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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

homem ao mar 17

d'oliveira, 30.04.21

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Liberdade condicional 24

“Il fair frisquet”

mcr, 30 de Abril

 

Foi há muitos anos, em Saint Paul de Vance, tinha eu ido à fundação Maeght levado por umas amigas recentes encontradas em Antibes. Não sou um habitué da côte d’azur, mas vinha de Itália num mini audacioso com o fito de nunca me distanciar do mar. Do “mar cor de vinho”, como diziam os gregos porventura depois de libações mais que copiosas.

Portanto, vinha numa navegação à bolina, dormindo onde encontrasse albergue decente mas adequado à minha modesta bolsa. Nas praias parva para um mergulho lamentando que não fossem de boa e fina areia portuguesa mas gabando a calidez do mar, mar sem ondas, sensaborão mas carregado de jeunes filles en fleur.

Saímos cedo, o dia anunciava-se caloroso mas em Saint Paul, talvez por efeito da (pequena) altitude senti saudades de uma roupinha mais confortável. E foi aí que das francesas enunciou “il fait frisquet”, saudosa, também ela de qualquer coisa mais quente do que a blusa vaporosa que trazia. E fomos rua fora à procura de roupinha quente e barata, enfim de umas camisolas ou algo do mesmo género. E, milagre dos milagres, encontrámos uma pequena feira e lá mercámos com que nos proteger do friozinho insidioso que desmentia um céu azul e um sol resplandecente.

Ora bem, hoje, por aqui, passa-se o mesmo. Ou quase pois francesas nicles, zero vírgula zero. E que houvesse, provavelmente nem me olhariam de soslaio quanto mais de frente. Ai os anos passam, passaram muitos, muitíssimos e nem para “viejo verde” sirvo já.

Tudo isto para dizer da minha aflição numa loja de lingerie & assimilados aonde a CG me mandou em demanda de umas soquetes e de camisas de dormir leves, fáceis de lavar e secar. Assim! Camisas de dormir, boas, leves e fáceis de lavar!

Felizmente  a loja fica mesmo em frente de um dos lados da esplanada onde diariamente me sento a beber os cafés da manhã, a ler o jornal e, no antigamente, a escrever o folhetim. Ou seja, a proprietária conhece-me bem, também ela não passa sem a bica matutina, pelo que ao ver a minha confusão, propôs-me vir cá a casa com uma série de camisas e discutir essa grave questão indumentária com a CG.

Agradeci longamente e quando mais tarde, depois de uma passagem pela livraria, cheguei ao lar, doce lar, eis que estavam as duas em amena conversa diante de meia dúzia, pelo menos, de camisas, discutindo prós e contras, cores, feitios e tamanhos, tudo muito científico (ou foi isso que me pareceu). A vendedora ainda me disse ”afinal cheguei antes do sr. doutor”. Desculpei-me com umas vagas compras, laranjas, salsa, etc. E para me fazer perdoar afirmei magnânimo que oferecia uma das camisas. A CG aceitou imediatamente e, para os meus botões murmurei “vou pagar a mais cara!” mas, como se me tivessem ouvido, afirmaram-me que eram todas do mesmo preço tanto mais que assim sempre ficariam três cá em casa.

“Antes para isso que para a farmácia”, voltei a murmurar para os meus interiores e fui por uma camisola porque também eu, tinha reparado que a temperatura exterior não era exactamente primaveril, tanto mais que soprava um ventinho malicioso do género frisquet.

Eu ia falar do depoimento de testemunha de defesa do dr. Louça que, pelos vistos, também foi arregimentado ou arregimentou-se pelo pirata informático. Pelos vistos o ilustre conselheiro de Estado afirmou que o “Luanda leaks” só ocorreu depois da invasão  dos computadores da srª Isabel dos Santos “abrindo-se assim uma luz num quarto escuro”. Claro que Louçã, sempre previdente, lá deixou cair uma pérola antiga a saber que “os fins não justificam os meios” mas pelos vistos perdoa o pecado pelo bem que sabe apanhar uma empresária capitalista (melhor dizendo africanista pois fortunas daquelas só surdem em locais onde o poder –sempre revolucionário- reside num papá omnipotente e num partido corrupto até à medula. Nestas coisas só há um problema. Dequando em quando os que recebem menos querem uma fatia maior do bolo, coisa que obviamente lhes é recusada. Então só há um meio, substituir todos os comensais por outros comensais à vista do povo faminto. Louçã (tl como eu) não estimaria as manobras do clã Santos em Portugal. Vai daí aparece a defender um rapazola que agora se arma no Robin dos Bosques dos hackers. É um ladrãozeco mas é dos nossos!

Frisquet, muto, demasiado frisquet...

Na vinheta: meninos numa zona pública onde se pretendia construir à socapa expulsando previamente os moradores.       

homem ao mar 16

d'oliveira, 29.04.21

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Liberdade condicional 24

O mundo do futebol

mcr, 29 de abril de 21

 

Já aqui o disse. Sou completamente estranho a esse mundo, ou submundo palavra que me parece bem mais adequada dados os casos constantes com que brinda a comunicação social, o país e as pessoas em singular. Há algo de completamente irracional numa boa dose de comportamentos e de situações e hoje  vou debruçar-me sobre mais uma. Ou duas. Ou, se calhar três, todas ligadas ao futebol clube do Porto.

Na televisão pudemos ver que no fim do jogo estava instalada no campo uma violenta confusão, em que se destacava um cavalheiro de cabelos brancos a investir contra o que suponho ser o árbitro e a ser dificilmente controlado por dois samaritanos que, a custo, o impediram de qualquer burrice supina Não vi a actuação do treinador do FCP que lhe valeu uma forte penalização e finalmente dei-me conta da agressão a um repórter de imagem que, de resto tem sido repetida continuamente.

Deixo, as duas primeiras ocorrências e vou apenas debruçar-me sobre a última. Não consigo entender como é que um “empresário de futebol” (no caso um agente de jogadores) investe contra alguém que, por mais que tente perceber não é parte de qualquer situação- Mais, investe e solta uma fiada de palavrões soezes que também não tem. À primeira vista, qualquer espécie de justificação. De resto, justificar o palavreado fértil e nauseabundo do agressor seria sempre tarefa difícil. Por mero acaso o agredido não foi parar ao chão o que, no caso de haver – como havia- escadas poderia mesmo ter consequências graves.

Pelos vistos, o dito “empresário” não era parte interessada em coisa alguma. Não fazia parte da comitiva do FCPorto, não pertence a nenhum dos seus quadros directivos, nem, ao que consta, é criatura conhecida pela sua excitabilidade clubística.

