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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

au bonheur des dames 415

d'oliveira, 30.12.20

Vacinas, 2

mcr, 30 de Dezembro

Ontem, referia eu uma notícia sobre a ideia, aberrante do ponto de vista democrático, de vacinar no grupo mais prioritário, algumas (ou todas) das principais autoridades políticas.

Aquilo, de tão bizarro que era, pareceu-me uma fake new encomendada por alguém que pretendia vestir-se com a capa da humildade republicana recusando qualquer privilégio na ordem de vacinação.

Afinal, a minha suposição estavaerrada. A srª Directora Geral de Saúde, veio, com  candura que a caracteriza, afirmar que essa ideia peregrina fora um conselho da DGS que “os políticos aceitariam ou não” (sic)

. Não e a primeira vez que a dr.ª Graça Freitas entende meter-se nos embaraçosos caminhos da política. Ainda estarão lembrados das considerações que ela teceu sobre a falta de patriotismo de alguns maldosos críticos. Na altura ouviram-se fortes críticas que, pelos vistos, caíram em saco roto.

Depois de uma salutar quinzena por via do covid, a mimosa senhora reapareceu, angelical e radiosa e ontem, no noticiário da noite lá estava, a reivindicar a maternidade da notícia que eu considerara uma inventona.

A sr. ª Directora Geral veio tentar o amparo da sua proposta com o exemplo de alguns países. Eu, já ontem, referira alguns casos em que dirigentes de um reduzido grupo de países (Israel ou EUA) se tinham feito vacinar para fortalecer internamente as correntes pró-vacina demasiado expostas à alucinada negação de grupos extremistas.

Se a dr.ª Graça tivesse parado para pensar e informar-se veria que, na Europa, não é esse o princípio geral. Eu bem sei que Portugal é diferente mas mesmo assim. Veja-se a rainha Isabel que dentro dos parâmetros definidos no Reino Unido estaria incluída não por ser monarca mas apenas por ter uns resistentes noventa e muitos anos; ou  outros dirigentes (Merkel, por exemplo) esperam a sua vez estoicamente. Que a questão nem sequer se põe como importante na maioria da União Europeia (com a excepção da Grécia por motivos que desconheço e que espero não sejam devidos ao privilégio e mais algum Estado que neste momento não posso identificar).

Claro que isto era apenas "uma sugestão", como afirma a senhora. O meu problema não é apenas pensar que uma sugestão deste teor peca por tola mas sobretudo por temer que alguma vez venha a ser governado por uma cabecinha pensadora deste tipo!... Felizmente já estou demasiadamente adiantado em idade para poder esperar morrer descansadamente antes de um cataclismo destes afundar de vez a nau lusitana.

Eu nada sei do percurso profissional da srª dr.ª Graça Freitas, nem isso é de especial interesse para o caso em apreço. Acontece a muita gente esta desagradável situação de atingir uma espécie de point de non retour. É o chamado principio de Peter: num sistema hierárquico todo o funcionário tende a ser promovido até ao seu patamar da incompetência!

2 O sr. Presidente da República fez algumas revelações sobre o seu envolvimento ou não com o actual Governo. Não são novidades que permitam aquilatar das hipóteses de S.ª Ex.ª-ª renovar o mandato e pouco adiantariam não fora dar-se o caso de ele afirmar que teria divergido do Governo no que toca à prioridade que mais idosos deveriam ter tido no acesso à primeira fase das vacinas. Presumo que o sr. Presidente se inclinaria para o que regra geral (mas não absoluta) se passa com a maioria dos países europeus: aviar quanto antes os velhos venham de onde vierem, de lares ou da sua casa, por se considerar que com mais ou menos doença, são uma população mais frágil que está a ser duramente dizimada por todo esse vasto mundo.

Deverá ser por isso que, como primeira reacção ao resultado, dito preliminar, da comissão do sr. Ramos, ele ter afirmado que aquilo “era uma tontice”. Claro que era, e isso só foi parcialmente emendado, transferindo todos os maiores de 65 anos para o 2º grupo, excepção feita dos internados em “lares” .

Tenho uma série de familiares (pelo menos sete entre os mais chegados, mãe e tios) que ou já andam nos noventa, anos ou chegarão lá este ano que entra. A ver vamos se são vacinados antes de morrer pois todos, com mais achaque menos achaque, vão vivendo com alguma qualidade de vida.

E finalmente, uma boa notícia: o Reino Unido já aprovou a terceira vacina, a da universidade de Oxford e da farmacêutica Astra Zeneka. Mesmo sabendo que a UE tem o seu organismo próprio para o efeito, é de esperar que até fins de Janeiro, meados de Fevereiro o mesmo se passe na “nossa” Europa.

Nunca é demais ter uma farta panóplia de medicamentos à nossa disposição.

 

Não sei se os que aí estão desse lado metafórico do ecrã já deram conta que estão a ser publicadas as obras completas do António Ramos Rosa. Já estão no mercado dois volumes. Este excelente poeta (e crítico) escreveu que se desunhou. Era impossível seguir-lhe a pista com segurança. Quando ganhou o “Pessoa” escrevi algures que não encontrava em nenhuma livraria mais do que meia dúzia de títulos seus quando, na altura já tinha quarenta livros publicados. Aliás, nem eu, leitor atento e, na época, peregrino insaciável por livrarias e afins, conseguira mais de trinta e poucos. Perdi a conta aos livros que publicou e isso mesmo lhe disse, na única vez em que o encontrei e pude conversar um par de horas com ele. Era um poeta de corpo inteiro, um homem de coragem (estivera no MUD Juvenil), um conhecedor atento da poesia contemporânea e um péssimo gestor da sua imagem e da sua obra. Agora, finalmente será possível ler ARR com calma e tempo (muito tempo, é verdade, mas tempo de prazer, apropriado ao ano que vai começar com a sua luz pequenina de esperança). Até o Círculo de Leitores o promove. Pelo preço de meia noitada de fim de ano, enriquecem a vossa biblioteca e aquecem a alma.

au bonheur des dames 414

d'oliveira, 29.12.20

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Vacinas

mcr, 29 de Dezembro

 

A notícia de hoje é uma não notícia: o Sr. Presidente da República será vacinado na segunda leva, ou seja a partir de Abril pois já tem mais de 65 aos (terá 73, pelas minhas contas). Não se entende como é que isto pode ser relevante com direito a chamada na primeira página mas, efectivamente, foi e as televisões repetiram-no. Para dar um arzinho de surpresa até se noticiou que alguém (quem?, a famosa comissão arranjada à pressa e que ainda tem muito que andar ?) tria posto a hipótese de as principais autoridades do Estado serem vacinadas já. E, acrescentam as mesmas fontes não identificadas (111???), “tal hipótese foi posta de lado!”

