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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Produção industrial ameaçada

José Carlos Pereira, 31.05.21

A escassez e o brutal aumento do custo de várias matérias-primas começam a preocupar seriamente a indústria nacional, que em muitos casos também se depara com dificuldades logísticas no transporte marítimo, cujo preço cresceu de forma impensável há pouco tempo.

A falta de matéria-prima e de componentes pode inclusivamente obrigar vários sectores industriais a pararem linhas de produção, como já sucedeu com alguns fabricantes de automóveis. A Europa vê-se, mais uma vez, dependente de estratégias alheias.

Homem ao mar 50

d'oliveira, 31.05.21

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Liberdade vigiada, 28

O “bolhão”

mcr, 31 de Maio

 

 

Há no Porto um mercado que está em vias de profundo restauro e que se chama Bolhão. Era onde todos os políticos iam para se verem aclamados pelas vendedoras. Nunca percebi porquê tanto mais que estas, generosamente, davam vivas a quantos apareciam a distribuir propaganda e brindes. Das duas uma ou havia pessoal disposto a votar em todos e cada um dos candidatos ou essa malta fingia um entusiasmo eleitoral que, de facto, não tinha e entrava no ritual com aquele saber antigo e popular que aconselha aclamar todos os que mandam ou podem vir a mandar para ver se escorre qualquer coisinha.

Portanto,  e como calculam, não é deste velho mercado que tem pouco mais de 100 anos que venho falar mas tão só desta semana que passou e que, segundo uma senhora ministra (desta feita da Presidência) nem iria ser sentida no Porto graças a um par de bolhas que, milagre da santinha da Ladeira!, traria e levaria uns largos milhares de ingleses que assistiriam à bola, nas Antas e zarpariam para a sua terra logo a seguir. A vinda seria também pouco antes do jogo pelo que todas as cautelas sanitárias estariam garantidas.

Claro que palavra de Ministra é moeda de cobre ou latão, gasta e pouco procurada. Todavia, depois da estrondosa vitória nacional, nossa, de ter uma final (que a maioria das cidades antes solicitadas rejeitara por óbvias razões de pandemia) todos os patrioteiros, patriotaços e patriotinhas festejaram: mais uma vez se reconhecia o “torrãozinho de açúcar" como o novo éden europeu e, quiçá, mundial.

Alguns portuenses embandeiraram em arco. Gente astuta, habituada aos malabarismos políticos do costume, cheirou-lhes a negócio farto desde que as bolhas dossem complacentes ou melhor não existissem. Restaurantes, hotéis, bares afiaram a garra, encomendaram pipas e pipas de cervejas e outros álcoois e esperaram a pé firme pela “bifalhada” de Londres e Manchester que se previa muita, barulhenta, sequiosa e mal comportada como, aliás, é costume. E o desembarque começou bem mais cedo do que as autoridades nacionais e locais previam tendo a primeira vaga de assalto britânico conquistado sem oposição a praça da Ribeira e redondezas onde os bares são multidão.

Em princípio, esperava-se que os adeptos viriam não só munidos de bilhete para o jogo mas também de vacinas, máscaras e prontos ao distanciamento social. Erro crasso: aquela gente que chegava em sucessivas vagas não tinha bilhete, nem estava interessada em tê-lo, vinham pela “hospitalidade” portuguesa, pelas bebidas baratas, pelo sol e pela brandura dos costumes indígenas e da polícia local. Não se enganaram, como se verá.

Depois chegou a massa compacta dos adeptos com direito a estádio. Também eles traziam, para além da esperança da vitória, uma sede ancestral e uma frenética vontade de, em havendo hipótese, esmurrar, “ir às fuças” (segundo a gíria local) algum adversário, ou mesmo, caso a sorte quisesse, um polícia. Como se sabe, um polícia honradamente socado, dá direito a cinco pontos, o que vale bem três adversários de cabeça rachada.

Os cavalheiros dos bares e a rapaziada hoteleira rejubilaram. Eles, lá sabiam, de ciência certa que isto de bolhas ministeriais é chão que já deu uvas e que nunca, mas nunca!, se deve levar a sério.

A população portuense evitou os locais de festejos alcoólicos, que eram bastantes e centrais enquanto que a Câmara (segundo o dr. Rui Rio, que aliás, é suspeito nesta questão) assobiava para o lado. A polícia, sem instruções especiais do Ministério da Administração Interna (desaparecido mesmo antes do combate) fazia o que podia pastoreando as hordas britânicas e tentando evitar desacatos maiores. As máscaras essas não se viam, o famoso distanciamento social era, pelos vistos de vinte milímetros entre cada bêbado ou candidato a bêbado (uso o masculino mas posso tranquilizar as madames do #metoo# nacional: também havia mulheres  a beberricar o seu copinho, a cantar pelo clube, a altercar com algum(a) vizinho(a).

É bom saber que, do desaparecido MAI tinham chegado ordens claras para que a Polícia de Intervenção se mostrasse discreta, alheia ao eventual tumulto, isto é não interveniente.

Digamos que a bolha prevista era mais uma bola de sabão soprada pela boca sedenta de algum inglês mais tranquilo.

Um surpreendente Secretário de Estado do Desporto veio até afirmar, mesmo depois das zaragatas, das detenções (duas) dos feridos portugueses (dois polícias de giro) que tudo correra como o previsto, que o país (este) não podia parar no grandioso esforço de mostrar ao mundo a sua inépcia organizativa e a sua ganância fortíssima pelas libras esterlinas. Esta jovem luminária tem carinha de inocente ameninado e um discurso condizente. Irá longe, mais longe ainda que o conspícuo e invisível dr. Cabrita.

Toda a gente pode ver (e ouvir) embasbacada que os adeptos com sede e sede (dantes escrevia-se sêde) fixas na Ribeira não tinham bilhetes, estavam à espera de ver o jogo em ecrãs gigantes que alguém (a Câmara, a FPF, a UEFA, o sr Ventura ou algum anónimo compadecido?) bondosamente colocaria (e colocou) em duas zonas separadas para os que só tinham vindo beber uns hectolitros de cerveja, apanhar sol e aproveitar os voos low-cost.

Digamos, para simplificar, que uma zona importante do centro da cidade, dos Aliados até ao rio, adquiriu o estatuto de covid free zone onde era permitido andar sem máscara, de garrafa pela rua e em ajuntamentos sem distância social.

O respeito pelas regras, as famosas regras da DGS, do Governo, do Sr. Presidente da República essas ficaram para exclusiva aplicação pelos indígenas sob pena de forte multa em euros.

As direcções hoteleiras festejaram rijamente esta abébia futebolística concedida aos súbditos de Sª Majestade britânica que seguramente agradecerá as facilidades dadas aos seus avinhados (ou acervejados) cidaãos. Também isso foi visto na televisão.

Igualmente visível foi o caso de um dos bares da Ribeira (mas seguramente terá havido outros) que às quatro da tarde encerrou portas. Não porque temesse conflitos mas apenas porque se esgotara a cerveja. O taberneiro dizia que tinham voado para as goelas da freguesia inglesa mil litros de cerveja que, nos seus mais loucos sonhos poderia sobrar mesmo se abertos até à hora do fecho do estabelecimento.

