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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

estes dias que passam 587

d'oliveira, 31.03.21

Saída precária 17

A primavera, a passos largos

mcr, 31 de Março

 

 

“Segunda feira é que vai ser!”- foi a frase mais ouvida hoje, ao postigo do Sandwich Bar, nome da espanada que, se tudo correr bem, reabrirá a 5 de Abril.

Por mero acaso, ou talvez não, cruzei-me à hora do café em copo de plástico, com vários habituais da esplanada. A manhã estava macia, não havia vento, a temperatura era excelente, tudo convidava a uma bica (ou duas ou mais!...) lenta, com o jornal à frente, algum(a) amigo/a a chegar para comentar as últimas ou só para dizer bom dia. Segunda feira será, se tudo correr como queremos, como merecemos que isto já dura há demasiado tempo, esta vida suspensa, este penoso confinamento, esta espécie de castigo com que fomos brindados

Um ano! Mais de um ano, aliás. E os mortos, os amigos desaparecidos para já não falar da falta de notícias de outros. Eu nem me atrevo a tentar telefonar. As mortes chegam de mansinho, quase em silêncio, abafadas pela estridência dos noticiários.

É Moçambique, vítima de cinco “M” (Marx, Mao, Machel, Maomé e merda, muita merda, tudo mal lido – os dois primeiros, pior compreendido, idem aspas, aspas, a suicidaria ascensão de um homem tão generoso quão ignorante, enfebrecido  pela volúpia do poder quase absoluto, alucinado pela ideologia mal percebida, exasperado pelo naufrágio para o qual se precipitou, adulado por um par de admiradores –entre ele uns cavernícolas portugueses que confundiram tudo desde o anticolonialismo até ao aplauso da tola expulsão de muitos que poderiam ter ficado à beira Índico a construir um país, Não ficaram e o resultado foi o que se viu. Pior, o resultado foi uma guerra civil de que restas milhares de quilómetros quadrados de minas que cobram, como de costume, as vidas dos camponeses que é quem anda a tentar arrotear as terras necessárias ao sustento diário).

A governação moçambicana tem oscilado entre a desmesura frenética e alguma pouca cautela. Machel desaparecido teve um sucessor com bom senso que depois foi substituído por um presidente de pacotilha que voltou a deixar derivar o abismo que ainda se não fechara de todo. Ao quarto presidente, calhou-lhe isto, o Norte a ferro e fogo. Nem os mercenários a soldo das companhias estrangeiras e menos ainda o exército regular. Mal comandado, mal treinado e mal preparado, conseguem eliminar uma quadrilha criminosa pode ser repelida, aqui e ali, mas volta sempre aos ataques esporádicos, à guerra de guerrilha e ao massacre dos do costume, os camponeses que de seu só tem a parca terra de onde tiram a rara comida.

 Vários países vizinhos quiseram ajudar. A ajuda foi recusada. E foi recusada não poe exaltado pudor nacionalista mas porque o governo moçambicano não quer, no terreno, testemunhas eventualmente incómodas dos seus erros, da corrupção, do desgoverno das populações entregues a si próprias e vítimas de uns e de outros.

Agora, Portugal vai enviar sessenta militares instrutores de “forças especiais” para treinar colegas moçambicanos. Convirá esclarecer que as “forças especiais” como se viu na guerra colonial são eficazes nos golpes rápidos mas não substituem a tropa que fica no terreno e ajuda a consolidar a paz. E, por vezes, confunde os adversários e deixa no terreno mais vítimas civis, mais danos colaterais, mais medo. Mais insegurança.  E a tropa, mesmo eficaz, não substitui a administração civil íntegra, justa e eficaz. Não substitui as forças de segurança normais  nem propicia o aparecimento de estruturas de auto-defesa e o isolamento dos fanáticos sectários que matam indiscriminadamente em nome de Maomé.

Cabo Delgado está a saque, quase sempre esteve mesmo quando aquilo era uma zona pobre. Agora com o gás natural, com o vertiginoso aumento dos preços dos bens essenciais, com a pouco segura presença de mercenários das companhias estrangeiras, tudo piorou.

Deixemos Moçambique, as terras do Norte, o sabor do caju, as águas límpidas das praias paradisíacas e voltemos a Portugal ue, finalmente, começou a acordar para estedesastre.

Que não é único. O Brasil afunda-se na miséria moral, intelectual e política do bolsonarismo. A tropa parece começar a ficar farta das imbecilidades do “capitão” Jair, um pobre diabo que nunca passou de obscuro deputado e cuja família, vem sendo paulatinamente acusada de dar o golpe do baú. O “pais irmão” regista uma taxa medonha de mortes, os hospitais estão à míngua de oxigénio, de fármacos, de camas, de pessoal. Não passa mês sem que que haja ministros a demitirem-se, a ser demitidos, mas tudo continua  na mesma, aliás tudo corre para pior. A tropa espreita. Quem se lembra dos sinistros anos sessenta, sabe que aqueles militares podem não ser especialmente aptos mas conseguem sem dificuldade impor ditaduras violentas e mortais.

Como na Birmânia, aliás Myamar. Aí, os militarem, que nunca saíram de cena, voltaram aos primeiros lugares do palco e voltaram para matar a sangue frio tudo quanto se lhes opõe.  As manifestações são recebidas com fogo real. Até a Rússia e a China já fazem brandos reparos. Quantos birmaneses terão ainda de morrer? E as minorias? Sobreviverão?

Ai Abril de águas mil, de lágrimas mil que nos irás trazer?

(eu fiz uma citação de ABM, um leitor que me brindou com os 4 primeiros M (quatro parágrafo). O seu a seu dono!)

a vinheta: “praia das Chocas, frente à Ilha de Moçambique. Alguns parrots ou seja protecções contra o sol: paus a pique e cobertura de folhas  de palmeira ou de outra espécie semelhante. Não longe dali há as ruínas do palácio dos capitães gerais de Moçambique que vinham da ilha para o “continente” de quando em quando.

