no que se passa no resto dos países. Vejamos, notícia de hoje, Bélgica, as unidades de cuidados intensivos já atingiram os níveis máximos de capacidade.   França, Rússia, Roménia, Ucrânia e República Checa também estão a aproximar-se de uma situação semelhante.

É caso para dizer que enquanto a Directora da DGS informa, esclarece, acompanha, incute confiança, enfim, está no terreno a dar a cara pela pandemia, outros, no conforto do estúdio, desconsideram a DGS, falam em descoordenação de serviços que desconhecem de todo, enaltecem o comportamento das pessoas para imputar culpas à DGS, dão palpites, fazem jus à maledicência…

É uma pandemia dentro da pandemia maior

Nós, os políticos, a justiça e a Europa

José Carlos Pereira, 22.10.20

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Dados recentes do Eurobarómetro, publicados no "Expresso", revelam que os portugueses se posicionam acima da média da União Europeia (UE) quando chamados a avaliar a satisfação com a democracia no seu país (61% em Portugal para uma média na UE de 56%), a confiança no Governo (46% para 34%), no Parlamento (39% para 34%), nos partidos políticos (22% para 19%) e no Parlamento Europeu (60% para 54%)

Estes números podem surpreender aqueles que estão permanentemente a depreciar os nossos agentes políticos. Quando se constata nesta sondagem que a percepção global dos portugueses sobre o sistema político e os seus protagonistas acaba por ser bem mais positiva do que na média dos países da UE, isso quererá dizer que, afinal, não temos os piores políticos do mundo, como às vezes o populismo muito presente nas redes sociais parece fazer crer.

Coisa diferente sucede quando é avaliada a justiça e a corrupção, domínios em que nos encontramos pior que a média da UE. A independência da justiça tem uma avaliação de 42% em Portugal para 54% na UE e a disseminação da corrupção é percepcionada por 94% dos inquiridos em Portugal e por 71% na UE. Justiça e corrupção são temas intimamente relacionados - quem administra a justiça tem o dever de perseguir e condenar em tempo útil os agentes de corrupção activa e passiva.

Enquanto órgão de soberania, os Tribunais têm somado descrédito com alguns dos casos mais recentes, que envolveram actos de corrupção no seio da própria magistratura. Também a forma como a investigação do Ministério Público tem decorrido em alguns processos mais mediáticos, arrastando-se penosamente no tempo sem que as acusações sejam produzidas, acaba por reforçar a ideia de que não é feita justiça em tempo útil, minando os alicerces do regime democrático.

Se na política e na governação há sempre caminho a percorrer visando o reforço da ética e do compromisso com o mandato conferido pelos eleitores, na justiça exige-se que os seus agentes sejam exemplo permanente de determinação, acção, rigor e imparcialidade no serviço ao país.

ME, 55 - Colégios, 0 (in Público)

JSC, 19.10.20

É mais que certo que ainda nos lembramos das diversas e folclóricas manifestações contra o Ministério da Educação devido às restrições impostas pelo Governo no financiamento dos chamados “contratos de associação”, mecanismo que serviu para transferir milhões de OE para os colégios privados durante anos e anos a fio.

Perdida a batalha política, a Associação dos Colégios Particulares transferiu a luta para os Tribunais. Sabemos agora, pelo Público, que “55 processos judiciais concluídos, 55 decisões favoráveis às posições do Ministério da Educação”. Ou seja, os Colégios perderam a guerra política e perderam a batalha judicial.

Suponhamos agora que a decisão judicial tinha sido desfavorável ao ME logo no primeiro desses processos. O que teria acontecido?

Provavelmente, alevantava-se um coro em redor dos Colégios, a pedir a queda do Ministro. Ora, como processo a processo as decisões foram sendo favoráveis ao ME fez-se silêncio, um silêncio cúmplice que o Público hoje quebrou e ainda bem.

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