Também na delicada questão de encerrar os bares houve problemas. A clientela do lado de lá da Mancha recusou-se a sair a menos que  se lhe provassem escassez total do ambarino líquido.

Os indígenas portuenses que nada tinham a abichar mostraram-se convenientemente indignados. A eles a PSP não perdoa a falta do açaime, o não cumprimento do distanciamento social, as horas de recolher. E ai de quem se resolva a andar a emborcar umas “bejecas” pela rua! Vê-se bem que a tripeiragem tem uma inveja danada, ancestral dos ingliches,  dos “bifes”, dos estranjas em geral. Também é verdade que grande parte destes descontentes não tem hotéis, restaurantes ou bares. E não só os não tem como, cautelosamente, não puseram o pé nas zonas invadidas e colonizadas pela gente do Chelsea e do City qua além de falar estrangeiro gosta de arrear na população local à falta de competidor mais forte.

Em suma: não “foi bonita a festa, pá!” e muito menos ver todos os responsáveis políticos a escafeder-se por tudo quanto era canto, buraco, esgoto, postigo. Ou porque não estavam informados, ou porque não era aquele o momento de comentar essa trivialidade alcoólica e zaragateira, ou porque, sempre o rapazinho do Desporto, o país precisa de mostrar o que vale desportiva e organizativamente, além do que escorreu (nunca uma palavra significou tão bem a situação) muito e bom dinheiro sonante para os depauperados cofres nacionais. Desde que paguem, os ingleses, selvagens ou não, são bem vindos. E se derem uma gorjeta, melhor ainda...

Hoje, segunda feira, no noticiário da tarde, assisti a um exercício de langue de bois, vulgo cassete, por parte da senhora Ministra da Saúde. A criaturinha, que também andava longe dos holofotes, foi impagável. Metralhou para as televisões uma algaravia que, por mim, deveria passar vezes sem conta nas televisões para que o público perceba como é que se debitam dez largos minutos de declarações sem  que nada dali se extraia de conclusivo. Extraordinário, ou simplesmente pungente, foi ver como os repórteres televisivos são toureados sem conseguirem sequer aproximar da “diestra” qualquer eventual corninho, passe o termo. Um mimo! A senhora saiu dali com direito às duas orelhas e o rabo dos seus vencidos e lidados ouvintes. E foi para um congresso de médicos onde seguramente, se lhe derem espaço, repetirá a facecia e a façanha desta feita na voz reflexiva.

*a vinheta: O Porto cujo clube derrotou, uma solitária e brilhante vez, o Bayern, não tem estas robustas empregadas que muita falta fizeram nas jornadas anglo-cervejeiras da semana passada. Os meus leitores e leitoras repararão que esta senhora transporta dez canecas das grandes (um litro) bem cheias. Se um litro de água destilada pesa um quilo, quanto pesarão estes dez litros e as respectivas canecas que, juro, tive a oportunidade de usar para o mero efeito de me dessedentar quando durante um período longínquo da minha vida habitei os arredores de Munique para aprender alemão?. Aprendi, claro, se não morria de fome (e de sede) e aprendi também que uma caneca destas – na Baviera sê bávaro! – pesa bem perto de um quilo. Grüß Got!

 Alles gut! Viel Spass!

homem ao mar 49

d'oliveira, 30.05.21

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Liberdade vigiada 27

Lei inútil? –Não: perigosa!

mcr, 30 de Maio

 

Não sei se a coisa tem a data triunfal de 28 de Maio ou se só nesse dia foi conhecida. Se for essa a data, estão de parabéns os entusiásticos deputados (uma resma deles!)que a propuseram e votaram. E fazem de “inocentes úteis” os parcos membros do quadrado que se abstiveram.

Inocentes úteis éum conceito que vem dos tempos nem sempre gloriosos do Komintern e definia aquelas personalidades politicamente não comprometidas mas que, nos momentos certos lá assinava de cruz um qualquer apelo, manifesto carta, moção, que os “internacionais” lhes pusessem à frente com o claro de fim de combater perigos reais (e muitos houve) ou imaginários (idem, aspas, aspas).

Normalmente, era a IIIª Internacional quem recorria ao truque, apoiando-se numa falange de personalidades mormente pacifistas que, horrorizados com a hecatombe das trincheiras de 14-18 assinava tudo o que parecesse um apelo pela paz e pela dignidade dos trabalhadores. Muitas vezes, o perigo era real, mostrava-se com absoluta desfaçatez: Os uivos de Mussolini (“A noi”!) as bravatas desse mesmo cavalheiro, passado do jornalismo socialista para o fascismo (e ele foi de facto se não o criado pelo menos afigura cimeira) e durante muito tempo o ídolo de Hitler ( e não o contrário, como alguma ignorância atrevida propala), eram sinais evidentes para fora de Itália das ambições desmesuradas e mal fundamentadas do pretenso herdeiro da Roma imperial.

Todavia, a partir do momento em que o NSDAP (ou seja o partido nacional socialista dos trabalhadores alemães, em curto – e grosso!- o partido nazi), a ameaça nacionalista extremista tornou-se mais clara, mais concreta e mais angustiante nomeadamente para os democratas franceses e ingleses. No espaço de poucos anos, mais de metade da europa estava sujeita ao poder (e aos caprichos, também) de ditadores comprovados. Os mais evidentes, Hitler, Mussolini, Stalin, tinham já provado de que madeira eram feitos. Já havia GULAG, mesmo se com um outro nome, já havia processos políticos constantes (os de Moscovo então eram relatados por toda a imprensa livre europeia e saldavam-se em prisões em massa, penas de morte, relegamento para as regiões mais inóspitas da Sibéria, perseguição das igrejas, dos partidos incluindo os de matriz socialista, campanhas violentíssimas contra minorais étnicas ou sociais (o caso dos Kulaks, camponeses alegadamente ricos).

Ao lado disto, Mussolini parecia quase um político compassivo. Relegava ou prendia os opositores, as suas milícias perseguiam na rua os opositores, enviava tropas para conquistar zonas miseráveis de África, num grotesco sonho colonizador que, aliás, encontrou forte resistência e não poucas derrotas mas de todo o modo, a contabilidade de vítimas era, pelo menos em solo italiano, reduzida. Hitler, herdeiro de uma outra tradição mais disciplinada, mais organizada, já tinha provado que no Reich de 1000 anos não havia ninguém absolutamente imune ai terror. à “noite das facas longas” onde foram presos, executados centenas de fieis da primeira hora, seguiu-se a prisão e envio para campos de concentraçãoo de opositores de todo  o jaez, para já não falar na eliminação de doentes mentais e no afastamento e prisão de homossexuais, ciganos, afro-alemães (vindos fundamentalmente do sudoeste africano – Namíbia – mas também do Tanganika, actual Tanzânia, colónias perdidas em 1918. Socialistas e comunistas, membros de comunidades religiosas forneceram lotes mais relevantes para a população carcerária, onde os judeus ainda, por escasso tempo, de resto, eram uma minoria.

