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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

estes dias que passam 557

d'oliveira, 28.02.21

 

 

 

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Os dias da peste 189

Uma outra memória africana

mcr, 28 de Fevereiro

 

Ai meus amigos e meus sofridos leitores! Ele há dias em que a memória vem a galope dos confins do tempo e, no caso em apreço, dos confins do mundo.

O Expresso desta semana finda traz uma série de artigos de interesse de que apenas vou destacar os da “revista”. E desses começarei por uma longa entrevista de Eugénio Lisboa, um escritor e ensaísta que conheço sei lá desde quando. Quase certamente da minha juventude em Moçambique.

Eu explico: aos treze anos, andava eu no liceu de Coimbra no terceiro ano (o da Figueira só tinha o primeiro ciclo) quando os meus pais decidiram ir para Moçambique. Ser médico entre Buarcos e a Figueira era muito pouco rentável para quem tinha dois filhos quem no ano seguinte estariam ambos fora de casa.

Por essa altura surgiu uma oportunidade de ouro ou quase. O meu pi foi convidado a ir reorganizar os serviços de aude militares em Lourenço Marques. De facto, desde a sua incorporação como médico miliciano no Batalhão de Metralhadoras 2, estacionado na Figueira, o pater famílias sempre esteve ligado à tropa. Foi mobilizado para os Açores e à volta continuou a prestar serviço na mesma unidade. Por isso, entendeu fazer o curso de capitão miliciano o que, algum tempo depois, lhe permitiu satisfazer as exigências do lugar que iria ocupar em Moçambique.

Devo confessar que a súbita ideia de partida para tão longe não me agradou em absoluto. Iria deixar todos os amigos da terra e do Verão que naquele tempo era longo, deliciosamente longo.

Mas obviamente fomos que as lágrimas de um adolescente não comovem ninguém e necessidade de melhorar de vida era absoluta.

Em abono da verdade, devo dizer que Lourenço Marques me agradou, me enfeitiçou desde o primeiro dia. Por tudo, desde a praia até cidade moderníssima e cheia de coisas de influencia inglesa. E a coca-cola, proibidíssima em Portugal (vá lá saber-se porquê) não era a menor das descobertas. O liceu era outra coisa que logo me impressionou pois era misto. De facto aulas mistas eram só nos 6º e 7º anos mas a zona das raparigas era mesmo à nossa frente, separada da dos rapazes pela álea central ajardinada e pelas instalações da secretaria, da reitoria e do ginásio. E, à saída, claro que nos juntávamos imediatamente que isto de ser adolescente mexe, e de que maneira, no sangue de qualquer criatura, macho ou fêmea.

Depois, havia todo um outro modo de nos tratarmos uns aos outros. Na “metrópole” (uma palavra nova!) era tudo você para cá, você para lá. Ali o tu imperava e com essa subtil diferença tudo o resto começava a ser sedutoramente diverso e mais, muito mais, agradável.

A vida na zona militar onde ficavam os quartéis e as casas dos oficiais e sargentos tinha como ponto central (no caso da oficialidade) o Clube Militar onde, aliás comíamos e onde os meus pais “batiam a cartolina”. A minha mãe era uma emérita jogadora de canasta coisa que já vinha de antes e que durou até há cerca de dez/quinze anos. A velhice e os olhos, sobretudo os olhos, arredaram-na do pano verde, muito a contragosto. O meu pai era um jogador de bridge desde o dia em que se apresentara no quartel com jovem aspirante ou alferes médico. Na altura, o comandante entregara-lhe o “Bridge Contrato” de Ely Culbertson afirmando que aquele era o “regulamento” do BM2 e intimando o jovem oficial a aprendê-lo de cor e salteado que faltavam parceiros.

A miudagem andava por ali, nos pátios e nos terrenos do clube entretida em variadas coisas e aprendendo a andar de bicicleta e a namorar. No Verão, uma camioneta militar levava toda aquela rapaziada para a praia sob a vigilância bem humorada de um cabo branco que, ao fim e ao cabo, fechava os olhos aos “jogos de mão jogos de vilão” que os mais velhos começavam a ensaiar . h, os primeiros beijos! E na boca, santo Deus! E aprender a abri-la...

Tudo isto me foi subitamente recordado pela longa entrevista de Eugénio Lisboa que explica como o facto de Moçambique estar bem mais longe, permitiu de certo modo, uma vida cultural mais intensam mais distante e mais livre do que em Angola.

EL lembra como o facto de haver em Moçambique muitos deportados pelo salazarismo que por lá davam aulas no liceu e faziam uma vida bastante livre, longe da censura e do olhar atento da polícia, propiciou um outro olhar sobre o mundo. Até a imprensa ajudava. Eu lembro-me perfeitamente de ler poemas do Craveirinha, do Rui Knopfli ou da Noémia de Sousa (para não citar muitos outros, Reinaldo Ferreira por exemplo) nos jornais. O Cine-clube projectava filmes russos e havia um par de instituições culturais que produziam obra de vulto. Destaco apenas, mas isso foi uma descoberta recente (anos 90), a Sociedade de Estudos de Moçambique cuja revista alcançou uma significativa longevidade e os diferentes “círculos culturais” que, desde o teatro à música erudita, conseguiam existir, sobreviver e até trazer muitos artistas que passavam pelas colónias inglesas fronteiriças. Também, é outra descoberta recente, publicavam-se revistas de carácter etnográfico, antropológico e científico dignas de menção. Por todas, refiro o “Documentário Trimestral” uma quase luxuosa publicação patrocinada pelo “Governo Geral”

Quer o DT quer o boletim da SEM tiveram uma longa vida cerca de cem volumes o primeiro e quase o dobro o segundo.

Resta dizer que, esta descrição é a descrição de um rapazinho branco numa cidade e numa sociedade feitas para brancos.

Por junto, tive um colega negro, o Joaquim Chissano que viria, como se sabe, a ser Presidente da República de Moçambique (acrescento, mesmo tendo sido amigo dele, que foi o melhor presidente que Moçambique teve até à data, o mais lúcido, o mais culto e o mais democrata. Tivesse sido presidente, desde o início e outro galo cantaria na baía dita “Lagoa bay”). Ouso mesmo pensar que Lourenço Marques não seria agora Maputo (nome de um dos rios que desaguam na baía, sem qualquer significado, sequer simbólico para este recente e compósito país). Não sei se continuaria com o mesmo nome, se seria Xilunguine ou Ka Mfumo, nome de um regulado que se situava precisamente no local onde se ergueu o primitivo presídio. Contra Xilunguine militaria o facto de poder significar “cidade branca” ou “cidade do branco”- Maputo, porém, não tem sentido nem coerência histórica mesmo que tal remetesse para a soberana da “Maputo Land” muito a sul, na fronteira que, todavia, preferiu a suserania portuguesa à dos ingleses.

Quanto a Lourenço Marques seria um comerciante que todos os anos navegava de Sofala para o sul para fazer a troca de barras de cobre por dentes de elefante e outros artigos que pudessem ser encontrados na região. Não era um descobridor, sequer um militar mas um simples comerciante português ou descendente de portugueses e de africanos.

Tudo isto, esta excursão por dispersas memórias de uma cidade de onde saí para não mais voltar, aos quinze anos, só se justifica pela leitura da longa entrevista a Eugénio Lisboa que, como tantos outros democratas portugueses que ousaram sê-lo na colónia e que combateram o poder colonial, teve de se exilar e separar da terra onde crescera e sempre trabalhara. Não foi o único, obviamente. Contam-se pelos dedos os que continuaram teimosamente a viver em Moçambique, afastados, como antes!, do governo da cidade e sempre olhados com suspeição.

Claro que o êxodo dos colonos foi geral e repentino. Bastou uma dúzia, nem tanto, de discursos inflamados de Machel (há um atribuindo a culpa da falta de papel higiénico aos portugueses em fuga que é uma peça de antologia) para tudo o que era técnico, profissional liberal, comerciante ou pequeno industrial para os aviões e barcos se encherem. Para a África do Sul e para a Rodésia partiram outros tantos milhares. De um momento para o outro Moçambique viu-se numa situação desesperada que a guerra agudizou e a “solidariedade! do bloco de leste nunca conseguiu sequer minorar. Não irei ao ponto de afirmar que é um Estado falhado mas convenhamos que, por enquanto, pouco mais é do que isso. A longa guerra civil, as guerras larvares no centro e no norte mostram à saciedade que a receita do partido único não produz qualquer efeito nem melhora a vida das populações.

Eugénio Lisboa, 90 anos lúcidos e atentos, é uma das últimas testemunhas de uma geração que se pensava portuguesa e africana e que acreditava na independência de Moçambique. Deixa uma obra notável, na qual sobressai um conjunto de seis livros de memórias (“Acta est fabula” 5 vol. e “Epílogo”) que muito boa (ou má...) gente deveria ler antes de dizer fosse o que fosse sobre África.

E hoje, domingo triste e solarengo, com as pessoas encafuadas em casa, o rapaz que fui nas terras banhadas pelo Índico, viu-se subitamente a sair à socapa do liceu com mais outros do mesmo jaez e descer as “barreiras” até à praia da Polana e entrar mar adentro fugido às aulas e rumo à aventura.

