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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

estes dias que passam 528

d'oliveira, 31.01.21

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Os dias da peste, 165

O médico empenhado

mcr, 31 de Janeiro

 

 

Em tempos idos, este dia significava ir ao cemitério do Prado do Repouso, apanhar uns safanões da solícita polícia de segurança pública, arriscar uma prisão, ali mesmo ao lado, na sede da pide portuense. Alguns, mais ousados e afortunados organizavam jantares mais ou menos comemorativos. A polícia, sempre ela, tomava nota.

Os discursos louvavam a iniciativa um tanto ou quanto exdrúxula da pequena multidão amotinada que, vinda da Praça D Pedro IV, tentou subir a rua de Santo António. A Guarda Municipal lá de cima no inicio de Santa Catarina metralhou os invasores que debandaram deixando no chão força de chapéus, bonés, bengalas e até sapatos. Em poucas horas estava tudo resolvido

João Chagas e o Tenente Coelho deixaram uma memória sobre os acontecimentos muito pouco meiga sobre a Direcção do Partido Republicano. Em boa verdade a “revolução” não passou de um motim improvisado.

Nada estava previsto para o dia seguinte e os do costume malharam com os ossos na cadeia enquanto muito boa gente se escafedia rapidamente.

A rua de Santo António (o único grande santo português e doutor da Igreja) foi crismada “de 31 de Janeiro”, regressou à antiquíssima denominação durante o Estado Novo e, depois do 25 de Abril, foi de novo rebaptizada.

Pessoalmente, preferia que houvesse uma outra rua, recente, com o 31 e que deixassem esta de Santo António consagrada ao santo como mandaria a História da cidade e a Tradição. Todavia, como se sabe, as vereações julgam que ceder a meia dúzia de de progressistas de fresca data, acolitados da habitual multidão de vira-casacas, pode ser útil pra manter os lugarzinhos e as prebendas.

Deixemos, porém, esta digressão pela história da “Invicta” (que também de inrvicta tem pouco, quase nada) e passemos ao mais recente herói vacinador, o médico que dirigia o INEM do Norte. Este cavalheiro apresentou-se na televisão defendendo o seu estranho critério de vacinação. Sobravam 11 vacinas (desconhece-se o porquê mas isso deve ter sido achado desnecessário) e vai daí foram à porta ao lado e vá de vacinar quem apanhavam à mão de semear, ou seja aos empregados e proprietários da pastelaria onde, eventualmente, os do INEM tomavam o cafezinho da manhã, da tarde, talvez uma refeiçãozinha, enfim tudo muito simples, muito terra a terra dá cá o bracinho toma lá uma pica, aliás duas...

Deitar as vacinas ao lixo , nunca, era o que faltava. Ir por meia dúzia de velhinhos da zona nem pensar, sabe-se lá quem são, e a velharia maus vale morta do que a chatear o indígena.

O médico “pôs o lugar à disposição” mas afirma modestamente que se sente perfeitamente apto para continuar no cargo. Vê-se que não percebeu nada, que tem a arrogância dos patetas patéticos.

E continua por explicar como é que uma toma precisa e vacinas, programada, em época de falta generalizada, dá este resultado, esta sobra de onze unidades.

 

Uma única interrogação: e hoje que caso será revelado?

estes dias que passam 527

d'oliveira, 30.01.21

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Os dias da peste 165

E a televisão?

mcr, 30 de Janeiro

 

 

Este tempo de confinamento obriga-nos a inventar entretenimento para esquecer o dia lá fora. Diga-se que nesta última semana, o tempo esteve horrendo, dias a fio de chuva miúda, de nevoeiro, de uma humidade pegajosa pelo que a casa foi um refúgio seguro e confortável. Eu não sou um fanático da televisão, sobretudo da nacional, mesmo se, por exemplo, ontem, tenha visto não só o Expresso da Meia Noite e o Governo Sombra. De quando em quando aventuro-me pela 2 (durante uns dias transmitiu na integra o “Apocalipse da 2ª Guerra Mundial” um documentário já antigo que vi e revi no canal História. Tirando o noticiário das 8, pela SIC, em matéria de notícias recorro muito À TV5, ao Euronews à TV E, à RAI e à CNN. Estou orfão do “The late nifht show” do Stephen Colbert que, durante anos, foi o maior adversário televisivo de Trump. Passava na Sic Radical por volta das 20.30 mas desapareceu e nenhum dos outros performer americanos ou ingleses lhe chegava aos calcanhares.

Sou um incondicional do canal Mezzo que não só me embala as tardes mas me socorre em noites pouco apelativas. Estes últimos meses, excedeu-se na transmissão de programas beethovenianos de altíssima qualidade (por exemplo vi. Ouvi, a integral das sonatas para piano de Barenboim ou os quartetos para cordas (integral) pelo quarteto Belcea que ainda continua. O Mezzo também oferece jazz, algumas vezes, peças clássicas e velhinhas e, menos, música dita popular.

Sou um consumidor de séries policiais mesmo se, também aí, haja de tudo. De qualquer modo, chamo já a atenção para a 2 que aos sábados e domingos está a apresentar a série “O jovem Montalbano”. Eu já aqui mencionei este personagem de Camilleri que primeiro conheci pelos livros (basta ir à wiik e clicar Andrea Camilleri de que há uma meia dúzia de traduções portuguesas), depois pela série Montalbano da RAI que não só segui do principio ao fim mas inclusivamente comprei todos (ou quase) os cds. Um regalo absoluto. Para quem não conheça italiano, há versões francesa e espanhola. Agora, dado êxito dessa série, apareceu o inspector Montalbano em jovem.

O mesmo processo, aliás, aparece com a série “Endeavour (fox crime, quartas feiras) que não é mais do que o inspector Morse (já passada na mesma emissora) em jovem. Aliás, a série Morse foi seguida também por “Lewis” sempre com base nos romances de Colin Dexter e no cenário de Oxford.

No mesmo canal , mas inferior às temporadas anteriores, diverte a série “Death in Paradise” e, ainda passam duas séries francesas “Cherif” e “Alex Hugo” que de vez em quando caem na monotonia

Tudo isto (e há muito mais séries em estreia ou repetição) permite afugentar boa parte do confinamento sem ter que suportar as telenovelas de má qualidade que enchem os canais nacionais e expulsam para horários ingratos programas de qualidade decente

Em boa verdade, eu só pretendia chamar a atenção para “o jovem Montalbano”, episódios longos e muito bem feitos. Hoje pelas 17.59 na 2. Aproveitem.

 

PS: a directora do Centro distrital de Segurança Social de Setúbal demitiu.se (ou foi demitida, nunca se saberá) .Mas que isso não impeça o inquérito que há muito mais gente metida ao barulho. Esta história macaca ainda vai no inicio...

 

Na vinheta: vista de “Vigata” a cidade imaginária das aventuras de Montalbano, que como talvez não saibam, foi um nome inventado por Camilleri para homenagear Manuel Vasquez Montalban, grande escritor espanhol autor, também ele, de excelentes policiais.