Conviria salientar que o caminho de Hitler para o poder foi facilitado pela inexorável guerra de rua travada entre socialistas e comunistas, via milícias armadas ( não era só NSDAP que tinha um milícia(mais bem organizada, mais forte e ainda com menos escrúpulos!...). Hitlar poderia ter sido travado pela união de conservadores, socialistas e comunistas mas tal obviamente não ocorreu aos seus líderes nem aconteceu. A partir de 1933 os nazis começaram um passeio triunfal, apoiados por uma multidão que não esquecera a humilhação de Versalhes, a ocupação de terras alemãs, a desastrosa e impensada política de indemnizações, a crise da moeda, e os subsequentes desastres. Aliás, a democracia alemã fora desde edo posta em causa até pela esquerda radical, os spartakistas.

O resto da Europa tirando a Bélgica (que tinha um fortíssimo partido -os recxistas- de extrema direita!) a Holanda, os países escandinavos, apresentava um conjunto de tiranias de cariz ultra-conservador (Pilsudsy na Polónia, Horty na Hungria, Metaxas na Grécia, Antonesco na Roménia. E a península ibérica tinha Salazar desde 28 e Franco a partir de 36, data do inicio da guerra civil.)

Foi neste temível período que floresceram as censuras mais evidentes a quaisquer meios de comunicação, sempre capeadas por declarações virtuosas de protecçao do interesse público, nacional, geral, de prevenção do boato, da informação falsa, caluniosa contra os superiores interesses da Nação.

O fim da 2ª guerra mundial mudou em parte, escassa, este estado de coisas mas foi preciso chegar aos anos 80 para começar a pensar uma Europa sem grandes entraves à liberdade de informar.

Ora, razões de diversa índole, voltam a ensombrar o “estado da informação livre”. As chamadas democracias iliberais já limitam  e de que maneira!, a informação. O mesmo ocorre na Rússia e na Bielorussia e na Turquia se a quisermos a fazer parte do palco europeu.

É verdade que as redes sociais são um vespeiro, um moinho da Joana onde entra quem quer, diz o que quer e encontra quem acredite nos maiores delírios possíveis. É verdade que, convem atalhar o caminho às fake news muitas delas aliás vindas de centrais políticas longínquas, como se viu nos EUA.

Porém, uma lei emanada da AR deveria ter um teor menos eventualmente liberticida ou que pusesse baias claras a qualquer tentativa de aproveitamento político por parte do Poder, ou até de poderes menores.

Quando me preparava para vir a terreiro, dei com três (3!!!) excelentes textos no “Público” de sábado. Os seus autores são António Barreto, José Pacheco Pereira e José Barata Feyo. Basta-me pois, recolher a penates, que qualquer deles disse, diz, melhor do que eu tudo o que é possível temer desta lei espúria, desnecessária e potencialmente perigosa. Que um monte de deputados não o perceba diz tudo sobre a qualidade, o bom senso e e a cultura de quem a votou.

 

E mais não acrescento, não vá ser eu o primeiro da lista a       apanhar com a lei em cima. Com estes amigos, a liberdade não precisa de inimigos.

 

(em tempos remotos, escrevi várias coisas mormente notas de leitura e criticas literárias mas não só, que a diligente comissão de censura de lápis azul afiado impediu de publicar. De certo modo, alguma coisa se aproveitou pois estou certo, mesmo sem cópia desses textos, que basta asneira terei dito. Os tempos pediam muita paixão mas menos razão. Porém, não foi essa a intenção do oficial lateiro que lia vesgamente o que a malta escrevia. Quando não entendia, e não entendia imensas coisas, cortava a eito. Vamos voltar a correr o mesmo risco? Mesmo que os d lápis sejam meros paisanos?)  

*a vinheta: Maurice Clavel   em finais de 1961 lançou a célebre frase "Messieurs les censeurs, bon soir". Fo em directo, num programa de televisão que estava a ser seguido por mais de dez milhões de espectadores. Clavel, queixou-se, com razão, que os produtores de um seu filme que iria ser discutido ali, tinham cortado uma palavra no final do filme. E entendeu que não valia a pena discutir com tal gente. Levantou-se da cadeira e saiu. não vi, nem poderia ver, que por cá havia a censura televisiva. Mas lembro-me de ter lido uma série de artigos (Le Monde, L' Express, Le Nouvel Observateur) que aliás recortei e guardei até vinte e tal anos depois serem devorados por um pequeno incêndio no meu apartamento. 

Senhores deputados, passem vossências muito bem!   

 

homem ao mar 48

d'oliveira, 29.05.21

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Liberdade vigiada 26

Vale tudo? Claro que sim!

mcr, 29 de Maio

 

Juro que não tencionava voltar ao tema “Bielorússia” e, muito menos ao sequestro de um avião para dele extrair um jornalista opositor do regime.

A coisa parecia-me tão vil, tão obra de gangsters dos anos vinte/trinta que, inocentemente tinha por certo que, por cá, ninguém deixaria de a condenar.

Pelos vistos, enganei-me redondamente, porquanto uma senhora autarca do pcp entendeu que o desvio em si era algo sem grave significado. Importante, para a criatura, era o facto de haver fortes suspeitas sobre o jornalista entretanto preso depois de o avião ter sido forçado a aterrar.

A pobre e desvairada criatura parece acreditar que para prender um direitista, um perigoso direitista de vinte e seis anos, um fascista(?) notório tudo se deveria fazer.

Os fins, pelos vistos, justificam os meios, teoria que, de resto, sempre prevaleceu no antigo regime soviético de que Lukashenko, como Putin, foi um fiel apoiante como membro activo do partido comunista soviético. A sua carreira, logo que se iniciou no cursus honorum próprio da nomenclatura soviética, passou pela direcção de uma fazenda colectiva e depois do desmoronamento da URSS  rapidamente se reconverteu em defensor de uma nova ordem, idêntica à antiga e resolutamente anti reformas de Gorbatchev. O nacional populismo, tintado de forte autoritarismo, teve nele o candidato ideal às eleições presidenciais que ganhou embora sob a acusação de fraude eleitoral. E a partir daí é o que se sabe: presidente eterno e amador de oncursos de beleza que, embora casado, lhe tem rendido “amigas” íntimas, uma das quais até foi promovida a deputada.

Ora, uma fervorosa militante comunista, nossa, nacional, entendeu que contra este estadista de alto gabarito só “fascistas” ou loucos se podiam pronunciar. A Bielorússia da velha URSS só imita o estilo autocrático e anti-popular. Desconhece-se a existência de um partido guia de recorte leninista e de ambições “progressistas”. O país está empobrecido, vive de migalhas russas porquanto Putin nunca escondeu, sobretudo nos últimos anos, a ideia de ver esta vasta nação regressar ao seio da mãe pátria.

Mas, admitindo mesmo isto, essa tentativa de acabar com o irredentismo de Minsk, não se percebe o acirrado amor da surpreendente autarca comunista. Putin, antigo membro dos serviços secretos soviéticos onde terá, se não erro, chegado a altos cargos dedirecção, faz parte daquela geração que sem mudar praticamente nada passou de fiel servidor do internacionalismo proletário a fiel defensor do actual autoritarismo russo (ou pan-russo). Os métodos de governação são mais ou menos os mesmos, mas a ideologia do regime actual em pouco se baseia no marxismo-leninismo se é que dirigentes como Stalin, Krutchov ou os desastrados sucessores sucessores alguma vez acreditaram verdadeiramente em algo tão pouco evidente. Só mesmo com muito boa vontade pode alguém misturar o marxismo com o desvio leninista  que acaba por ser a sua negação mais rotunda.