Isto, este país, é extraordinário. Gaba-se de ser uma democracia e depois, alguém (quem?) alegadamente propõe, num caso tão sensível como este, a eventual hipótese de organizar uma moscambilha para fazer com que um par de luminárias passe à frente de outros cidadãos.

Eu tenho a ideia de que tudo isto, esta inventona foi algo arranjado à pressa. Que nunca se terá pensado numa solução tão absurda mesmo se, em alguns países, tenha havido dirigentes a vacinar-se em primeiro lugar. Dos exemplos que conheço, retenho que em Israel o primeiro ministro apareceu de peito às balas para convencer grupos ultra-ortodoxos renitentes e quenos EUA, Biden, de idade avançada, aliás, o fez para dar o exemplo dada a proliferação de negacionistas de toda a espécie, soprados pela burrice de Trump (de notar que o actual vice-presidente que também já não exactamente um jovem se vacinou com a mesma finalidade.

Mas a notícia aí está. E com parangonas: Marcelo Rebelo de Sousa aguardará a sua vez, como eu que lhe levo ums anos de avanço. E estamos ambos cheios de sorte: se a tese da nefanda comissão tivesse vingado, só para o terceiro trimestre é que chegaria a nossa vez-

Sobre esta questão já não acrescento nada mesmo se as televisões de todo o mundo mostrem velhos como eu incluídos na primeira leva.

As angélicas criaturas que comandam esta operação devem ter achado que o Reino Unido ou a Alemanha são países bárbaros e ainda não perceberam nada.

Os velhos de cá continuam a morrer como tordos e até Abril continuarão a desaparecer. Mesmo sem doenças graves, são pessoas fragilizadas

. A idade não perdoa, os organizadores da vacinação também não.

Quanto à organização em si, da vacinação, afirm-se que (havendo vacinas) se poderá cumprir a meta de 50.000 pessoas dia. E8u, que costumo ser optimista regozijo-me com tal fito mas descreio absolutamente. E, aliás, já se começam a ouvir uns zunzuns sobre a participação das farmácias nesse enorme esforço. Para já, a coisa fica-se pela terceira fase mas dada a extrema versatilidade dos comissários pode acontecer que as farmácias sejam mobilizadas mais cedo.

Afirma-se também que os centros de saúde requererão aos hospitais privados listagens de pacientes que neles tratam doenças variadas como a hipertensão ou os diabetes para completar as suas listagens. Ainda ninguém alvitrou um convite aos privados para levarem a cabo vacinação, coisa fácil de fazer dado que as unidades privadas dispõem de instalações modernas e com condições seguramente melhores do que muitos centros de saúde. A mesma ideia que serve para lançar a mobilização das farmácias seria também interessante quando a vacinação começar nos grandes grupos.

Eu sei que isto é uma heresia mas também era heresia falar-se no alargamento da ADSE e ele aí está. Até já de fala de um lucro de 50 milhões/ano!!!

Eu, que já aqui, toquei no tema, pouco me importo com esse acréscimo de cacau. Basta-me o bem estar de mais cem mil utentes que é o que verdadeiramente está em jogo. E o eventual desafogo do SNS (embora a ADSE seja também ela algo que se integra no conceito) no que toca a dezenas de milhares de pequenas cirurgias. E falo com experiência pois, há quinze dias, fiz a operação a uma catarata o que obviamente, neste momento, estaria condenado a um infinito tempo de espera e a uma infinita perda de qualidade de visão e de vida...

Alguém, aqui ao lado, sussurra-me que a publicidade às primeiras vacinações sempre sob o olhar solícito da Ministra que se desdobrou em presenças, se deve à tentativa de convencer os portugueses a vacinar-se. Ainda não encontrei ninguém que não se queira vacinar mas vou fazer o esforço de pensar que meia dúzia de bravatas anti vacina são para levar a sério. Talvez. Isto faz-me sempre lembrar muita gente dita livre pensadora e ateia, Na hora da verdade, o enterro é religioso, os filhos dão batpizados, comungados e até pedem a extrema unção.

Se valesse a pena recomendaria o belíssimo “O drama de João Barois” desse magnífico escritor que se chamou Roger Martin du Gard (Nobel de 1937). E já agora, recomendaria ainda mais “Os Thibault”, um dos grandes romances da primeira metade do século XX. Desconheço se ainda há traduções em português mas, no caso de não existirem , há alfarrabistas em que a obra é fácil de encontrar.

 

 

au bonheur des dames 413

d'oliveira, 27.12.20

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Arre que faz frio ...

mcr, 27 de Dezembro, 2020-12-21

 

 

O doutor José Joaquim Teixeira Ribeiro, catedrático de Finanças em Coimbra era um dos poucos mestres que lá fora se conheciam. Além disso, que não era pouco, era um professor democrata, um dos da “oposicrática” tradicional coimbrã, ligado aos velhos círculos remanescentes do antigo Partido Socialista Português.

Os alunos achavam-no ligeiramente caturra mas respeitavam-lhe a sabedoria e perdoavam-lhe a exigência feroz com que ele defendia certos termos das suas lições. De resto, a “sebenta” era da sua autoria e, de certo modo, um modelo de clareza.

Quando começavam as aulas, o velho senhor perorava uns instantes para dar as boas vindas aos novos alunos. Já não me lembro dos termos exactos (eu, aconselhado pelo Pedro Mendes de Abreu, amigo quase irmão, oferecia ao ajudante do bedel duas garrafas de whisky por ano. Uma logo no começo do ano lectivo e outra lá para a primavera. Com isso garantia uma persistente miopia do funcionário que nunca dava conta da minha falta.) poe rarear ao máximo as minhas aparições nos sinistros Gerais.