Mas a verdade é que agrediu, insultou e ameaçou. Tudo gravado em som e imagem. Como gravados ficaram a inacção de alguns soldados da GNR e a tentativa honrosa de Vítor Baía de conter o imbecil e socorrer o repórter.

Não é primeira, nem a décima nem a centésima cena vil a que se assiste em campos de futebol ou adjacências. Até eu, que sou avesso à coisa, tenho apanhado via televisão este tipo de vergonhas.

Direi mais, tenho tido escasso eco da actuação punitiva de clubes, federação, liga ou tribunais. Pode ser que tenha havido castigo mas a verdade é que raras vezes a notícia dele chega com a devida contundência ao público.

Há, neste capítulo, uma estranha passividade, uma surpreendente compreensão, um tratamento quase benévolo dos desmandos das claques, dos adeptos ou/e das direcções clubísticas.

A “justiça” futebolística é algo de esotérico, incompreensível e parece apostada em varrer para debaixo do tapete, as contínuas barbaridades cometidas, ditas ou ouvidas, nos estádios, nos comentários, nas declarações de treinadores e direcções de clubes.

Aliás, esta situação, perversa e grotesca, tem continuação no “comentariado” televisivo onde qualquer um ouve guinchos, ameaças veladas, insultos implícitos e argumentos incríveis que parecem querer justificar a todo o custo a “verdade” implausível dos adeptos mais caceteiros. Tudo isto, pago com bom dinheiro, como se este espectáculo de luta na fossa fosse uma mais valia no “share” da estação.

Desta feita, além de se ter apurado o nome do agressor que nem sequer foi especialmente “incomodado” pela GNR que tardou em intervir mesmo se, como parece, assistiu impavidamente a tudo, há um coro de protestos. De facto, atacar um repórter de imagem de uma estação televisiva talvez obrigue a pensar um pouco mais no mundo violento e arruaceiro do futebol. Até o sr. ministro da Educação veio lembrar compungido o “crime público”! Há ameaças de processo por parte da TVI, protestos de simpatia por parte de inúmeras autoridades e do sr. Pinto da Costa que, sem querer, poderá ter propiciado a extravagante actuação do “empresário” que corre o risco de ficar sem licença de intermediação de jogadores, coisa aliás que se espera que suceda, não só pelo que fez mas, sobretudo, como aviso à navegação.

Isto, esta rebaldaria constante, está a precisar de reacção rápida, dura e eficaz.

Isto e o resto, os ínvios processos que segundas figuras dos clubes levam a cabo contra adversários, usando toda a espécie de meios e contando com conivências de todo o tipo. Há que limpar as estrebarias de Áugias, tarefa hercúlea mas absolutamente urgente.    

na vinheta: baixo relevo sobre as tarefas de Hércules: as estrebarias de Áugias

homem ao mar 15

d'oliveira, 28.04.21

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Liberdade condicional 23

Vai ser desta?

mcr, 28 de Abril

 

Há quinze dias, um mês, um pouco mais ou um pouco menos, li, vi, ouvi uns sisudíssimos cavalheiros avisarem gravemente sobre uma ressurgência dos maus dias. Era os efeitos da Páscoa, da reabertura das escolas, do ar da Primavera, do desporto ao ar livre ou da falta dele, era sei lá que mais. Até apareceu um matemático que afirmava quase o dia e a hora de um cataclismo vírico.

Como sou, de meu natural optimista, como já tenho o rabo mais pelado do que um macaco centenário, e como já conheci outras e piores Cassandras, não me comovi excessivamente, mesmo se, entredentes, desse livre curso a um pequeno rosário de palavrões de Buarcos, dos bons, dos antigos, dos que surtem  efeito.

E deixei-me andar, por aqui, sem grandes folias mas também sem especiais receios. Tomei, entretanto, a primeira dose da vacina que para alguma coisa vale a penas ser velho. De hoje a oito dias lá irei à segunda pica. E depois, respirarei um pouco melhor, convenhamos.

No entanto, o que hoje me traz à vossa amável companhia é justamente esta espécie de cacofonia em que um cacharolete de “especialistas” entende remar contra a corrente mesmo se são poucos  os argumentos e frágil o arsenal de razões evidentes.

É verdade que, noutras alturas, o Governo pecou gravemente (eu diria mortalmente mas nada abate Costa & comandita) e foi de uma ingenuidade pasmosa e de um optimismo idiota. Depois, claro, apertou o cinto às criaturas, proibiu a torto e a direito, fechou o país de tal forma que isto mais parecia uma mastaba colectiva habitada por múmias paralíticas. Foi dose de cavalo mas parece que funcionou. Por essa Europa fora as coisas desandam para o torto mas, “nós por cá, todos bem” (ainda alguém se lembrará do meu amigo Fernando Lopes, realizador honrado, trabalhador diligente, habitado pelo amor ao cinema?)passando do pior do mundo para um dos melhores. Foi obra. Só não digo mais porque, para piores do mundo contribuímos todos de forma alarve, governo à cabeça e malta atrás “cantando e rindo” como dizia o hino da Mocidade Portuguesa, uma palhaçada inominável que aguentei durante os primeiros cinco anos do liceu.

Voltemos, porém, aos “especialistas”. Eu tenho um imenso respeito pelos homens de ciência, mais ainda pelas mulheres (e mais uma vez rendo homenagem a Elvira Fortunato e, por ela, a todas as mulheres que estão a transformar o saber neste país, nas universidades, nos institutos de investigação.). Este país, na questão conhecimento científico está em bom caminho mesmo os resultados só se vierem a sentir no tempo do Nuno Maria, menino de três anos e pelo na venta, irrequieto que agora hesita entre um capitão América e um outro herói que é detective. Nos intervalos veste-se de bombeiro e anda de trotineta.

Todavia, quando acontece qualquer coisa que sai do normal, as televisões deitam pés ao caminho e arrebanham uma multidão de “especialistas”, de conhecedores que, muitas vezes não conhecem nem especializam seja o que for. Durante este longo ano tivemos direito a uma boa centena de criaturas que regra geral ou falavamcautelosamente e confessavam os seus limites ou se atiravam de chapa para a água e diziam tudo o que lhes vinha à cabecinha pensadora. Juntem-se-lhes comentadores à dúzia e jornalistas           ao quarteirão e o caldo está definitivamente entornado. Pior do que Babel mesmo se à partida a língua era a mesma.