Não é a primeira vez, e não será a última, que uma militante devotada aparece subitamente a louvar a antiga situação soviética, os seus desconhecidos méritos, o centralismo democrático, a infalibilidade das suas teses económicas, a sujeição de todos a um partido único que, aliás, soube perfeitamente levar a cabo o seu plano de sujeição da sociedade aos extremos que se conhecem. E convenhamos: de proletáios na elite dirigente soviética sabe-se de raros exemplares que aliás nunca foram importantes nem deixaram rasto político que se conheça. 

Que, apesar de tudo, este género de militantes portuguesas tenham um desconhecimento tão evidente, tão profundo não só da história mas também do pensamento marxista é que surpreende qualquer um.

Dir-se-á que da antiga fé no “sol da terra” resta apenas uma saudade geográfica que faz do extremo leste europeu, um solo de mártires e heróis que em nome da classe operária e da futura sociedade sem classes, reduziram a população a um pobre modo de viver sem luz nem, e é o mais importante, esperança. Como se sabe, o regime caiu praticamente sem um tiro, desagregando primeiro os países satélites um a um e depois a URSS que perdeu todas as repúblicas agregadas, desde os bálticos até aos povos turcos da Asia central. Nem a Georgia, pátria do imortal e nunca assaz chorado José Djugashvili que no século usou o nome de Stalin, permaneceu fiel a Moscovo (uma afronta que vai pagando paulatinamente graças às sucessivas intervenções russas no seu território que vai sendo amputado por pretensas repúblicas “libertadas” graças ao “grande irmão” russo).

Ora, mesmo assim, permanece no imaginário comunista português, incluindo jovens que provavelmente nasceram depois do fim do império soviético, uma espécie de sebastianismo “progressista” (seria demasiado chamá-lo “revolucionário”)  que faz com que defendam com unhas e dentes o statu quo russo ou pan russo. Assim, o desvio do avião, acto internacionalmente condenado, é apenas um fait-divers justificado pela captura de um conspirador “direitista”.

Não há pachorra!    

 

 

Homem ao mar 47

d'oliveira, 28.05.21

Liberdade vigiada 25

O país das uvas” (mijonas, acrescento eu)

mcr, 28 de Maio

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Os noticiários conseguem surpreender-me constantemente. Agora, para além do caso da “marquise” do modesto apartamento do sr. Cristiano Ronaldo (uma bagatela e sete milhões de euros)temos que no Ministério da Administração Interna parece assistir-se a uma guerra entre o Ministro e um Secretário de Estado. Lá iremos, mas antes, deleitemo-nos com a história da marquise. Eu não faço ideia de como será a apartamento. Todavia, sete milhões de euros pressupõem uma excelente área, para não dizer uma área enorme.

Alegar que falta um espaço para umas flexões parece ridículo para não dizer pouco inteligente. Ou as duas coisas.

Vá lá que o jogador não se lembrou da falta de um campo de treino na casa que, provavelmente, frequentará de longe em longe. Depois há, ou parece haver, o pequeno pormenor da falta de licença camarária, de acordo  dos restantes condóminos para já não falar nos eventuais direitos do arquitecto.

Claro que tudo isto, pode ser pouco relevante. Alguém está a ver a CML a indispor com o “melhor do mundo” (e arredores)? Alguém está a ver o custo de uma guerra nos tribunais, mesmo dando por certo que os restantes condóminos não hão de ser uns pobrezinhos? Alguém, alguma vez, viu os direitos dos arquitectos reconhecidos sobretudo contra um ídolo mesmo se, esse ídolo possa durar poucos mais anos?

Há algum tempo, os moradores e condóminos da zona onde vivo, defrontaram-se com um projecto bizarro. Uma importante empresa que está cotada a preços a que nem dez ronaldos chegam, entendeu encomendar a um reconhecido artista de “street art” uma peça amovível grande que figuraria na empena do imóvel de sete ou oito pisos. As pessoas daqui, todas juntas, não tem metade, um quinto ou um décimo do poder da empresa em questão. Todavia, protestaram, fizeram correr um abaixo assinado, foram para a imprensa. Era, diziam(os) um atentado à obra de um arquitecto que construiu o nosso inteiro “bairro”, (Agostinho Ricca Gonçalves com a colaboração excelente de João Seôdio e de Magalhães Carneiro) igreja e hotel incluídos. O bairro é harmonioso, está em vias de classificação patrimonial, tem um excelente jardim interior, áreas livres, acessos fáceis, fica a meio caminho entre a Boavista e o mar e as casas são espaçosas. Ou melhor: são grandes, enormes para o que é comum mesmo em edifícos recentes. Apenas direi que o meu primeiro apartamento, um T1 tinha uns belos 81 metros quadrados! Era o apartamento mais pequeno no conjunto de uma dúzia de prédios. M

A empresa percebeu as nossas razões e o artista, um senhor que se chama VHILS veio dizer, com elegância, que nunca pensara em alterar a obra do arquitecto e que percebia as nossas razões. Gente civilizada, portanto. Eventualmente culta, acrescentarei eu.

Deus ou a natureza dotou Cristiano de uma extraordinária habilidade para o futebol. Ele, honra lhe seja, leva aquilo a sério, treina com afinco, trabalha que se farta e nunca desiste. Os prémios chovem-lhe em cima, a crítica é unânime e os milhões, muitos milhões afluem. Mas deu-lhe para a rasteirice das marquises!...Sem perceber em que edifício vivia, mesmo se o factor preço lhe pudesse dizer algo. Que pena.

 

Vamos ao Sr Ministro ou melhor ao ministério do dito cavalheiro. A dois passos dos fogos florestais, está a terminar o contrato do SIRESP. Nesta altura do campeonato já parece difícil negocia-lo. Claro que há sempre, como se começa a tornar moda, uma “requisição civil”. Com todos os riscos que isso acarreta pois, mesmo cumprindo a dita requisição, fácil é de perceber que que nem tudo poderá correr bem. Sobretudo o “esforço a mais” que nestas coisas é sempre preciso, benvindo, necessário e inadiável.

Parece que entre o Ministro e um Secretário de Estado nada corre bem, que se não entendem. Quando o mar bate na rocha quem se lixa é o mexilhão. Aqui o saboroso molusco é a floresta, o campo, a segurança das aldeias, das pessoas, dos bombeiros e tudo o mais.

Como toda a gente sabe, houve um assassínio ignóbil (mas todas as mortes “matadas” são ignóbeis, aliás) de um pobre imigrante, (ainda por cima branco!, notem bem...) levado a cabo poe uma súcia de imbecis que eram inspectores  do SEF. A Direcção do SEF não se mexeu senão tardiamente e Ministro muito menos ainda. Parece evidente que havia que tomar providências. Pelos vistos à inacção do cavalheiro Cabrita sucedeu um frenesi quando a opinião pública lhe caiu, e bem!, em cima. Vai daí nem hesitou atirou-se de cabeça para a piscina sem cuidar de saber se esta tinha água. E toca de acabar com todo o serviço, de lhe dividir as competências por outras polícias, uma baralhada. Suponhamos, por mera hipótese académica, que numa esquadra policial se matava um pobre diabo. Vai-se acabar com a PSP, substituí-la pela Guarda Fiscal, pela GNR pela Polícia Marítima, pelos archeiros da Universidade de Coimbra (se ainda os houver...)?