Isto dava um “msaho” lá isso dava. Falta-me é talento e marimbas das de Zavala, terra musical entre todas.

Vai esta para muitos que não sei se vivos ou mortos e que as voltas da vida me fez perde-los de vista. E um abraço ao Joaquim Chissano. Olha pá, eu era o gajo que veio da metrópole para o 3º C e ficava logo depois de ti. Um kokuana, portanto...

Para ler: além do Lisboa, evidentemente, um livro de André Lobato, um excelente historiador de Moçambique, citado por E L : "Lourenço Marques, Xilunguine (biografia da cidade) " um belíssimo livro editado pela Agencia Geral do Ultramar em 1970. De Lobato, recomenda-se tudo que é bastante e sempre exemplar.  

a vinheta : Lourenço Marques anos ssesenta

PS: Da "revista" destaque ainda para dois arigos. A critica ao 2º volume da Obra Poética de António Ramos Rosa e um texto de Guta Moura Guedes "ir ao encontro" sobre o padrão dos descobrimentos. Dois textos contra a desmemória e a burrice. 

 

  

 

 

estes dias que passam 556

d'oliveira, 27.02.21

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Os dias da peste 189

A TAP: para a crónica de um elefante branco

mcr, 27de Fevereiro

 

Já fui a Paris de carro, de autocarro, de comboio e de avião. Falta-me ir de balão e de barco. A primeira hipótese seria tentadora mas desconfio da passagem dos Pirenéus. A segunda parece-me inviável a menos que o barco seja de tamanho reduzido próprio para navegar no Sena mas duvidoso quanto ao mar que é muito e (como diria o dr. Rui Rio) pouco confiável.

Tirante o avião, todas as outras alternativas de transporte tem o comum defeito de demorarem um largo par de horas. Ainda por cima, parece que já não ligação ferroviária com vagons-lits, que a comida a borda se reduz a umas sanduiches miseráveis, enfim, um castigo. Vê-se que de Lisboa a Paris não há nenhum “occident-express”. Uma tristeza!

Portanto, o avião. Duas horas de voo mais a chatice dos tempos de espera antes do embarque e dos da ida de Orly para o nosso destino que, no meu caso, é, desde há quase sessenta anos, o sexto bairro que ainda conheci voluptuosamente cheio de livrarias, alfarrabistas, lojas de discos e cafés. Hora nem metade das livrarias subsistem, as lojas de discos reduziram-se a quase nada, os pequenos bistrots são uma saudade e reina uma vera corrida às lojas de luxo que aniquilam outros espaços e estão sempre vazias. O sixiéme virou bairro de luxo, os pequenos hotéis estão iguais mas muito mais caros e apareceu uma infinidade assustadora de restaurantes fast food.

De todo o modo, burro velho não aprende línguas, e eu permaneço fiel a uma zona que conheço a palmo e onde poderia passear de olhos fechados.

Durante anos, usei a TAP não por exigência patriótica mas porque a alternativa era mais cara. Depois, verifiquei que havia companhias que me levavam a melhores horas de modo a que saído de manhã pudesse estar a horas decentes diante de uma pratada imensa de moules mariniére. Eu já terei aqui confessado o meu imoderado gosto pelos mexilhões.  

Na Galiza, em férias, como sempre, como entrada, uma farta dose deles, normalmente ao vapor. Meti o vício na CG que, logo que eu falo em Paris, pedincha, desnecessariamente, “vamos aos mexilhões?” Claro que vamos, homessa, então iríamos substitui-los por filetes de pescada?

Durante muitos anos, era no bd de St Germain a caminho do 7º bairro que eu me amesendava a mexilhoar. Era um pequeno mas simpático bistrot que tinha um lote magnífico de cervejas belgas e uma pequena esplanada. Até lá vi, boa parte de um campeonato do mundo de rugby à compita com entusiastas de muitas e desvairadas partes, discutindo méritos da Nova Zelândia, da África do Sul, da Austrália, da Argentina, sei lá de que mais países. Torcíamos cada qual pela equipa que lhe agradava (eu sou todo “all black” e quando ela excepcionalmente falha vibro pela África do Sul.) mas no fim do jogo trocavam-se dicas sobre bares e restaurantes, clubes de jazz enfim coisas boas e excelentes.

Esse bistrot acabou, ou tem nova gerência pelo que nos últimos dez anos optei pelo “Leon de Bruxelles” uma franchise que também tem local no mesmo boulevard. Não é exctamente mesma coisa mas os mexilhões são excelentes e as “frites” de primeira. A CG que não está para itinerários sabe o caminho de cor!

Voltando à vaca fria, Paris e os aviões. Desarrisquei-me da TAP por vergonhosos motivos de economia e de horário. E não perdi nada com a troca.

Quando começou a discussão sobre a necessidade de Portugal ter uma companhia aérea de bandeira, comecei por ficar intrigado. Vários países europeus com prestigiosas companhias tinham, face aos pesados custos destas, abandonado a ideia de terem uma companhia de bandeira. Mesmo quando tinham muitos mais destinos e rotas que a TAP!

A TAP, perdido que foi o império colonial, começou sistematicamente a perder dinheiro e passageiros para esses destinos tradicionais que eram um pouco a sua razão de ser. O Estado, seu único accionista, entrava com o cacau necessário para cobrir o desastre e pronto, tudo como dantes quartel general em Abrantes.

A coisa foi-se tornando cada vez mais evidente, o Estado, sob diferentes Governos, começou a reparar que aquilo era um saco roto e, consequentemente, começaram a surgir, com cada vez mais insistência, apelos a que se transferisse a companhia para o sector privado.

O primeiro problema foi o de não parecer haver uma multidão de interessados, Nem um grupo mais reduzido, nem quase ninguém. E a TAP com falta de aviões, com aviões antiquados e com poucas rotas lá foi ter à mão de um cavalheiro vagamente brasileiro, vagamente israelita e vagamente americano que associando uma empresa sua deu à TAP uma espécie de segunda vida com mais aviões, mais rotas e um associado português para inglês ver.

E começou o coro de lamentações: que a pátria dos egrégios avós maila nação valente e imortal não podia deixar de ter uma companhia de bandeira! Uma vergonha, um Alcácer Quibir do orgulho nacional!

Apontou-se o dedo aos Migueis de Vasconcelos, vulgo Passos Coelho & comandita, réprobos que vendiam a pátria em prestações a quem mais desse.

Veio o Governo da Geringonça e, fazendo peito, “reverteu” a situação, adquirindo 50% da companhia.

E a TAP mesmo com todo o turismo do mundo não mudou, nas encheu a bolsa, bem pelo contrário. O prejuízo, tradicional, de sempre, não só não desapareceu mas cresceu.

A solução, sempre estas bizarras soluções à portuguesa, foi surpreendente. O Estado correu com o usurário privado que comia a carninha da perna da actividade aérea nacional e comprou tudo por cinquenta milhões de euros. Uma pechincha!

Mas o prejuízo que, como se sabe é absolutamente avesso a patrioteirismos e jogos malabares, não desistiu. E cresceu.

Com a pandemia, o que era mais que previsível sucedeu. A TAP está absolutamente falida, Ou melhor, só não está porque o Estado meteu-lhe mais umas milhardas. Estas mesmo não chegando, resolveriam a situação a curto prazo desde que se vendessem umas dezenas de aviões (resta saber se há comprador) e se despedissem muitos trabalhadores, fora a dispensa dos que não eram efectivos e que já foram pelo cano.

Depois, como isto também era pouco inventou-se um corte nos salários dos trabalhadores que, no caso dos pilotos pode chegar aos 50%.

Saliente-se que a TAP, na nebulosa hipótese de se safar daqui a uns anos, precisará de pilotos, trabalhadores raros, de custosa preparação e provavelmente já noutras empresas concorrentes.

Entretanto, uma companhia pertencente à TAP, a “Groundforce” não tem dinheiro para pagar os ordenados deste mês. Está pendente de um eventual empréstimo de 30 milhões que o Estado avalizará ou não. São 2600 trabalhadores o que deve significar cerca de cinco, seis, sete mil pessoas contando com as famílias. Sem um tostão em 27 de Fevereiro. Com a vaga esperança de lá para o dia 15, haver uma solução também ela vaga e pouco crível.

Ontem, os últimos sindicatos a aceitar o plano draconiano do Governo que faz depender da anuência em aceitar uma significativa baixa de salários e limitar o total de despedimentos que, todavia, sempre ocorrerão.

Sem isso, advertem, em alta grita, os decisores da TAP, a companhia não sobreviverá a mais dois meses iguais aos últimos cinco, dez meses. r

A ironia disto, se é que alguém de bom senso e honrado, pode achar um desastre irónico, é que tudo isto era previsível há seis, dez meses. Que tudo isto poderia ter sido mais cuidado, que poderia ter havido um plano, qualquer coisa, que fizesse reflectir (se é que a criatura é capaz disso) o Ministro responsável que. “tão de esquerda!” assiste, contribui, para o despedimento de um grande número de trabalhadores, corta no salário dos restantes, vê mais dois mil e seiscentos desamparados.