 

 

estes dias que passam 526

d'oliveira, 29.01.21

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Os dias da peste 164

Vacine-se quem puder!

mcr, 29 de Janeiro

 

Desta feita, é K quem, depois de uma longa conversa telefónica onde eu lhe expus farta teoria sobre o caso de Setúbal entendeu apresentar o que ele chama “primeiro postulado social e securitário de Heinzelmann, a saber: em Portugal o número de criaturas prioritárias para vacinação é inversamente proporcional ao decréscimo do fornecimento de vacinas pelas farmacêuticas internacionais.

K referia-se ao caso do dia (de ontem) quando se soube que a excelentíssima directora do Centro Distrital de Segurança Social ordenara que el (evidentemente) todas as chefias do centro e muita peonagem fossem vacinados como se de prioritário se tratasse.

Ora “toma lá colchetes de oiro e aperta o teu coletinho” como diz a cantiga.

Eu não sei exactamente quantos funcionários terá o referido centro, se 175 (numero dos felizes eleitos, se mais) e muito menos quantos maiores de 80 anos ainda esperam no ridente distrito, de bombeiros de viaturas de urgência, de médicos e outros agentes sanitários públicos ou privados, etc., etc.

Parece que o Ministério terá ordenado um inquérito “interno”. Parece igualmente que seria a isso que o coordenador Ramos chamou mau uso das vacinas ou outro epíteto inofensivo.

Sabe-se, claro que a senhora dirigente é militante do partido do Governo mas isso já era mais que expectável para quem conheça os meandros dos organismos da Segurança Social. Reina neste domínio a tese que a cada novo governo haja uma razia nos lugarzinhos sub-ministeriais para que os boys & girls (que também são em bom número e igualmente interessadas em sentar-se à mesa do Orçamento) sintam que agora sim este Governo vai fazer coisas!

Eu já nem me preocupo em saber de onde vêm estas criaturas subitamente alcandoradas a postos “simpáticos” na Administração Pública. Se são ou não competentes porquanto o cartãozinho partidário resolve esse pequeno problema.

Só que, no caso em apreço, a coisa ultrapassa a mera danças de lugares e mostra qual o respeito pelos portugueses em geral, pelos setubalenses em particular e sobretudo pelas inúmeras pessoas que ficam para trás e são muitas como acima esbocei.

Aliás, não é este o primeiro nem o segundo caso mas, em termos de número é dos mais elucidativos. E, conviria saber, esta gente nada tem a ver com qualquer linha da frente, do meio ou de qualquer outro lugar. Não tem contacto directo com infectados a menos que alguma subvenção que lhes passe pela mão se destine, ih milagre da Rainha Santa!, a alguma vítima do vírus.

Ao saber que eu iria debruçar-me sobre esta triste ocorrência, W (de quem já falámos aqui) apressou-se a propor-me um título: “Heinzie, ºarece qie o dicionário já homologou a expressão Vê sete avias pondo tudo junto vê-se-te-avias.

Entretanto eu já tinha escolhido algo que lembrasse o “salve-se quem puder” e W conformou-se.

Algum leitor mais curioso perguntará porque é que estes meus antiquíssimos amigos me chamam Heinzie. A resposta é fácil. O meu pai chamava-se M Heinzelmann CR e, como era médico, era esse o nome que constava da tabuleta do consultório. Ora um pobre diabo figueirense cujo nome já não recordo e que tinha uma memória de elefante num cérebro de grilo sempre que me via avançava impetuoso para cumprimentar “ora aqui está o abencerragem do ilustre clinico dr. M H cr. Eu afinava com a coisa, de modo que os três sacaninhas deram em chamar-me Heizelmann e porque o alemão deles era nulo, foram concentrando até chegarem a Heinzie., diminutivo carinhoso de uma velha palavra prussiana. Na zona de Berlin de onde provinha o meu trisavô, aquilo quer significar duende dos celeiros (os Heinzelmannchen) ms em Colónia mantendo a condição de duendes atribui-se-lhes a habilidade de fazer fontes e aquedutos.

O trisavô Richard Ernst Heinzelmann, vinha de uma família luterana de Havelberg a norte de Berlin, formara-se em Medicina na Universidade Wilhelm (hoje Humboldt) e emigrara para o Brasil. Estabeleceu-se mo Rio Grande do Sul, casou com a filha de um abastado magnata local e terá sido um excelente João Semana. Tanto que hoje há uma pequena cidade chamada Dr. Ricardo em sua homenagem. A parentela brasileira que fui descobrindo tinha (como eu, aliás) um grande orgulho nesse antepassado comum que foi imortalizado por Erico Veríssimo na belíssima trilogia “O Tempo e o Vento” sob o nome de dr. Winter.

E é essa a obra que hoje vos proponho. São três títulos em quatro tomos, a saga de um a família (um pouco a minha) de que um dos elementos, João Martins, fidalgote sem grandes meios da freguesia da Cabração (Ponte do Lima) , emigrou na altura das invasões francesas para o Brasil, não quis ficar no Rio e zarpou para o Sul, para o Rio Grande do Sul. Estabeleceu-se em Pelotas e desatou a comprar terras pois entendia que deveria poder ir “sempre por terra sua” da sua fazenda até Montevideu. Não sei se o conseguiu mas a verdade é que se tornou um magnata importante. Neutral na “guerra dos farrapos”, ofereceu a sua hospitalidade aos contendores dos dois campos e, eventualmente até Anita Garibaldi. Se não erro é daí que vem a história da “casa das sete mulheres”. Uma das filhas desposou o teutão médico e daí vem a família da minha avó Dora. Esta senhora, culta e inteligente casou com o avô Alcino mas morreu tinha o meu pai três anos. Daí o apego dele ao nome Heinzelmann. Ainda hoje tenho livros dela e um belíssimo guache da autoria de Diogo de Macedo frequentador com outros artistas e literatos do “salon” da Avó.Aliás tive a sorte de conhecer pessoas que a tinham conhecido. Eu e o meu Pai chorámos comovidos com o desfiar das recordações deles e o retrato amável que nos traçaram dessa vítima de outra pandemia (a gripeespanhola e o tifo que se cruzou com essa doença). Como dizia o meu querido Eduardo Guerra Carmeiro “isto anda tudo ligado”, um título de um dos seus livros de poemas. A ler urgentemente.

Ma 2ª bomheta em baixo: Guache de Diogo Macedo As cores na cópia ficaram mais, muito mais, fracas

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estes dias que passam 525

d'oliveira, 28.01.21

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Os dias da peste 163

Livros para um confinado

mcr, 28 de Janeiro

 

A prisão domiciliária está para durar, apesar do dr. Costa falar em semanas. Dar-me-ei por muito feliz se, lá para fins de Março, puder cautelosamente voltar à minha esplanada, beber um café, ver a meninada a brincar no jardim, gozar o sol da primavera já entrada. Claro que isto cheira a optimismo irrefreável mas que querem, nasci assim e assim morrerei esperando que de outra morte mais tardia e natural que por via do vírus.