De todo o modo aquilo começava por um olhar melancólico pela janela, uma observação sobre o Outono e o fim da abundancia, do sol e do calor mas terminava sempre por afirmar que “no coração do velho mestre” irrompia aa destempo a primavera com a chegada dos novos alunos.

 

Ora hoje, quando me levantei pelas oito da matina, verifiquei que o telemóvel marcava 3 graus! Três miseráveis graus, santíssima mãe! Arrium porrium catanorum cumque! Esta frialdade invernosa, recorda os dias frios de Coimbra que em frios invernais e calores tropicais no Verão não pedia meças a ninguém.

Entretanto, depois de me ter aventurado cem metros para beber a primeira bica e comprar o jornal (nenhum dia decente começa sem essa amável antiquíssima rotina), li o correio e dei-me de caras com uma leitor anónimo que dizia ser leitor constante e que eu teria uma imensa erudição (sic). Despi logo metade da roupa pois o calor irradiou do coração para o cérebro daí para outras vísceras menores e aqueceu o pobre e velho corpinho que ostento. Devo, em meu abono, dizer que me tocou mais a constância do leitor do que o elogio gentil mas demasiado à erudição.

O que o leitor amabilíssimo não sabe é que eu sou do tempo dos afonsinos. Em bom rigor, já deveria ter deixado estas paragens terrenais que quando nasci nada me prometia mais do que sessenta, sessenta e poucos. Mesmo a geração seguinte não atingia estes 79 feitos e perfeitos (é um modo de dizer!...) ou melhor esta dificultosa navegação já pelos oitentinhas.

Tudo para esclarecer o amável que isto, esta revoada de conhecimentos, não demasiado firmes mas atrevidos, é fruto do tempo em que fui lendo, ouvindo (e eu ouvi tudo o que podia, isso sim uma virtude) . Ainda por cima, o futebol não era a minha praia (se bem que só na praia o joguei, mal e porcamente, valendo-me dos encontrões mais do que das fintas). Recordo, a esse propósito que nos jogos diários, eram os dois irmãos Xico e Luís Neves, os amigos mais velhos que escolhiam as equipas. Eu fazia sempre parte da equipa do Luís, que escolhia em 2º lugar e era sempre, ou quase, o último a ser recrutado. E só era porque naquele grupo de miúdos todos jogavam!

De modo que o meu refúgio era a leitura. Ainda por cima sou mais curioso do que um gato. Neste capítulo só não tenho apetência pelo mexerico. Nada, raspas de nada. Não sou fuxiqueiro e se alguma escândalo me chega logo o esqueço. Entra a cem e sai a duzentos...

Com os anos, a leitura já era mais um vício do que necessidade de saber. Ainda me lembro, e já aqui o contei, que durante uma longa doença consumi todo o material impresso da casa de meus avós, incluindo-se no lote umas centenas de livros de amor de colecções populares que se chamavam pérola, madrepérolas e tolices do mesmo. Foi aí que encontrei a srª dª Trini de Figueroa e a grande sacerdotisa do livro de amor Corín Tellado. Mas já antes tinha conhecido o inolvidável “John, chauffeur russo” do celebérrimo Max du Veuzit.

Quando, comecei o primeiro namoro a sério com uma belíssima rapariga que me tornou alvo de inveja e de estupefacção “como é que aquele caramelo maljeitoso engatou aquela miúda?”, passei horas à espera dela que, é azar meu que perdura, pois, depois do almoço chegava sempre com uma boa meia hora académica de atraso. Para essa eventualidade descobri que a colecção “Que sais-je?” (que felizmente, ainda mexe) era ideal. Livros formato bolso, 150 páginas em média, textos claros, precisos, bem ordenados, uma bibliografia excelente para quem quisesse explorar mais a fundo aquele assunto e um preço razoável. Naquele tempo andavam pelos 15 escudos, talvez menos. Nem imaginam o que aprendi. Aliás, quando oiço falar de alguma coisa de que nada sei, o primeiro passo a dar é ir ver se há algum “qsj” dobre o tema. Normalmente há e isso é uma ajuda extraordinária.

O segundo truque passa pelas revistas. Hoje há poucas revistas generalistas mas decentemente culturais. Naquele tempo produziam-se às carradas. Para não ir mais longe, no meu tempo de faculdade, nunca perdi um número da “Seara Nova”, da “Vértice” e, depois, de “O Tempo e o Modo”.

Isto para não referiras publicações que vinham de França desde “Le Monde”que tinha uma selecção semanal magnífica, à “Europe” que ainda se editava há poucos anos. Foi o Joaquim Namorado, grande e saudoso amigo, quem me orientou para as revistas, afirmando que para se saber qualquer coisa e estar ao corrente das novidades, artísticas, políticas, literárias ou científicas, nada melhor que as revistas. Com o tempo chegaram-me as espanholas as italianas e uma que outra anglo-saxónica desde que tratasse de poesia.

E, obviamente os jornais. Eu não passo sem o Público, o LE Monde, o El País, o La Reppublica. Mesmo que, em muitos casos, só leia uma ou duas edições, mormente de fim de semana. E só há muito pouco tempo, suspendi a compra de uma boa dúzia de revistas de história.... agora só compro um que outro número que me chame irremediavelmente a atenção.

Portanto, leitor amigo, esta alegada erudição é fruto de uma série de circunstâncias acidentais, da curiosidade e, vamos lá de uma memória que vai começando a dar sinais de si.

Finalmente, escrever mesmo que seja apenas o folhetim quase diário no blog obriga-me a pensar algumas coisas, a relacioná-las e a tentar transmitir o que penso se possível com clareza, algum humor (quando cabe) e a tentar conversar com os desconhecidos desse lado do ecrã.