Claro que a culpa vai ser toda da pandemia. Que a chantagem exercida sobre as duas últimas classes de trabalhadores (pilotes e tripulantes de bordo) e que se traduzia nesta simples decisão “ou aceitam estas condições ou aplicamos condições ainda mais duras”, é apenas um apelo “ao bom senso e ao patriotismo” dos interessados.

Note-se que, no caso dos pilotos a aceitação do xeque-mate, foi resvés Campo de Ourique.

A História deste medonho naufrágio apenas começou. Já se sabe que as medidas tomadas não chegam. Que vai ser preciso mais dinheiro. Não se sabe por quanto tempo a companhia andará num estado de vida suspensa, no limbo das operações aéreas.

Sabe-se, no entanto, que a TAP perde diariamente três milhões de euros. Três milhões! 

Faço parte das pessoas que não apostam um cêntimo na conclusão airosa da crise. Mas isso é para outras núpcias. Só há uma certeza; o ministro vai continuar impertérrito no seu posto, De vitória em vitória até à derrota final . E a culpa será sempre nossa. 

            

estes dias que passam 555

d'oliveira, 26.02.21

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os dias da peste, 188

Lição de Direito Civil

mcr, 26 de Fevereiro

 

 

Esta, juro-vos é real: acabo de ler no conspícuo "ABC" na pág. 98. Em Nápoles um carro chocou com outro parado onde um casalinho de namorados "estava com intimidades". O dono do carro abalroado acusa, agora, o chocador de, com o acidente, ter provocado a gravidez da prometida pelo que requer à seguradora reparação dos danos causados ao veículo e "os provocados à minha prometida" bem como tutela de "todos os seus direitos já que agora temos de casar à pressa".

A senhora Giovanna Arthur, da seguradora diz que paga tudo excepto a gravidez porque "entre outras coisas os técnicos têm de comprovar os danos com fotografias " o que parece impossível de fazer em relação ao momento iniciador da gravidez.

 

Munido desta notícia previno o leitor que não só gosta de conduzir mas que também não desdenha alargar o conceito de uso deste meio de transporte a extremos que, como se viu, podem arruinar uma vida ou, como é o caso, criar uma nova. Para isso basta um carro, mar q.b., música de fundo, uma posição difícil mas não impossível e um motorista descuidado que nos embata com o X de violência que possibilite a "consumatio". Abra-se aqui um parêntesis. Não poderá o choque ser demasiado forte ao ponto de ferir gravemente os passageiros (diria melhor: utentes) do carro embatido. Digamos que o toque deverá poder caber na difícil categoria de "encorajante".

Continuando o parêntesis ocorre esclarecer que o fruto da colisão - o fruto propriamente dito e não a amassadela na carroçaria- obriga os pais a repensar seriamente o nome que lhe vão dar.

Produto de duas desatenções (a da intimidade “a outrance” e a autobolística) e de um "volens nolens" (que não é confundível com o atentado ao pudor) convém inquirir se o acaso do momento da concepção não obrigará o agente principal a emprestar o seu nome à criatura entretanto feita (se nascida e com vida). Suponhamos que o pai biológico é Manuel e o mecânico um vulgar Toyota. Deverá o infante chamar-se Manuel Toyota etc. e tal?

 

Claro que estão fora de causa nomes como Bugatti ou Hispano-Suiza por razões evidentes   -estas peças não têm por hábito embater modestas viaturas com circulação em Portugal. Também não se crê que dos confins da ex-RDA venha um Trabant desembestado cumprir no jardim lusitano o dever sagrado da procriação.

 

Estão excluidos, por falta de dignidade conceptual, tratores, empilhadoras, autotanques de bombeiros voluntários ou municipais ainda que no caso desta última categoria se pudesse pensar no nome do comandante -caso dos sapadores- ou do sócio mais antigo, no caso de voluntários.

 

2ª questão a pôr é esta: como alimentar nos primeiros tempos o produto deste duplo acidente?

Exclui-se, seguramente, a gasolina seja ela super, normal ou verde. Nada impede à luz da legislação vigente, interna e comunitária, que, a jovem criatura concebida em tão invulgar situação não possa recorrer ao leite materno (ou artificial). E isto por uma razão simples: a maioria dos postos de abastecimento de combustivel está encerrada entre as 0 e as 8 horas, para já não referir feriados, férias e dias santos de guarda. Acresce ainda a razão eminentemente prática de ser dificilmente adaptável um biberon "chicco" ao bico da bomba de gasolina.

 

3º ponto. Terão os noivos apressados direito a um ressarcimento por parte da seguradora relativamente ao efeito extemporâneo do choque? Deverá a companhia pagar o parto, as fraldas, a despesa de casamento (boda, flores, convites, etc.)?   Nesta. como noutras questões, haverá que usar de serenidade e aplicar o que na imorredoira faculdade de direito de Coimbra se apelidava "juízo do bonus pater familias” - prudência e bom senso e um toque de fértil imaginação jurídica. Ofereço aos colegas italianos esta pequena amostra de talento: a questão haverá que resolver-se como se de um nascimento prematuro se tratasse recaindo sobre a companhia seguradora apenas e só as despesas que decorrem do adiantamento e concentração de datas jamais as que resultariam da natural evolução do noivado atrevido que decorria no carro antes do choque.

 

E a franquia, esse pequeno alçapão que no contrato de seguro faz recair uma parte das despesas resultantes de sinistro sobre o segurado?

 

Sugere-se o recurso a tribunal arbitral ainda que com uma ressalva -que na composição deste não entre clérigo ou religioso de qualquer confissão, sabidas que são, as interdições com que todas as religiões sobrecarregam a relação pré-matrimonial. Aliás, e para quem julgue que introduzo aqui qualquer "capitis diminutio" de cariz religioso sempre direi que o caso que nos ocupa é de natureza fortemente civilística, isto é laica.

 

Finalmente tendo em linha de conta a evolução dos costumes, tem-se por conveniente recordar aos motoristas descuidados que não deverão embater automóveis estacionados sobretudo quando estes se encontram em zonas periféricas, em noites de luar e eventualmente ocupados por casais jovens e saudáveis.

 

Em memória de Carlos Mota Pinto meu professor e meu amigo. Bem nos divertimos em Pescara!

(este texto é antigo e suonho que nunca o cheguei a publicar, Hoje, estou com uma preguiça infame e a achei que poderia dá-lo à estampa.Ao fim e ao cabo estas prosas tem a finalidade de distrair os leitores enclausurados e fartos de pandemia. Se conseguir isso, ficarei satisfeitíssimo. 

E já agora, para além da dedicatória a Carlos Mota Pinto, amigo desde que nos encontrámos num bar a ouvir jazz, vai o folhetim para o JMM e outros - todos - juristas que me aturam. 

 

 

 

 

estes dias que passam 554

d'oliveira, 25.02.21

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Os dias da peste 187

Onde para o “El País”?

mcr, 25 de Fevereiro

 

Já aqui o disse várias vezes: sou um leitor compulsivo, incluindo nisso jornais.

Desde que me lembro consumi jornais, quanto mais não fosse os suplementos infantis.

Recordo-me, como se fosse hoje, as disputas com o meu irmão para ver quem é que todas as terças feiras ia à loja do sr. Bracourt, buscar a “Modas e Bordados” de que a nossa mãe era uma fiel.

Nós da M & B só queríamos o suplemento infantil que se chamava “joaninha”. À volta da loja o feliz comprador já vinha embrenhado nas histórias em quadrinhos. Já só me lembro de duas. “Sem família” o clássico de Hector Malot que durou anos de publicação e “Aninhas e Ró-ró” as aventuras de uma menina e do seu cão. Dessa só me lembro do nome.

Os jornais diários também traziam aos domingos um pequeno espaço para a miudagem. Foi n’ “O primeiro de Janeiro” que tomei contacto com o Príncipe Valente que agora anda a ser publicado em volumes que, pelos vistos, durarão até meados do próximo ano. Obviamente, no meu pequeno círculo de amigos, houve, desde o primeiro dia, três assinantes( o Manel Sousa Pereira que Deus tem à sua mão direita em animada conversa com o Corto Maltese, o Manel Simas Santos que tenta justificar-se dizendo que compra para os netos e eu que não apresento nada em minha defesa).

Quando entrei na Universidade, passei a comprador constante do “Diário de Lisboa”. Pouco depois, estreei-me no jornalismo estrangeiro através do “Le Monde” que publicava (e publica) um resumo semanal das notícias mais importantes. Com “L’Express” era a minha porta aberta para o mundo.

Com o passar dos anos diversifiquei as minhas leituras jornalísticas para não falar nas revistas de que sempre fui leitor. Até ao 25 A, assinei religiosamente a “Vértice”, a “seara Nova” e “O tempo e o Modo”.

Logo que o “Expresso” apareceu, tornei-me (e continuo) seu leitor. O mesmo sucede com o “Público” para o qual me transferi de armas e bagagens logo no primeiro número. O mesmo sucedeu com “El País” mesmo se me limitava a um dois exemplares por semana.

“La Reppublica” teve um tratamento idêntico mesmo se a compra do jornal dependa muito dos acasos da distribuição. E com ela uma série de revistas de diferentes procedências mas sempre versando temas literários, artísticos e história. Estou afogado em papel!