De quando em quando, aparecia alguém mais avisado, mais discreto que lembrava que se estava perante algo de absolutamente novo e de que pouco ou nada se sabia. Trabalho baldado! Os infatigáveis palradores paravam por um momento e depois voltavam à carga com mais energia do que as estirpes do vírus que se vão revelando. Consta que a indiana já por aí apareceu, Seria bom saber como e de que maneira fez estes milhares de quilómetros todos, tanto mais que as fronteiras estão fechadas, a TAP tapada (só destapa para anunciar mais prejuízos e mais despedimentos), o turismo parado. Terá vindo pela internet?

Nisto tudo, neste panorama aparentemente muito menos sombrio do que há meses, há heróis. Desta feita, já não refiro os do costume, a malta da saúde que continua a dar o litro e de que maneira, mas os cavalheiros da logística e, dentre eles, o vice almirante de poucas mas claras palavras, que felizmente ficou com a herança de um boy do regime que meteu as mãos pelos pés e vice versa enquanto debitava burrices políticas à toa.

O marinheiro pôs a farda nº3, a de todos os dias de trabalho, e tem mostrado que merece inteiramente a alta patente que tem. Se as vacinas chegarem a tempo e horas, a população portuguesa será inoculada em número suficiente e poderá começar a lamber as feridas que são muitas e vão ser ainda mais. Não é só o desemprego. São as moratórias que acabam, os milhares de pequenos negócios que faliram, as sequelas de meses e meses de confinamento, as consultas perdidas, as cirurgias adiadas, o ensino em petição de miséria.

Isto, a reconstrucção, vai demorar e não basta uma bazuca nem duas. Se é que chegam a tempo...   

 

Parafraseando, de memória, Churchill: “isto não é o princípio do fim mas talvez possa ser o fim do princípio”. Ainda temos muito caminho das pedras pela frente.

Mas, pelo menos, temos um caminho!

 

Homem ao mar 14

d'oliveira, 27.04.21

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Liberdade condicional 23

Inauguração a todo o custo

mcr  27 de Abril

 

Em termos puramente ferroviários, eu sou do tempo dos afonsinos. Ou seja, sou do tempo em que todas as capitais de distrito estavam servidas pelo caminho de ferro, em que a Figueira era testa de duas linhas (a da Beira Alta e a do Oeste) em que os meninos na escola primária decoravam não só todas as estações mas também todos os apeadeiros, coisa que se não lhes faziabem tambwm não lhes tirava saúde alguma. Aliás, nisso de decorar havia os sistemas montanhosas, os rios e seus afluentes ,a tabuada e mais um sem número de coisas umas úteis, outras menos, mas que faziam parte do que se aprendia na escola primária, onde também o corpo humano e a lista dos reis de Portugal eram matéria obrigatória.

Agora, um professor queixa-se-me de que os seus alunos (na secundária) hesitam em dividir um número por dois ou não conseguem mesmo fazê-lo!

O que aqui parece curioso é a defesa da criancinha que não deve ser obrigada a decorar uma lista de 10 rios mas aprende por sua conta e risco vinte, trinta letras de canções do momento, todas em inglês, pois claro.

Deixemos porém o inglório terreno das discussões sobre a educação onde pontifica o eduquês mais frenético e voltemos aos domínios mais materiais da ferrovia.

Diz toda a gente, Governo incluído, que os caminhos de ferro foram abandonados há décadas. Desde Cavaco Silva, acrescentou perfidamente Costa, desculpando-o no entanto por “na época não se ter uma ideia clara da futura política de transportes”. Eu, sempre virulento, diria que na década anterior, e na anterior dessa, também ninguém se importou com o sistema ferroviário. Ninguém! Vivia-se na sofreguidão do carro recentemente disponibilizado a alguns, depois a outros, finalmente a todo o bicho careta. O que era preciso era estradas que, por acaso, também não havia.

Absolvido Cavaco, absolvidos todos os governos post 25 A, eis que o fantasma do comboio (ou o comboio fantasma começou a assolar a pátria carente, os trabalhadores suburbanos, os defensores do ar puro e os profetas do fim dos combustíveis fósseis, agora reconvertidos à verdade verdadeira do pópó eléctrico que, segundo os jornais de hoje, nunca custa menos de 40.000 euros, uma soma ridícula ao alcance de qualquer bolso nacional.

Já no domínio deste Governo, versão Geringonça 1, um pobre diabo, feito ministro sem saber o que isso queria dizer, veio anunciar uma nova era de vinho e rosas para os caminhos de ferro. Aquilo ia ser um vendaval de realizações, uma nova descoberta da Índia rápida, indolor e festiva. Não foi.

Essa criatura ministerial foi mandada rapidamente para o recato do parlamento europeu, sem sequer se poder vangloriar de ter oferecido a uma criancinha pobre mas merecedora um comboio de brincar. Nada! Zero!, Zero elevado a zero!

E veio o cavalheiro que adora pôr as perninhas dos banqueiros alemães a tremer. Veio salvar a TAP (lá iremos, brevemente, logo que consigamos recompormo-nos de mil despedimentos e 1200 milhões de prejuízo só este ano que passou. Quando tivermos feito as contas desse pequeno sacrifício a acrescentar ao triplo já perdido, viremos aqui. Até lá o que nos treme é a algibeira, a nossa que é sempre o mexilhão do  mar a bater na rocha) e a ferrovia.

Convenhamos que nesta segunda linha de acção, as coisas começaram a correr. É verdade que já havia projectos e propostas de reactivar Guifões, de ir aos comboios parados e a apodrecer e dar-lhes uma boa refrescadela para os pôr a circular, que havia a ideia de ir buscar umas centenas de trabalhadores especializados e de os mobilizar para as tarefas de restauro de locomotivas e carruagens. Tudo isso é verdade, mas foi este ministro que, depois do Alcácer Quibir do ar, tem na ferrovia uma oportunidade de ganhar uma Aljubarrota.

Claro que nem tudo são rosas, que à Rainha Santa já basta ser padroeira de Coimbra. Todavia, e finalmente, foi electrificada a linha de comboio Porto Valença. Ou foram electrificados os quilómetros que faltavam. Seja como for, o Primeiro Ministro lá foi eufórico até à fronteira norte inaugurar como é habito algo que, por acaso, por mero acaso, estava previsto ser inaugurado há uns tempinhos (dois anos, pelo menos). Em boa verdade a inauguração é apenas meia inauguração. Faltam passagens desniveladas e falta boa parte da sinalização electrónica. Mas já há comboio eléctrico com a novidade de partir de Coimbra.

Eu que sonho com um comboio eficaz até Vigo para evitar 150 bons quilómetros de auto-estrada começo a ter esperança de não morrer sem o estrear. Mas apressem-se, que diabo, que já não estou assim tão fresquinho para poder esperar largos anos!