As coisas não estão boas, nada boas. Agora já se morre às centenas,e nesse número a minha geração contribui com metade dos apanhados pela rasoira. . Metade, 150 por dia se os números não dispararem, mas isto é um voto pio.

Entrincheiro-me atrás de livros, alguns com idades veneráveis, outros acabadinhos de aparecer.

Dentre estes, citaria o 1º volume de “Le musée, une histoire mondiale- 1- du trésor au musée- ( Krzystof Pomian. Gallimard (bibliotheque illustrée des HhHistoires)520 páginas de texto e 170 de notas. Eu ainda só lhe di umas bicadas mas já deu para perceber que. em Roma, por exemplo, já alguém (Cícero) afirmava que o coleccionador deveria fazer doação à cidade das suas colecções “em vez de as enviar para o exílio das villae do campo”.

Claro que isto é para ir degustando lentamente quanto mais não seja porque ainda não tenho as lents graduadas depois da operação à catarata.

O mesmo se diga de um livro, já traduzido, “O Infinito num junco”(Irene Vllejo) Bertrand, 2000. Trata-se de uma leitura empolgante, escrita num tom simples e eficaz. Como muitos leitores, também eu vou remando vagarosamente, um capítulo hoje, duas páginas daqui a dois dias que o que mais me sobra é tempo. Irene Vallejo com este livro alcançou um enorme notoriedade em Espanha como leio no El Pís de sábado. Enhora buena!

Aproveitando o tempo das festas natalícias, os editores franceses desembarcam no mercado obras sumptuosas. É o caso de “Voyage sur la route du Kisokaidô (de Hiroshigue a Kuniyoschi), um álbum ab-so-lu-ta-mem-te excepcional editado pelo Museu ernuschi e Paris Musées, 2000.

Eu não sei se os meus leitores já se confrontaram coma as admiráveis gravuras japonesas. Se ainda não, não percam tempo. Aquilo é do outro mundo, ou melhor de um mundo que esteve em paz durante cerca de 250 anos, a época Edo (sec XVII até XVIII , 3º quartel).

Estas estampas normalmente xilogravuras representam cenas de todos os géneros, desde históricas, vatalhas, samurais etc, até `vida no campo, à descrição da natureza, ao retrato sem esquecer (e quem é que, mesmo nestes tempos de politicamente correcto, poderá omitir uma longa e belíssima tradição de pintura licenciosa que fez furor ente os finais do sec. XIX e o primeiro quartel do sex. XX. Refiro-me à arte “shunga” de que também existem catálogos admiráveis. Um dos retratos mais interessantes e usados dos sedutores desta abençoada época é aquele em que o cavalheiro convida uma mulher para vir admirar a sua colecção de arte japonesa. Estava tudo dito.

Estas gravuras normalmente apelidadas de arte “ukyio-e” ou seja “retratos do mundo flutuante”, vendiam-se, vendem-se ainda hoje, por todo o Japão culto. Era uma arte artesanal em que o autor dividia com os gravadores e os impressores o produto da venda.

A primeira vez que vi gravuras deste género foi em Berlin no longínquo ano de 1970, num dia em que saído do Goethe Institut subi a Kurfurstendamm até ao Café Kranzler. Um pouco antes e do outro lado da avenida lá estava a galeria, cujo nome miseravelmente olvidei, aquilo de UKYIE-E despertou-me a curiosidade /e se eu sou curioso! ) pelo que entrei tanto mais que não pagava nada. Fiquei estarrecido! Comprei o catálogo que, aliás, era barato e, durante muitos anos, não pensei, ou não tive ocasião de pensar naquilo. Até que votei a reencontrar os japoneses e a velha chama reanimou-se. Curiosamente, mesmo cá, n FNAC é frequente aparecerem a preços muito razoáveis, catálogos e monografias sobre arte japonesa. Juro: aquilo é uma revelação. A cor, o traço estilizado, a atenção ao pormenor, a delicadeza tudo se combina para alegria dos olhos.

Esta estrada de Edo a Kioto (cerca de 400 quilómetros) podia percorrer-se de estação para estação (69 no total) pois havia não só algum policiamento mas albergues para quem viajava. Era uma das cinco grandes estradas ordenadas por Tokugawa Ieyiasu, o grande unificador (e vencedor) do Japão post-medieval.

Dois grandes pintores originaram a descrição pictórica da viagem, Hiroshige e Eisen. O êxito foi tal que muitos outros se lhes seguiram. Parte da estrada segue ao longo de um rio e isso é amplamente ilustrado, sendo porventura a parte mais famosa.

Outro momento pictórico e museográfico para continuar esta onda mansa. Desta feita, descobri num alfarrabista (Livraria Esquina, Porto, aqui mesmo no meu bairro, à vista da minha esplanada) “Le Louvre. Le musée et les chefs d’oeuvre de la peinture”-. Com texto e estudo de Georges Lafenestre, ed- Flammarion, s.d. Um calhamaço imponente que traz em extratexto muitas repriduções a cor. A obra está datada, como é evidente mas exemplifica muito bem a variação do gosto. E a edição é extremamente cuidada.

Do mesmo sítio, e quase na mesma altura, deparei-me com “Voyage ilustrée dans les cinq parties du monde. O autor compilador é Adilphe Joanne que antologia dezenas de relatos e carreia mais de 650 gravuras )Paris, aux bureaux de l’Illustration, circa 1850). O olhar europeu no auge do movimento descobridor “científico” do mundo.

E finalmente, do mesmo local, o curioso “Atlas historique, genéalogique, chronologique et geografique” de A Lesage (ou Le Sage) ed Leclerc, Paris 1829. Formato in-folio grande (56x37cm) ,34 páginas duplas, encarceladas com cuidado. Neste caso, o meu problema era re-encadernar o volume pois a minha encadernadora não tem balancé (não me perguntem o que é que não sei) para formatos acima de A4 . Felizmente, de quando em quando. vou a outro encadernador que, esse sim, encaderna qualquer formato.

A propósito de Atlas devo dizer que de há uns anos a esta parte comecei a interessar-me por atlas um pouco no seguimento do meu interesse pela expansão portuguesa. Comecei pelos Atlas do Visconde de Santarém(uma colecção excepcional que deveria ser dignamente reeditada) e nunca mais parei. Claro que tive de arranjar um móvel especial para os ter. Estes grandes volumes não podem estar ao alto sob pena de ficarem tortos. Consegui arranjar no IKEA uma coisa belíssima mas aquela gente quando não tem grande venda “descontinua” os produtos! De modo que começo a estar um pouco apertado de espaço.

Portanto, queridos leitores, quando me virem a choramingar por via da reclusão, não liguem: tenho muito com que me entreter. O que me falta é tempo...