Mas tudo isto vem a propósito do inesperado desaparecimento do “El País” dos quiosques portugueses. Só me apercebi do facto segunda feira passada quando fui pelo exemplar de sábado, o que traz o suplemento literário “babélia”. De facto o meu quiosque está fechado ao domingo e o jornal chegava tão tarde no sábado que eu adiava para segunda a leitura.

Comecei por pensar que o facto se devia a uma mudança de distribuidor mas, pelos vistos, agora só há um distribuidor de jornais e revistas (VASP). Terá sido alguém dessa empresa que comunicou que o jornal abandonava Portugal!

Eu não faço a mínima ideia sobre o número de leitores que por cá o periódico teria. Todavia a sua ininterrupta presença durante dezenas de anos pressupunha que alguma audiência teria.

Será que éramos tão poucos que os gestores do jornal se fartaram de perder dinheiro com tão ruim freguês?

Seria assim tão grande o descaso dos portugueses sobre a vida espanhola, a política e a cultura vizinhas?

Em boa verdade conheci alguns intelectuais portugueses, gente séria e interessada que, porém, em lhe cheirando à língua de Cervantes ficavam hirtos e emburrados. Um que muita falta faz acompanhou-me a mim e à namorada dele à livraria Michelena em Pontevedra. A livraria era excelente e espaçosa. Ia de uma rua à outra, paralela, com salas e corredores pejados de livros. As estantes de poesia tinham duas dúzias, passante, de metros lineares. Tudo carregadinho de livros numa prodigiosa desarrumação que indiciava a passagem de muito leitor que não resistia a abrir e folhear um livro. E a pousá-lo no primeiro sítio à mão de semear.

Como eu tinha por hábito fazer férias de Verão a cerca de vinte quilómetros da Pontevedra, na praia de Areas, volta que não volta , à mínima ameaça de chuva, desandava para Pontevedra e para a Michelena, Enchia o carro de livros, almoçava num dos muitos restaurantes da cidade especialistas em marisco e peixe fresquíssimo e voltava para o remanso da praia.

Entretanto, a livraria passou por forte crise, fechou e agora terá reaberto mas com uma fórmula diferente no que toca ao seu fundo de livros. Ainda lá não voltei e muito me temo que o raio da pandemia tenha feito naufragar o projecto.

Mas prometo voltar, assim que passe este desastre.

Esta digressão livreira tinha apenas por finalidade ilustrar o extraordinário caso de um intelectual de mão cheia, uma personalidade cintilante e curiosa que, neste reino dos livros em espanhol parecia um zombie. Nunca percebi como é que ele tinha um tal complexo com uma língua quase irmã, musical cheia de expressões maliciosas para já não falar no léxico gigantesco de palabrotas, injúrias que deixam qualquer tradutor aflito e invejoso.

Será que essa sua ojeriza, melhor diria, incapacidade, é mais generalizada do que eu suspeitava e que seja por Aljubarrota, seja pelos Filipes, seja pela guerra das laranjas, alguns, muitos, de nós portugueses fugimos de Espanha de onde não vem bom tempo nem casamento?

Todavia, no caso da Galiza, por exemplo, sabe-se que todos os anos largas dezenas de milhares de portugueses atravessam a fronteira e passam férias em Sanxenxo e nas vinte e tl praias que a cercam. Que só ali há centos de hotéis que se enchem de portugueses. Aliás, na Galiza, ninguém precisa de tentar o portunhol. Os galegos percebem perfeitamente o português.

Ou quase. Uma amiga minha achava que os turistas portugueses não deveriam tentar espanholar. Ora um dia, entendeu demonstrar-me que fa lan do de va gar to dos a en ten diam. E pe diupor fa vor um chá”.

Nada!, raspas de nada!. O empregado quieto e em sentido aguardava ordens. E ela repetia chá, por favor. A quarta tentativa, compadecido mas triunfante, atirei com “té, hombre, un té pa’ la señorita! E cinco minutos depois, a minha amiga, compungida e zangada, bebia o chá e garantia-me que os espanhóis deveriam ser colonizados por mais uns séculos até aprenderem a falar uma língua de gente!

Nada disto, contudo, me consola. Onde está o meu jornal de tantos e tantos anos? Onde para o “El Pais”?

  

 

 

estes dias que passam 553

d'oliveira, 24.02.21

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Os dias da peste, 186

O direito à burrice supina

mcr, 24 de fevereiro

 

 

O poeta Joaquim Namorado afirmava que. com ele, o problema do Código Civil se resolveria em duas penadas. Convém esclarecer que Namorado, homem culto, corajoso e inteligente, era matemático pelo que a sua visão do Direito poderá parecer “simplista” então era assim:

Artº 1º é proibido ser estúpido

  • único: fica revogada toda a legislação em contrário.

 

Mais do que o regime vigente, a perseguição de que era alvo (inclusivamente não lhe era permitido ensinar salvo como explicador –e que explicador era! Até lhe chamavam “o endireita de Celas”: aluno que o procurasse era aluno que acabava por triunfar!), a censura e tudo o resto, incomodava-o a alarvidade, a burrice, a incapacidade de perceber, compreender.

Morreu há já largos anos mas eu (e seguramente muitos mais) não esqueço a sua perseverante luta pela cultura, pela poesia, pela liberdade. Devo-lhe os primeiros escritos publicados a que me atrevi, a sua crítica generosa, a sua exigência, a sua amizade.

O Joaquim enganava-se na sua divertida descrição do novo código mas nem ele, atento observador da condição humana, levava muito a sério aquela piada.

Muito menos quereria cortar o direito à palavra que qualquer imbecil pode querer mostrar.

Eu, pobre de mim, também não quero perseguir opiniões obtusas muito menos corta a palavra a quem a usa desbragadamente.

Todavia, quando a ignorância, a incultura a espertalhice saloia se aliam, sinto vontade de me transformar numa espécie de Joãozinho das Perdizes (leitores olhem com olhos bem abertos e críticos esse Júlio Dinis, morto demasiado jovem que poderia ter sido o nosso Balzac ou, pelo menos, a nossa melhor testemunha das mudanças que o liberalismo introduziu na sociedade portuguesa, mormente na rural) a varrer feiras com um cacete de boa e rija madeira de marmeleiro.

Tudo isto me vem ao dedo com que avio esta prosa diária porque li um artigo de Maria João Marques, economista e colunista do “Público” onde ela refere a proposta de um deputado que entendia que o Padrão dos Descobrimentos deveria ter sido demolido em 74 (e porventura também hoje) ao mesmo tempo que na mesma zoada lamentava que no 25 A não tivesse corrido sangue. Correr correu mas pouco, felizmente. O regime caiu de podre, não tinha quem de facto o quisesse manter. Até nisso lembrou o “28 de Maio” que se limitou a uma vagarosa passeata de tropas desde Braga até Lisboa, enquanto a 1ª República se desfazia sob o aplauso de muita e boa gente desde a “Seara Nova” até aos sindicalistas que ela perseguira duramente.

A criatura a quem se devem estes dislates não será aqui nomeada. Quem quiser que vá por ela à internet como eu fui. Pelos vistos, deputa desde o início do século, havendo a suspeita que será essa a sua principal tarefa. Terá nascido em meados dos anos sessenta pelo que nada conheceu (e, menos ainda, percebeu se é que o tentou e se, pior, teria capacidade para perceber) do anterior regime.

Também pouco, nada, perceberá do que à falta de melhor chamarei de tentação icónica da História cuja tradução mais simples é a que consiste na erecção de monumentos celebrativos de momentos chave do percurso de um povo e de um país.

Não sou um especial fã do Padrão que foi erigido depois da comemoração dos centenários (fundação e restauração) depois de ter figurado na famosa “Exposição do Mundo Português”.

Já agora, seria bom recordar que esta exposição mobilizou tudo quanto havia de artista plástico, de cineasta, de arquitecto. Curiosamente, colaboraram pessoas de todas as cores políticas provavelmente porque a circunstância o exigia e o António Ferro quereria domesticar com encomendas alguns adversários políticos.

De todo o modo, o padrão lá está, perto da Torre de Belém (outro marco claramente comemorativo das descobertas) dos Jerónimos (idem, aspas, aspas) da praça do Império (do Império !!!) do Jardim Tropical Colonial (!!! , outra vez o passado, desta feita científico da “Expansão”).

O pobre diabo cujo nome não refiro porque de minubus non curat praetor, volta que não volta puxa da esferográfica e bota artigo. A conhecida indulgência do “Público” que não segue a teoria de Namorado lá o publica para deleite dos leitores mais animosos que assim percebem que os limites da vacuidade e da tolice são como os caminhos do Senhor.

Não me lembro de nessa zona de Belém ter alguma vez visto os brasões das cidades ultramarinas. Tais brasões, terão sido um re-arranjo do dito jardim e por lá estavam sem que daí viesse mal ao mundo. A fim e ao cabo, não muito longe dali há uma coisa chamada , se não erro, “união das cidades capitais de língua portuguesa” que é mais outro verbo de encher com que, como bons neo-colonizadores (que nem sequer conseguimos ser) pretendemos mostrar-nos ao mundo. Suponho que boa parte dos brasões em buxo pertenceriam a essas cidades.

