estes dias que passam 587
Saída precária 17
A primavera, a passos largos
mcr, 31 de Março
“Segunda feira é que vai ser!”- foi a frase mais ouvida hoje, ao postigo do Sandwich Bar, nome da espanada que, se tudo correr bem, reabrirá a 5 de Abril.
Por mero acaso, ou talvez não, cruzei-me à hora do café em copo de plástico, com vários habituais da esplanada. A manhã estava macia, não havia vento, a temperatura era excelente, tudo convidava a uma bica (ou duas ou mais!...) lenta, com o jornal à frente, algum(a) amigo/a a chegar para comentar as últimas ou só para dizer bom dia. Segunda feira será, se tudo correr como queremos, como merecemos que isto já dura há demasiado tempo, esta vida suspensa, este penoso confinamento, esta espécie de castigo com que fomos brindados
Um ano! Mais de um ano, aliás. E os mortos, os amigos desaparecidos para já não falar da falta de notícias de outros. Eu nem me atrevo a tentar telefonar. As mortes chegam de mansinho, quase em silêncio, abafadas pela estridência dos noticiários.
É Moçambique, vítima de cinco “M” (Marx, Mao, Machel, Maomé e merda, muita merda, tudo mal lido – os dois primeiros, pior compreendido, idem aspas, aspas, a suicidaria ascensão de um homem tão generoso quão ignorante, enfebrecido pela volúpia do poder quase absoluto, alucinado pela ideologia mal percebida, exasperado pelo naufrágio para o qual se precipitou, adulado por um par de admiradores –entre ele uns cavernícolas portugueses que confundiram tudo desde o anticolonialismo até ao aplauso da tola expulsão de muitos que poderiam ter ficado à beira Índico a construir um país, Não ficaram e o resultado foi o que se viu. Pior, o resultado foi uma guerra civil de que restas milhares de quilómetros quadrados de minas que cobram, como de costume, as vidas dos camponeses que é quem anda a tentar arrotear as terras necessárias ao sustento diário).
A governação moçambicana tem oscilado entre a desmesura frenética e alguma pouca cautela. Machel desaparecido teve um sucessor com bom senso que depois foi substituído por um presidente de pacotilha que voltou a deixar derivar o abismo que ainda se não fechara de todo. Ao quarto presidente, calhou-lhe isto, o Norte a ferro e fogo. Nem os mercenários a soldo das companhias estrangeiras e menos ainda o exército regular. Mal comandado, mal treinado e mal preparado, conseguem eliminar uma quadrilha criminosa pode ser repelida, aqui e ali, mas volta sempre aos ataques esporádicos, à guerra de guerrilha e ao massacre dos do costume, os camponeses que de seu só tem a parca terra de onde tiram a rara comida.
Vários países vizinhos quiseram ajudar. A ajuda foi recusada. E foi recusada não poe exaltado pudor nacionalista mas porque o governo moçambicano não quer, no terreno, testemunhas eventualmente incómodas dos seus erros, da corrupção, do desgoverno das populações entregues a si próprias e vítimas de uns e de outros.
Agora, Portugal vai enviar sessenta militares instrutores de “forças especiais” para treinar colegas moçambicanos. Convirá esclarecer que as “forças especiais” como se viu na guerra colonial são eficazes nos golpes rápidos mas não substituem a tropa que fica no terreno e ajuda a consolidar a paz. E, por vezes, confunde os adversários e deixa no terreno mais vítimas civis, mais danos colaterais, mais medo. Mais insegurança. E a tropa, mesmo eficaz, não substitui a administração civil íntegra, justa e eficaz. Não substitui as forças de segurança normais nem propicia o aparecimento de estruturas de auto-defesa e o isolamento dos fanáticos sectários que matam indiscriminadamente em nome de Maomé.
Cabo Delgado está a saque, quase sempre esteve mesmo quando aquilo era uma zona pobre. Agora com o gás natural, com o vertiginoso aumento dos preços dos bens essenciais, com a pouco segura presença de mercenários das companhias estrangeiras, tudo piorou.
Deixemos Moçambique, as terras do Norte, o sabor do caju, as águas límpidas das praias paradisíacas e voltemos a Portugal ue, finalmente, começou a acordar para estedesastre.
Que não é único. O Brasil afunda-se na miséria moral, intelectual e política do bolsonarismo. A tropa parece começar a ficar farta das imbecilidades do “capitão” Jair, um pobre diabo que nunca passou de obscuro deputado e cuja família, vem sendo paulatinamente acusada de dar o golpe do baú. O “pais irmão” regista uma taxa medonha de mortes, os hospitais estão à míngua de oxigénio, de fármacos, de camas, de pessoal. Não passa mês sem que que haja ministros a demitirem-se, a ser demitidos, mas tudo continua na mesma, aliás tudo corre para pior. A tropa espreita. Quem se lembra dos sinistros anos sessenta, sabe que aqueles militares podem não ser especialmente aptos mas conseguem sem dificuldade impor ditaduras violentas e mortais.
Como na Birmânia, aliás Myamar. Aí, os militarem, que nunca saíram de cena, voltaram aos primeiros lugares do palco e voltaram para matar a sangue frio tudo quanto se lhes opõe. As manifestações são recebidas com fogo real. Até a Rússia e a China já fazem brandos reparos. Quantos birmaneses terão ainda de morrer? E as minorias? Sobreviverão?
Ai Abril de águas mil, de lágrimas mil que nos irás trazer?
(eu fiz uma citação de ABM, um leitor que me brindou com os 4 primeiros M (quatro parágrafo). O seu a seu dono!)
a vinheta: “praia das Chocas, frente à Ilha de Moçambique. Alguns parrots ou seja protecções contra o sol: paus a pique e cobertura de folhas de palmeira ou de outra espécie semelhante. Não longe dali há as ruínas do palácio dos capitães gerais de Moçambique que vinham da ilha para o “continente” de quando em quando.
Lembro-me de ir lá, numa corrida desde Nampula a mais, bastante mais, de uma centena de quilómetros. A primeira coisa a fazer à chegada era contratar um pescador de lagostas para mergulhar naquelas águas belíssimas e trazer os mariscos que depois se assavam. Nunca mais vi uma praia tão maravilhosa. Nem Buarcos, a Senhora da Encarnação que me perdoe. Nem Buarcos...