E, claro, mesmo neste dia frio (e os velhos sentem o frio com uma acutilância tremenda!...) as suas palavras amáveis aqueceram-me mais do que pode pensar.

na vinheta: estante das explorações portuguesas. Como curiosidade, do lado esquerdo, no alto, a escuro, está todo o José de Almada, operoso investigador da documentação diplomatica portuguesa em Africa e abaixo, em tom claro, todo o extraorfinário Henrique de Carvalho, autor da "Expedição Portuguesa ao Muatiânvua", oito belíssimos volumes excelentemente ilustrados e sem dúvida um dos melhores livroa mundiais sobre exploraçoes africanas. Saloente-se que a obra de Almada está completa com dois gordos dossiers de mapas (a vermelho à esquerda dos outros volumes) que descobi num loja de velharias e comprei por 20 euros! 

au bonheur des dames 412

d'oliveira, 26.12.20

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“stille Nacht, heilige Nacht”

Variações natalícias

mcr, 26 de Dezembro

 

São as crianças que salvam o Natal. Sem elas a coisa, decorre com alguma melancolia que à mesa faltam cada vez mais dos nossos. Por muito que se queira, ao olhar em volta surge, repentinamente, um fantasma familiar, a recordação de outros natais com ele e os risos já só são ternos e vagos sorrisos que a saudade aperta e o futuro, sempre ele!, ameaça. Há de chegar o dia em que os faltosos somos nós e, eventualmente, alguém verá ao fundo da mesa, uma fugidia passagem, nós reclamando pão verdadeiro para o queijo da Serra e um vinho tinto decente para acompanhar.

Há um restaurantinho francês com comida francesa, sem turistas que se notem, mesas corridas, menu escrito a giz num quadro. Eu cheguei lá graças a um dos primeiros guias do routard. E cheguei porque falavam em serviço decente, barato e genuíno. A rua da Cerisaire na esquina da rue du Musc (que em tempos foi, oh maldita correcção política e moral, rue Pute et Muse) tem esses restaurante. Quando lá levei a CG pela primeira vez ficamos sentados em frente a um operário da construção civil. Na altura do queijo já parecíamos conhecidos antigos que o homem era simpático e parisiense de todos os costados. Veio o queijo e eu pedi mais pão dizendo ao franciú “O queijo quer pão”. E ele, placidamente acrescentou e vinho. Vinho tinto de preferência!” E fomo-nos ao queijinho como Santiago aos sarracenos.

Mas eu estava a discorrer sovre o natal. Graças ao Nuno Maria, que estava excitadíssimo com s prendas e que era o moço de entrega das que não se lhe destinavam, o natal fluiu.

Éramos meia dúzia de adultos, um dos quais saído de um covid modesto, chato, mas sem complicações.

E subitamente, vieram-.me à memória as palavras do maus famoso hino de natal vindo da Alemanha profunda e da pobreza de uma igreja cujo órgão se estragara.

Foi no meu 6º ano do liceu, em Coimbra, no “D João III” que aprendi a letra da canção. Ainda hoje a sei toda mas não me atrevo sequer a cantar as duas primeiras palavras. Sou um desafinante crónico, irredutível condenado ao silêncio quanto mais não seja por vergonha. Torno-me útil por saber as palavras todas mas ai de mim se tento gargantear seja o que for.

E já que me lembro do liceu D João III, ainda hoje me arrepia a imbecilidade de quem o rebaptizou com o nome praticamente esquecido de um deputado republicano que ninguém lembra nem associa a qualquer coisa de grandioso. O rei D João III fez por Coimbra mais que quase todos os outros. Engrandeceu a Universidade, mandou construir os colégios maiores da Rª da Sofia, trouxe professores estrangeiros alguns dos quais, aliás, foram alvo da inquisição. A cidade, sob o impulso régio cresceu e daí o nome do liceu. Depois, na confusão atribulada do 25 de Abril, um punhado de ignorantes mudou o nome pensando que com isso exaltava a democracia.

Isto é como o nome das ruas, mesmo o mais modesto. Assim a rua do único grande santo português foi no Porto substituída por 31 de Janeiro (e por duas vezes!). O 31 de Janeiro não é exactamente um momento glorioso como alguns dos seus intervenientes (por todos João Chagas) fizeram notar. Aquilo foi a soma da impreparação, do aventureirismo e do atirar para a frente os do costume que foram os que caíram sob as balas da Guarda entrincheirada no alto da rua.

Que alguém, possuído por um republicanismo incandescente quisesse perpetuar o nome da revolta, percebe-se, respeita-se. E havia sempre ruas para o fazer. Mas, que diabo, o Santo António é o nosso mais universal santo, o único que emparelha com o Apóstolo e o Baptista, na mitologia e louvação populares. É bem verdade que o Porto é todo sãojoanino mas o doutor da Igreja e o mais rápido santo canonizado mão deveria ser assim apeado de uma rua com uma longa, longuíssima história. Bem dizem os de Pádua que o Santo é deles.

O natal já foi, o Ano Novo vai ser comfinadíssimo. A ver vamos se não nos arrependemos de tra dado uma folga nestes dias. Fazer coincidir uma eventual terceira vaga com a chegada das vacinas seria um fiasco.

De todo o modo, e mesmo que volte a estas páginas, desde já vos desejo um Bom Ano de 2021. E nenhuma sequela do Natal que festejaram.

 

au bonheur des dames 411

d'oliveira, 24.12.20

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Por vezes genial...

Mas sempre ordinarote!

mcr, 24 de Dezembro

 

O “ano Beethoven” está a chegar ao fim. Fora uma edição das sinfonias oferecida pelo “Público” a preços decentíssimos e da programação das mesmas sinfonias na RTP2 não sei de outras comemorações. É provável que as lojas de discos tenham algumas obras, muitas, até, à venda mas não o comprovei. Já tenho quase duas integrais da obra, melhor dizendo uma edição integral (Brilliant classics, 100 discos+1 )e diferentes peças avulsas em d e em LP. . Desta vez apenas me tentei por uma integral das sonatas para piano (com Barenboim) e vou eventualmente encomendar outra integral dos quartetos qu ouvi na “Mezzo” e me pareceu de grande qualidade. Celebrei os 250 anos comprando para mim e para o meu irmão a “Nona” em bailado (Bejart) que recomendo vivamente. Sou um bejartiano da primeira hora, desde um célebre espectáculo em Lisboa, ainda no tempo da outra senhora que acabou com a polícia a expulsar Bejart de Portugal e a malta do costume a manifestar-se e a apanhar no lombo. Nada de anormal, portanto.

O título do folhetim reproduz, ipsis verbis, uma famosa frase atribuída a um cavalheiro português e melómano que não era exactamente um admirador incondicional de Beethoven. A frase tem quase sessenta anos pois ouvia-a nos primeiros anos da faculdade e despertava uma incrédula troça de quantos a ouviam.