Parece, pelo menos é essa a desculpa, que os brasçoes estariam mal cuidados (coisa comum a mais de metade dos jardins portugueses!...) e que seriam pouco perceptíveis pelo público. Vai daí toca de os arrancar e de os substituir sei lá por que tipo de canteiros. Algumas pessoas, ciosas da chamada “memória histórica” protestaram. Outras, defensoras do não retorno ao passado, contradisseram as primeiras. A coisa meteu mesmo um vereador camarário de Lisboa que, à falta de obra mais significativa em prol da cidade, tomou como missão da sua vida insignificante, dar este contributo `à botânica imperial.

O demolidor dos símbolos imperiais teria aqui muito trabalho pela frente. Até os museus contíguos ao Jerónimos estão cheios de peças “coloniais” ou a lembrar a medonha colonização. Já agora, que estenda a sua obra aos coches museografados também perto (como símbolos do elitismo dos privilegiados portugueses que, qual sanguessugas, viviam às costas do bom povo). E à Cordoaria Nacional, exemplo típico do que foi preciso fazer para mandar navios para essas terras longínquas que os portugueses desalmados estragaram.

A segunda opinião da criatura, a que pede mais sangue no 25 A há faz-me temer que à mínima hipótese de sobressalto político o homenzinho saia para a rua de metralhadora em punho à caça de mal pensantes, vulgo adversários políticos.

Conheci, ao longo de uma vida já pesada em anos, muita gentinha como esta personagem. Tive oportunidade de os ver bramir enormidades e de os ver recuar até se lhes ver o dito cujo, quando um modesto rafeiro lhes ladrava às canelas.

Agora saber que este expoente da mais saloia ignorância anda pelo parlamento, pago por nós todos há já quatro legislaturas é que me custa. Bem sei que para fazer um mundo é preciso um pouco de tudo mas devia haver algum limite.

Por exemplo pôr em execução, por uns dias, o código de Joaquim Namorado.    

estes dias que passam 552

d'oliveira, 23.02.21

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Os dias da peste 185

Nem tanto ao mar...

Mcr, 22 de Fevereiro

 

Sou um medíocre apreciador das televisões nacionais. Limito-me a um telejornal das 20.00 h, a algumas entrevistas, fujo das tertúlias, não vejo nenhuma telenovela, muito menos os programas ditos populares e o canal mais frequentado deve-se apenas (actualmente) ao facto de estar a passar a série “o jovem Montalbano” (eu vou a tudo o que cheire a Camilleri). Uma que outra vez, dou comigo a ver um programa “360” e por aí me fico. Em suma, não sou de um grande patriotismo televisivo.

Ora isto vem a propósito de um abaixo-assinado que li no “Público”. Acontece que entre os subscritores estão vários velhos amigos, uma prima e um monte de conhecidos. Chama-se a coisa “Carta aberta às televisões generalistas” e, em substância, critica a superabundante (e ultra repetitiva!!!) insistência na pandemia, em números que muitas vezes (isto digo eu) não levam a nenhuma conclusão que valha a pena. Os subscritores também entendem que há uma “excessiva duração dos noticiários” (há anos que me queixo disso e há anos que isso ocorre sem, até hoje, comover ninguém.), que há uma insofrida competição dos media usuais que temem a concorrência de outros. meios informais (redes sociais, p. e.)

Os subscritores indignam-se, insurgem-se, contra o tom “agressivo”, “inquisitorial” usado em certas entrevistas; “não aceitam a obsessão opinitiva destinada a condicionar a recepção da notícia” e também “não admitem o estilo acusatório de vários jornalistas” pois “não podem aceitar o apontar incessante de culpados” e “os libelos contra responsáveis do Governo e da DGS”...

Como já disse, tenho entre estes abaixo-assinantes amigos antigos que comigo, muitas vezes, recorreram a idênticos meios para, nos anos difíceis, denunciar vícios da informaçãoo, da policia, da justiça de então.

Verifico, porém, que o retrato apocalíptico que traçam não deixa pedra sobre pedra. Por um lado, a informação televisiva sempre padeceu de algum excesso “opinativo” e para tal, basta sair do conforto nacional edoméstico e ver como é que os jornalistas e os comentadores americanos, ingleses, italianos, espanhóis e alemães conduzem as suas entrevistas. E apenas refiro os telejornais, entrevistas e noticiários que consigo seguir e compreender sem especial dificuldade.

Depois, mesmo que a realidade televisiva nacional (que apesar de tudo vou seguindo distraidamente) sofra desta doença infantil da informação isso não se aplica sem mais a toda a informação , a todas as entrevistas, a todos os comentários e a todos os comentaristas. Tenho visto, mesmo em dose homeopática excelentes jornalistas cautos e sensatos, comentaristas que falam do que sabem, especialistas que mostram um profundo conhecimento do que trazem até ao público.

Em segundo lugar, conviria relembrar que o Governo fez p possível e o impossível para estar sempre no retrato mesmo se essa persistente acção o possa, à vista desarmada, pôr na berlinda. A senhora Directora Geral da Saúde passou meses e meses a mostrar-se no pequeno ecrã e a dizer nada ou muito pouco. E a contradizer-se uma que outra vez. E a opinar politicamente e, custa-me dizer, a fazer o frete aos que mandam. O Governo, na pessoa da senhora Ministra da Saude, apareceu continuamente, desnecessariamente e imprudentemente

(as famigeradas referências ao sector privado, p.e....) O senhor Primeiro Ministro apadrinhou uma boa dúzia de vacinações a pontos de alguém poder esperar vê-lo a ele a dar a injecção salvífica a um médico, um bombeiro, uma velhinha ou um doente terminal Ainda há dias, aquele senhor Ministro que foi tão parco de palavras sobre o assassínio de um emigrante, tão tardio a pedir em nome do país desculpas à família desse desgraçado, teve a desfaçatez de ao fim de mais um voto do estado de emergência vir criticar não as forças políticas que votaram contra mas o principal sustentáculo da, aliás avisada, política de manutenção do confinamento.

A pandemia cevou-se alegremente em Portugal durante a segunda e terceira vagas. Contra a opinião esmagadoramente maioritária de cientistas, médicos, comentadores e jornalistas, o Natal foi o que se viu. E os resultados (pior país do mundo durante várias semanas) foram o que foram.

É evidente que o Governo sozinho não pode ser o único culpado. Houve muitos outros, a começar pela multidão imprudente que se amontoou à beira mar, em família, nas ruas, ao sol nos hipermercados nos dias de balda que não foram poucos.

Houve organizações políticas que contestaram ferozmente o confinamento, que, em nome das liberdades constitucionais e dos direitos políticos, deram o espectáculo de concentrações de pessoas que, mesmo com todas as precauções, poderão ter passado a mensagem errada.

Houve desmazelo quase geral, imprudência a mais no Verão, pedidos incessantes durante meses para mais liberdade. Em nome do turismo inglês que não apareceu, do turismo outro que também não deu grande ar da sua graça. O Sr Ministro dos Negócios Estrangeiros, com o aplauso de todos os agente s económicos turísticos e para-turísticos, “lamentou”, ficou “surpreendido” quando Portugal foi incluído em listas de risco. Chamou a atenção para a injustiça de só se considerarem “certos factores” e não outros que, na sua esclarecida opinião e vasto conhecimento médico, atestavam que o país, este, era seguro.

Em boa verdade, toda a gente, isto é toda a gente que conseguia guinchar a pontos de ser ouvida, fez o que pode para tornar uma situação semi-controlada descontrolável.

Na altura, e aqui falou-se disso com alarme, não apareceram abaixo assinados a contestar a impudência, a imprudência, a impreparação, a falta de medidas antecipatórias para o que poderia aí vir. A comissão das vacinas começou a ser preparada quando todos os outros países já tinham tudo pronto. O seu principal rosto, desfazia-se em palermices, em tomadas idiotas de posição política e foi pelo menos duas vezes obrigado a recuar. Até se demitir ingloriamente por razões que nada tinham a ver com a missão mas que demonstravam ad nauseam que o cargo de presidente do Hospital da Cruz Vermelha era exercido sem cuidado nem responsabilidade. Ainda lá está!...

Uma pandemia afecta tudo. A resposta, melhor dizendo as respostas divergem, os consensos são difíceis e exigem ponderação, tolerância e sentido de Estado. E prudência. E sacrifício momentâneo de algumas prerrogativas cidadãs que constituem o cerne da democracia.

Mas exigem também um forte espírito crítico e um constante questionamento político, técnico e ético das medidas tomadas.

E uma informação rigorosa como se verificará facilmente vendo certos noticiários estrangeiros onde os governantes não se põem em bicos de pés sempre a correr atrás dos acontecimentos. Isso poderá dar votos mas não modifica os dados sanitários do país. Muito menos permite a chicana política de que a discussão orçamental deu abundantes e tristíssimas provas. Que se repetiram, em mais caricato durante a campanha eleitoral recente.