Segundo o “Público” a comitiva era numerosa, viajou em duas carruagens de primeira que não fazem parte do menu Porto Viana Valença, mas também não são nada do outro mundo. Já a comitiva contava com o Ministro da Educação e com uma Secretária de Estado da Habitação!!! Fica bem ligar estes dois pelouros aos Transportes tal a proximidade entre os respectivos escopos!

Todavia, mesmo sabendo em que país vivo, há algo que me consegue surpreender. Porquê a festarola inaugurativa quando a obra ainda não está concluída? Eu sei que, neste jardim da Celeste, as inaugurações são sempre em catadupa e aos bocadinhos porque assim “rendem” mais. Daqui a uns meses, o Primeiro Ministro inaugura a electrónica e depois, com mais vagar, há de chegar o tempo das passagens de nível desniveladas. À falta de romarias este ano, arranjam-se estes bocadinhos de festa mesmo se pontuados de manifestações de criaturas anti-patrióticas que querem melhores salários (o último aumento data de 2009), fronteira aberta (só quem não conhece a fronteira de Valença-Tui é que não sabe que a cidade portuguesa passa a ponte enquanto a espanhola faz o mesmo em sentido contrário.

Referi acima que gostaria de ir do Porto a Vigo de comboio. Todavia, do Porto a Valença são duas boas horas o que me parece demais sobretudo com a linha electrificada. Se os espanhóis segurem o nosso exemplo, Vigo fica a três horas. Convenhamos que, assim, não serão demasiados os passageiros que não se importam de perder uma manhã num trajecto tão curto.

É que um dos cálculos portugueses pressupõe que o aeroporto Sá Carneiro (Porto) se possa converter num acesso privilegiado à Galiza, ou à sua parte sul. Para isso, três horas é muito tempo. Demasiado!

(em tempo: no ano passado, fiz férias em turismo rural – excelente!- perto de Barcelos. Pelo caminho, apanhei duas passagens de nível. Em ambas tive de esperar que o comboio passasse! Numa estrada que já não é razoável, duas passagens de nível exasperam.)

Na vinheta; em Vigo já perto da ria, há uma rua cheia de vendedoras de marisco, ostras quase sempre. Ao lado uma multidão de bares fornecem mesas e bebida. Ai, meu Deus!...que saudades!

 

 

    

 

 

homem ao mar 13

d'oliveira, 26.04.21

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Liberdade condicional  23

“o diabo é a História...”

mcr 26 de Abril

 

 

Ontem o Sr. Presidente da República discursou no Parlamento. Pelos vistos, os ouvintes gostaram. Bateram palmas, toda a gente de pé. Foi bonito. Comovente. Estarrecedor!

Então um discurso bem feito, bem lido que no fundo afirma que há que assumir a História, a boa e a má, os momentos grandiosos e os outros, é, para  a larguíssima maioria, assim tão moderno, tão diferente, tão inovador que os deputados, esmagados pelo oratória presidencial tiveram de se levantar das cadeiras e aplaudir freneticamente?

Parece que esta referência à História, depois de anos de grotesca imbecilidade, de crassa ignorância, de má discussão, mal feita mas barulhenta, se chegou à bonançosa praia o bom senso. Finalmente, a História, os factos, a leitura deles tendo em conta o tempo em que ocorreram e não os presunçosos óculos (antolhos) espessos da ideologia mal digerida, da moda sempre em evolução, do destempero segundo as últimas escolhas vindas de fora ou da estupidez doméstica, parece chegar.

Chega tarde, eventualmente, pois os zoilos, os filisteus, os da ideologia pret a porter, estão atentos e saltarão ao caminho mal os ecos do discurso amainem. 

Não vou fazer aqui a síntese do discurso, quem quiser que o leia, os jornais trazem largos excertos, as televisões hão de repeti-lo até à exaustão.

Todavia, e na sequência de vários textos meus, aqui mesmo publicados desde há vários anos, entendo dever chamar a atenção para um milhão de compatriotas a que deveria acrescentar meio milhão de africanos negros que combateram sob as ordens da tropa portuguesa. Que salvaram o “coiro” a milhares ou dezenas de milhares dos nossos soldadinhos atirados para as matas sem sequer saberem dizer ao certo em que geografia estavam, porque estavam ali, para que servia o sacrifício das suas vida, saúde e juventude.

( ponto prévio: não fiz a tropa porque, em 61, um alferes médico angolano me salvou de ficar “apurado” alterando os dados do meu índice de Pignet - se é que essa coisa que media altura, peso, largura de peito e não sei que mais se chama assim e se escreve assim-.

De todo o modo, e logo em 1962, declarei-me contra a guerra, conspirei contra ela e contra o regime que a provocava. Anos mais tarde, depois de várias outras acções, pude ajudar alguns desertores a passar a fronteira e salvar-se de combater, de matar ou de morrer. Lamento dizer que me orgulho disso; que voltaria a fazer exctamente o mesmo ou melhor se possível.

Ao mesmo tempo, nunca deixei de pensar nos que partiam para a guerra porque não tinham outra alternativa  - e eram a imensa maioria- e lá tinham que tratar de regressar tão bem (ou tão mal) quanto possível.

Estou, sempre estive, solidário com a imensa maioria dos que fizeram a tropa nesses sítios medonhos. Já aqui o disse, já aqui recebi calorosos apoios de muitos desses soldados, espantados e gratos por haver alguém que se lembrava deles.)

É pelo que acima disse que não aturo os rapazolas (e as raparigolas!, psse o neologismo) que, sem conhecer um mínimo de realidade, sem saber que tempos eram esses vem agora  armar-se em exegetas de algo que nunca compreenderão e que, felizmente, nunca viverão.

Está por fazer, mesmo se muitos testemunhos se publicaram, se alguns livros se editaram, a História desses anos terríveis. Cinquenta anos depois, morta a maioria da geração combatente, sabe bem ver que alguma tardia justiça se faz a esse milhão de anónimos. Nem sequer refiro os negros africanos que por lá ficaram e que, em muitos casos, malgrado os acordos solenes, foram vítimas de todo o tipo de perseguições, morte incluída. Portugal tem acolhido com notória frequência líderes políticos africanos que lutaram contra este país mas depois caíram em desgraça nos respectivos países cuja liberdade ajudaram a criar. Bom seria que acolhesse e defendesse todos quantos, por ele lutaram e foram abandonados. Uma das grandes tragédias da colonização é justamente essa: uma vez descolonizado um país, ninguém da antiga metrópole europeia se importa com quem a serviu. Foi assim com a França que só muto tarde aceitou pagar as reformas das centenas de milhares de soldados africanos que combateram nas duas guerras, e assim foi com o Reino Unido, mesmo se de forma menos evidente.