Lembro-me de ir lá, numa corrida desde Nampula a mais, bastante mais, de uma centena de quilómetros. A primeira coisa a fazer à chegada era contratar um pescador de lagostas para mergulhar naquelas águas belíssimas e trazer os mariscos que depois se assavam. Nunca mais vi uma praia tão maravilhosa. Nem Buarcos, a Senhora da Encarnação que me perdoe. Nem Buarcos...

estes dias que passam 586

d'oliveira, 30.03.21

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Saída precária 16

Os desastres de m

mcr, 30 de Março

 es

O meu muito chorado amigo Manuel Sousa Pereira era, de formação, escultor. Em Portugal os escultores ou tem amigos poderosos  ou hão de dar aulas. MSP não tinha, nem queria, amigos poderosos. Deu aulas e, nesse capitulo, foi tão bom ou tão mau que alunos e professores da sua Escola de sempre deram a uma sala de aulas o seu nome! Além de professor  tinha a mania da carpintaria e da marcenaria. AA oficina que ele tinha no atelier invejavam-na muitos carpinteiros e marceneiros.

E tudo lhe saía bem, raios o partissem!

Durante anos ajudou os amigos. A mim, então nem se fala. Caridosamente dizia-me que eu tinha um défice de jeito. Isto quando não me chamava cruamente deficiente crónico e absoluto. “Tens uma qualidade”, acrescentava, “o material que tens em casa é bom!”. Referia-se à pequena bateria de ferramentas que eu tinha para os pequenos arranjos. “Pelo menos não és como o Manuelzinho (outro amigo que em boa verdade e dada a corpulência se deveria tratar por Manuelzão) que só compra do mais reles e mais barato que há!”

E metia mãos à obra sempre alimentado a cafés e chocolatinhos que a CG lhe trazia.

A minha inépcia (aquilo a que chamo carinhosamente “os meus desastres” lembrado de um livrinho da srª Condessa de Segur) é altamente contagiosa e transmitiu-se à minha desoladora ignorância informática.

Acreditem ou não, estive, hoje horas e horas, para encomendar dois volumes da monumental “Merveiles de la Nature” de A.E. Brehm Faltavam-me justamente os respeitantes aos mamíferos (1600pá ginas ao todo!)

Em boa verdade, parte dos meus baldados esforços devem-se a um problema com o sistema de pagamento da livraria francesa pois nem a minha habitual salvadora (que gere uma empresa de informática onde compro tudo e me atura continuamente conseguiu entrar.

Farto dessa livraria recorri a outra e andei aos tombos pois a encomenda primeiro não entrava por erro na minha identificação (e aí eram os meus pobres olhos doentes que não davam conta de um erro no mail que fornecia) e depois exigia-me um numero de telefone que além dos 9nove números tinha mais dois caracteres que não descobri. Ao fim de porfiados esforços lá consegui fazer a encomenda mas para isso tive de mudar a minha senha (uma hora!) e de descobrir um atalho a indicar o país que me passara desapercebido! Ou seja incompetência notória!

Ontem, tentei enviar a um amigo recente que faz o favor de me ler, a fotografia que hoje serve de vinheta. Trata-se de um péssimo retrato de um conjunto de boletins da Sociedade de Estudos de Moçambique, uma espécie de milagre cultural que funcionou em Moçambique durante dezenas de anos, reunindo uma excelente colecção de contribuições de ordem científica,  cultural  e etnográfica devida aos sábios locais.

Esse meu amigo patiha comigo a mania de gostar de Moçambique e de ir comprando tudo o que se escreveu sobre a colónia. Ora eu não só tenho a colecção completa dos boletins mas também (antes de conseguir a colecção completa e só vendida como tal!) umas dezenas de boletins dispersos que me atravancam as estantes da cave. Propus-lhe estes 70 cm de boletins e ele aceitou rapidamente. Devo dizer que, anteriormente ao saber que eu andava atrás de um dos três volumes da “Historia dos caminhos de ferro de Moçambique”, se tinha disposto a oferecer-me um exemplar repetido da mesma obra e que, milagre de Santa Rita de Cássia padroeira dos impossíveis –e protectora das mulheres maltratadas-, era exactamente o que me faltava!

 

Ora eu quis mandar-lhe a fotografia dos volumes que, moralmente. já lhe pertencem.  Nada feito- O raio da fotografia não entrou no mail que eu triunfalmente lhe enviei. Que terei eu feito? Ou não feito? Mistério insondável. Assim vai à boleia do folhetim esperando que ele tenha a pachorra de procurar o blog e de o ler e ver o raio da fotografia que, convenhamos, está mais torta do que o cargueiro que entupiu o Suez.

Isto hoje sai assim, mais deslavado que o abominável homem das neves mas não me apeteceu tricotar sobre o parecer criativo (sicut António Costa, de repente irónico!) do sr Presidente da República.

E sobretudo não me apeteceu referir o ultra populismo da srª do Bloco que a propósito de umas ajudinhas aos pobrezinhos entendeu referir a banca. Ela, pelos vistos, ainda não percebeu que se a banca estoirar não haverá apenas pobrezinhos haverá um naufrágio irremediável e absoluto que também a engolira inteirinha mailos seus camaradas de partido e restante pópulo português.

(nota: nunca tive dinheiro que se visse, e sobretudo nunca entrei no BES. Para quê se não tinha o cacauzinho mínimo para investir? Porém, se aquilo dá para o torto haverá umas boas centenas de milhar de portugueses que chiarão... E conviria lembrar que foi um governo apoiado pelo BE quem lançou mão salvadora ao banco. Ai a memória curta, tão útil que é....)  

Loucura pouca mansa na magistratura

José Carlos Pereira, 30.03.21

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O desafio lançado pelo juiz negacionista Rui Fonseca e Castro ao director nacional da PSP é das coisas mais inacreditáveis que surgiram na esfera pública nos últimos tempos. Ao ouvirmos de viva voz o juiz, só a evidência nos faz acreditar.

E a pergunta que fica é simples: como é que alguém com este perfil consegue aceder à carreira da magistratura judicial?!

estes dias que passam 585

d'oliveira, 29.03.21

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Saída precária 15

Oh que surpresa!

mcr, 29 de Março

 

O Governo português tem manifestado uma enorme surpresa pelas “restrições” impostas aos meios de comunicação de Macau.Parece que as autoridades chinesas não permitem aos jornalistas e especialmente à televisão a difusão de notícias que alegadamente ponham em causa o bom nome e as excelsas virtudes do Governo chinês, das suas instituições “democráticas” e “populares” e proíbem notícias sobre Hong Kong ou a região uigur, entre outras, muitas outras!         