Não garanto que tal melómano existisse mesmo se me tivessem na altura garantido a sua veracidade com nome /que aliás recordo mas omito) e tudo. A ser verdade, a melomania consente absurdos incontroláveis. E permite declarações que raiam a tolice mais absoluta.

Eu adoro música, se bem que não toda. Todavia o leque dos géneros que me comovem, entusiasmam, excitam ou simplesmente me fazem acreditar que é possível, de quando em quando, sentir a beleza absoluta e raiar a felicidade total, é enorme. Quase toda a ópera, a música antiga e barroca, o jazz o rock ‘n’ rol, o blues, os spirituals, o flamenco e praticamente toda a música europeia dos séculos XVIII e XIX e mesmo muitos dos seus prolongamentos no século XX. Há porém, domínios que me são estranhos: nunca fui admirador de Wagner, há óperas russas que nunca terei percebido (como também é o caso de Wagner). Tardei um pouco com a grande música religios.a, missas por exemplo que agora oiço com enorme alegria (alegria é a palavra justa) .

De todo o modo, o mais amado dos meus autores é Mozart, a propósito do qual ouvi alguém (o meu irmão?) dizer que “Mozart era como o porco, aproveita-se tudo”. Mas talvez seja a “9ª Sinfonia” a peça que mais admiro. Não me eijam grandes explicações, aquilo é visceral, não consigo ouvir sem me sentir arrepiado, levado para uma outra dimensão. E comovo-me sempre. Uma choradeira de bica aberta, uma vergonha. Reparem, sou duríssimo de ouvido se é que sequer o tenho. Entre o dó e o ré começo logo a desafinar.

É evidente que a “9ª” tem um multidão de companhias mas é a prima inter pares. Há anos que a minha companhia mais comum quando estou a ler, a escrever o blog, jogar bridge no computador é o canal “Mezzo” que neste exacto momento está a transmitir o bolero de Ravel (um autor que o meu avô Alcino considerava demasiado moderno...).

E tenho uma inveja infame, superlativa das pessoas que sabem cantar, tocar qualquer instrumento, máxime “ferrinhos”.

Tudo dito, Beethoven está entre os anjos a que se refere Manuel Bandeira no poema que junto e que pretende ser o meu pequeno postal de Natal, deste Natal ameaçado mas também deste Natal que para o ano será melhor e mais acompanhado

 

MOZART NO CÉU



No dia 5 de Dezembro de 1791 Wolfgang Amadeus Mozart
entrou no céu, como um artista de circo, fazendo
piruetas extraordinárias sobre um mirabolante cavalo branco.

Os anjinhos atónitos diziam: Que foi? Que não foi?
Melodias jamais ouvidas voavam nas linhas suplementares
superiores da pauta.
Um momento se suspendeu a contemplação inefável.
A Virgem beijou-o na testa.
E desde então Wolfgang Amadeus Mozart foi o mais moço dos anjos.

ma vinheta: o menimo Schroder, pianista que idolatrava Beethoven para grande desespero de Lucy (personagems dos "peanuts" uma vanda genial escrita e desenhada por Schultz. Existe edição portuguesa graças à editora Afrontamento 

Só não garanto que essa edição em vários volumes seja a "integral" dos Peanuts. Cá em casa há 6 volumes.

 

 

estes dias que passam 509

d'oliveira, 23.12.20

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As manadas de biltres armados andam à solta

(e ninguém as extermina!...)

mcr, 23 de Dezembro

 

 

No alegado país dos brandos costumes, no “torrãozinho de açúcar”, a selvajaria quando acontece, acontece forte e parece pegar de estaca. Os espectadores da televisão descobriram estarrecidos (e, espera-se, envergonhados) uma multidão de cadáveres de animais (veados e javalis) artisticamente dispostos e guardando a distancia socialmente requerida como pode ver-se na vinheta. Seriam cerca de quinhentos e cinquenta animais abatidos a tiro por um infame grupo de dezasseis criaturas que presumem de humanas. A estas há que juntar os proprietários da herdade, os organizadores da “montaria” e mais um indiscriminado grupo de cúmplices dotados do mesmo baixo estofo moral e ético, que ajudaram ao massacre.

E quando digo massacre quero dizer isso mesmo. Esta herdade convertida em reserva de caça está toda murada, o mesmo é dizer que, uma açuladas as matilhas os animais fogem, são encurralados em exíguas fracções de terreno com escassa ou nenhuma vegetação e depois nem é preciso apontar. Só assim se percebe que cada um dos “caçadores” tenha, em média abatido trinta e tal “peças”. Parece que usaram espingardas mas uma metralhadora teria o mesmo efeito com a vantagem de ser ainda mais rápida.

Como esta manada biltre de pseudo-caçadores nem sequer é inteligente, eis que, impantes, se fizeram fotografar junto dos animais abatidos, puseram a façanha nas redes sociais e agora devem estar admiradíssimos com a condenação geral que o acto suscitou.

Nada, ninguém, explica como é que em pleno século XXI isto é possível. Em Portugal, pelos vistos, mesmo que quem fez a lei da caça nunca tivesse sequer sonhado com algo deste género.

Parece que as montarias são feitas sem que as autoridades competentes tenham que saber, que permitir, que fiscalizar.

Eu tenho de apresentar a minha declaração de interesses: não sou caçador, pescador mas como peixe, caça se a há e se me disser algo (perdiz, coelho bravo e pouco mais).Vivi em África, conheci caçadores profissionais e amadores e nunca os quis acompanhar. De todo o modo, recordo-me que esses adeptos da caça andavam dezenas de quilómetros, em pleno mato, com um pisteiro por companhia, arriscavam-se bastante para abater o animal que procuravam. Havia mesmo algum cuidado. Ninguém deixava um animal, sobretudo as feras sem ter a certeza de o ter morto. Havia a ideia de que, por exemplo, um leão ferido era extremamente perigoso para qualquer pessoa que encontrasse.

Os caçadores profissionais caçavam, vendiam a carne da presa abatida ou escoltavam caçadores novatos.