Na vinheta: duas gravuras do catálogo de cima para baixo   Kuniyoshi e Hiroshige

 

 

 

Reflexões pós-eleitorais

José Carlos Pereira, 27.01.21

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As eleições presidenciais do passado Domingo deram uma vitória categórica e inequívoca a Marcelo Rebelo de Sousa. O seu desempenho no primeiro mandato foi validado pelos portugueses que acorreram às urnas, que não precisaram de uma campanha exuberante ou polémica para decidirem confiar o seu voto ao Presidente em funções. Atingiu uma percentagem de votos muito significativa e, perante o crescimento da abstenção, conseguiu ainda assim aumentar a sua votação em relação a 2016. Os votos perdidos para uma direita ainda presa ao destino da PàF em 2015, e sedenta de confronto áspero com a área política que apoia o Governo, foram largamente compensados no eleitorado socialista e mesmo mais à esquerda.

Ana Gomes não me surpreendeu. Nem na campanha eleitoral, nem na falta de perfil para a função, nem nos resultados alcançados, nem nos comentários que proferiu na noite das eleições. Ficou muito aquém dos resultados alcançados por outros candidatos da área socialista que também não tiveram o apoio oficial do PS, como Manuel Alegre ou Sampaio da Nóvoa. Uma sua eventual eleição como Presidente da República (PR) seria o regresso aos anos 80 e à interferência permanente do PR na esfera do Governo.

André Ventura teve um resultado importante, mas ficou longe do tsunami que muitos antecipavam. Numa eleição unipessoal como a presidencial é mais fácil canalizar o voto de protesto para quem ousa dizer o indizível, mas não me parece que em eleições legislativas o partido liderado por André Ventura seja capaz de atingir a mesma votação. Creio que o eleitorado em torno do Chega terá atingido nestas eleições a sua amplitude máxima. De todo o modo, políticos e cidadãos em geral devem procurar interpretar as razões por detrás da força deste movimento de extrema-direita.

Este ano teremos pela frente eleições autárquicas e o resultado de Ventura animará muitos dirigentes e apaniguados do Chega, alguns deles ressentidos e preteridos no PSD e no CDS, a tentarem alcançar um lugar na Assembleia da República ou nas autarquias locais. Veremos uma corrida aos "tachos", como tanto gostam de mencionar no Chega, e conheceremos melhor as pessoas que rodeiam e financiam o Chega. Acredito que será aí que a bolha começará a esvaziar.

João Ferreira, apontado como futuro secretário-geral do PCP, e Marisa Matias, que tinha tido uma excelente prestação em 2016, partiam para estas eleições com elevadas expectativas, mas acabaram por registar resultados decepcionantes. João Ferreira obteve menos votos do que Edgar Silva em 2016 e Marisa Matias foi vítima do voto (supostamente) útil em Ana Gomes e também perdeu com os últimos posicionamentos do Bloco de Esquerda.

Tiago Mayan Gonçalves e Vitorino Silva ocuparam os últimos lugares, surpreendentemente não muito longe um do outro. Tiago Mayan captou votos na direita desagradada com Marcelo Rebelo de Sousa e pode ter ajudado a consolidar o seu partido, a Iniciativa Liberal, sobretudo nos grandes centros urbanos. Ainda estamos longe das legislativas para perceber se isso realmente acontece, pois as autárquicas não serão terreno fértil para a Iniciativa Liberal. Vitorino Silva continua o seu projecto pessoal e muitos eleitores vêem nele o escape certo para o voto de protesto contra o sistema. É um voto calculado, mas que também perde impacto quando se trata de legislativas, como se viu em 2019 na prestação do seu partido, o RIR.

Começará em breve um novo mandato de Marcelo Rebelo de Sousa, que será muito centrado na reacção aos efeitos económicos e sociais da pandemia. Todo o país estará focado nesse objectivo e do Presidente da República espera-se que continue a ter uma acção firme e determinada nesse sentido, em cooperação profícua com o Governo e a Assembleia da República.

estes dias que passam 524

d'oliveira, 27.01.21

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Os dias da peste 161

Critérios...

mcr, 27 de Janeiro

 

Um repolhudo grupo de personalidades, nas quais se incluem alguns amigos meus entendeu publicar no “Público” uma carta aberta sobre a inclusão de pessoas com oitenta ou mais anos no 1º grupo de vacinação.

(declaração de interesses: nasci em 1941 pelo que tecnicamente já entrei nos oitenta que perfarei daqui a alguns meses. Suponho que mesmo assim não estarei nesse grupo – oh quem dera!...- mas de todo o modo estou seguramente no seguinte isto é, sempre melhor do que a primeira versão parida pela task force do dr. Ramos que atirava a minha geração para ainda mais tarde).

A dita carta aberta ou, melhor, entreaberta, pois vem de um restrito grupo de pessoas de Lisboa e arredores (como de costume), tem à cabeça, um problema: já havia da parte de várias entidades oficiais uma posição oficiosa no mesmo sentido pelo que, o efeito de espadeirada caiu seguramente na água sem provocar mossa em ninguém.

Depois disso, num surpreendente efeito de cascata que nada faria esperar, eis que a porta grande se abre: é os bombeiros, as altas figuras do Estado e da Administração Pública, local e regional, os deputados, sem esquecer como já terão reparado as direcções dos lares mesmo quando não estão em contacto directo com os velhinhos que ainda não sucumbiram de vez aos seus carinhos, as suas patologias e ao covid que se tem cevado neles à ganância.

Entretanto, os médicos d sector provado agora que já se sabe que vários hospitais privados (grupo Luz, grupo CUF etc...) tem tratado desde há muitos meses doentes covid, continuam a marcar passo pois parece estar provado que oa mercantilistas da saúde são ,além de salafrários, imunes a todo o bicharoco de origem viral.

O mavioso Governo que nos traz de rédea curta, confinados e reconfinados, entretanto oficiou para um cem numero de instituições para que estas esclareçam suas senhorias a que critério se devem ater os mais altos representantes da Nação valente e imortal meste difícil passo da luta contra o inimigo maldoso.

Na Assembleia da República reina, mão a pandemia mas a habitual cacofonia. Há deputados calados – como de costume et pour cause!.. – e há os que exaltadamente recusam passar à frente do povo, desta ou daquela classe profissional.

Tudo isto, e o mais que se verá (porque vai haver mais, não duvidem) sucede porque, com o à vontade do costume, a task force fio criada à pressa e tarde e, também como é habito nem o trabalho de casa fez. Bastava-lhe já que o caso requeria rapidez, ir por essa Europa fora e copiar, melhorando o que havia a melhorar.

Quando se ouviram os primeiros e matreiros zunzuns do cozinhado que se preparava, fui um dos primeiros a apontar s asneiras, mesmo antes de ouvir os senhores Presidente e Primeiro Ministro. E os velhadas como eu, mas também como a minha Mãe que entra gloriosamente – espero fervorosamente- mo seu primeiro centenário- lá conseguiram esgueirar-se para o segundo grupo, o que começa em Abril se as contas me não falham.