Portanto, saúde-se a reparação histórica sem que isso signifique qualquer simpatia pelo defunto Império, pela ideologia a ele subjacente. Trata-se apenas de fazer sair da clandestinidade e da vergonha todos quantos, cabisbaixos, sofrendo do stress post traumático, de outras maleitas psíquicas  e de tudo o resto (e aqui vai um rosário de amputações, de cegueira etc...), de fazer sair, repito, para a luzdo dia uma realidade que muitos fingem não ver, não reconhecer.

Em boa verdade, o “Império” nunca existiu, quanto mais não fosse porque até meados do sec. XIX a exploração de África estava por fazer. Angola era uma série de portos de Luanda a Benguela e (talvez) Moçâmedes com um hinterland limitado a um cento de quilómetros e muito mal conhecido. Moçambique era ainda menos conhecido, Lourenço Marques não passava de um presídio miserável devastado pelas febres e pelos ataques dos “cafres”, Sofala um entreposto, Quelimane idem, e a zona da Ilha de Moçambique e seu hinterland não ia muito além do Lumbo e do Mossuril. 

As populações brancas eram constituídas por uma maioria de deportados e/ou aventureiros. O pouco que havia de administração vagamente portuguêsa estava entregue a uma pequeníssima classe de brancos e mulatos que ainda não sabiam que seriam substituídos por um corpo de funcionários coloniais que, no caso da Guiné, se recrutariam em Cabo Verde. A imigração portuguesa dirigia-se na quase totalidade para o Brasil. Todo o sul de Angola (Moçâmedes, Sá da Bandeira) só começa a ser ocupado a partir da 2ª metade do sec. XIX com portugueses vindos do Brasil, a partir das iniciativas de Sá da Bandeira que, para socorrer os “brasileiros” lhes forneceu navios e licenças para se estabelecerem a partir de Moçâmedes para o interior. E com madeirenses paupérrimos, os "xicoronhos" que também, mais tarde demandaram a África do Sul. Em Moçambique as coisas ocorreram ainda mais tardiamente mas sempre depois das campanhas de Mousinho e de Neutel de Abreu.

Do centro para norte, as cidades apareceram no fim do sec. XIX (Beira, 1891; Porto Amélia 1899) ou a partir dos anos 20/40 (Vila Cabral, 1931, cidade em 1966, Nampula 1026, cidade em 1056)  .Exceptua-se Quelimane, “cidade” ainda no sec. XVIII mas também de pequeno e tardio desenvolvimento. Eis, pois, o Império admirável de fins da Monarquia, da 1ª República e do Estado Novo. Um castelo de cartas de que a história do mapa cor de rosa é um significativo exemplo: um imenso territ´prio percorrido por “pombeiros” portugueses, alguns exploradores mas desprovido de qualquer espécie de administração civil e, menos ainda de ocupação militar.

Deixemos, este tema que, poderia ser conhecido caso os admiradores do império e os seus adversários lessem qualquer coisinha, o que,  obviamente, nunca fizeram quiçá por falta de tempo.

E regressemos não exactamente ao discurso mas a uma badalada distribuição de comendas e medalhas pelos “capitães de Abril”. Só a eles? Então não havia muitos oficiais milicianos desde os que tiveram obrigatoriamente de fazer a guerra até aos que “meteram o Xico” e continuaram a servir depois do seu tempo de mobilização? E os soldados, as centenas de milhares de praças, cabos e sargentos, brancos e pretos que de facto ocuparam o terreno e passaram por todas as vicissitudes de uma guerra que se era desagradável para a oficialidade  profissional muito pior seria para os galuchos que subitamente se defrontavam com algo que não era a vida deles, a escolha deles, o ganha pão deles e se traduzia em sangue, suor, lágrimas e "adeus até ao meu regresso" (que de quando em quando era dentro de um caixão, para não falar nos que ainda por lá estão para vergonha nossa, colectiva?

 

Deixo-vos caros/as leitores/as este pequeno problema que enquanto não for resolvido não acabará com o fantasma da guerra, cos os desastres da guerra e com a culpa dela.

 

Não há vinheta alusiva. A razão é simples. Consoante os quadrantes políticos uns preferem mostrar cabeças de negros espetadas num pau ou mulheres e crianças esventradas bo norte de Angola.

Enquanto não for possível reunir tudo, todas as fotografias as boas, as más e as péssimas não vale a pena fingir, como certos autores televisivos fazem, que estamos a mostrar o que aquilo foi.

Portanto contentem-se com uma péssima fotografia parcial da minha estante de História onde cabem todos os autores, de todas cores e correntes desde que minimamente interessados nos factos.

 

“Oh Barbara, quel connerie la guerre!”

(Jacques Prévert: Barbara, in “Paroles”)

 

Há, surpreendentemente, uma edição bilingue deste poemário admirável. Foi uma loucura absoluta do meu querido amigo João Rodrigues, editor da Sextante. A tradução deveu-se a Manuela Torres (chapeau!, senhora tradutora). A edição data de 2007 e ainda deve andar por aí.

homem ao mar 12

d'oliveira, 25.04.21

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Liberdade condicional, 22

Um livro fascinante

mcr, 25 de Abril

 

 

Todos os anos, pela tardinha, o Rui Feijó telefonava neste dia apenas para dizer que, “apesar de tudo tinha valido a pena”. E eu respondia ao velho grande Senhor que sim, que valera a pena, que, se nem tudo corria como sonháramos, era de todo o modo, bem melhor, incomensuravelmente melhor do que os anos de chumbo que ambos (ele bem mais) vivêramos até 74. Agora o Rui já por cá não anda mas eu não consigo deixar de o lembrar (e ele e a muitos outros) e esperar o seu telefonema que, depois se estendia por uma boa meia hora de conversa.

Desta feita, lembrei-me ainda mais porque, ontem comecei a ler (e, mesmo com estes olhos maltratados, já vou na p. 110!) um livro fascinante onde o Rui é evocado uma boa dúzia de vezes.

Tem por título “A PIDE e os seus informadores – o caso de Inácio”. É seu autor Paulo Marques da Silva, um licenciado em História , autor de um outro livro sobre Fernando Namora, “Fernando Namora por entre os dedos da PIDE” e ainda de um opúsculo “Denis Jacinto entre suas paixões: o teatro e a liberdade”

E cito estas duas últimas obras por razões também pessoais: O Namora era amigo lá de casa e foi até o autor da caricatura do meu pai para o livro de curso. Quanto ao Denis Jacinto que conheci bem e de quem fui amigo, fez parte de um grupo informal de consultores da Delegação Regional da SEC onde trabalhei e de que fui responsável.