O meu pai, para desgosto meu, gostava de caçar. Quando podia lá se escapava da rotina da medicina e ia para o “mato”. No fundo, sem o desculpar, ele queria e conseguia uns dias de vida longe de tudo. Acontecia-lhe até encontrar doentes que tratava e, mesmo, uma vez estranhíssima, o carro ficou preso num buraco. Saíram do mato quatro homens que sem uma palavra puseram o automóvel outra vez na picada, não aceitaram dinheiro e despediram-se com um “bom dia doutor!” Quem ouviu a história concluiu que, provavelmente a paternidade se tinha cruzado com um comando da FRELIMO. Meu pai era conhecido como um médico João Semana que atendia todos por igual, brancos e negros, ricos e pobres pagantes e não pagantes. Como ainda por cima era um maníaco do desporto e organizava constantemente grandes torneios de todas as modalidades possíveis entre as circunscrições, acabava por ser mais conhecido do que o doce da Teixeira. Aliás contava, sem falsas modéstias que em pleno mato sem instrumentos adequados realizara umas dúzias de partos! “Só tenho pena de não ver mais as crianças”, dizia.

Ontem, na televisão, houve uma mesa redonda que metia o Miguel Sousa Tavares, caçador assíduo, um dirigente das associações de caçadores, um funcionário do instituto de conservação da natureza e uma criatura deputante do PAN.

Comecemos, por este último: o PAN é “uma coisa em forma de assim “ (obrigado O’Neil!) que tem bastos princípios e idêntica quantidade de ignorância. Eu nada tenho contra a firme aversão que eles tem pela caça. Todavia, sempre que oiço aquelas criaturas, assalta-me a ideia incómoda de que estou a ouvir “urbanitas”, citadinos que do campo só tem uma ideia de bilhete postal. Se eles fossem cultos, eu apostaria que teriam lido Rousseau mas basta ouvir o que dizem para ficar certo de que tal ideia de ler o franciu morto há mais de duzentos anos, nunca lhes passou pela cabecinha sonhadora. O homenzinho falava que se fartava, gesticulava, interrompia e via-se que estava a adorar o palco que lhe ofereciam.

O cavalheiro representante das associações de caçadores assumia este “desporto” como o grande regulador da natureza, e avisava que sem caçadores de javali já cá teria chegado a peste suína africana. Para ele, os caçadores norteiam-se pelos mais nobres princípios mesmo se, já ninguém cace para se alimentar. Do senhor da protecção da natureza nada a dizer, nem bem nem mal, era discreto, concordava que a lei deve ser revista, condenava como os restantes a sangueira vil mas defendia-se com a eterna conversa da falta de meios..

Miguel Sousa Tavares merece mais atenção. É um homem inteligente, culto, muito rodado nestas coisas da televisão. Defendeu a caça com unhas e dentes e, em resposta à criatura do PAN avisou com ar solene que “a natureza é cruel”.   Esta asserção é no mínimo uma tolice. A natureza é “ a natureza” para parafrasear longinquamente Alberto Caeiro. Os carnívoros estão no alto da pirâmide alimentar e são eles que sem crueldade de qualquer espécie, caçam para comer, para sobreviver. E caçam sem qualquer veleidade desportiva. Não há predador que não vá primeiro atrás dos animais mais fracos e doentes. Porque é mais fácil e menos perigoso. E assim, regulam a natureza, evidentemente.

Quem viveu em África, ou quem por isto se interessa, sabe que todos os animais fogem do homem (os que não o conheciam e não fugiram já só são uma saudade como os dodos). Se são encurralados então sim, defendem-se como podem e muitas vezes com êxito. Lembro-me de ouvir falar de zebras e de girafas que feriram perseguidores humanos irreflectidos. Não é conveniente chatear os hipopótamos, muito menos os rinocerontes ou os elefantes. E por aí fora... Basta lembrar, mais domesticamente, que uma gata com recém nascidos defende o território como uma fera. Tenho duas familiares que odeiam gatos porque, sem o saber, ameaçaram as proles recém nascidas.

Portanto, a natureza é o que é e o conceito crueldade é uma tolice de todo o tamanho. Miguel Sousa Tavares também não deixou o ministro do ambiente sem umas bicadas. É verdade que é mais fácil e mais barato atacar o repugnante acto da Azambuja do que a permissão do cultivo intensivo do olival ou outras realidades do ambiente que, em Portugal, nem sempre é decentemente defendido. De todo o modo, o Ministro, não era para aqui chamado nem, MST deveria saber, mão se pode defender atempadamente. MST poderia ter desmantelado mais e melhor a fraquíssima argumentação do cavalheiro do PAN mesmo se, e com toda a propriedade, lhe chamou ignorante. Eu, confesso sem pudor, dou pouco para o peditório destes novos cruzados que quando veem uma pessoa comer um bife, sacam da metafórica pistola vegetariana. Aliás, quando os humanos deixarem de ter caninos converto-me aos vegetais. Até lá vou-lhe dando na sardinha no robalo num que outro bife e no leitãozinho da Bairrada. Sem estados de alma de qualquer espécie.

Voltando, à bestialidade da matança. Espero que as autoridades rapidamente actuem. E com toda a força da lei, e só essa. Identifiquem-se os “matadores”, convoquem-nos, mesmo se espanhóis. Peçam a colaboração das autoridades espanholas. Certifiquem-se de que se essa manada voltar a entrar em Portugal haja quem os detenha para as respectivas averiguações e eventuais sanções. Não permitam a comercialização da carne dos quinhentos e tal bichos abatidos. Reforcem a lei da caça para impedir novos despautérios como aquele a que assistimos.

Desconheço o regime vigente de uso e porte de arma de caça. Será que uma licença espanhola é válida em Portugal? Se não é, força, arreiem. Todos os meios (legais e adequados a esta barbaridade) devem ser usados. Para atenuar mesmo que ligeiramente a vergonha que qualquer cidadão português naturalmente sentirá. Não precisamos deste “turismo cinegético”. Quem vier armado que faça tiro ao alvo , aos pratos ou a si próprio ou aos seus igualmente “matadores”.

Gente com armas é sempre eventualmente perigosa. Ele há momentos para tudo e, por cá ,abundam os exemplos de criaturas que de caçadeira em punho abatem rivais, mulheres e mesmo guardas republicanos. Ou será que ninguém se lembra?

 

 

au bonheur des dames 410

d'oliveira, 21.12.20

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Ai, os CTT...