Convém esclarecer que há um ponto que de tão óbvio que é minguém discorda. Médicos, enfermeiros demais pessoal da linha da frente (e aí eu supunha que estariam os bombeiros das ambulâncias que transportam os mais achacados para os hospitais) deviam ser os primeiros dos primeiros. Até porque qualquer cristão sabe que ter um cuidador doente é já meia doença para si,

Depois, os matadouros existentes, os depósitos de futuros mortos, os lares (e aqui incluo os ilegais, que muitas vezes o são por falta de criação rápida e eficaz de legais, pois aí há também pobres velhos lá largados de qualquer maneira) deveriam naturalmente ser prioritários, pessoal incluído, para evitar a hecatombe a que, impávidos ou horrorizados, assistimos.

E já que de velhos (velhos e não idosos!, diabos me levem!...)se fala, alguém se lembrou que, felizmente, para honra de familiares afeiçoados e com vergonha na cara, há uma multidão de outros que escaparam à maldição dos lares e lá vão sobrevivendo em casa?

Só entre os meus mais chegados há uma Mãe, quatro tios e dois primos. Todos aguardam calmamente a sua vez mas talvez o aconchego familiar não os deixe bem suspeitar o perigo que correm.

Estes velhos hão de ser invisíveis pois também para votar ninguém deles se lembrou. E volto ao tema que, mesmo sem ser um rotweiller, não largarei, o do voto postal. Há tempo para se fazer uma revisão constitucional minimalista que devolva a estes cidadãos que a idade obriga a um recolhimento mais estricto, o seu direito absoluto de escolher quem governa, quem administra, quem chateia o indígena, quem lixa o mexilhão.

Eu sem qualquer má vontade ou ironia conclamo o grupo de personalidades e mais os que se queiram juntar a esta cruzada, para exigir (e não pedir, solicitar) que a tal Constituição que sofreu tratos de polé durante a campanha, seja de facto mais ampla, mais aberta e integradora. Os velhos também são portugueses, também pagam impostos, também construíram este país, também educaram filhos e netos, também consomem, também são, à sua medida, agentes económicos.

E são gente, porra!

 

 

estes dias que passam 523

d'oliveira, 26.01.21

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Os dias da peste 161

A palavra a um leitor

mcr, 26 de Janeiro

Um leitor que me honra com a sua assiduidade neste blog enviou-me um mail comentando o folhetim sobre as eleições. Em primeiro lugar goataria de destacar a trabalheira insana que é a de estar à frente de uma mesa de voto. Eu, só uma única, mas irrepetível ,vez estive numa mesa e não como presidente mas como simples delegado sem direito a estar sentado pois na mesa só cabiam os da “Situação”. E eu, claro vinha em nome da CDE de Coimbra. Foi no ano de 1969 se não erro. Dessa minha modestíssima presença foi lavrado o competente auto policial que faz parte de um dos 14 processos  da polícia política que contra mim correram entre 1962 e 1974.

O leitor diz, e com razão, que sem o trabalho destes milhares de cidadãos anónimos e dos partidos as eleições nem sequer aconteceriam. É verdade e ninguém mais do que eu reconhece tal facto. Também, ninguém mais do que eu entende que os partidos são essenciais à vida democrática. Todos os partidos, incluindo aqueles que, devidamente reconhecidos pelo Tribunal Constitucional estão legalizados e representados no Parlamento Ou, até, fora dele como é o caso do MRPP./PCTP

Dito isto, conviria que os cidadãos pudessem ter mais acesso à votação (voto postal, como o Presidente eleito afirmou no seu discurso de vitória). No caso em apreço esse voto postal teria sido importante para baixar a taxa de abstenção (e volto ao exemplo dos Estados Unidos onde isso contribuiu para a mais concorrida eleição de sempre na história daquele país.

Também estou farto de me manifestar a favor do voto unipessoal em vez do voto por lista que nas grandes cidades é algo de aberrante. Ou alguém, em seu perfeito juízo, entende que a generalidade dos eleitores conhecem aquelas dezenas de criaturas – que aliás não constam dos boletins de voto . o que seria impensável- e vota sabendo quais são eles?

E finalmente sou a favor de um bicameralismo que, de resto foi constante em quase toda a nossa história parlamentar.

E, ainda, mas só porque o país estava como estava, entendo que a marcação da data das eleições não deve estar plasmada na Constituição ou, estando, deve ser flexível. Não sei quantos eleitores faltaram por receio de contágio, por estarem em quarentena ou infectados e internados. Admito que sejam uns largos milhares. O voto deles poderia ter sido expresso por via postal , claro mas este expediente também não está previsto mas a verdade é que, por fas ou por nefas, eles foram ou sentiram-se impedidos de votar.

A minha intenção ao publicar o texto que se segue é não só homenagear todos os anónimos agentes que tornaram possível a votação mas também lembrar a quem nos lê quão importante é a colaboração dos cidadãos para uma vida democrática e para a defesa da liberdade

Ao meu leitor e amigo recente peço que não se zangue por publicar o seu comentário que o honra e me honra também. E muito. Com leitores assim, isto é um prazer

 

 

Deixe que também relate o meu dia eleitoral. De novo fui nomeado como presidente da mesa nº 1, ........ Acordei às 6H00, e às 6H45 já estava na ............a receber os votos e restante parafernalia eleitoral. às 7H30 já havia quem esperasse para votar, o que durou até às 19H00, com muitas filas, muito gel, alguns erros nos cadernos não actualizados, mas sem qualquer incidente. Na minha mesa havia gente do PS, do PSD, do PC, do Bloco e independentes. Quem diz que os partidos são os donos do processo democrático devia saber que sem os partidos não haveria gente para as mesas eleitorais, porque estar catorze horas de serviço num domingo, e com a responsabilidade que isso acarreta, não atrai muitos voluntários. Durante essas horas dei boletins a gentes de muitas e desvairadas origens e condições. Vi votar muitos reformados, um deles com noventa anos de idade, e também jovens, um deles uma miúda de pouco mais de vinte anos que chegou esbaforida do trabalho a poucos minutos de fechar a mesa. Vi votar novos concidadãos com nomes difíceis de pronunciar, e que com orgulho apresentavam o cartão de cidadão novinho em folha. Vi votar dois namorados pela primeira vez, e vi pais que levavam os filhos com eles e explicavam o que estavam, a fazer. E um dos putos fez birra para meter o voto na urna. Às sete em ponto fechámos as portas. espalhámos os votos numa mesa de bilhar e separámo-los por candidatos. Contámos cada um, já tínhamos contado odos os votos recebidos, conferimos os totais, e tivemos que voltar a contar porque faltavam dois. Quando tudo deu certo, foi preciso fazer as actas e preencher toda a papelada, embrulhar tudo, selar e lacrar e voltar a assinar por fora. Carregado que nem um presidente de mesa de voto fui, a pé, levar tudo à junta de freguesia, onde entreguei a folha do apuramento provisório e, depois de tudo conferido, fui mandado em paz. Cheguei a casa às 21H00, jantei, dei uma vista pelos resultados nacionais e fui-me deitar. As 22H30 já dormia, e só soube os resultados definitivos na segunda de manhã.N a minha mesa estavam inscritos 947 eleitores, e votaram não chegou a 500. Ninguém se surpreendeu muito com os resultados. Mais uma vez, tudo terminado, não consigo associar os rostos com que me cruzei, com os votos entrados em urna, nem atribuir a este ou aquele o voto em X ou Y. Como sempre, as pessoas chegaram, cumprimentaram, receberam o boletim, votaram e saíram. E é isto, e apenas isto, mais o respeito pelos resultados, que se espera de uma votação. Ao fim do dia, como o Soljenitsine disse do Ivan Denisovich, ficou a sensação do dever cumprido, a alegria de tudo ter corrido bem e a satisfação de a candidata em que votei ter tido o resultado esperado. Em Outubro, para as autárquicas, a cena repete-se, mas em pior, porque são três boletins.