De resto, o livro que motiva o folhetim está recheado de amigos (mais velhos, quase contemporâneos dos meus pais) meus da época de Coimbra e a quem devo muito mais do que alguma vez poderei pagar, a menos que a admiração, a fidelidade e a ternura que me suscitam possam, de certo modo, ser uma pobre retribuição. Não vou citar todos porque ultrapassam a meia centena mas não posso deixar de mencionar Albano Cunha, advogado em cuja casa joguei muitas vezes bridge, Judite Mendes de Abreu, amiga e mãe de amigos fraternos, Cristina Torres, professora figueirense e corajoa democrata, Mário Braga Temido, médico abnegado, Carlos de Oliveira, João Cochofel escritores, Armando Bacelar, advogado, Alberto Vilaça, advogado e meu primeiro patrono e Carlos Cachulo meu professor na escola primária.

O livro, um tomo de 350 pp, editado pela Palimage (Terra Ocre) lê-se com imensa facilidade não só por estar bem escrito, estilo simples, directo, claro mas pela história que conta. De facto o informador Inácio relacionou-se com toda a gente que militava no “reviralho” (e era uma multidão!) e obteve durante trinta anos uma informação que, por si só, é uma História da Esquerda coimbrã.

Com a cereja no topo do bolo: referencias constantes aos democratas figueirenses que, obviamente, também conheci. É absolutamente admirável a exactidão das “informações” prestadas, a avaliação da periculosidade dos elementos (“avançados”, “comunistas, “perigosos”, segundo a sua exótica classificação) que são denunciados. Por outro lado, arriscando-me a enganar-me, pois só vou na primeira centena de páginas, não deixa de ser comovente a coragem de alguns dos retratados (o caso de Albano Cunha é extraordinário) a obstinação que manifestam em enfrentar os mais diversos perigos. Aqueles anos sombrios são iluminados por rostos jovens (entre eles Salgado Zenha, que presidiu à Associação Académica e que, como Mário Soares justamente disse, foi “a consciência moral do PS” e advogado de inúmeros presos políticos. Com grande pena minha nunca o conheci pessoalmente mas admirei-o sempre mesmo quando apoiei Mário Soares).

À medida que ia lendo, saltavam-me ao caminho pessoas com quem me cruzei, na “Brasileira”, noutros cafés, em clubes modestos, em reuniões mais ou menos clandestinas.

Não é de todo a história da minha geração nem entre os citados há nomes de colegas e companheiros meus. Provavelmente, na década de sessenta, Inácio já teria saído de cena mas isso só saberei mais adiante.

Em qualquer caso, esta personagem faz-me lembrar que, uma vez quando integrado num grupo  que Sachetti recebeu nas instalações da PIDE coimbrã, o polícia disse que não era na Direita que recrutava informadores mas entre nós. Aquilo, na altura, irritou-me, tomei a coisa por provocação mas mais tarde percebi que ,além de nos avisar ameaçando, Sachetti dizia uma verdade como um punho. Os informadores da polícia (20.000 pelo menos) estavam entre nós, tomavam café connosco, iam às nossas reuniões, frequentavam os mesmos círculos, ouviam tudo e relatavam tudo.

Tudo isto independentemente de outros informadores que, por convicção ideológic também davam para o mesmo peditório. Aqui, neste livro, o que sobressai é o bufo pago à peça ou mensalmente, o que trai conscientemente pessoas que nele confiam, para já não falar naqueles (e não foram poucos) militantes políticos que a polícia “virou” à porrada, com promessas, por dinheiro ou inclusive por sedução.

É por isso que se torna cada vez mais urgente, abrir os dossiers, os arquivos e permitir às vítimas (onde me incluo) saber quem as denunciou. Não se trata de vingança mas apenas de apurar a verdade, limitar suspeitas, ilibar pessoas injustamente acusadas (e recordo um amigo que tinha um nome rigorosamente idêntico a um informador  que nunca terá usado pseudónimo. Foi o cabo dos trabalhos perceber quem era o gandulo e salvar o bom nome do nosso amigo que, felizmente, nunca soube das des confinças que sobre ele pesaram durante algumas semanas logo a seguir à tomada da PIDE portuense onde se ilustraram alguns amigos meus (Zé Afonso, Manuel Simas etc... )

À cautela já encomendei o livro sobre Namora, póstuma homenagem a um amigo do meu pai, que na lista conta com mais alguns entre eles o do médico e colega na Figueira Gilberto Vasco Branco que conheci bem e que sempre me tratou com carinho.

Gilberto Vasco nunca esqueceu que meu pai, um conservador, recusou um convite para assistente caso deixasse de se dar com ele, um “notório comunista”. Conservador mas honrado e amigo do seu amigo. Assim me recorde alguém quando o meu momento chegar.

Até lá vou ler este autor Paulo silva, nascido quando já eu era adulto e ex-preso. Arre, que estou velho!   

*na vinheta: Francisco Sousa Tavares no largo do Carmo no dia 25 de Abril ainda antes da rendição de Caetano.  Nunca o conheci, nunca fui monárquico, mas sempre admirei a sua coragem e o seu amor pela liberdade. 

homem ao mar 11

liberdade condicional 21

d'oliveira, 24.04.21

 

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Liberdade condicional 21

À atenção dos donos do 25 A

mcr, 24 de Abril

 

 