(crónica de um naufrágio com uma carta à boleia)

mcr, 21 de Dezembro 2020

 

Hoje fui aos CTT, para enviar um par de livros da Pleiade a um leitor que já é um amigo. À Cautela, já antes passara na mesma estação para comprar uma embalagem onde os livros pudessem ser acondicionados com segurança. Já que se oferece um livro, ao menos que ele chegue ao destinatário sem demasiadas feridas da viajem.

Portanto era só, pensava eu, chegar, pagar o registo e pimba, lá iria i embrulho sem receio s de ser perdido. E eu já explico esse receio que , em certos casos, começa a parecer uma certeza.

Cheguei à estação de correios e deparei-me com uma bicha à porta. Alguém me disse que, era melhor ir tirar uma senha, o que fiz. Uma vez la dentro descobri que dos sete balcões só três estavam a funcionar.

Isto numa quadra onde é grande o movimento!

Esperei uma boa meia hora pelo minha vez, cá fora quase sempre, enquanto o frio apertava e uma chuva irregular ia, de quando em quando, caindo de mansinho.

Eu tinha tentado tirar uma ficha que permitiria não só enviar o embrulho “expresso” mas também registado. Não foi possível por muito que premisse o botão respectivo conseguir tal senha. Pelos vistos, em época natalícia, os CTT mão arriscam.

 

Quando referi o facto ao funcionário que finalmente me atendeu ele sorriu e avisou que enviar fosse o que fosse em regime de urgência era quase inviável.

“Paciência”, pensei, “com sorte, o leitor JMM receberá os livros antes do fim do ano” e, la consegui fazer o registo da encomenda.

Alguém perguntará que é que esta historieta banal de espera já habitual frente a balcões vazios tem a ver com o título. E vamos pois à história. Há um ano, encomendei à amazon francesa quatro livros que, ao todo e com portes custaram praticamente duzentos euros.

Três semanas após a encomenda recebo uma estranha mensagem da amazon avisando-me que a empresa ctt expresso tinha experimentado dificuldades em me entregar a encomenda. E, nas entrelinhas já sugeria que a encomenda se teria perdido. Aliás perguntavam se eu mudara de residência.

Eu, já aqui o disse, sou um leitor impenitente e anualmente recebo umas dezenas de encomendas com livros de vários países. Até à data, nunca me tinha sucedido tal coisa, tanto mais que vivo num prédio com porteiro, tenho sempre gente em casa, incluindo uma empregada.

Achei melhor telefonar para a empresa, expondo o caso. A menina que me atendeu jurou que ia averiguar e, de facto, uns dias depois, apareceu cá em casa, um rapazola, o eventual encarregado de entregar as encomendas, vociferando que “alguém” (eu!) lhe queria “lixar o posto de trabalho”.

Quando chegou à fala comigo, abrandou o tom e jurou que tinha entregado a encomenda à empregada que, uma vez acusada, me garantiu – à frente dele – que nunca vira tal encomenda. Convém dizer que a empregada estava connosco há vinte anos e nunca deixara de receber e entregar as encomendas de livros. “Mais livros”, comentava em tom escarninho, “a srª dr.ª vai zangar-se”. A dita dr.ª é a CG que jura que um dia destes a casa cai, que os livros vindos de alfarrabistas contrabandeiam um pó danado, um cheiro a velho e ocupam demasiado espaço que não há”-

Entendi, escrever à administração dos CTT, enviando aliás uma fotocópia dos avisos da amazon e das suspeitas dela quanto à eficácia da distribuição do correio.

Para meu espanto, recebi uma carta de uma criatura petulante informando que tal encomenda dirigida a uma criatura do sexo masculino de nome mcr fora recebida por alguém que se chamaria “Elisabete” (sic). Retorqui que cá em casa e em todo o prédio (e são 17 andares mais o r/c, não havia ninguém com esse nome.

Passaram umas semanas e os CTT voltaram à carga: desta feita a Elisabete já estava reduzida a uma “Edite”. Também é verdade que a epidemia começara e toda a gente sabe queum dos mais funestos efeitos do vírus é tirar centímetros às pessoas ou, pelo menos, letras aos nomes. Voltei a responder, assegurando que também não constava cá e no prédio nenhuma “Edite”. E adiantava, previdentemente que a tentativa de encurtar o nome inexistente da inexiste criatura que se abafara com os livros também não era “Eva” ou simplesmente “E.” À maneira dos títulos de romances eróticos do sec XIX.

Também me admirava pelo facto de entregarem um objecto à primeira pessoa que lhes aparece à frente. Ai a fé no género humano é tão comvente...

Até hoje, ninguém me respondeu.

Na carta que, entretanto lhes enviara, sugeria que tentassem saber se nos restantes prédios da rua, todos com mais de sete andares, todos com idênticas e fantasiosas designações (eu vivo na habitação 73, o mesmo é dizer no sétimo direito ao lado do esquerdo e do centro). E são apenas cinco ou seis!. ..

Mas há mais: em princípios de Novembro encomendei uns volumes da plêiade. Novamente à amazon. Por razões que desconheço um deles o “álbum” Kessel vinha de um vendedor associado. Trata-se, como o nome indica de um livro muito ilustrado (como os desaparecidos e acima citados!!!...)

Depois de receber os restantes, verifiquei que este não aparecia. Reclamei à amazon A resposta foi espantosa: o livro chegara perto do Porto e depois, sabe-se lá porque razões, teria sido devolvido e andaria agora por Itália. As mensagens da amazon e do vendedor eram claríssimas: fora “la poste portugaise” que entendera não encontrar o destinatário e devolver o livro! A mesma “poste” que encontrara o mesmo destinatário cde outros exemplares da plêiade!

Eu, não tenho opinião formada sobre as excelências do serviço postal público (que era, no mínimo, medíocre) os sobre os defeitos dos serviços privatizados. Todavia, neste caso, há óbvios malefícios. Claro que também sei que os CTT se queixam da redução tremenda do serviço postal e dos lucros cessantes ou dos prejuízos advenientes.

Convenhamos, porém, que o descaso pelos cidadãos é igual, quer se trate de serviços píblicos, quase públicos ou privados. Fecharam dezenas de estações de correio, fecharam outras tantas ou mais agências da CGD, há repartições públicas que desapareceram de dezenas de localidades, e por aí fora. Até os Tribunais desapareceram para não falar de muitas freguesias que foram agrupadas.