Um reputado constitucionalista entende que acabar com o SEF escapa à sanha persecutória e tardia do Ministro Cabrita ou do Governo, que diz-se o considera “excelente”!!!!!!!!!!

A manifesta estupidez de rebentar com tudo quando basta uma boa, eficiente e inteligente (mas quem pede inteligência ao MAI?) vassourada além do mais vai custar um balúrdio. E depois, das duas uma, irão os actuais efectivos para as outras polícias ou são dispensados ou acabam numa anónima repartição pública a fazer tricot? Num momento em que as fronteiras da Europa estão fragilizadas como é que o restante espaço Schengen encarará mais esta aventura portuguesa? Mil inspcctores pagarão por três, cinco ou sete? E por uma Directora coitadinha mais míope e ceguinha do que eu ? que é feito dessa luminária? Querem crer que porventura já está outro belo lugar, longe das maçadas deste infausto sítio onde, pelos vistos, não dirigia coisa alguma?

Mas há mais: os elementos do SEF, os que pelos vistos ainda não tem a reputação manchada, pediram várias audiências para, com os sindicatos tentarem uma saída digna e sensata para a crise que, se foi iniciada pelo assassínio, depois continuou e cresceu pela acção (ou inacção) do Ministro. Pelos vistos, ninguém lhes respondeu. Vai daí um dos sindicatos anunciou uma greve. Uma greve que irá seguramente pôr em polvorosa os aeroportos e, eventualmente, atrasar as entradas de turistas e arruinar o país. Mais uma vez, o intemerato Ministro Cabrita entra em liça e decreta outra requisição civil. Arre que a criatura é de ideias fixas!  Vai-se a ver e ainda manda fazer uma marquise no telhado do Ministério...

 

* o título é roubado a Fialho de Almeida (tirando a parte entre parêntesis, claro). Fialho era dotado de um estilo excelente mas, por vezes, o fel vinha-lhe em demasia e escrevia sandices. E tinha uma inveja tremenda de Eça, que, grande Senhor, não dava, ou fingia não dar, pelo autor de “Os gatos” (que obviamente não chegam aos calcanhares de “Uma Campanha Alegre” bem mais eficaz e muitíssimo mais conhecida e lida do que a obra inteira de Fialho).

** na vinheta: cartaz sobre a obra de Palladio. Não vou propor que CR7 ou Eduardo Cabritase devotem ao estudo deste mestre, ainda menos ao de Vitrúvio. Mas olhando bem,  a cúpula  poderia perfeitmente ser substtuida por uma marquise. Para exercicios de musculação com sol por cima...

 

 

diário político 232

d'oliveira, 27.05.21

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Efeméride infame

d’Oliveira fecit (27-05-21)

 

 

Passaram quarenta anos, as testemunhas vão desaparecendo, ou desapareceram de todo, nos dias que se seguiram ao que ficou conhecido como “golpe de Nito Alves” que ainda hoje permanece misterioso, a pontos de nem sequer se saber com ciência certa se houve golpe ou contra-golpe, quem começou, como e porquê.

É verdade que, sobre o tema existe alguma literatura, muitas vezes difícil de encontrar (outro mistério: como é que certos livros com verdades incómodas desaparecem da circulação?). Também não é menos verdade que um evento desta grandeza (de vítimas) suscita reacções apaixonadas e “revisões” históricas que, amiúde, se afastam da verdade dos factos, mesmo que eu saiba que verdades objectivas e neutrais são algo difícil de encontrar.

Portanto, relembrar o 27 de Maio de 1977 é importante, não só porque há pelo menos 30.000 vítimas (este é o número mais baixo que encontrei mas há quem apresente números maiores talvez porque também alargou o espaço temporal para encontrar ecos desta verdadeira “guerra civil” que não foi a primeira e muito menos a última que Angola padeceu) mas também porque nela pereceu um amigo, um excelente amigo, António Garcia Neto que era uma das esperanças da nova geração de políticos angolanos.

Neto estudou em Portugal, mais precisamente em Coimbra, contava numerosos amigos entre colegas e contemporâneos e era um espírito aberto e dialogante. Com um pequeno senão a meus olhos: a sua exacerbada “angolanidade” (passe o termo) levava-o a esconder o seu grupo étnico pois achava que isso, essa reivindicação mais que normal, poderia ser tomada por tribalismo. Tivemos largas discussões a propósito pois eu entendia, e entendo, que a reivindicação da etnia, não tem, sem mais, que ser algo de mau ou de vergonhoso. Todavia isto era um pecadilho que ele sacudia chamando-me “branquelas” e eu devolvia com um “preto calcinha de musseque”. Apresentei-lhe alguns familiares e recordo-me do fascínio que uma primita muito pequena sentia. O Neto apreciou devidamente os almoços familiares proporcionados pela minha tia e dizia que se sentia no meio da sua família luandense.

Perdi-o de visto, assim que me formei e só tive notícias (trágicas) depois de se começar a perceber o alcance da matança desenfreada luandense e angolana.

Curiosamente, ontem, caí numa emissão da RTP África onde se recordava, com bastante imprecisão, outro tanto de paixão, muita informação em 2ª ou 3ª mão, a data. Pelos vistos, o Presidente João Lourenço terá deixado supor que era chegado o tempo de recordar o passado de há 40 anos. E de pedir desculpa. Resta saber se esta é sincera ou se apenas se trata de mais um ajuste de contas com o anterior chefe de Estado.

Para ser verdadeiro o pedido de desculpas bastará abrir todos os arquivos DA DISA e do Ministério do Interior angolano. 

Não vou sequer tentar fazer a crónica dos acontecimentos pois, mesmo que me considere razoavelmente informado (e neste razoável creio que estarei no 0,1& de portugueses interessados pelo assunto e suficientemente distanciados para aquilatar os factos terríveis que se produziram.

Portanto limitar-me-ei a um par de conclusões que os leitores aceitarão ou não sem que daí haja da minha parte qualquer acrimónia.

Em primeiro lugar, devo dizer que se há vítimas (mais ou menos 30.000 mortos) há também demasiados presumíveis culpados. Não venho redimir a memória de Nito Alves, Sita Vales, Van Dunen (houve VanDunen dos dois lados, é bom que se esclareça) por várias razões. Nito era alguém que tendo estado no mato (a tropa portuguesa deixou-o tranquilo no meio das matas espessas. Se porventura alguém saia desse esconderijo, a tropa caçava-o com facilidade não só porque tinha informadores suficientes mas sobretudo porque a organização do pequeno grupo guerrilheiro era deplorável.   Conta-se, no entanto, que alguma(s) vez(es) Nito conseguira chegar a Luanda  onde se gabaria da sua (inexistente) actividade militar. A verdade é que, acabadas as hostilidades, apareceu em Luanda e, robustecido por esse passado de guerrilha, rapidamente se impôs na cena confusa dos diversos grupos pertencentes ao MPLA. Sita Vales era uma jovem médica que se sonhou uma egéria revolucionária. Antiga militante do PCP tornou-se notada pela sua tenaz oposição aos “esquerdistas” que ela via por todo o lado. Há quem a acuse de ser a verdadeira autora de umas fantasiosas “teses” revolucionárias atribuídas a Nito Alves. Se era ou não assim , já ninguém poderá provar ou negar. De todo o modo tai teses eram de um primarismo tal que nem os maiores admiradores de Nito hoje as reivindicam.