Há 47 anos, estávamos em pulgas. Quando digo estávamos, refiro um grupo de amigos, vindos todos de Coimbra, passados todos pelas lutas estudantis e pela revê académica de 69. Estávamos todos no Porto, muitos de nós a advogar e, por razões várias, grupais mas não só, com conhecimento do que se passaria nessa noite. Alguns dos nossos estavam na tropa e, honra lhes seja, na conspiração. No meu caso, um dos jovens oficiais milicianos, pedira ajuda. Que eu me encarregasse de, em caso de necessidade, falhado o golpe, tivesse tudo preparado para levar para a fronteira, tantos conspiradores quanto possível. Para o efeito mobilizei os meu sogros, Jorge e Alcinda como motoristas dos respectivos carros, o Rui Feijó, idem e a Teresa Feijó que já se tinha distinguido como (a exemplo do pai)  hospedeira de fugitivos à polícia. Com isso eu conseguia 5 carros prontos para ir numa corrida para a fronteira, velha conhecida minha dado que, há já uns anos, passava por ali dissidentes a caminho do exílio. Noutra casa, a Fernanda da Bernarda e o Zé Ferraz (e a Joana) avisados tambºem, dispunham-se a albergar quem necessitasse. O mesmo acontecia com  a Isabel Ferraz, o casal Leonida e Manuel Strecht Monteiro,  o António Lopes de Dias e a Lena, o Zé Bandeira, a Mi e mais alguns que neste momento não consigo recordar. No Marco de Canavezes estavao casal Isabel Pinto- orge Baldaia, há dias falecido.  Na Figueira, o Quim Sousa e o Zé Baldaia preparavam-se para ir para o quartel auxiliar os revoltosos que, em coluna, marchariam para Lisboa.  Nos quartéis conspirando tanto quanto podiam e mais, muito mais do que a prudência talvez aconselhasse, estavam outros amigos de Coimbra, o Zé Afonso, o Manue Simas, o Sottomaior – que estava destinado a ser o oficial de dia (ou de noite) no quartel General- enfim, estávamos todos e isso é bom lembrar aos agora candidatos a donos do 25 A. Nós arriscávamos tanto quanto eles.

O Zé Afonso, dera-nos as senhas e portanto, em minha casa, eu e a João  (e a Teresa que achou melhor ir para lá dormir para estar ainda mais em cima do acontecimento) a noite ia ser longa. Os meus sogros e as raparigas deitaram-semas eu fiquei alerta. Como sou um pouco distraído, para não dizer pior, esqueci-me ou não sabia, que os Emissores Reunidos de Lisboa (onde sairia a 1ª senha) eram inaudíveis no Porto. Imaginem a minha frustração. De todo o modo, meio vestido fui passando pelas brasas mas aí pelas três/quatro da manhã algo me acordou. Na rádio passava um comunicado do “movimento das forças armadas”. Dei um uivo, acordei o mulherio, corria ao andar de baixo a alertar os meus sogros. O Jorge Delgado, ex-preso político avisou que só o voltassem a acordar caso fosse preciso. A Alcinda, optou pelo mesmo diapasão. Resolvi telefonar ao Rui Feijó que imediatamente sugeriu uma volta pela cidade para ver o que se passava. As duas raparigas já estavam prontas, prontíssimas, excitadíssimas e lá fomos os quatro, madrugada fora, espreitar os quartéis  (tranquilos mas com luzes acesas), o movimento (inexistente). Aí pelas seis caímos num café que abria onde me deparei com a mulher de um dirigente sindical da “ferrugem” que me murmurou “ai se ao menos soltassem os presos políticos!...” “claro que sim, retorqui, com uma segurança só baseada no meu incorrigível optimismo, na minha absoluta esperança, lembrado do irmão fugido em Paris e passado na fronteira por mim e pelo Manel Simas.

A manhã com sol apanhou-nos em Miramar onde uns soldados estavam perto de uns emissores (RCP?) , Fora isso mais nenhum sinal. Regressámos triunfantes e sedentos de notícias para o pequeno almoço. Depois começou a catarata de telefonemas, De todos os lados ouvíamos gritos, risos, alguma lágrima de comoção “porra mcr, esta já cá canta!”. Aí pelo meio dia rumou toda a gente à casa da Fernando da Bernarda e do Zé Ferraz e aquilo mais parecia uma Assembleia Magna das boas, das coimbrãs. Os nossos amigos de Coimbra também estavam em polvorosa. Uma festa!

Esta pequena crónica serve apenas para avisar alguns alegados donos do 25 A  de que, por muitos lados, havia gente pronta a sair para a rua ainda as colunas não tinham chegado ao Carmo, onde outra multidão desarmada já cercava o quartel. E no meio delas, o Francisco Sousa Tavares, monárquico e oposicionista preparava-se para arengar aos sitiantes. E ainda ninguém sabia se as coisas corriam de facto bem ou não.

Dito isto, fecha-se a referencia à triste, ridícula e patética controvérsia sobre o desfile da Avenida que se saldou numa espécie de saída de sendeiro que não honra ninguém e apouca todos os membros da numerosa comissão organizadora. Agora, todos poderão desfilar desde que aceitem uma espécie de caderno de encargos inventado à ultima hora num apelo qualquer.

Estou longe dessa confusão de gentinha que se põe em bicos de pé para aparecer numa fotografia auto-celebrativa. Lembraria apenas, caso valesse a pena, que a liberdade deve ser o ar que se respira pelo único pulmão possível o da democracia.

Mas isto, esta simples verdade, há de ser demasiada areia para a camioneta deles.

Em memória de Jorge e Alcinda Delgado, Rui Feijó, Zé Bandeira, Fernanda Bernarda, Zé Tavares Pinto, Jorge  Baldaia,  Joana , a “aleijadinha” e mais alguns que se a memória me falha não estão por isso ausentes. Do que foi e poderia ainda ser o espírito do 25A.

Se a comissão permitir, claro...

 

homem ao mar 10

d'oliveira, 23.04.21

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Liberdade condicional 20

Bonecas russas à portuguesa

mcr, 23 de Abril

 

Pode haver algum/a leitor/a que não conheça as “bonecas russas” pelo que aqui vai uma explicação simples: trata-se de um conjunto de bonecas tradicionais que estão encaixadas umas nas outras. O número não importa mas obviamente hão de ser pelo menos três.

Ora é a um descobrir e desencaixar de bonecas russas que estamos a assistir desde há dias na confusa história do desfile do 25 de Abril. A cada dia que passa, surge uma nova versão do que realmente se terá passado com a negação de participação da Iniciativa Liberal.

Hoje, o “Público” noticia que o coronel Vasco Lourenço até era favorável à inclusão deste grupo político. Porém, a comissão organizadora onde existirão quarenta organizações ( 40? A sério? Existirão de facto quarenta organizações absolutamente distintas umas das outras ou estaremos perante um jogo de espelhos tão comum neste género de situações em que sob pseudónimos diversos aparecem uns grupos patuscos cujos membros pertencem a outros igualmente pindéricos mas que, sob a multiplicidade de designações dão a impressão de constituírem uma multidão de organizações sólidas, fortes e com muitos filiados?) decidiu de modo diferente, sempre, sempre, preocupada com a saúde dos “trabalhadores, população, juventude e democratas” (sic in comunicado do PCP  que, pelos vistos acha que esta divisão é mais abrangente do que a simples menção a “pessoas”. Também não se percebe se estes substantivos e adjectivos são ou não cumuláveis mas isso já é costume...)

