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Os dias da peste 175
Histórias de família
mcr, 8 de Fevereiro
Durante anos, muitos, felizmente, ouvi a Velha Senhora (a minha avó materna) falar enternecida e saudosa do “avozinho”. Ao que parece ela foi a primeira neta de José da Costa Alemão “Coimbra”( como adiante se explicará).
De facto o meu trisavô José nasceu no Brasil, no seio de uma família portuguesa e em princípio estava destinado a ser médico- Para o efeito veio para Coimbra, onde um tio era Reitor da Universidade. No penúltimo ano do curso zangou-se com o familiar e desandou para o Brasil sem acabar o curso.
Depois de um par de aventuras que até meteram uma longa e penosa exploração terrestre por zonas praticamente desconhecidas, regressou a S Paulo e estabeleceu-se como fazendeiro e enriqueceu.
Tudo corria bem excepto uma incómoda guerra com o Paraguai. O governo brasileiro pretendeu arregimentar os portugueses emigrados para as suas tropas, coia que foi repudiada por bom número de conterrâneos nossos. A revolta foi tal que muitos regressaram a Portugal depois de hostilizados por brasileiros. Outros, algumas centenas recorreram ao Marquês de Sá da Bandeira e em navios enviados por Portugal rumaram ao sul de Angola, trazendo no séquito família, amigos e escravos. Toda esta gente desembarcou em Moçâmedes (hoje Namibe) que na altura era menos do que uma aldeola perdida à beira mar.
O trisavô veio na segunda leva, comandada por ele e por um cunhado e uma vez em terra resolveu refazer a sua próspera fazenda brasileira, desta vez na Chibia (entre Moçâmedes e a futura Sá da Bandeira (hoje – e antes – Lubango). O seu espírito irrequieto entretanto ainda lhe permitiu explorar territórios da zon tendo sido ele o primeiro português a cartografar o rio Bembe desde a nascente. Isto, esta faceta, devo-a a Rui Duarte de Carvalho que menciona o facto suponho que em “Vou lá visitar pastores” Círculo de Leitores, 2000. (o “suponho” deve-se a que, agora, poupo os olhos o mais possível pelo que não fui folhear o livro à procura da página exacta.) Aliás, numa homenagem ao Fernando Assis Pacheco, em Coimbra, tive a sorte de conhecer este originalíssimo escritor e ele prometeu-me (mas não teve tempo) enviar-me uns apontamentos sobre outras aventuras do trisavô.
A fazenda na Chibia prosperou muito a pontos de o general João de Almeida (um dos homens fortes da ocupação do sul da colónia) a mencionar no seu “Sul de Angola – relatório de um governo de distrito 10908-1910”, Agência Geral das Colónias, 1936, 3ª edição (de novo omito a página pelas anteriores razões. De resto foi o meu irmão quem descobriu a menção porquanto JA menciona a “excelente fazenda de Alemão “Coimbra”.
Este sobrenome “Coimbra” que filhos e netos usaram deve-se ao facto do trisavô recordar com ternura a cidade onde estudara. Aliás, naqueles cafundós, exerceu de médico mesmo faltando-lhe o último ano da faculdade.
Perdi a conta ao número de filhos porque, naqueles ásperos tempos, morria-se com facilidade. Assim se foram, pelo menos, duas esposas legítimas. Dos filhos do avô só conheci o tio Tito Lívio (2’ casamento, em que os três filhos tinham nomes da antiguidade clássica. Os irmãos chamavam-se Horacio e Castorina, A esta ainda a conheci quando passei por Luanda ) que era mais novo do que a sobrinha e que também tivera uma vida cheia de aventuras pois fora batedor do exército colonial, razão pela qual veio a Lisboa nos anos sessenta para relatar os feitos bélicos em que estivara metido. Este tio bisavô era engraçadíssimo e quando se reuniu com a sobrinha (minha avó) começou por lhe dizer “Lili tu eras muito bonita, um pêssego!, um pastel de nata!” A Velha Senhora, contente apesar da provecta idade (já ia nos 70) sorria emocionada.A minha primeira mulher estava deliciada e sussurrava-me que o Tio Bisavô era um "charme". E devia sê-lo pois, na sua longa estadia lisboeta teve que fugir de pensão pois uma criada jurava que o velho a tinha engravidado. O ancião negava com tão pouc convicção que eu e o meu tio Quim ficámos sempre com uma forte suspeita.
Tito Lívio regressou a Sá da Bandeira e durante a descolonização, a perdemos-lhe o rasto mesmo sabendo que terá guiado um pequeno comboio de aflitos colonos até à Namíbia.
O cunhado do trisavô chamava-se Pedro e era criatura com entrada nos gabinetes e político. A certa altura, já em Angola, apaixonou-se por uma senhora casada e muito bonita e fugiram romanticamente para Lisboa. A esposa abandonada rogou uma praga à roubadora do marido. “que aqueles lindos olhos azuis se apaguem!”. E não é que nem seis meses eram passados e a pobre criatura cegou!
Durante a guerra dos boers, muitos desesperados fugiram da África do Sul, atravessaram a Namíbia e só pararam nosul de Angola. A Velha Senhora contava que o “avozinho” recebeu hospitaleiramente os prófugos, indagando se entre eles havia solteiros pois tinha na parentela que o acompanhara várias casadoiras. E assim nos aliámos a uns Van der Keller que se multiplicaram por terras da Humpata, da Huíla, e de Sá da Bandeira.
O velho senhor já com avançada idade entregou a gestão dos seus bens a um filho também chamado José e este arruinou-o completamente. Tenho por cá, perdida, uma fotografia da Igreja de S Pedroda Huíla tirada por um José Costa Alemão. Encontrei-a num alfarrabista de Lisboa e obviamente comprei-a. Procurei-a mas depois de ter levado com duas injecções intra-oculares desisti. Os meus pobres olhos ardem que se fartam. Das picadelas não me queixo mas o ardor faz-me soltar algumas pérolas domais fino e vivo vicentino de Buarcos, arre!
Assim a vinheta vai com mais um peça de Manuel Sousa Pereira (madeira, 37 x 7 cm. meados anos 80. O alucinado fez esta escultura só para se entreter durante um par de horas. Tinha-a a um canto do atelier e eu, nem uma nem duas, pilhei-a sem dizer água vai. Depois, ofereci-lhe uns livros e ele ficou emocionado não com a oferta mas por eu gostar daquela peça. Era assim o Manel.