Porém, no centro da 2ª cidade do país este caso narrado parece clamoroso. Claro que até pode ser mais grave. Suponhamos que só desaparecem livros valiosos, caros, ilustrados. E que as Elisabetes, as Edites e tutti quanti não passem de pseudónimos de amigos do alheio infiltrados nos CTT. Claro que tudo isto pode apenas ser um azar. Uma coincidência. O que não é azar é a falta de resposta ou as desculpas de mau pagador dos CTT. Há um embrulho perdido por eles. Desde que o reclamante apresente, como fiz, prova, só lhes resta assumir as suas responsabilidades quanto mais não seja por mau serviço. Agora inventar nomes, que mudam quando se reclama é que me parece algo de surpreendente para não usar uma expressão mais crua mas mais verdadeira.

 

 

 

au bonheur des dames 409

d'oliveira, 20.12.20

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Que Natal?

mcr, 21 de Dezembro

 

“O possível!”- responderá quem quiser usar de bom senso.

Porém, nesse possível cabem muitas hipóteses e nem sempre as recomendações da DGS e do Governo (que não são exactamente coincidentes) acertam no alvo.

Comecemos pelos idosos internados nos lares. Em primeiro lugar há lares e lares e, felizmente, nem todos, nem, provavelmente, a maioria, tiveram casos de infecção. E nem todos os idosos estão em idênticas condições de saúde, nem de privação da visita de familiares. Tratar todos da mesma maneira pode ser prudência mas também pode ser desumanidade.

Para um velho, cada Natal arrisca-se a ser o último. E para os seus familiares ficará sempre a ideia de que poderiam ter adoçado os seus últimos momentos ao trazê-lo ao convívio, por um dia ou dois, de filhos e netos. Bastaria haver todas as cautelas e eu creio que na maioria desses casos mais depressa se pecaria por excesso que por falta deles.

Na nossa família, pelo menos naquela que por viver em Lisboa, irei estar longe, o Natal vai ser muito sui generis. A consoada será muito solitária para as duas velhinhas (mãe e tia) que garbosamente vão nos 99 e 95 anos. Estarão juntas mas o meu irmão só estará com elas, como sempre, à tarde. Os netos e bisnetos já as visitaram e também eles estarão longe. Eu, com grande pena minha, só as terei ao telefone. Costumava dividir-me e, todos os anos, nos cinco dias anteriores, estava em Lisboa, regressando a 24 pela manhã. Desta feita, entendemos todos que isso seria mais complicado. Aliás já não visito a minha Mãe desde inícios de Outubro. Foi ela que, prudente, pediu para adiar os nossos encontros mensais.

O segundo grupo que parece ter sido condenado a um Natal diferente é o das crianças institucionalizadas, um palavrão esquisito para caracterizar uma realidade com muitos cambiantes. Também aqui, e sobretudo tendo em conta que as crianças são raramente alvos da infecção ou, sendo-o, resistem bem ao vírus, deveria ter sido previsto um regime flexível e melhor adaptado aos condicionalismos familiares.

Tratar por igual casos que o não são, pode, mesta especial circunstância, ser uma desnecessária crueldade ou pelo menos uma insuportável frieza.

O terceiro ponto que vem a talho de foice tem a ver com a descabelada menção do senhor sub-director geral da DGS que se lembrou dos pequenos almoços aniversariantes e/ou natalícios. O pobre cavalheiro, para além de uma notória falta de jeito para comunicar, não percebeu que o Natal não é só, nem principalmente, a jantarada, o bacalhau ou o polvo, ou o peru, o bolo rei e as rabanadas ou o que quer que seja. Mesmo quando se passa muito tempo à mesa há nessa reunião tradicional uma comunhão especial. Nessa noite, à mesa, ou fora dela, há muitas invisíveis presenças e a promessa de futuras e alegres reuniões. Os mais novos aprendem a guardar a tradição para a vida inteira que lhes resta. Se há uma festa de família verdadeira mesmo para os, que como eu não são religiosos, é esta.

Ainda hoje, recordo com uma imensa saudade, mas também feliz e terna recordação, todos os meus, desde os avós (o avô Alcino que não permitia a ninguém que o substituísse na confecção das rabanadas, a avó Beatriz que trazia as prendas, o avô Manuel em cujo quarto se guardavam os doces a salvo da engenhos rapina dos meus tios maus novos e que tinha uma infinita paciência para os netos, a avó Aldina, doceira exímia e ainda melhor contadora de histórias), aos tios Mariana, José, Marcos e Joaquim, ah o Quim com quem todos os anos ia almoçar no dia 24, sempre um sumptuoso robalo e dose reforçada de grelos que eu fazia questão de pagar e que ele aceitava sob protesto carinhoso e oferecendo-me um livro. Isto depois de termos corrido todos os alfarrabistas conhecidos e bebido várias bicas numa conversa de horas que durou até ao Alzheimer filho da puta que o transformou num zombie que não reconhecia ninguém. E o meu Pai, claro com quem sonho diariamente há quarenta anos...

E outros, muitos outros...

Ora é isto que o sr. sub-director geral ignora ou esquece ou, por alguma arrevesada razão, não refere.

É que, das duas uma: ou o Governo sob parecer da DGS entende que é possível, com todos os cuidados, celebrar o Natal (e a celebração não é um pequeno almoço ou um recado dado no patamar da escada) ou não. Agora dar com uma mão (o dr. Costa) e tirar com a outra (o senhor do bigode farfalhudo) é que incompreensível. Sobretudo quando, na mesma altura, se avisou que não há Ano Novo para ninguém.

Este péssimo habito português de jogar aos quatro cantinhos ou à macaca, em vez de dialogar com as pessoas, de as informar cabalmente, prejudica todos: O governo, as autoridades sanitárias, as pessoas que neles confiam e dá azo a troças infindáveis como está a ser o caso.

É caso para se dizer: Vejam lá se atinam, carago!

 

Leitores celebrando ou não, juntando-se ou não, acreditando na família e no nascimento do Menino ou não, cuidem-se. Ser prudente é, neste momento, a única atitude inteligente. E a melhor prova de amor pelos nossos familiares.

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