O que mais me arrepia é não ver da parte de pessoas que estimo, que respeito, que tem passado uma condenação do estilo jornalístico no que toca a um partido unipessoal que foi entusiasticamente queimado na praça pública. Pelo que fazia e não fazia, pelo que dizia e não dizia. Até ao patético momento em que uma senhora política veio pedir a revogação do estatuto partidário ao arrepio do parecer do Tribunal constitucional. A Democracia defende-se nas urnas, na discussão séria nunca na secretaria.

O estilo jornalístico, as patologias opinantes não são de agora mas de sempre. Todavia, pelo menos e pela minha parte prefiro este vozear duro ao coro de balidos a que durante uma boa vintena de anos fui sujeito. Aí não havia libelos senão os dos tribunais plenários, os jornalistas não acusavam e o Governo augusto da Nação não era incomodado. Reinavam a paz e o silêncio.

Mal por mal antes esta actual cacofonia caótica que, aliás nem sempre, bem pelo contrário, atinge o Governo.

Governe este mais e melhor, apareça menos, muito menos, nos noticiários e parte da verve maldosa dos jornalistas perderá sentido e oportunidade.

E ao contestar este tsunami de desencontradas opiniões é bom que não deite fora com a água do banho a criança que lá se lava.

* a vinheta não pretende caraceizar a carta aberta mas apenas prevenir contra  o regress o de fórmulas que, em nome dos "melhores" princípios informativos tenderam a obliterar toda e qualquer opinião. Cá ou na China ou na antiga URSS (e na moderna caricatura russa do mesmo) ou em várias e desvairadas latitudes onde o jornalismo e a opinião livre são suspeitos.        

 

    

estes dias que passam 551

d'oliveira, 22.02.21

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Os dias da peste 184

É a História, estúpido!

mcr, 22 de Fevereiro

 

 

Não fui à guerra. Nem sempre tive sorte, bem pelo contrário, mas quando fui às “sortes”(em Janeiro de 61, poucas semanas antes do levantamento de Lunda) tive a sorte de ser inspeccionado por um conhecido meu, angolano, que ao ver-me magro, inerme e nu me perguntou num murmúrio se eu queria ser oficial do Exército. Assegurei-lhe em voz ainda mais baixa que não me apetecia um destino guerreiro mesmo se, naquela altura nada fizesse pensar no “para Angola e em força”.

Isto passava-se num DRM coimbrão, instalado num dos antigos “colégios universitários” mandados edificar por D João III na rua por ele crismada da Sofia.

A sala era imensa e ao fundo estavam três cavalheiros militares enquanto nós, o médico inspector e o “mancebo” (eu) estávamos quase na outra ponta.

(Ainda hoje me pergunto se o meu amigo médico miliciano e angolano já saberia de algo.)

De todo o modo, a minha imprestável figura já prefigurava alguém muito pouco guerreiro. Magro, magríssimo, nem sessenta quilos pesava. Um pobre metro e setenta de altura que nu, mesmo ao longe deveria parecer coisa pouco credível para oficial miliciano.

O médico, à cautela deu-me mais cinco centímetros, tirou-me outros tantos à largura do peito e no fim o meu índice de Pignet (será assim que se escreve) berrado para a mesa dos três oficiais garantia que eu era inapto para a tropa.

À saída, já vestido, recusei mesmo comprar a fitinha branca dos inaptos (os “apurados” tinham direito a fitinha vermelha que muitos pregavam na lapela orgulhosos) arguindo que era apenas um civil, um paisano com direito a caderneta militar e obrigação de pagar 60$oo anuis durante cerca de vinte anos. À época, isto correspondia a 60 jornais diários, a 40 bicas ou, em Coimbra a cerca de 9 bilhetes de cinema.

Com o passar do tempo, comecei a pagar a taxa militar só no fim do ano, com multa por temer ser reinspeccionado como ocorreu com muita gente, mormente médicos.

Portanto, não fiz a guerra colonial. Ou fi-la de outra maneira nas prisões do regime e, já nos anos 70, a “passar” desertores para o lado de lá. Pelo meio ainda fui sendo suspeitado de “simpatia activa” com “terroristas” africanos mas nem a polícia nem os seus muitos e prestimosos informadores conseguiram tornar mais clara essa alegada simpatia que, de facto, era verdadeira e, algumas vezes, activa.

Por exemplo: durante a campanha eleitoral de 69 descobri e entreguei ao Aníbal Almeida alguns documentos importantes, entre eles a troca de correspondência entre o Governo de Macau e os responsáveis chineses da província vizinha que exigiram e obtiveram patéticos pedidos de desculpa portugueses – ao mais alto nível!- pelas tropelias exercidas contra uns chineses mais apressados em fazer Macau regressar ao Celeste Império maoísta e revolucionariamente cultural.

(cfr Almeida, Aníbal: “Sobre o Ultramar, fascismo e guerra colonial”, Centelha, Coimbra, 1974” cuja capa é a vinheta de hoje).

Antes de sair em livro, boa parte do conteúdo deste livro fez parte dum gordo panfleto editado pela CDE de Coimbra durante o período eleitoral de 1969.

Por isso mesmo, nunca me arrependi de ter feito a minha guerra de África “cá dentro” e posso, sem falsas modéstias, dizer que também arrisquei o meu bocado.

A guerra colonial, de África ou colonial durou uma dúzia de anos e mobilizou pelo menos um milhão de portugueses para já não falar das tropas negras que a “africanização” da contenda lançou nos campos de batalha. Os comandos africanos, os “flechas” e outras forças militares e para-militares foram actores numa guerra em três frentes de contornos imprecisos muito de contra-guerrilha.

Quem ia para África, e foram quase todos, uns por dever outros por não terem alternativa ou desconhecerem a possibilidade de exílio, quase sempre reservada a uma pequena elite universitária, sabia que na maior parte das vezes, na imensidão da mata a coisa era simples: matar ou morrer. E, sobretudo nos primeiros tempos, em Angola, no Norte os soldados portugueses depararam-se com cenas medonhas de mortos brancos e negros, de mulheres, homens e crianças, vitimados pela UPA. As descrições do que viram, de como reagiram são horrendas. A guerra não é para almas delicadas nem para especial respeito pelos direitos humanos. Nunca foi, nunca será. Não vou chamar à colação a 2ª guerra mundial, a bestialidade nazi, a vingança russa, ostráficos da ocupação de Itália da França ou da Alemanha, os mortos de Katin, ou a inenarrável violência japonesa. Nem sequer vale a pena relembrar guerras mais próximas, seja no Vietnam, no Cambodja, na Nigéria ou a guerra larvar no centro de África.

A guerra colonial não poupou ninguém e poucos serão os que conseguiram sair daqueles dois/três anos sem um peso na consciência.

Dir-se-á que toda a gente sabe disso. Falso! Não sabem. Pior: não querem saber. A História oficial atira para meia dúzia de criaturas todo o imenso horror, as chacinas cometidas.

Tenho a clara ideia de que poucos, quase nenhuns, dos oficiais que fizeram anos a fio a guerra, conseguiram sempre respeitar e, mais e mais importante, fazer respeitar as convenções de Genebra e todas as restantes disposições que pretendem regulamentar a violência guerreira.

Que essa dramática experiência tenha levado muitos à conspiração e ao 25 A não é segredo para ninguém. Que, uma vez a paz alcançada, se tenha tentado varrer para baixo do tapete muita da porcaria é evidente. E isto serve para todos os contendores: portugueses, guineenses, angolanos ou moçambicanos. A guerra, sabe-se como começa, jamais como acaba.

Por isso, e por várias vezes, já aqui escrevi que este conflito que marcou não só os combatentes, como as famílias, os amigos merece ser tratado com verdade, com respeito com decência. São os mortos, todos os mortos, que o exigem.

E os civis que cá estavam, que cá ficaram a salvo não podem, nem devem, armar-se em juízes, muito menos em acusadores.

E, muito menos ainda, esses acéfalos activistas que como o touro só vem à frente a mancha vermelha e cuidam que é um inimigo a quem devem cornear.

A questão Marcelino da Mata tem sido alvo de uma infame acusação racista. Fosse ele branco e ninguém falaria. Mas era preto. E um preto há de por força não combater os pretos!

Ora, e basta ver o que desde 1961 (e antes) se passou em África para perceber que os pretos combatem outros pretos e, muitas vezes, por motivos absolutamente raciais (no Sudão ou nos confins da RDC) por causas religiosas (na Somália, no Mali, no Níger, na Nigéria) por diferenças políticas e etnicas (Angola e Moçambique), por todos estes motivos em variadíssimos outros lugares africanos.

Mas, cá. O que está a dar é o Marcelino da Mata que sempre se julgou português. E como tem uma chuva de altas condecorações, esconde atrás delas umas largas dezenas de milhares (ou centenas, nem sei) de outros negros africanas que lutaram ao lado dos “tugas”.

Que agora, um que outro auto proclamado dirigente de Abril venha falar grosso sobre os crimes de guerra é extraordinário! E bom seria averiguar se o seu passado militar é assim tão sem mácula, tão inocente, tão cheio de amor pelo colonizado que se levantava contra ele. Se nunca colaborou com a pide colonial que era quem depois se encarregava da informação a extorquir aos prisioneiros. E, sobretudo, se durante tantos anos, não colaborou com o regime que finalmente se dispôs a eliminar depois de perceber que a guerra não tinha solução à vista.