“Ai Jesus, Maria, José!”, geme o sr Ministro dos Negócios Estranjeiros, “como é possível tal desvio aos acordos celebrados solenemente entre Portugal e a R P da China?”

O sr Ministro em questão, não é um sonso mas, de quando em quando, arma-se num. Será que, alguma vez, ele esperou que a RPC cumprisse os acordos constantes do tratado de “devolução” de Macau à Mãe Pátria?  Macau não é senão uma areia no imenso deserto de liberdades da china, muito úril para angariar fortunas monstruosas graças à jogatina desenfreada que vigora no antigo território da árvore das patacas onde, aliás, já havia uns casinos que arruinavam 99%dos jogadores e elimantavam as tríades do costume. Com o novo regime aumentaram os casinos, continuou a bandidagem e vai-se paulatina mas seguramente eliminando  as famosas liberdades garantidas e juradas pelos novos patrões desta Las Vegas asiática.  

Isto estava à vista desde o primeiro dia em que em Hong Kong uma elite muitíssimo mais numerosa, educada e democrática começou a levar no toutiço. A China, a RPC, entenda-se, não suporta o mínimo anseio da mais vaga liberdade dita democrática.

O seu PC pode ter uns milhares de militantes milionários e tem-os desde que eles façam dinheiro, negoceiem com o Ocidente e não levantem a grimpa nesse estúpido capítulo das liberdades “burguesas”. Tais liberdades, justamente porque são “burguesas” são contrarrevolucionárias e anti-populares.

“Enriqueçam mas obedeçam eis o slogan do socialismo chinês. O resto, a governação, a circulação de ideias, a discussão política e macro-económica, é com as mais altas (e só essas, notem bem!) instâncias do PCC. Que, de resto, reúnem ocasionalmente, por poucos dias e muito aparato. O resto, isto é, tudo, é com umas dúzias de cavalheiros e sobretudo com o senhor Xi Jiping. O resto é paisagem.

A vinheta: o sr Xi aperta “o bacalhau” ao sr. Rebelo de Sousa que se ri orgulhoso desta espécie de camaradagem entre o elefante e a formiga. Xi, sorrindo com meia cara lá dirá entre dentes “ri melhor quem ri por último”

 

estes dias que passam 584

d'oliveira, 28.03.21

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Saída precária 14

Ler Mao Zedong

mcr, 28 de Março

 

 

Há muitos anos, uma vida!, estávamos a viver a década de sessenta, deu-me um ataque de icterícia política que durou até perceber que a revolução cultural era um embuste sanguinolento com consequências ainda mais trágicas  do  que as anteriores campanhas (as “mil flores” e, em mais horrendo, o “grande salto para a frente” exemplo) que, ao invés de progresso, tinham trazido empobrecimento e fomes temíveis.

Ocorre dizer que nesse tempo juvenil e crédulo, Mao Zedong chamava-se Mao Tse Tung  e ainda não tinha mandado liquidar os seus mais próximos camaradas de armas que o tinham acompanhado na “longa marcha” e criado a partir de muito pouco um proto-Estado comunista nos confins da China.

Os pc europeus eram de estricta obediência soviética mesmo se já não vigorasse o Komintern. Segundo uns construíam o futuro radioso e livre de capitalistas e quejandos, segundo outros tinham-se aburguesado e a chama revolucionaria mais parecia um círio gasto num enterro pobre. Em Portugal, aparecia a “FAP” (frente de acção popular, uma frente de massas desprovida das mesmas e precedendo hereticamente o “partido” o, o verdadeiro claro).

Todavia a coisa, esta, entusiasmou alguns crentes, crédulos e fartos da linha rígida e oficial do PC e dos desastres que alguns trânsfugas e outros arrependidos tinham provocado nas fileiras não demasiado numerosas das otganizações de juventude comunista. A PIDE prendia a torto e a direito e o descalabro era manifesto e repercutia-se nas associações e pró-associações de estudantes. Um naufrágio que, em Coimbra, se traduziu em três longos e malbaratados anos de comissões administrativas governamentais na Associação Académica.

Eu nunca fora quadro do PC. Razões de vária ordem e uma em especial: andara em colégios internos o tempo suficiente para não suportar controlos de qualquer espécie (e ainda por cima de uma capacidade teórica abaixo do medíocre!). Era todavia, um “compagnon de route” disponível e belicoso, farto de viver num país bisonho, tristonho sob a férula de um ditador cada vez mais isolado do mundo.

Por isso, que não era nada pouco, embarquei entusiasmadíssimo no verdadeiro caminho. Não foi uma longa viagem, não. Os defeitos visíveis no sovietismo acabaram por ressuscitar sobre outras vestes no orientalismo maoísta. A “grande revolução cultural e proletária” tinha no “pequeno livro vermelho” o seu mais claro exemplo de inaptidão intelectual e, já agora, “marxista”.

Entretanto, à semelhança do que me acontecera com Marx e Engels, Lenine & outros lá fui lendo as obras mais populares de Mao e, nomeadamente, os seus textos sobre a “guerra revolucionária”(que curiosamente eram publicados – como muitos dos autores anteriormente citados – por editoras francesas que nada tinham a ver com a oficial do PCF (editions sociales) e eram muito mais bem apresentadas.  

Ora na citada peça sobre a “guerra revolucionária” e especialmente sobre a guerrilha, Mao dizia  mais ou menos isto (cito de cor e à distância de sessenta anos) “o revolucionário move-se no seio das massas como o peixe na água”.

Tudo isto vem a propósito do que se passa no norte de Moçambique. Haja alguém que tente explicar-me como é que uma coisa abjecta que se reclama do Estado Islâmico” faz  o que quer numa zona tão ampla que inclusive entra em povoações importantes do interior e, agora, atinge a costa, como é o caso de Palma.

Então Moçambique não tem um exército, não consegue enviar, para essa região, um par de batalhões desses que já fizeram a longuíssima e dura guerra civil ? 

Note-se que estamos a falar de uma zona extremamente importante devido ao gás natural onde operam empresas estrangeiras.

Claro que algum malicioso poderia começar a tentar encontrar razões para perceber como é que, em pleno território makonde, os elementos insurgentes se movem tão à vontade. O mesmíssimo malicioso iria (desta vez maldosamente) procurar a eventual raiz de conflitos entre estas populações e a FRELIMO, pois dos noticiários ouve-se vezes sem conta que os “bandidos armados” proferem ameaças ao partido quase único e monopolista.