Do lado do poder, a Direcção do MPLA com Agostinho Neto à cabeça (mesmo se haja quem lhe atribua um papel menor e tíbio na repressão) é também toda ela altamente responsável. O MPLA tem uma longa história, desconhecida, de dissidências muitas vezes resolvidas expeditamente com julgamentos céleres, fuzilamentos ainda mais rápidos e expulsões por dá cá aquela palha. No exacto momento d fim das hostilidades, havia grupos que não reconheciam a Direcção do MPLA, desde Daniel Chipenda (e a “revolta do Leste”) até aos irmãos Pinto de Andrade, históricos dos primórdios da luta anticolonial que iriam formar a “Revolta Activa”. Havia mais facções que apesar de desavindas encontravam em Agostinho Neto um referencial comum e aguardavam pacientemente o seu momento. O fim da guerra colonial, a possibilidade de, com a cumplicidade de sectores do Governo português, do apoio da União Soviética e sobretudo, a partir da chegas em massa de tropas cubanas, permitia-lhes antever um risonho e próspero futuro, o que, apesar dos nitistas e da oposição armada e continuada da UNITA (que manteve uma violenta guerra civil de anos) chegou finalmente. Basta ler a lista de “generais” angolanos e donos de invulgares (porque imensas) riquezas e de outros políticos civis igualmente membros da “nomemklatura” actual angolana para se perceber  como as coisas correram (e correm). Há ainda a relevar o papel da famigerada “comissão das lágrimas” (Lobo Antunes tem um romance com o mesmo título e o mesmo pano de fundo) organização de intelectuais acusados, mal ou bem, de terem recolhido depoimentos de outros intelectuais sobre a participação destes nos acontecimentos. Tudo indica que os depoimentos obtidos transitaram para a DISA (a pide angolana mesmo se os processos fossem mais primitivos e brutais) cuja reputação é conhecida e fortemente temida.

É verdade que tudo terá começado por uma manifestação não especialmente pacífica a que se somou a tomada da cadeia de Luanda por militares afectos a Nito Alves. Os presos foram libertados mesmo se, e por notável prudência, pelo menos os militantes da OCA (Organização Comunista de Angola) se tenham recusado a sair. Em boa hora o fizeram porque muitos deles escaparam à morte.

Da cadeia a manifestação terá seguido para o Palácio Presidencial mesmo que não haja qualquer prova de haver intenção de o tomar. A repressão que se seguiu com activa e importante colaboração da tropa cubana foi tremenda. Não só se prendiam pessoas que nada tinham a ver com as manifestações e menos ainda com a suposta tentativa de golpe militar, mas sobretudo foi-se atrás de opositores que, ou por viverem fora de Luanda ou porque foram prudentes (mas não o suficiente...), de nenhuma maneira se envolveram na situação. Cá em Portugal, há vários ex-presos dessa época, o mais conhecido dos quais é o Professor Costa Silva, agora na berra por ser o autor do Plano de Recuperação. Mas há mais (e publicados) testemunhos escritos desses ásperos tempos.

Ontem, ouvi, um energúmeno defensor a outrance do MPLA que perguntava impertinente, como é que depois de acusações de “genocídio” este partido conseguia obter maiorias repetidas em eleições angolanas. A criatura deve pensar que os tele-espectadores são parvos e que há alguém interessado que ignore como se falseiam eleições. Ou até como regimes autocráticos as ganham apesar de tudo.

Conheci, nos meus tempos, muitos simpatizantes e militantes políticos pró-independentistas angolanos. É verdade que alguns continuam a viver (e muito bem!) em Angola mas há vários, bastantes que escolheram viver ou voltar a viver em Portugal. Alguns (é o caso de Daniel Chipenda) até morreram cá. Outros vou-os encontrando cada vez mais raramente por aí.

De um, em tempos militante da OCA, preso durante muitos anos no Tarrafal, soube há já anos que vivia como sem abrigo em Lisboa e que, tinha um receio pânico de ser raptado e enviado para Angola. Suponho que poderia ser um dos presos que prudentemente não abandonou a prisão assaltada pelos nitistas.

Este dia 27 de Maio de 1977 vai passar sem que por cá alguém dê conta do que representa para Angola. Seria bom que, tantos anos depois, alguma verdade se vá fazendo por lá.

 

E lembro-me do António Garcia Neto, “preto” sorridente, inteligente e tão cheio de vida. E de promessas! E de sonhos!

 Quem o matou? Porquê? 

Na impossibilidade de fornecer uma bibliografia exaustiva, julgo que "Purga Em Angola" de Dalila Pereira Mateus e Alvaro Mateus  (edições ASA, 2007, no 30º aniversário do massacre) é um excelente guia para quem queira saber algo. 

 

      

homem ao mar 46

d'oliveira, 27.05.21

Liberdade vigiada 24

“Este parte, aquele parte...”

mcr, 27 de Maio

 

Seja-me permitido roubar o título a um poema de Rosalia de Castro, galega insigne que, curiosamente, teve direito a um pequeno jardim e estátua aqui no Porto. 

Algum direito tenho porquanto, num longínquo ano ainda da década dourada, trabalhei como uma espécie de assistente de Ricardo Salvat na preparação de uma peça que se chamaria “Castelao e a sua época”. O espectáculo seria montado com poemas, canções e textos do grande galego e, ao mesmo tempo, juntar-se-iam canções catalãs de um anterior trabalho de Salvat sobre catalães do fim do sec. XIX. Era nessa parte que eu entrava como tradutor, imagine-se!, do catalão. Confesso que só a loucura do Ricardo e a minha imprudente ousadia permitiam isto mas, verdade seja dita, lá levei o encargo a bom termo. Valia-me o facto de já ter na minha incipiente biblioteca alguns livros de poetas catalães, tudo edições bilingues que lera com atenção, entusiasmo e algum fervor.

Com a ajuda do Zé Nisa e do Adriano Correia de Oliveira, musicaram-se os poemas galegos e era a Maria João Delgado, minha ex-mulher e querida amiga, quem cantava o poema que dá título ao folhetim.

Obviamente, a peça esquerdava tanto quanto possível, coisa que a Censura percebeu e proibiu. Ficaram as canções que durante a crise de 69 animaram vários saraus de greve e, finalmente, levaram o Adriano a começar a cantá-las em público. Acho que há por aí algures um disco mas a preguiça, companheira de todas as horas, aconselha-me a ficar sentado sem o procurar. 

 Todavia, desta feita, não é das minhas modestas aventuras teatrais que quero falar mas de algo, infelizmente, mais triste: A morte de amigos.

Já vai longo o rosário de companheiros desaparecidos (ainda ontem recordei o Manuel Sousa Pereira, um escultor culto, maluco por música e cinema e que jamais perdia os westerns do Sergio Leone. E ontem, dava, outra vez, “O bom o mau e o vilão”, uma fita que outro amigo nosso, arquitecto de renome, nunca conseguiu ver até ao fim. O iconoclasta cinematográfico adormecia1... O MSP insultava-o longa e viciosamente mas o outro ficava impávido. “Tu já viste este anormaaaal?”, perguntava o escultor. E eu acenava alegremente só de ouvir o qualificativo. 