A guerra colonial fez muitas vítimas. Uns milhares escassos de militares “portugueses” (brancos), muitos mais militares negros. Alguns milhares de civis brancos no Norte de Angola, muitas dezenas de milhares de civis negros vítimas não só do Exército Colonial como também da guerrilha que não pactuava com quaisquer mostras de simpatia pelo colonizador e desconfiava, com ou sem razão, das populações que não se revoltavam contra a tropa portuguesa.

Durante treze anos ouvi descrições da guerra. Algumas vezes (três) fiz férias grandes – enormes, de vários meses, graças à faculdade de atrasar os exames de Outubro para Janeiro- em Nampula, já perto (uns centos de quilómetros) da frente de combate. Vi chegar feridos e sobretudo, muitos soldados com fortes traumas emocionais. O meu querido amigo João Cabral, médico e miliciano suicidou-se em Angola. O Fernando Assis Pacheco, deixou uma mão cheia de versos belíssimos onde a sombra temível da morte e da guerra estão presentes. Ele próprio baixou ao hospital por já não aguentar o que via. Outros e muitos, ainda vivos – e por isso não menciono os seus nomes- falavam-me do que se passava quando vinham de licença. Então os que estavam nos quartéis isolados na Guiné contavam coisas tremendas, falavam do medo incessante, dos ataques repentinos, uma morteirada hoje, uma emboscada dias depois. E, muitos anos depois ainda se arrepiavam.

Eu, depois disso, nunca mais me julguei capaz de julgar, menos ainda de comparar a minha extraordinária sorte com a sorte deles. Mesmo com prisões, com “estátua”, com “sono” com o medo de ser apanhado nada, mesmo nada se compara com o que imagino que eles passaram. E não me atrevo sequer a pensar o que faria no lugar deles...

Deixo essa sinistra tarefa aos fundibulários de hoje. Que lhes aproveite! 

Convem acrecentar que a personagem Marcelino da Mata não me suscita qualquer simpatia especial. E se o chamo a este texto é justamente por me parecer que contra ele corre um forte sentimento racista porque preto e porque soldado português. e, já agora, ainda ninguém me apontou nenhum dos famigerados crimes de guerra dele.  compete a quem acusa o ónus da prova. ele, já não está cá para se defender e, pelos vistos em vida sua ninguém concretizou quaisquer acusações. Será porque tinham medo do que ele poderia alegar em sua defesa?             

  

estes dias que passam 550

d'oliveira, 21.02.21

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Os dias da peste 183

A loira C G e os não racistas

mcr, 21 de Fevereir

 

 

Fui “cabide” da República dos 1000-y-onarius no ano de 1961. Começou tudo por uma forte amizade com alguns dos repúblicos (todos de angola, mulatos quase todos, e todos desaparecidos no ano de 62 na famosa fuga dos 100 angolanos -por acaso também havia moçambicanos nessa leva, mas de facto eram quase todos de Angola). Eu era amigo de uma grande parte desses patriotas que “abriram” (ou como dizia o Orlando Rodrigues, "Raposo", também prófugo, que “lancetaram”) rumo à europa e às frentes de luta anti-coloniais.

Com alguns estive até ao último momento (o Chpenda, por exemplo) e sabia o que se estava a passar. Até me convidaram para ir conhecer “outras terras outras gentes” (adivinhem de quem é a expressão) mas eu, mesmo amando África, sentia-me “metropolitano” até ao umbigo. Durante anos, dei as ajudas necessárias, convivi com os que ainda cá ficaram ou cá chegaram depois e, já as independências eram um facto, fui convocado para ajudar em várias circunstâncias que alguma vez relatarei se me der para a autobiografia.

Desta feita, contudo, não é de mim que vou escrever mas da CG (que conheci muitos e muitos anos depois de sair de Coimbra).

A CG descobriu Angola, melhor dizendo Luanda e arredores, quando chegou ao liceu Salvador Correia de Sá. Aí penou os sete anos de pastora e rumou a Coimbra. Quase no fim do curso, deu-se o 25 A e, entusiasmada, entendeu rumar a Angola (a convite de Agostinho Neto de quem se tornaria uma das secretárias). Em Luanda, portanto, frequentou os meios nacionalistas pré independência formal e, porque loira e jovem, deu nas vistas. Tanto ou tão pouco que a Unita ou o a Upa, tanto faz, entenderam pôr a cabecinha dela a prémio. Quando recorreu aos seus amigos do MPLA descobriu que a extrema brancura da pele, os cabelos loios e o cargo de confiança não bastavam. Antes convocavam desconfianças e animosidade. Ao fim e ao cabo era uma “branquelas” a roubar o lugar a uma “africana” mulata ou negra de preferência.

Vendo o cerco apertar-se, recorreu a familiares ainda em Angola e com uma enorme peruca negra conseguiu embarcar num avião para Portugal. Uma aventura qu, além de perigosa, lhe deixou amargos de boca visto que nenhum dos seus amigos africanos a pode socorrer.

Ainda hoje, aparecem alguns, outros dão notícias, mas ela que fez toda a sua vida posterior cá ainda lamenta a falta de solidariedade, o medo e a cobardia de quem a poderia e deveria ter defendido e não o fez por medo ou oportunismo.

Como ela, muitos outros, brancos (o caso mais evidente é o de Costa Silva que ainda recentemente contou a sua odisseia desde a luta clandestina até um infecto buraco numa prisão angolana depois da independência), perderam as ilusões que alguma vez teriam tido numa pátria africana onde nasceram ou cresceram mas sempre entenderam sua.

O seu crime? Serem brancos, cor malvada a lembrar a humilhação de séculos.

Segundo uma pobre criatura que provavelmente nunca pôs o mimoso pé branco em África, isto não é racismo porque “os negros não são racistas”. Se o diabo da mulher tivesse dito que nem todos os negros (ou nem todos os brancos, ou nem todos os amarelos) são racistas não seria eu a saír~lhe ao caminho.Mas ela, coitada, nem isso discerniu e não sou eu quem agora a vá ilustrar que tenho mais e melhor que fazer. 

Até porque, tendo conhecido muitos (uma pequena multidão) de responsáveis políticos africanos, quase todos amigos certos, sei que assim é. Curiosamente, alguns até me preveniram das dificuldades em regressar, ainda que por mero turismo, a Moçambique do que me esperaria se me metesse a opinar politicamente sobre a situação.

Preferi, concentrar as possibilidades de ajudar noutras latitudes igualmente africanas, mesmo se ainda há meia dúzia de anos tenha colaborado numa edição em Lourenço Marques. Em boa verdade, limitei-me a prescindir de direitos de autor e em troca recebi o livro em causa numa edição quase artesanal que muito estimei. Com outros (muitos) europeus financio projectos educativos e patrimoniais em África, evidentemente que eu não esqueço aqueles cheiros, aquela terra, aquele sol e aqueles mares. E aquelas gentes com que contactei e cujas línguas tentei aprender mesmo se nunca passasse das meras trivialidades do dia a dia. 

E, egoisticamente, fui constituindo ao longo dos anos uma boa biblioteca africana (já com alguns milhares de livros) onde tento salvar de exportação para os Estados Unidos, edições portuguesas (e não só) que cá carecem de protecção. Parece que o Estado se contenta em ter na Biblioteca Nacional um exemplar único do que em cento e sessenta anos se foi publicando sobre África.

Assim se constrói a desmemória histórica e se contribui para o crescente acervo de burrices e falsidades sobre uma história cheia de altos e baixos, de luzes e sombras que merecia ser melhor conhecida para separar o trigo do joio e as senhoras tontas das pessoas sensatas.  

*na vinheta: parte das estantes sobre África(neste caso são  sobre colónias portuguesas As estantes do fundo - com esculturas africanas em cima - são fundamental mente sobre literatura africana lusófona e francesa.          

 

estes dias que passam 549

d'oliveira, 20.02.21

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Os dias da peste 183

Um dia “não”

mcr, 20 de Fevereiro

 

Ontem foi um mau dia para o escriba (este). Perdeu horas a tentar recordar-se da maneira como funciona a máquina que se vê na vinheta.

Em primeiro lugar não fazia a mínima ideia da papelada explicativa, sobretudo de uns preciosos apontamentos que há uns largos meses me tinham sido ditados pelo vendedor.

Eu confesso que não tenho paciência para os livros de instrucções. Aliás, sigo nesse ponto, uma velha frase do Manuel António Pina “deveriam editar um livro de instrucções para perceber os livros de instrucções!”

A maior parte das vezes nós apenas queremos saber o essencial e deixamos para os espíritos mais requintados a sabedoria infusa do resto.

No caso em apreço eu comecei por apenas quer um instrumento fácil e fiável (e a preço decente!) onde pudesse escutar as pens que vou enchendo de música. Tudo isto para não ter a maçada de andar de hora em hora atrás de um disco. E de o encontrar entre alguns milhares que estão, honra me seja!, arrumados por género, ordem alfabética e tudo o mais. O problema pões quando, por exemplo quero ouvir uma peça específica de Beethoven. Ora, independentemente de umas dezenas de cds avulsos eu tenho uma caixa com a integral beethoveniana. Uma caixa? Um caixote! E aí há que dar-lhe duro para no meio de quase cem discos encontrar aquele que, subitamente, se tornou imperioso!...