E descobriria que, desde que a exploração do gás começou e, com ela a chegada de técnicos estrangeiros, os preços aumentaram vertiginosamente, o custo da habitação disparou, a pobreza idem. E descobriria mais um par de coisas que poderiam reflectir o descaso em que as populações são tidas pelo governo longínquo e prepotente, pelas elites corruptas que se locupletam à custa das populações miseráveis que ainda não viram nada do progresso que todos lhes auguram.

E se o/a interessado/a quiser ir mais longe, valeria ap ena escavar nas histórias assaz confusas do que aconteceu logo no início do Estado moçambicano. E na eliminação de dirigentes exteriores à FRELIMO. Por todos conviria recordar o nome e a figura e a acção de Lazaro Nkavandame dirigente makonde.

Em boa verdade, Moçambique, mesmo antes da independência viu desaparecer notáveis combatentes (o mais famoso dos quais terá sido filipe Magaia, morto por um guerrilheiro “agente dos portugueses”...) e depois, quando a FRELIMO chegou a Lourenço Marques /Maputo , há notícia de violentas dissensões que, em alguns casos acabaram com a morte, o confinamento no Norte a prisão em campos de reeducação de muitos independentistas. Após a morte de Machel, esses acusados regressaram e alguns passaram directamente da prisão para as mais altas instâncias partidárias!

Voltando ao tema: no Norte agem grupos sanguinários que matam em nome de Alah e contra a FRELIMO. Pelos vistos deslocam-se sem dificuldade, provavelmente as suas bases estão em território moçambicano ou então tem uma mobilidade extraordinária para ir e vir da Tanzania...

Curiosamente ninguém tenta ir um pouco mais longe na análise desta situação trágica que já deslocou mais cem mil camponeses e os condena à fome e ao exílio interno.

Se Mao tem razão, os guerrilheiros/bandidos armados nadam livremente no seio das massas e degolam sem contemplações quem se lhes opõe ou é suspeito. Entretanto a tropa moçambicana faz o quê?

 

Na vinheta: prendas bem posteriores à minha aventura maoísta onde se nota a mão irónica do Manuel Sousa Pereira que mas terá dado todas! O que ele nunca esperou foi que eu as aceitasse e exibisse em cima das estantes de História (no caso grega e romana)

estes dias que passam 583

d'oliveira, 27.03.21

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Saída precária 13

Os pobres que paguem a crise!

mcr, 27 de Março

 

Haverá seguramente ainda quem se lembre do slogan tremendo “os ricos que paguem a crise” que uma esquerda desmiolada inventou sem perceber que, os ricos tem uma larga experiência de se furtarem a essa trabalheira, o dinheiro desaparece mais depressa que a neve o sol de Agosto, que, num país pelintra como Portugal, os ricos são poucos e pouco abonados em dinheiro rápido (aliás fácil d sonegar aos émulos de Robin dos Bosques).

Quem assistiu ao PREC viu como os ricos mesmo indo para a cadeia (e muitos foram sem mandado, sem processo, sem acusação definida numa espécie de imitação dos velhos processos d odiado regime deposto) não trouxeram ao povo , aos trabalhadores, ao proletariado e aos seus aliados naturais nenhuma fortuna. Claro que foram ocupadas terras no Sul, nacionalizados bancos e empresas para além de uma parafernália de coisas que tinham caído nas mãos dos bancos desde tipografias a estúdios fotográficos, lojas de vária espécie, um par de jornais falidos e mais uns centos de negócios que só estavam na posse dos bancos porque estavam a garantir dívidas e falências.

Os ricos saíram das cadeias ao fim de algumas semanas ou meses, desandaram para horizontes mais clementes onde, os mais avisados, tinham escondido a parte boa das fortunas e quando regressaram compraram por tuta e meia o que lhes fora tirado e reconstituíram em menos forte os pequenos impérios que a vindicta popular e analfabeta lhes tirara. As propriedades voltaram às mãos dos “agrários” e as cooperativas e outra unidades vagamente imitadas da desgraçada experiência soviética desapareceram. O Alentejo deixou rapidamente de ser vermelho e hoje é o que se vê. O “chega” chegou e ameaça varrer muita autarquia comunista (aliás já são cada vez menos...)Em dois anos a “revoluçãoo” portuguesa deixou de estar na modo, fechou o turismo revolucionário e apenas ficaram duas vagas mas sinistras organizações que assaltaram umas dezenas de bancos e mataram outras tantas criaturas, a maioria das quais por engano, por incúria, por estupidez. Revolucionários de fresca data foram sendo apanhados sem grande esforço, delataram amigos e camaradas, alguns estiveram algum tempo na cadeia e os chefes foram amnistiados e passeiam por aí tal qual os pides que, também, não foram demasiadamente incomodados. Menos incomodados ainda foram os milhares, os muitos milhares, de bufos e denunciantes, que uma lei iníqua furtou à justa ira das vítimas. Portugal, por vezes, rima com Carnaval ou com pantanal (se me permitem citar o engenheiro Guterres... ).

Desta feita, à falta de ricos (ninguém iria incomodar as criaturas dos vistos golden, ou os reformados dos países ricos que, instalados no Algarve ou nos Estoris, gozam uma tranquila reforma - varias vezes superior às melhores portuguesas- com o beneplácito do Estado e desolação da senhora Ministra das Finanças sueca) houve quem se lembrasse dos pobres.

E vai daí para acudir ao desastre do Património Cultural lembraram-se de criar uma “raspadinha” para obter uns dinheirinhos para remediar o medonho estado de coisas nesse capítulo. Ora, a raspadinha é em cerca de 76% usada por criaturas de baixos rendimentos que, coitadas, além de ignorantes, ainda acreditam no milagre das rosas. Não vale a pena explicar-lhes que só por bambúrrio é que o euro(ou dois, ou mais) raspado traz dinheiro que se veja. Todos os dias, assisto, na papelaria onde vou pelo jornal, à cena pouco edificante de pessoas modestas a rasparem freneticamente uns papeluchos de cores garridas na esperança de multiplicarem o seu parco investimento. Se eventualmente conseguem ganhar o mesmo que investiram não guardam o dinheiro antes o voltam a pôr em circulação, digo em raspação. E saem desolados mas determinados a voltarem no dia seguinte para raspar mais outra quimera.