Agora o MSP já só é uma saudade que nunca perdoarei ao covid, filho da puta, três vezes filho da grandessíssima puta.

E hoje, aliás ontem, outra notícia maldita. Morreu o Acácio Barata Lima, outro da leva de 40. Oitenta e um anos e uma vida aventurosa, dura, combativa.

Eu conheci o ABL no “Mandarim” em Coimbra, café de conspiradores e de agentes da polícia que ali vinham à pesca. Ora, já depois de o conhecer razoavelmente, isto é um par de anos passados, ouvi-o anunciar que uma nova organização revolucionária dava os seus primeiros passos, prometendo novidades sensacionais.

Tratava-se da FAP (frente de acção popular) u grupo dissidente do PCP, criada por Francisco Martins Rodrigues, João Pulido Valente e Rui d’Espiney. 

Suponho que desses três apenas conheceria de raspão o Rui, velho militante das pro-associações estudantis lisboetas. 

De todo o modo, fiquei em pulgas, o que é sempre um péssimo sinal pois a curiosidade oblitera a razão. Não tardou muito em começar a militar naquela organização frentista que parecia renovar a luta contra o Estado Novo. 

Anos passaram, e oAcácio foi preso quando se dirigia para um encontro clandestino com o Francisco Martins Rodrigues, mostrando que as boas intenções e a diferença propagandeada não eram acompanhadas por medidas de prudência conspirativa exemplares. A FAP entretanto eliminara um infiltrado da pide e isso desencadeara uma caça ao homem sem precedentes. 

Mesmo sem sangue nas mãos, o Acácio foi identificado, discretamente vigiado e seguido. E apanhado. 

Julgamento no Plenário e prisão já não sei se em Caxias se em Peniche. 

Entretanto, um corajoso bastonário da Ordem dos Engenheiros conseguiu mobilizar a classe e lançar uma campanha pela libertação dos engenheiros presos políticos. A campanha teve êxito e ABL foi libertado juntamente com um elemento do PCP (Bianchi Teixeira?)

Depois do 25 A, o Acácio, sempre generoso entendeu ir ajudar Moçambique como cooperante. E por lá andou uns anos até se convencer que a FRELIMO tinha os cooperantes em muito pouca conta, sobretudo se eles se mostravam eficazes, competentes e... críticos, o costume.

Regressou a Portugal, sempre activo e entusiástico se bem que curado e ressacado pelos infortúnios revolucionários. Como era de uma competência a toda a prova, empregos nunca lhe faltaram. Alguns bem enganadores como aqueles em que, para além de um ordenado sem nada de especial se juntam prebendas que, uma vez terminado o contrato se esfumam sem deixar rasto. Ms o Acácio ria-se disso. Habituara-se a viver com pouco e com pouco se contentava. Dizia que a burrice de não perceber esses contratos era só dele e prova provada que nunca entenderia o capitalismo. Eu objectava-lhe que outros da mesma geração e passados semelhantes ao dele, estavam bem da vida ao que ele retorquia “e da consciência?”. E ria-se alto e bom som aquele amigo da vida, das pândegas com amigos, das longas conversas e da política inteligente. 

E fomo-nos encontrando frequentemente, comentando cada vez mais acidamente as “estrepolias” do processo revolucionário português que, mesmo depois da pungente derrota do PREC, teimava em remar contra acorrente e contra o bom senso, a razoabilidade, a Europa. 

Há uns anos, já reformado, foi adoecendo paulatinamente. Corpo gasto, mente sã mas desiludida. Morreu há uns meses,sigilosamente, como morreram tantos outros mesmo sem covid. Em tempos de pandemia a morte passou à clandestinidade, tornou-se um segredo que nem amigos conseguiam romper. 

Agora, um sobrinho, a quem pedi notícias, deu-me mais esta triste novidade. A que se juntou, ontem mesmo, outra morte, mais inesperada. Desta vez foi o Sérgio, conhecido relativamente recente, apreciador de bons vinhos e melhores petiscos. Não nos encontrávamos muito nem se pode dizer que fôssemos íntimos. Mas era um tipo amável, bom companheiro, sempre pronto a ajudar. Há meses que sofria uma fortíssima depressão a que, um mal nunca vem só, se juntaram de má fé, uma pneumonia violentíssima e uma bactéria dessas fulminantes. Tínhamos aprazado um almocinho à base de lampreia. Adiado no ano passado, novamente postergado este ano, nem por isso a ideia morrera inteiramente. Atrás de maus dias melhores virão. Não vieram. Isto de estar vivo é, de facto, uma lotaria ou, pior, um gracejo de mau gosto. 

Pelo menos disso o Sérgio e o Acácio já estão livres.          

 

 

homem ao mar 45

d'oliveira, 26.05.21

Liberdade vigiada 23

“Armar-se em carapau de corrida”

mcr, 26 de Maio

 

 

O Sr. Secretário de Estado da Saúde entendeu fazer uma declaração sobre o problema epidemiológico de Lisboa. 

Pelos vistos, as infecções na cidade aumentam de forma alarmante e consistente. Prevendo-se mesmo que possa haver um retrocesso no desconfinamento lisboeta.

Ou melhor, e corrigindo: previa-se um retrocesso mas, que diabo!, estamos a falar de Lisboa e não de uma qualquer Odemira, Braga ou vilar de Perdizes.

Em Lisboa, não pode haver retrocesso. Nem com outro terramoto. Portugal é Lisboa e o resto é paisagem. 

Por isso, S.ª Ex.ª veio declarar solenemente que “como a vacinação em Lisboa estava atrasada em relação ao resto do país” ia desencadear-se um esforço especial para vacinar os menores de cinquenta e de quarenta anos a partir do próximo mês.

Agora, o Sr. Vice almirante Gouveia e Melo, cujo trabalho nunca é demais enaltecer, veio afirmar que esses prazos já tinham sido agendados pela “task force” e que ele, almirante, não era pessoa para andar a dividir o país em regiões A, B ou .

De facto, essa declaração já tinha sido adiantada há dias e amplamente difundida pelos jornais, pelo que das duas uma:

 ou o Senhor Secretário de Estado tem problemas de memória ou ninguém lhe liga nenhuma pelo que S.ª Ex.ª vive numa bolha de espesso nevoeiro e nem sequer vê televisão, lê os jornais ou ouve a rádio!

Ou, hipótese mais prometedora: A criatura sabia perfeitamente o que se passava, mas entendeu fazer peito e armar em carapau de corrida para se mostrar ao país boquiaberto e aos lisboetas alarmados. 

Entretanto, verifica-se que, sempre no domínio da informação sobre percentagens de vacinação, Lisboa difere do Porto por uns meros 2% (32 e 34) enquanto que noutras zonas, por terem população mais velha e deficit de população mais nova, a taxas de vacinação eram naturalmente mais elevadas (regiõs pouco povoadas e com muitos velhos, estariam sempre à frente, mas isso é areia demais para a camioneta do Sr.  Moreira Sales.