 

Depois de uma busca na internet caí na marca “Block” uma coisa alemã, carota mas com múltiplas hipóteses desde centenas de emissoras de rádio, leitura de cds e de pens. Deve ter ainda mais funções mas, no caso em concreto, eu só pretendia uma leitura razoável das pens.

A máquina lá me chegou, era mais cara do que eu tinha projectado e começou o salsifré: 30 páginas de letra miudinha em inglês (inglês técnico!!!, um horror)Em alternativa, o mesmo em alemão, ainda mais técnico e Deus sabe que a alemoagem nisto de termos técnicos abusa e de que maneira1...

Como ia estar em Lisboa a acompanhar a minha Mãe, uma quase centenária cheia de espírito, de histórias e de apetite, decidi passar pela loja e um empregado gentilíssimo lá me deu uma aula prática. Apontei tudo religiosamente. Apontei e perdi os apontamentos. Convém dizer que isto foi em Agosto e só agora em Fevereiro é que me decidi a experimentar o aparelho.

Isso também tem uma explicação. A casa é, felizmente, grande e durante muito tempo, desaproveitei a sala que é enorme e confortável /Por baixo são 9x6 metros mais um quadradinho de 3x2 (e não estou a contar com a zona de refeições que só tem 6x3 m.) Com a pandemia, resolvi fazer quartel general da escrita do blog na sala. Assim, fingia que estava na esplanada a ver correr meninos e cães e, de longe em (muito) longe alguma rapariga buena de ver e mejor de palpar como dizia o Cela, um brejeiro de primeira.

Eu bem sei que sou um velhadas mas ainda tenho olhos na cara (agora os olhos andam na mó de baixo, mas ainda veem o que deve ser visto). E tenho muita imaginação, algumas boas recordações, enfim quase tudo excepto a “juventud divino tesoro” (Rúben Dario, um poeta gigantesco).

Portanto resolvi dar uso à sala onde também há um bilhar (bilhar, bilhar de só três bolinhas que para um snooker seri preciso uma sala ainda maior) onde em tempos disputei partidas animadas com o Manuel Sousa Pereira (ainda cá está um taco dele) e com o meu genro. Instalei-me a um canto, na mesa de jogo e lá vou dando ao dedo.

Eis a razão imperiosa que me levou a perder uma tarde (ontem) e uma manhã (hoje) a tentar adivinhar como é que se faz para ouvir um cd (no caso são dois do Keith Jarret que estavam à espera de vez.

Resumindo, com muita tentativa e uma paciência de santo, já consigo ouvir algum rádio e os cds. Se alguem souber como é que se faz para ouvir as pens, agradece-se penhoradamente.

Tudo isso fez com que ontem despachasse o rascunho de um texto que deveria ser mais cuidado.

Desculpem lá aquilo mas não tive literalmente tempo. Eu não sou muito de corrigir, de caprichar mas, que diabo!, ontem a coisa saiu fracatível . E o tema merecia mais.

Aliás, à noite, tive uma boa notícia: a senhora Provedora de Justiça mandou a lei vergonhosa para o Tribunal Constitucional com considerandos excelentes.

Esta Provedora não vai aquecer o lugar. Faz muito, faz bem, muito bem, faz demais, leva a sério o seu mester. Ou seja, vão aplicar-lhe a regras de um mandato único. Quem quiser apostar comigo que se apresente. Pago um almoço de lampreia contra um café se perder.

A minha teoria é que os poderes actuais não tem paciência para esta Senhora que está sempre a fazer o que um(a) Provedor(a) deve fazer.

E por falar em paciência, eu já não tenho pachorra para certos anti-racistas e outros anti-fascistas que afora pululam por todos os cantos.

Em tempos que felizmente já lá vão contavam-se pelos dedos das mãos os activistas das lutas anti racistas e anti fascistas. Pratiquei esse desporto, num jogo desigual e paguei o que tinha de pagar. Não preciso de mais pergaminhos de que esses obtidos em locais sinistros e condições digamos desagradáveis.

Ora ontem, ouvi ou li que uma senhora, de sua graça Joana Cabral, entende que não há racismo da parte de negros contra brancos (branquelas...) porque o racismo pressupõe uma relação económica em que o racista obviamente branco tem tudo a ganhar e o perseguido, obviamente preto, tem tudo a perder.

A pobre criatura devia ilustrar-se um pouco. Então e o anti-semitismo é o quê? E aquela famosa lei sul africana que considerava no blanc o chinês mas não o japonês? Ignorará esta candida alma que mesmo quando já não há quaisquer factores económicos em jogo, subsiste o racismo, o preconceito e a desqualificação do outro.

Eu, vivi algum tempo em África, muito pouco aliás. Fiz amigos de todas as cores incluindo um chinês, o Michel Kong Song. A certa altura, numa ida de férias a Nampula um cavalheiro negro misterioso veio ter comigo propondo-me a assinatura de “O Brado Africano”. Claro que aceitei e com isso preguei mais um prego no meu caixão policial. Depois, nesse mesmíssimo ano fui interpelado por uns rapazolas que entendiam que o facto de eu pedir por favor um café aos criados do café do Hotel Portugal indiciavam uma de dua: ou estava mancomunado com a Frelimo ou era da “psico-social”. Lá tive que explicar que conhecia o Ali, o Mussa e o Luís desde que chegara a Nampula para terminar o quinto ano. Tratava-os por tu como eles a mim pois tinham-me conhecido rapazola.

“Ó pá isso era dantes! Agora és estudante na Universidade, tens que te dar ao respeito!”

“O respeito a puta que te pariu!” E acabou assim, segundo os autos da pide local, esta troca de impressões. Segundo a polícia vinha daí a minha simpatia e “eventual“ colaboração com os “terroristas”.

É por estas e por outras que desconfio das boas alminhas que andam por aí a pregar sermões aos peixes e, eventualmente, a pintar a estátua do Padre António Vieira.

Ou como diz o meu amigo e vendedor de arte africana o senhor Keita (do Mali). “Há em África de tudo, tal e qual como na europa! E os filhos da puta tem todas e nenhuma cor!”

 

E eu direi em troca: a cor só tem importância quando não há dinheiro. Em havendo cacau que se veja, até se fecham as lojas para a senhora negra e rica fazer compras à vontade! E se as fazia...

        

  

 

estes dias que passam 548

d'oliveira, 19.02.21

Os dias da peste 183

A “democracia” deles

mcr, 19 de Fevereiro

dois partidos portugueses (com a aparente anuência dos restantes, preparam-se para liquidar o pouco que resta de democracia no que respeita a candidaturas independentes às eleições autárquicas.

Desde a proibição de nomear da mesma maneira a candidatura à Câmara e as candidaturas às freguesias, para não falar de outras exigências descabidas vale tudo para impedir grupos de cidadãos (a que se exige de todo o modo, milhares de assinaturas, década vez) de conquistar Câmaras e Juntas de freguesia.

A razão é fácil de perceber: já há uma vintena de autarquias com vereações independentes.

Entre elas a do Porto, um espinho cravado nas gargantas do PS e do PSD que tem sido batidos sem apelo nem agravo nos actos eleitorais.

Se os leitores se derem ao trabalho (desagradável) de pesquisar os nomes que os dois partidos do “centrão” propuseram, verificarão sem surpresa que ou se tratava de gente desconhecida ou saída dos aparelhos.

Em qualquer dos casos, a mediocridade dos candidatos, a sua falta de convicção nos destinos da cidade era tão manifesta que os eleitores espavoridos correram a refugiar-se na candidatura de Rui Moreira.

E, como é sabido, há na cidade uma clara predisposição para dar a este autarca a sua terceira e última possibilidade de a governar. Nem o PS nem o PSD ainda apresentaram candidato mas basta olhar para as luminárias que se têm perfilado para perceber que o que oferecem é mais do mesmo ou ainda mais medíocre.

E assim toca de arranjar maneira de ganhar na secretaria. Com uma lei feita à medida que, imagine-se, até a deputada Ana Catarina Mendes confessou, na televisão, ser “imperfeita”, garantindo que o seu partido vai tentar melhora-la. Ou seja vai pôr um remendo, nos remendos à democracia que se vão inventando todos os dias.

Não se pense que o PSD está isento de culpas. Nada disso, bem pelo contrário. Rui Rio, responsável, de certo modo, pela vitória de Rui Moreira na primeira vez, quando retirou o tapete ao candidato do seu partido que queria passar de Gaia para o Porto, vem agora, numa imparável corrida para a derrota dentro e fora do partido, acusar Moreira de não confiável.

Rio, uma mediocridade notória, só tem uma espécie de virtude: é teimoso. Conviria esclarecê-lo que a teimosia de per si não substitui ideias ( que RR notoriamente não tem) e menos ainda é algo que possa reparar uma direcção partidária de que ninguém pode dizer que é lúcida ou “oposição”. Esperemos pelos próximos capítulos.

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