Aquele euro, ou dois, ou mais, faz-lhes seguramente falta sobretudo se nos lembrarmos que ao fim do mês sempre representa uma soma de relevo para uma economia nos limites.

O Ministério da Cultura, uma ficção curiosa dirigida por outra ficção ainda mais surpreendente, entende que nos casos da raspadinha “em causa “não há prevalência de jogo patológico”, o que seria motivo para rir se, de facto, não fosse algo para lamentar. E lamentar duplamente: pelo burrice patológica revelada e pela perda económica de quem raspa.

O jornal Público revela que os jogos sociais em 2020  tiveram os seguintes resultados: 600 milhões (30% do total) para os beneficiários da acção social da Santa Casa. Nessas seis centenas de milhões, um terço )mais de 200 milhões) vai para os “mediadores”. Ou seja cada posto de venda terá recebido em média 43.000 euros.

E assim, afirmam, sem corar, os cavalheiros da Santa Casa, se garantem 16.000 postos de trabalho.

Eu só conheço o meu quiosque. Quem vende o jogo vende tudo o resto, desde jornais e revistas a toda a série de artigos de papelaria e ao resto que também por lá há, brinquedos, pequenas coisas úteis ou quase enfim o habitual. Não creio que a excelente empregada que todos os dias me entrega o jornal dependa da jogatina que vende e que é o paraíso de quanta empegada doméstica lá vai deixar o seu óbolo à Santa Casa...

Dir-se-á que já que os humanos são jogadores não vai grande mal em aproveitar esse defeito para ajudar outrem. Talvez, mas considerar nesse capítulo uma função essencial do abusivamente chamado Ministério da Cultura vai um passo e grande.

Uma vez, há quantos anos!, vi numa parede de um palacete uma inscriçãoo “isto foi construído com o sangue e o suor dos trabalhadores da empresa X”. Doravante, quando forem restaurar algum edifício abandonado (normalmente sem curar de saber o que depois farão dele!...)

Sempre poderão inscrever numa placa discreta que a obra de restauro foi financiada pela ignorância e pela eventual falta de qualidade de vida de umas centenas de pobres que nunca fruirão da coisa salva da ruína... E dizer que tal foi feito durante o consulado da actual inquilina do palácio da Ajuda.  Já que não pode associar o seu nome a qualquer coisa mais interessante, sempre passará à posteridade com esta raspagem ao pouco dinheiro de quem o não tem...

Os apóstolos do pagamento da crise pelos ricos estão calados como ratos. Et pour cause...

PQP!

estes dias que passam 582

d'oliveira, 26.03.21

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Saída precária 12

Quis custodiet ipsos custodies?

mcr, 26 de Março

 

 

Leitoras e leitores, não se amofinem com o latinório. Trata-se de uma citação de Juvenal (ou a ele atribuída) que simplesmente significa “quem vigia, controla, julga, os nossos vigilantes (juízes etc....).

Lembrei-me desta citação que apanhei num belíssimo policial italiano de uma dupla de escritores (Frutero e Lucentini) e que eventualmente se chamaria “La dona della do menica”. Esta dupla escreveu vários romances todos bastante potáveis mas terminou com o suicídio de Franco Lucentini que se lançou pelo vão das escadas. Do livro que citei fez-se um filme realizado por Luigi Comencini que também se deixava ver sem desprazer. Agora de filmes italianos só os noticiários da televisão e já é uma sorte.

Portanto, a vera raiz da minha erudição (esta vai para um amável leitor) tem origem no meu fervor pelos “gialli” italianos pois não me recordo de ter lido Juvenal.

Todavia, antes de continuar em modo italiano, vamos à substância: e essa é a do “meritíssimo” magistrado que cristalizou no ortorrômbico e proibiu os restantes membros do tribunal de usar máscara. Pior, terá encerrado a sessão por estes se recusarem a retira-la. Vá lá que não lhes deu voz de prisão...

Este senhor filma-se a si próprio a dizer coisas inacreditáveis enquanto conduz o que provavelmente é uma infracção ao código da estrada para além de o ser à inteligência. Ou, pelo menos, ao bom senso. Imaginemos o qe pensarão os possíveis justiciáveis da comarca onde o magistrado exerce o seu múnus! Parece que, entretanto foi suspenso, aliás por razões que nada têm a ver com estas atitudes.

O filme segue dentro de momentos.

E já que citei dois escritores italianos, ldos há uns bons quarenta anos, vale a pena salientar que ontem foi o Dia de Dante, cavalheiro florentino, dos séculos treze (fins) e catorze  e autor da “comédia” (que mais tarde foi proclamada “divina”.

De Dante, sabe-se pouco (mas mais do que de Camões). A “Beatriz” quem era? Morreu como? Com que idade?

A Comédia foi escrita quando? Se lermos o primeiros versos (nell mezzo camindi nostra vita mi ritrovai per una selva oscura ché la dirita via era smarrita) pode pensar-se que cerca dos 35 anos Dante começou  escrever a obra imortal. Mesmo se para alguém nascido no 3º quartel do sec XIII, a idade normal de vida não chegasse aos setenta anos (aliás morreu antes dos sessenta...) considera-se que foi na dobra do século que começou a escrever. Ontem a RAI 1 consagrou boa parte da noite à efeméride mas já só apanhei o final. De todo o modo, basta verificar a lista de personagens mais ou menos contemporâneos que aparecem na comédia para conseguir datar a obra...

Eu, já por aqui me declarei acérrimo leitor e admirador de Dante, e por isso lamento-me pelo leite derramado.  Vou vingar-me deste contratempo e rever   “Tutto Dante” um belíssimo programa de Roberto Benigni, gravado em 16 cd (5 volumes +1 epílogo) de que só tenho os três primeiros referentes ao Inferno. Descobri esta pequena maravilha, quando ainda tinha duas RAI na antena do  prédio. Depois, passei a ter a NOS e da RAI só um canal de notícias. Há dias a RAI 1 voltou pelo que agora vou ter mais cuidado.