XXX

na vinheta: Pierre Joseph Proudhon, um dos grandes nomes da ideia dmocrática  pura a quem, só por pirraça injusta, Marx apelidou de utópico. Parafraseando Sebastião da Gama, atrevo-me a dizer que só pela utopia é que vamos. Desde que, como aconselhava o genial Cavaleiro de Oliveira, se dê igualmente força à razão. 



 

estes dias que passam 522

d'oliveira, 25.01.21

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Os dias da peste 161

Duas eleições, ou mesmo três

mcr, 25 de Janeiro

 

Continuando uma prática de muitos anos, alguns amigos meus que dão pelas surpreendentes alcunhas de W, Y e K (antiquíssimas alcunhas, vindas das profundas da praia de Buarcos) mais uma vez se trocaram dezenas de mails sobre o curso previsível das eleições de ontem.

Dessas amáveis e alegres discussões apenas retiro um aparte de W (de seu nome Vladimiro que, graças a um avô russo branco passado pela França, ele “russificou” em Wladimir, mesmo se alguns malandrins só lhe chamassem “Miro”) que ao meio dia avisava a confraria que hoje haveria artigos a fazer o relato fantasmagórico de outras eleições e não das reais.

Y (de Ydigoras, nome da mãe do pai, um galego fugido à fome e à guerra civil que prosperou na Figueira vendendo panos de toda a espécie) retorquiu ironicamente que o “Miro” (notem a pequena sacanice) delirava.(entre parentesis ele escrevia "demirava"!)

Pois bastou ler o “Público” de hoje para verificar que quem delira são os comentadores, a começar pelo Rui Tavares, apoiante de Ana Gomes (como antes foi daquela senhora que ele levou nos braços até ao parlamento e que agora faz de intrépida deputada independente) que depois de afirmar sem se rir que centenas de milhares (!!!) de portugueses foram impedidos de votar (na senhora Gomes?) por causa da pandemia, que esta mesmo assim ganhou. Pelos vistos ganhou ao senhor Ventura por escassos votos (um ponto) mesmo se este a tenha ultrapassado em 11 distritos.

Que, sempre Tavares, o historiador, se a senhora Gomes não se tivesse heroicamente sacrificado, o temível Ventura teria ficado em segundo lugar, coisa notoriamente provável desde que se descobriu que se o nariz de Cleópatra fosse maior a História de Roma e do Mundo seria necessariamente outra. Sempre nesta bizarra corrente de descobertas, Tavares fala num luminoso futuro para a Esquerda (ontem tão humilhada) graças a Ana Gomes que, como a senhora de mamas ao léu no famoso quadro de Delacroix, irá guiar o povo...

Mas há mais: numa das páginas interiores, uma outra senahor, menos conhecida volta a tocar na tecla da “vitória” de Gomes e na segura ascensão dela e da esquerda pedro-nunista à vitória final.

Há nestas criaturas (e pelos vistos também em Ana Gomes, mas isso já o sabíamos) uma funesta ideia de que numas eleições presidenciais perder mas ficar em segundo a uma tremenda distância não é uma derrota! Provavelmente, pensarão que o segundo poderá vir a ser uma espécie de vice presidente ou algo assim.

Não é essa a história dos segundos nas eleições presidências post 25 de Abril. Valeria a pena ir por aí perguntando às pessoas quem é que ficou em 2ª lugar nas eleições de Soares, Cavaco, Sampaio ou Eanes.

O candidato Ventura estava como um cuco. Com aqueles quase 500.000 votos a ofuscar-lhe o raciocínio, pôs o lugar à disposição. Claro que os militantes o irão reeleger triunfalmente pois ninguém em seu perfeito juízo cospe na sopa do meio milhão de vozes.

A segunda observação que convém fazer sobre este fenómeno “cheguista” é a que decorre do facto de Ventura bater duramente o PC no Alentejo. Cuidado com o foguetório porquanto há que saber de onde vieram esses votos. Mõ creio que da Direita )PPD ou CDS) ou do PS porquanto os números alcançados por Marcelo Rebelo de Sousa poderão corresponder ao somatório dos votos obtidos normalmente pelos três partidos. Uma coisa é certa: o Alentejo teve sempre uma forte abstenção. Terão vinda daí alguns do venturosos votos. Terá o PC perdido para a abstenção muitos votos? Aí está um mistério que as autárquicas irão eventualmente dilucidar.

O candidato do PC fez uma boa campanha, recusou embarcar nas toliçadas de Marisa e Gomes que se consumiram em diatribes anti Ventura, em ameaças ocas e inconstitucionais de o silenciar, mas sabia (ou devia saber) que em presidenciais uma campanha partidária e sobre temas puramente da competência do Governo não atrai sequer os votantes habituais. A presença de um candidato do Comité Central apenas para provar (se sequer isso se quer) que o glorioso partido existe é um pro forma que permite a muito votante normal ir dar uma volta ao bilhar grande e... votar num presidente de afectos e selfies pois sabe que o seu voto não elege nada neste domínio.

De todo o modo, a derrota do PC é notória pois fica-se pelo mesmo patamar da candidatura anterior que era tudo menos entusiasmante. Custa ver como se queima um candidato nesta corrida entre a Branca de Neve e os anões.

Da candidata do Bloco poder-se-ia esperar a repetição do anterior prélio eleitoral mas tinha tudo contra ela, a começar pelo voto do BE contra o Orçamento. Ninguém compreendeu essa atitude, essa teimosia suicidaria sobretudo quando o país estava já numa situação difícil. A direcção do BE pensou numa habilidade grosseira crendo que os eleitores são parvos. Não são como abundantemente se provou. Ninguém percebeu aquele voto, quase toda a gente o condenou. A derrota de Marisa começou aí. Todavia, durante a campanha Marisa também não acertou uma. Não conseguiu mostrar o que é que a diferenciava de An Gomes, bem pelo contrário. Atirou-se com unhas e dentes contra Ventura sempre com más razões. Deixou-se enredar numa troca de palavras que só favorecia o adversário e só a rebaixava a ela. Um desastre.

A declaração final do dia de eleições, a cargo d coordenadora do BE, roçou o patético e o pateta. Se aquilo pretendia ser uma declaração revolucionária então a reacção está segura por cem anos.