O coronel Vasco Lourenço , sempre surpreendente, tirou mais um coelho da cartola, perdão do quépi, e revelou que, por ele, a IL desfilaria livremente. E que a famosa “comissão organizadora” decidiu por maioria. O esforçado militar de Abril acha, e bem, que o “Livre” e o “BE “ estão a “sacudir a água do capote” dado o escândalo desta barragem a um partido representado na AR e sobre o qual não pairam suspeitas de anti-democrático.

Mais: o presidente da A25A ameaça retirar esta do desfile ainda que tenha marcado para hoje, sexta-feira, uma reunião para “analisar a situação e exigir que todos assumam as responsabilidades pelos seus actos” !!!!!!!

Convenhamos, isto é Portugal no seu melhor, no seu mais patético, em todo o baço esplendor do jogo dos quatro cantinhos.

À falta de Carnaval nas ruas, temos um carnaval posterior na Avenida. É obra!  É uma tourada à antiga portuguesa... com Vasco Lourenço a fazer de cabo de forcados.

 

 

....

não tem nada a ver com as palhaçadas de cima. Apareceu a versão cd dos “Sun Bear Concerts” de Keith Jarrett. Há muitos anos, bem mais dos que me apetece recordar, Jarrett veio a Portugal, ao coliseu de Lisboa para um concerto. Um público irrequieto, ignorante e imbecil , incapaz de estar em silêncio, obrigou-o a interromper a prestação. Saí de la furioso, frustrado e chorando o meu dinheiro (bilhete e viagem, o que não era assim tão pouco). Mantive-me fiel ouvinte e, apesar de ter a versão LP não resisti e encomendei esta. Do mesmo autor saíram recentemente os concertos de Budapeste e de Paris.

Num dos próximos dias há um concerto com música de Luigi Nono. Em Lisboa, claro. Nono é um compositor imperdível. Avisa quem vosso amigo é.

 

 

homem ao mar 9

d'oliveira, 22.04.21

Liberdade condicional 19

Tiro ns pé

mcr, 22 de Abril 

 

Não queria insistir na bizantina decisão da Associação 25 de Abril quanto à participação ou não das pessoas da Iniciativa Liberal. Todavia, a prestação tristíssima do senhor coronel Vasco Lourenço, ontem, nas televisões, obriga-me a voltar a essa “vexata quaetio” que ao fim e ao cabo se reduz a uma confusão interpretação da licença da DGS quanto ao cortejo.

Se bem entendi, a DGS teria fixado um máximo de 1000 criaturas no desfile. 

Convenhamos que, para além da contabilização de marchistas à partida, ou há um serviço de ordem extremamente eficaz, com possibilidade de impedir os penetras ou tudo isso é pouco mais do que fogo de palha. 

Vivendo longe  de Lisboa e tendo desde menino a ideia de que os feriados, se o tempo o permitir, são para ir à praia ou passear, nada tenho com estes limites de lotação, nem com a vontade de participar na marcha cravejada a desafinar o “Grândola...”. quem participa exerce o seu direito, quem não participa idem e a descida da Avenida não me aquece nem arrefece. 

Todavia, e do ponto de vista de Sírios, tenho a vaga ideia de que se há um partido recente, um movimento cívico novo ou alguma agremiação democrática que queira juntar-se, tal deve ser incentivado e, porque não?, aplaudido. Mais uma prova de que, em 1974, finalmente, houve militares que com a tardança de  quarenta e oito anos, entenderam corrigir uma situação criada pelas forças armadas, mesmo se com o aplauso quase unânime do país, das elites, dos sindicatos  que viam ruir diariamente a 1ª República. O 28 de Maio não passou de uma lenta passeata de tropas saídas de Braga que, se foram aproximando de Lisboa, entre vivas do povo e adesões em cascata dos quartéis, de todos os quartéis, estacionados no caminho. 

Pelos vistos, tal não foi o parecer do senhor coronel Lourenço presidente vitalício da A25A. Socorrendo-se de uma recomendação da DGS eis que proibiu a chegada de quatro ou cinco criaturas. Tenho a fortíssima convicção que o militar em causa não percebeu a tolice do gesto, a implícita censura que ele revelava nem que tal decisão poderia ter consequências políticas variadas e todas desconfortáveis para a Democracia, a Liberdade e a Esquerda. E isso mesmo foi patente pelo coro de críticas (incluindo, pelos vistos, o PCP que, nestas coisas, é cauteloso, inteligente e não gosta de “dar armas à reacção”)

As televisões (por exemplo o programa “circulatura do quadrado”) atiraram-se a este fait divers como gatos a bofe e, desconfio, extasiaram-se com imagens em directo do esforçado coronel a tartamudear umas esfarrapadas razões que só mesmo ele perceberá. 

É evidente que ninguém exige ao coronel Vasco Lourenço visão política, inteligência táctiva, noção estratégica em coisas que não são exactamente do foro militar.  Mesmo se o referido oficial, volta que não volta, se meta nestas altas cavalarias porventura complicadas para alguém da Infantaria. 

Pior: no decurso da discussão, um jornalista veio afirmar que a A25A está estabelecida num prédio pago pelo Estado, recebe uma côngrua do mesmo Estado que dará para pagar as sedes regionais e a de Lisboa. Não sei se isto é verdade mas se acaso for estamos perante outro insondável mistério que é o de uma associação privada receber não se sabe por que bulas um apoio dos contribuintes, incluindo os que ela recusa integrar no “seu” desfile. 

Em tempos já semi-distantes, fui, por três vezes,  com um amigo comer um exeelente cozido à portuguesa À A25A. Paguei o que me pediram e agradeci esta possibilidade mas isso, o restaurante aberto a todos, não justifica qualquer óbolo estatal. Também já, e aqui, saudei uma posição da A25A que perante uma miserável recusa de um grupelho restrito de estudantes, ofereceu a sede ao dr. Jaime Nogueira Pinto (criatura de que fui adversário nos meus tempos de estudante) 

Para proferir uma conferência cujo conteúdo esqueci.  

Esta posição, de uma nobreza que admiro, contrasta com a canhestra decisão que agora critico. 

No meio disto tudo, só há, até ao momento, um vencedor: a IL que nunca teve tanta gente e tantos meios de comunicação a solidarizar-se com ela e tanta propaganda gratuita.

Não sei se o sr. Coronel terá reparado nisto...

(parece que uma agremiação de nome VOLT Portugal também foi escorraçada d marcha)

feito por mcr, paisano convicto e abrilista desde1958 (é bom lembrar que nesse ano, o de Delgado, não haveria muita gente militar que coubesse na futura designação )

 

 

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