Eu recordo a interpretação de Benigni porquanto, ele não só recitava toda a Comédia como fazia longos comentários de grandíssima qualidade. A declamação passava-se em praças apinhadas de gente e dava gosto ver o interesse com que seguiam o discurso do actor e a récita.

Vou, finalmente, pesquizar se ainda há disponíveis os restantes volumes e encomendá-los.

Se algum(a) leitor(a) estiver interessado  num autor de há setecentos anos (e porque não?) há no mercado uma muito boa tradução da Divina Comédia. Foi o Vasco Graça Moura, homem de muitos talentos, quem a levou a cabo com mais outras, aliás. O Vasco era um excelente amigo, um advogado de mão cheia que me ajudou nos primeiros passos da profissão e com quem me cruzei depois na Segurança Social. Deixou uma obra poética notável, excelentes ensaios, , e quase todos, sobre Camões. Dirigiu com um êxito e pudor o 2º canal da RTP demitindo-se contra os pudores imbecis de meia dúzia de beatos sacripantas que ficaram horrorizados com a projecção de um filme chamado “pato com laranja” onde apareciam umas maminhas. Ai Jesus, Maria José! Mais tarde VGM dirigiu a Casa Fernando Pessoa onde também mostrou o que valia. E antes teve uma intervenção marcante na Expo. Foi obviamente atacado por uma série de pequenos e médios intelectuais que não lhe perdoavam o apoio ao PSD enquanto governo.

Depois de morto, foi um ver se te avias de elogios e homenagens. Muitos provenientes das mesmíssimas ratazanas que lhe mordiam o calcanhar!  O costume! 

 

o leitor (im)penitente 209

d'oliveira, 25.03.21

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Saída precária 11

Às voltas com os livros

mcr, 25 de Março

 

 

Os leitores mais assíduos já me conhecem a mania, ia a dizer o vício mas também nem tanto: é verdade que compro demasiados livros, que não resisto a mais uns tantos, mas pelo menos, não entra nenhum sem levar uma bicada, duas ou muitas.

No caso em apreço, vou ler um de fio a pavio (ou de cabo a rabo, se preferirem, que nestas coisas a nossa comum língua é rica e muito mal aproveitada. Fala-se cada vez pior, com erros de toda a espécie e sem respeito pela ortografia. A bandalheira do acordo que ninguém respeita, excepto os patetas do costume – ou seja os portugueses de Portugal – desencadeou um semi-analfabetismo que o Parlamento, lamentavelmente não vê ou, pior, não percebe) a correspondência de Joaquim Namorado com Mário Dionísio (“lado a lado como sempre JN e MD”, Casa da Achada e Lápis de Memória, 18 euros ).

Conheci muito bem o Joaquim que era um autentico mentor  na sua cátedra da revista “Vértice” de que ele era o director de facto. Fomos mesmo vizinhos e, durante anos frequentei-lhe a mesa de café. Devia dizer às mesas porquanto ao fim da manhã o Joaquim Namorado assentava praça na Brasileira (com Paulo Quintela, Luís de Albuquerque, os irmãos Vilaça, Ivo Cortesão  e mais um ou outro. Eu quando podia escapava-me das aulas chatérrimas de Direito e marchava para a “baixa” e algumas vezes fui admitido àquele cenáculo. Depois do almoço e do jantar, Namorado vinha até à Praça da República (a “praça vermelha” e assentava arraiais num pequeno café que tinha (como o do lado, aliás) esplanada. Talvez se chamasse Peninsular ao algo do mesmo género mas o nome varreu-se-me da memória.  Aí juntavam- mais à vontade se vários professores de Direito de que destaco Carlos Mota Pinto, Orlando de Carvalho  (na altura ainda fora da faculdade a preparar um dos mais demorados doutoramentos de que me lembro, José Bastos  e alguns estudantes entre os quais eu que era o mais pontual, o mais assíduo e o menos estudioso como se calculará. 

Cada conversa era uma quase aula a que não faltava o bom humor e a pequena conspirata política. Uma das razões porque sempre achei miserável a campanha contra Mota Pinto (um belíssimo professor , um bom amigo e uma excelente pessoa) vem desses dias e sobretudo da pratica reiterada dele como professor, como examinador e como conhecedor de Direito. Carlos Mota Pinto era um democrata quando essa palavra se aplicava a poucos.

Voltando ao Joaquim Namorado, vaia a pena ouvi-lo falar sobre arte, literatua , cultura em geral e sobre ciência. Matemático, tentava explicar à rapaziada com fumos de literata a força e a indeclinável presença da “outra cultura”, a científica que para nós todos era um mistério mais difícil que o da Santíssima Trindade.  Vivia modestamente, porquanto o Poder tinha-lhe uma vontade negra. Nem sequer o deixavam ser professor do ensino particular. Resultado, esmifrava-se a dar explicações que dariam bom resultado pois era conhecido, entre os cabulões, como o “endireita de Celas”, bairro onde morava. Conta-se mesmo a história de um estudante universitário de Matemáticas Gerais  ou mais acima que, sendo explicando de Namorado, se aterrorizou com o exame e resolveu faltar. Foi o Joaquim a casa dele, tirou-o da cama a bofetão e dali até à faculdade moeu-o de cachações pois o alucinado jurava que não andava, que não entrava na sala do exame, que se calaria. E a cada jura, pimba!, bordoada feia. Passou com boa nota, foi  um excelente professor, fundador (no tempo difícil) do sindicato, presidente de Câmara na Democracia, deputado, Secretário de Estado e mais um ror de coisas. Com oitenta e bastantes ainda mexe. Se tem um canudo ao Joaquim o deve e à tarei com que foi mimoseado.

Portanto, um homem destes, um poeta interessante mas de obra curta, um dos que melhor soube resistir ao sufoco do Estado Novo, com consequências duras para ele, tem por força de ter uma correspondência interessante  e, no caso de Dionísio, um neo-realista extremamente crítico e atacado pelos puristas do ultra realismo socialista (vale a pena ler o que Pacheco Pereira diz dessa geração num dos tomos da biografia de Cunhal  - que nunca mais acaba!...- para perceber como Joaquim Namorado, um fiel mas também fiel aos seus amigos de geração – manteve com Dionísio uma relação epistolar.

Vale também a pena, recordar que Mário Cesariny meteu Joaquim Namorado no “surrealismo abjeccionismo”, o que não deixa de ser curioso e... revelador.