Aliás, quer a declaração do BE quer a da candidatura da Ana Gomes (e sobretudo a desastrada intervenção do sr Pedroso) fazem lembrar mas em menos elaborado as teimosas declarações de Trump sobre quem tinha vencido as eleições americanas. Mas Trump tinha setenta e tal de milhões de seguidores fanatizados e fanáticos e as duas senhoras não chegavam sequer a um milhão de eleitores seguramente muito desapontados. Os candidatos Mayan e Vitorino fizeram o que puderam que não era muito dadas as condições em que partiam. O primeiro foi sóbrio e tentou explicar o que é a solução liberal. Não gritou, não caiu em tontices inconstitucionais, mostrou-se progressivamente mais seguro, tornou a vida difícil aos adversários pela argumentação sólidae pela calma cortês com que intervinha. E teve um prémio: a votação obtida significou uma clara subida de votos, exactamente para o dobro da otida nas legislativas. É obra!

Vitorino Silva não melhorou o seu score de há cinco anos mas também não perdeu muitos votos. Para um homem só, com um aparelho no mínimo rudimentar, mereceu estar na corrida, mostrou que tem um par de ideias e promete, e vai conseguir, continuar. Numa palavra, foi um digno participante e claramente fala para um público mais vasto do que a freguesia de Rans. Ninguém o considera um vencedor mas atrevo-me a afirmar que também não foi um perdedor. Provavelmente, simpatizo com ele e, de certo modo, vejo nele um português vindo do povo humilde mas determinado e interessado. E sincero.

Entre os amigos e, sobretudo, amigas que frequento havia um dramático dilema: como barrar o caminho a Ventura? Quase todas e todos, mesmo pensando que estavam a engolir uma cabazada de sapos, anunciaram o voto em Ana Gomes. Torciam-se à ideia mas estavam certos que esta era uma cruzada a que não podiam faltar. Não barraram nada pois não havia nada a barrar. Eu bem lhes dizia que a corrida estava viciada pois Marcelo iria ganhar folgadamente. Que diabo, cinco anos de beijinhos, abraços, selfies e sermões dominicais já tinham feito tudo o que era necessário. Como se viu. Marcelo não precisou de nada nem de ninguém para se impor. Até nos debates, e é bom lembrar que foi ele quem mais impôs os debates de todos contra todos, mostrou a sua cuidadosa preparação, o seu instinto político e o seu conhecimento das tarefas que o cargo implica. Não gritou, não berrou, não caiu em dislates e seguiu adiante, impassível perante a chuva de críticas que quase todos os concorrentes o mimosearam. . Felizmento só pode haver dois mandatos seguidos senão o homem eternizava-se em Belém e nem sequer trocaria o carro...

E a abstenção, mcr? Pois a abstenção fio gorda mas é bom recordar que este ano havia mais um milhão de novos eleitores. Convém saber que número de eleitores votou há cinco e há dez anos e cimparar com os que agora compareceram. E descontar aí uns dez mil impossivilitados e e todos os receosos que não acreditaram nas promessas de salas de voto bem organizadas e razoavelmente seguras. Eu não gosto da CNE mas se a ideia veio dela, bravo. Se não, cumprimentos aos poderes autárquicos do Porto (Câmara e Juntas) e um aplauso sentido para as raparigas que faziam de sinaleiras para as bichas de votantes: simpáticas, sorridentes, incansáveis e excelentes!

Estive meia hora numa bicha para votar, o dia estaca bonito, o frio não apertava, só o café me fazia falta. Na minha urna toda de mulheres eleitoras fui o primeiro homem votante como me disse o presidente da mesa. Assegurei-lhe que, se para as próximas eleições o bom senso tiver imperado, de mim só verá uma cartinha a indicar em quem voto. Curiosamente, o Presidente eleito, referiu a urgência desse tipo de voto. Soubera eu disso antes que teria votado nele...

 

estes dias que passam 521

d'oliveira, 24.01.21

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Os dias da peste 161

Bernardo Trindade, até breve, muito breve, se possível

mcr, 24 de Janeiro

 

Comecemos pelo óbvio, ou quase: lá fui votar, desta feita numa escola cujo ginásio está a pouco mais de 50 metros da porta do prédio onde vivo. Só que... entrava pelo outro lado da escola e, portanto a volta que tive de dar ainda foi maior do que que dava numa outra escola também aqui nas proximidades!

Depois, verifiquei que os eleitores já não votam pelo antigo número do cartão de eleitor pelo que caí imediatamente antes das Marias mas já com elas. Escusado será dizer que a bicha para mesa 18 era a maior e, pareceu-me a mais lenta.

Votei porque, apesar do tempo de espera, o dia estava ensolarado e a mesmo ao ar livre podia-se estar: nem frio nem chuva. Tentei ir cedo, pelas dez mas mesmo assim não me livrei de uma larga meia hora até votar.

Pronto, já está, ainda não foi desta que falhei uma votação e, de certo modo, fiquei com a impressão que havia bastante gente. Com sorte a abstenção será menor do que eu pressagiava.

 

Cumprido o dever cívico, cheguei-me a casa para ler tranquilamente o jornal e bebericar um par de cafés nepresso que é ao que estou reduzido.

E dou com a notícia em quatro longas páginas: A livraria Campos Trindade, alfarrabista de excelência vai fechar! O preço do arrendamento torna incomportável a manutenção ali na rua do Alecrim em Lisboa!

Eu sou cliente do Bernardo desde que descobri a livraria. Posso dizer que lhe comprei à vontade mais de duas centenas de livros, fora uma outra e maior quantidade de revistas.

E só comprei o número de publicações, porque vivendo no Porto e só indo a Lisboa uma vez por mês, terei perdido um ror de oportunidades. O Bernardo não tinha site, pelos vistos não está disposto a ter esse trabalho pelo que era mesmo necessário ir lá. Recordo que, normalmente chegava a Lisboa à quarta feira pelas 11.30 , estacionava o carro no Camões e ala que se faz tarde dava uma corrida para chegar antes do fecho do almoço. No sábado seguinte, pela manhã, “fazia” a feira dos alfarrabistas e voltava lá com mais tempo. Às vezes fazia tantas compras que precisava de ir buscar o carro, estaciona-lo à porta para encher a mala.

Ainda por cima, os preços praticados pelo Bernardo eram óptimos para o comprador, E ele tinha sempre a amabilidade de me fazer um desconto.

Vezes houve que, depois de encher um saco de supermercado de livros, resolvia não comprar mais, na esperança de numa outra volta ainda encontrar títulos que tinham chamado a a atenção. Erro colossal porque compradores tão atentos e mais próximos, não deixavam escapar a hipótese de enriquecer as suas bibliotecas, como ocorreu quando houve uma venda de livros sobre o Brasil. Depois de atafulhar o saco, entendi que havia ali livros para muito tempo de estante. De todo o modo, logo que cheguei ao Porto, telefonei e da lista dos que me lembrava ainda consegui mais alguns que ficaram a aguardar a próxima visita mensal. Mas tenho a absoluta e dolorosa certeza que perdi bastantes, entre eles umas curiosas edições sob o título geral de “Brasil Holandês” que em sete caixas agrupavam várias obras fac-similadas de textos holandeses do tempo da ocupação deste fo norte do Brasil. Com uma iconografia riquíssima ainda por cima. Trouxe um mas falhei (se falhei) os restantes que porventura lá estariam.