E já que se fala em Cesariny eis que há notícia da saída de mais um tomo da sua obra extensa. Desta feita, e sob a curadoria segura e inteligente de Perfecto E. Quadrado, um espanhol estudioso do surrealismo português com vasta obra publicada sobre o tema, saiu “Poemas Dramáticos e Pictopoemas” (Assírio e Alvim, claro) que complementa uma outra edição cesariniana (“Poesia”, mesma editora, 2018).  À cautela, encomendei os dois pois tenho a certeza de que me falta muita coisa do poeta, pelo menos poemas e escritos vários não reunidos em livro ou publicados em edições de pequena circulação.

Finalmente, saiu um livro sobre Vasco Pulido Valente. O autor, Céu e Silva gravou largas dezenas de horas de conversa com VPV (Uma viagem com Vasco Pulido Valente) e acaba de as publicar em livro.

Ontem, ao recordar, o “dia do estudante” de 1962, lembrei-me bem de alguns discursos de estudantes dessa época. Numa das muitas vezes que fui a Lisboa a mando da DG da AAC para contactos e troca de informação, ouvi-o discursar na Faculdade de Letras. Logo a seguir ouvi o Medeiros Ferreira de quem fui amigo desde essa época. Ambos me impressionaram e ao VPV fui-o lendo desde os tempos de “O Tempo e o Modo” (aliás, tê-lo-ei lido ainda antes no “Almanaque” revista em que ele entrou com 15 ou 16 nos !!!). Li atentamente os sue muitos livros, acho que “Ir para o Maneta” é uma das melhores obras de História publicadas nos últimos vinte ou trinta anos, diverti-me com as crónicas que foi publicando num português que invejo e a que nunca chegarei. Curiosamente, conheci-lhe (e apreciei muito) os pais que eram amigos dos meus primeiros sogros desde os tempos da clandestinidade mas com ele nunca me cruzei directamente. Teremos falado episodicamente duas ou três vezes e desses contactos de pura circunstância nada ficou.  O livro deve chegar amanhã e vai todinho ser lido no fim de semana.  E ao mesmo tempo, irei reordenando as estantes dos surrealistas. Ou seja vou meter.me em trabalhos tremendos  para reorganizar aqueles três metros bem medidos. Às vezes, penso que sou ligeiramente masoquista...

 

Mas isto distrai-me da prisão domiciliária.

Na vinheta: Joaquim Namorado

PS: ao leitor ABM não consigo abrir o seu comentário de que só há seis ou sete linhas.   

estes dias que passam 581

d'oliveira, 24.03.21

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Saída precária 10

Vírus irónico; efeméride

mcr, 24 de Março

A CG usa com desenvoltura as redes sociais, coisa em que nem me atrevo a meter o pé andarilho. Mas ela diverte-se como um cabinda, tem grupos das mais diversas origens com especial menção para os protectores de animais, amigos dos gatos e tricotadeiras. De vez em quando acode-me com notícias surpreendentes mas esta é de antologia. Parece que um dos organizadores da manifestação contra as medidas anti-covid, ajuntamento que acabou no Rossio com os manifestantes ao molho e de cara descoberta, está infectado. Eis como um pobre imbecil (ou uma, que eu não sou sexista) apanha com a conspiração pela cabeça abaixo sem dizer água vai. É claro que a tresloucada criatura pode sempre dizer que não, que é sarampo, cólera morbus, malária ou ataque gigantesco de traques. Como, na generalidade, aquilo parecia ser uma reunião de estudantes para festejar a queima (das máscaras) a infecção poderá ser chata mas deve ser benigna, uns dias, algumas semanas com febre, cansaço e dificuldades em respirar e eis que a personagem sai do hospital ou de casa pronto a combater nova conspiração. Os leitores e leitoras repararam que eu não lhe desejei a morte ou consequências severas de que também há notícia. Apenas um susto, algumas chatices menores e pronto, pronto para outra...

Da doença salva-se mas não da estupidez, o que já deve ser forte castigo se é que ele/a a nota. Normalmente não notam e passeiam-se por aí inchados de ideias novas sobre os mistérios do mundo.

 

Há 59 anos, uma vida, rumei com mais colegas de Coimbra, directo a Lisboa. Fomos de comboio, no mais baratinho que havia, embrulhados nas capas e batinas. Já muito perto de Lisboa, alguém achou que devíamos mudar de comboio e tomámos outro que nos levou a Entrecampos. Em boa hora o fizemos porque em Santa Apolónia tínhamos à nossa espera um piquete da polícia de choque. Da estação para a cidade universitária é um pulo e num pulo chegámos ao Estádio Universitário onde umas centenas, largas centenas, de estudantes lisboetas iam sendo empurrados de um lado para o outro por polícias. Com uma que outra bastonada à mistura, só para dar luz e som à coisa.

É claro que fomos recebidos por uma gritaria ensurdecedora e entusiasmada “É a malta de Coimbra!", uivava uma jeitosa que distribuiu pela vaga centena de recém-chegados, embiocados de negro, fitas e grelos ao vento, beijinhos de boas vindas. “Vê-se que as miúdas de Lisboa são outra coisa” advertiu-me entusiasmado um colega dos jogos de matraquilhos. Concordei e recebi prazenteiramente o meu beijinho. “Um abracinho também era bem vindo” pensei para comigo próprio. Mas não, apanhei a beijoca número trinta e dois (ou três, tanto dá) e marchei com a restante comitiva para a frente da polícia que nem acreditava no quão tansos eram os estudantes de Coimbra. E vá de levar sarrafada, claro. A coisa amainou, houve umas discursatas, alguém avisou que o Reitor (Marcelo Caetano) estava a tentar compor as coisas e, às tantas soube-se que toda aquela matula, engrossada por mais uma ou duas levas de Coimbra que tinham misteriosamente furado o bloqueio, começou a desandar para um “restaurante Castanheira” onde se comeria à pala do Magnífico Reitor. No Campo Grande, porém, a polícia entendeu que aquilo era de mais e começou a arrear na rapaziada e na raparigada, forte e feio. “Porra!, disse-me o Parcídio Sumavielle,” isto parece justiça de Fafe”. Os Sumavielle são todos de Fafe e atrevidos. Bem se diz que “com Fafe ninguém fanfa!”. E lá começamos a apanhar nos lombos com as bastonadas policiais. Como aperitivo para jantar comemorativo já vi melhor mas, ao longo de muitos anos de manifs até vi pior. Não houve jantar, evidentemente. Mas a malta de Lisboaera do melhor que há´e em pequenos, pequeníssimos, grupos adoptaram os de Coimbra e toda a gente, com os lombos aquecidos, e de que maneira, lá terá jantado, aqui e ali. Os meus guias levaram-me para o CUJ, Clube Universitário de Jazz, e passámos uma excelente noite que continuou num apartamento já não sei de quem onde cantámos todas as cantigas subversivas que sabíamos e as misturamos com baladas de Coimbra e cantigas dos Açores (estou em crer que algum dos meus amigos da república “corsários das Ilhas” estaria nessa celebração...) No dia seguinte, sempre embiocado na capa e batina (que remédio não levava nenhuma muda de roupa de fora) fui com os meus hospedeiros para a faculdade de Medicina onde havia uma reunião. A polícia invadiu o local e o célebre (na época) capitão Maltez deu cinc minutos para dispersar senão... Eu, com uma presença de espírito que era mais toleima que outra coisa, apontei para as minhas vestes e de mais alguns entretanto aparecidos, e terei dito que seríamos sempre reconhecidos e “enchousados” de porrada. O dito Maltez armou-se em cavalheiro e deu ordem aos energúmenos que comandava para não tocarem nos “rapazes” de Coimbra.

Horas depois regressávamos a Coimbra, doridos mas entusiasmados e jurando vinganças tremendas. Pela minha parte, dois meses depois, estreei “as minhas prisões” (Sílvio Pélico que me perdoe a ousadia) e fui fazer um retiro em Caxias com mais quarenta e três companheiros (entre eles quatro raparigas) que comigo e mais cento cinquenta felizardos e felizardas que escaparam entre as malhas da rede, ocuparam, pela 2ª vez, a sede da Associação Académica, fechada pela reitoria e pela polícia mancomunadas como de costume.

E é aos “40 caxos e 4 uvas” que dedico este folhetim. Muitos já não andam por aí a expor-se ao vírus e à burrice dominante mas eu recordo-os todos os dias

Em memória de Abílio Vieira, Alfredo Soveral Martins, Alfredo Fernandes Martins, Carlos Mac-Mahon, José Martins Baptista, José Augusto Rocha, Francisco Delgado, José Monteiro (“bagacinho”), Irene Namorado, Jorge Bretão, João Quintela, Luís Bagulho, Mário Silva, esperando fervorosamente que esta lista não tenha aumentado

(além destas prisões, houve, em Coimbra, 32 estudantes punidos com medidas de expulsão da universidade ou de todas as universidades nacionais. Proporcionalmente ao número de alunos verifica-se que Coimbra foi a academia mais penalizada. Entre eles, já que citei Fafe, terra onde nunca fui, estavam os dois irmãos Sumavielle, Parcídio e o Zé, o mais velho, que, na altura, era membro da Direcção Geral da AAC )

Eu sou vacinado, tu és vacinado e ele não é?

José Carlos Pereira, 23.03.21

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Nos últimos meses todos nos tornamos entendidos em vacinas, à custa de tanto lermos e ouvirmos sobre o extraordinário desenvolvimento de vacinas contra a covid-19. O investimento na ciência e o forte financiamento dirigido às principais farmacêuticas permitiram que, menos de um ano decorrido sobre o surgimento da pandemia, tivéssemos vacinas aprovadas pelas entidades reguladoras a chegarem aos braços dos cidadãos.

A nível europeu, todos aplaudimos a decisão de contratação em bloco das vacinas para os países da União Europeia (UE), constatando-se mais tarde que houve demasiado entusiasmo, mas poucas cautelas e escasso rigor na definição de regras e penalizações perante os incumprimentos das farmacêuticas. Quem investiu o dinheiro necessário para o desenvolvimento das vacinas deveria ter blindado melhor os contratos contra leviandades e chico-espertices.

Entre nós, ter-se-á avançado talvez um pouco tarde demais para a preparação e organização de todo o processo logístico e operacional da vacinação. Mais do que a escolha do perfil de liderança para a task force criada, que tanto se discutiu no momento da substituição de Francisco Ramos por Gouveia e Melo, creio que ficaram evidentes as fragilidades em todo o processo: no critério adoptado no estabelecimento das prioridades, nas cautelas que não houve na administração de eventuais sobras, na demora em planear centros de vacinação em massa, na resposta precisa e clara às reacções contrárias à vacinação.

Se compreendo que seria muito difícil reagir de forma diferente ao alarido criado em torno da vacina da AstraZeneca, com avanços e recuos a nível europeu que poderiam ter contribuído para o descrédito de toda a operação de vacinação, já considero incompreensível a aparente desordem na definição das prioridades na administração das vacinas. Entenda-se que não estou aqui a colocar em causa os grupos de cidadãos prioritários. Refiro-me às pessoas que integram os grupos comuns da primeira fase de vacinação - maiores de 80 anos e cidadãos de idade inferior com doenças sinalizadas para o efeito.

Então, primeiro são vacinados os maiores de 80 anos? Não. Conheço vários casos de pessoas com idade inferior a 80 anos que já foram vacinadas quando muitas com mais de 80 anos ainda não o foram. No escalão abaixo dos 80 anos, a prioridade é atribuída pela idade? Não é, porque conheço casos de pessoas com 60 anos vacinadas antes de outras com 79 anos. O critério terá sido o de valorização da gravidade da doença de cada um? Duvido muito que o SNS consiga fazer essa ordenação ponderada quando se vê agora a Ordem dos Médicos a defender que a vacinação deve respeitar o critério da idade, referindo que outro qualquer princípio vai criar injustiças e deixar pessoas para trás, seja porque não estão referenciadas no SNS ou porque a administração do SNS não consegue garantir a comparabilidade entre os doentes identificados.

Nesta altura do processo, ao fim de vários meses de planificação, exige-se total clareza, transparência e equidade na forma como é gerida a administração das vacinas. Perante a perspectiva de uma vacinação em massa nos próximos meses - assim haja vacinas em número adequado! - menos se compreende que os serviços não tenham já definido um critério para vigorar a nível nacional. Veremos o que nos reserva o futuro.

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