O Bernardo promete continuar mas, para já, e nesta incerteza, nada mais adianta.

Vive-se um mau momento para as livrarias e, em especial, para os alfarrabistas. Em pouquíssimo tempo desapareceram vários, outros tiveram de emigrar para longe do Bairro Alto onde se concentravam e onde era fácil, para os clientes, procurá-los.

A explosão do turismo, a procura de espaços para hostels, hotéis e arrendamentos de curta duração ainda está a produzir efeito mesmo se tudo parou. Alguns senhorios perderam a cabeça e ainda não perceberam que, se expulsarem da zona os pequenos comércios, a desertificam e a tornam cada vez menos atractiva.

Nos últimos cinco anos desapareceram pelo menos seis alfarrabistas que eu conhecia. Tudo num raio de um par de centenas de metros. Em vez deles, coisas incaracterísticas de fraca qualidade e pior mau gosto.

Estamos, com o atraso do costume, a entrar na mesma espiral que assolou os 5º e 6º bairros de Paris onde contabilizei mais de um quarteirão de livrarias desaparecidas que frequentava.

Como se vê, cá só se imitam os maus exemplos.

* na vinheta: homenagem a uma das livrarias parisienses que durante anos frequentei e onde gastava o pouco dinheiro que tinha

 

estes dias que passam 520

d'oliveira, 23.01.21

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Os dias da peste 160

Tempo de reflexão

mcr, 23 de Janeiro

 

 

Hoje é o negregado dia de reflexão, ou seja um dia em que umas luminárias entenderam dever proteger “o povo” de influências malsãs sobre o voto. Claro que isto mostra, sobretudo, um desconhecimento descarado e elitista sobre o “povo” que coitado se deixa guiar como os cegos conduzidos pelos loucos naquele célebre quadro de Bruegel o velho.

A Constituição portuguesa está cheia destes dislates. Por exemplo, negou-se o voto unipessoal (como existe em quase todo o lado) por um voto em partidos com o c “receio” do povo ceder às vozes das sereias e “votar mal”

Vai daí, caiu-se no poder dos aparelhos partidários que obviamente escolhem a seu bel prazer os futuros deputados, tornando-os eventualmente dependentes da máquina do partido. Os eleitores, nas eleições parlamentares e municipais, acabam por votar numa ranchada de criaturas, muitas das quais desconhecidas, tendo ainda por cima que correr o risco dessas mesmas criaturas poderem ser substituídas por outras ainda menos conhecidas. Refiro-me, claro está aos grandes círculos (Lisboa, Porto, Braga, Coimbra, Setúbal, Aveiro) que sozinhos elegem cerca de dois terços dos deputados. Como muitos dos eleitos irão ocupar cargos governamentais, a distância entre a vontade do eleitor e a realidade parlamentar torna-se ainda maior. Três quartos dos eleitos estão no plenário com a simples função de levantar e baixar o dito cujo nas votações. É verdade que podem ter um papel mais relevante nas comissões mas mesmo aí a sua função pode ser obliterada.

Há, em Portugal, este estranho hábito de transferir dos cidadãos para um corpo alheio todas as decisões importantes sob a falácia de que, a devido tempo, os eleitores confiaram o poder a um pequeno grupo de pessoas. Só que, se o cidadão não concordar com o rumo que as coias tomam terá de esperar por novas eleições. E, sobretudo, não pode dirigir-se ao seu eleito e pedir-lhe contas.

É curioso como todos os maus hábitos de sonegar às pessoas alguns direitos persistem. Quando a República se implantou, a primeira decisão que foi tomada no que toca a eleições foi reduzir o corpo eleitoral a cerca de um terço. A ideia era evitar que os monárquicos, fortes fora das duas ou três cidades mais importantes, arreganhassem os populares e os convencessem a votar contra a nova ordem.

O dr. Salazar, criou uma série de barreiras à inscriçãoo de eleitores, ao mesmo tempo que, ferindo a República num dos seus pontos mais frágeis (o voto feminino proibido) estendeu a certas mulheres o direito de voto e inclusive elegeu deputadas!

Com a 3ª República o voto tornou-se universal, é verdade, mas o monopólio partidário na constituição de listas acaba por perverter o sistema. É assim que pequeníssimas formações, desde que lisboetas, conseguem eleger um deputado ou alguns, sem que a sua implantação no país seja de facto real. De certa maneira, ainda bem que fintaram o sistema mas é um mau sinal para a democracia e sobretudo para o país real.

Amanhã, se as previsões mais negras sobre a abstenção se concretizarem poderemos assistir a um resultado falso mas “democrático” Dez ou quinze por cento dos eleitores poderão decidir quem vai presidir ao pais, impor uma 2ª volta. Tudo porque o vírus anda por aí à solta, porque a versão inglesa dele é muito mais contagiosa e, sobretudo, muito mais mortífera.

Todos os argumentos brandidos sobre a inevitabilidade das eleições chocam de frente com este facto alarmante: o país está sob uma ameaça evidente, morre-se cada vez mais, as infecções atingem números impensáveis pelo que é preciso alguma coragem e muita despreocupação para arriscar entrar numa escola para votar. E com o mau tempo a não permitir que se aguarde pacientemente, cá fora, a vez para entrar...

Mais uma vez nada se previu quando já era visível a ameaça da 2ª e da 3ª vagas.

Agora, que o mal está feito, resta-nos desejar que as previsões sobre a abstenção estejam erradas. Já imaginaram o que seria por exemplo um candidato creditado com uma franca maioria absoluta à primeira volta ser obrigado a uma segunda para os próximos dias altura em que, tudo o indica, as coisas estarão ainda bem piores?

Até eu, que não votarei em Rebelo de Sousa, me sinto perplexo e enganado. E se for a criatura do Chega a ficar em 2º lugar?

Isso ocorreu em França numa memorável eleição perdida por Lionel Jospin (2002) que ficou em terceiro lugar. A eleição disputou-se entre Jacques Chirac (Direita) e Jean Marie Le Pen, extrema Direita. A Esquerda foi obrigada a escolher e a apoiar Chirac.

Aliás o mesmo ocorreu em Portugal nas presidenciais que opuseram Soares a Freitas do Amaral. Nessa altura, o dr. Álvaro Cunhal fez das tripas coração e apelou os comunistas a engolir não um sapo mas um autêntico elefante e Soares ganhou à justa.

Seria espantoso se a história se repetisse e, como Marx avisava, tivéssemos de participar na farsa de uma 2ª volta para barrar o caminho a um aventureiro.

* na vinheta: Bruegel  o Velho os loucos guando os cegos

 

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