Lisboa estará, hoje, com 141 infectados por 100.000 habitantes e julga-se que o primeiro número aumentará, e bastante, nas próximas semanas. De todo o modo, tudo leva a crer que a “capitalidade” tem um efeito especial: nunca ira recuar um passo que seja no desconfinamento. 

Até o Sr. Presidente da República o admite implicitamente quando agora vem declarar que o “estado de emergência” estava fora de questão. Deus o queira, Deus o queira mas já ouvi coisas idênticas e depois foi o que se viu. 

Claro que, agora, com a vacinação a correr a todo o vapor, começa a ser plausível que desta já escapámos ou, pelo menos, não regressaremos aos dias negros do início do ano.

 

 

Conexo com este esforço de vacinação está uma questão dramática e de alcance mundial. São os países ricos, do Ocidente, europeus e americanos, por um lado e os “tigres” asiáticos (Taiwan, Singapura, Correia do Sul, Malásia) bem como o Japão por outro. Da Oceânia emergem, como também era espectável, A Austrália e a Nova Zelândia. O resto é o diabo!

Ora, anda por aí, uma campanha a pedir que estes países ricos e privilegiados cedam parte das vacinas que compraram aos países pobres. Nada mais generoso na aparência mas que tem um escolho formidável pela frente: será que algum povo ocidental está disposto a deixar parte da sua população indefesa para ir numa corrida auxiliar outros? 

Terá algum Governo, mormente os da Europa, condições políticas para enfrentar uma opinião pública que também sofreu as violências pandémicas, o confinamento, as mortes, as dificuldades económicas e arriscar o pelourinho da contestação violenta a uma política certamente humanitária mas, no caso, vista como de abandono de populações, mesmo pequenas?

Aliás, a Europa já esta a enviar doses (claramente insuficientes mas doses apesar de tudo) gratuitamente para países pobres. Por cá, fala-se em enviar os excedentes da Astra Zeneka, para os palops. Tenho a convicção que S Tomé ou Cabo Verde pela pequena ppulação que têm ficariam com uma taxa de vacinação apreciável só com o que, de um modo um tanto ou quanto tolo, aqui se recusa ou se teme. 

Como de costume, nenhum dos generosos benfeitores da gumanidade que por cá pululam refere ou, pelo menos, se interroga sobre idênticas disposições humanitárias por parte da Rússia ou da China. Confesso que desconheço em absoluto se nesses dois gigantes produtores de vacinas há (ou não)  alguma política de socorro A África ou à América central.

No que diz respeito á Índia, que é ou era um gigantesco fabricante de vacinas a coisa está como se sabe. E, em boa verdade, o que por lá se passa, era previsível. Densidade populacional desmesurada nas cidades, abandono total do campo onde falta tudo (e quando se diz tudo, é tudo mesmo.), permissão de grandes festivais religiosos que reuniram dezenas de milhões de hindus. Para já não falar numa anedótica mas trágica seita que considera que basta besuntar o corpo com estrume de vaca para estar a salvo do vírus. 

A maior democracia (iliberal e cada vez mais autocrática) do mundo não estava preparada para a catástrofe, não se preparou, não tenta  defender-se (basta ver o que o Governo federal diz do confinamento) de uma pandemia que tem, no subcontinente indiano, belos dias à sua frente.

A União Indiana tem a bomba atómica mas não tem hospitais seguros nas cidades e ainda menos (ou seja nada) nas zonas rurais.  Em contrapartida tem castas a mais e mostra-se cada vez mais violenta contra a minoria (150 milhões!) muçulmana que provavelmente também estará a pagar uma factura importante no capítulo infecções e mortes.

Não é só o Sr. Sales que arma ao pingarelho. O cavalheiro Modi não lhe fica atrás e com muito piores consequências.  

O mundo é pequeno!

  

 

homem ao mar 44

d'oliveira, 25.05.21

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Liberdade vigiada 22

Arrombar portas escancaradas

mcr, 25 de Maio

 

Comecemos por um pedido de desculpas. Ontem, quando referi os jovens ocupantes da via pública que exigiam mais ferrovia e menos aviões, não transpus bem o texto (já explico)e faltou-me um parágrafo.

Eu escrevo estas crónicas num rascunho que normalmente, com mais ou menos uma vírgula é rigorosamente idêntico ao texto que depois entra para o blog. Faço-o apenas para não acontecer, como já por várias vezes sucedeu, perder o texto numa das pirotécnicas habilidades computacionais.  Quem, com esforço desmedido e infinita paciência me acompanha desde o início aqui, sabe  como é que um um info-ignorante aqui entrou e por que ínvios caminhos passou. Um desastre devido a ter chegado tarde a este meio e ser de uma repelente preguiça, pecado mortal que cultivo com cuidadosa e fiel observância.

Portanto não perguntem que eu não respondo. Por absoluta ignorância, devo acrescentar.

E o parágrafo era este. “Vir para a rua protestar contra o transporte aéreo quando este é escasso e, sobretudo, quando, finalmente se antevê (e se assiste, já) a um incremento na ferrovia, é um arrobar de porta escancaradas. Até o plano (enfim aquilo a que chamam plano) de gastar o cacau da bazuka afirma, preto no branco (ou africano no europeu...) que se prevê o fim muito próximo de voos com menos de 600 quilómetros”.

E acrescentava “é verdade que não se deve tomar por palavra de bronze a promessa do Governo mas aqui, até o mais acirrado defensor da TAP esbarra numa evidência. É a Europa que vai ditar o fim dos voos de curto alcance. E, será o futuro desenvolvimento do turismo que ditará o local do eventual futuro aeroporto se este se vier a revelar necessário. De todo o modo, e já que Governo, restauradores, operadores turísticos, hoteleiros, rapaziada do tuk-tuk e das lohas de recordações insistem na dependência do turismo, parece que a cruzada desta juventude vai ter um fim idêntico à cruzada das crianças (esc XIII)que, como se sabe culminou na morte de muitas vítimas e na venda das restantes como escravos.

Eu não quero tão tenebrosa sorte para esta rala centena de mancebos tocados pela graça ambiental mas tenho por mim que , causa por causa, poderiam ter ido até às zonas suburbanas onde largos centos de imigrantes sofrem os mesmos tratos de polé que os de Odemira. Claro que teriam de andar mais um pouco mas que era bonito, era.”

 

Feita a retificação, passemos a outro assunto, bem mais grave e mais importante: na Bielorússia, um governo criminoso, autocrático e batoteiro de um punhado de gangsters de alto gabarito, entendeu poder desviar um avião estrangeiro partido de um aeroporto estrangeiro e com destino também noutro de outro país.

A finalidade desta manobra que poderia ter terminado em tragédia, caso o piloto do avião pirateado se recusasse a obedecer às ordens da aviação militar bielorussa, era prender um passageiro que se notabilizara pela resistência ao criminoso e ilegal regime de Lukaschenko. O que foi conseguido com um prémio extra. Prenderam também a namorada do jornalista perseguido que enfrenta todo o tipo de ameaças à sua vida, segurança e liberdade.

Tudo isto pode ocorrer num país limitado pela Ucrania, Polónia russio e pels estados bálticos. Vejamos: a Ucrânia já tem problemas que lhe bastem com a Rússia. Os Bálticos são pequenos países que, mesmo se corajosos, não tem meios de se opor à Bielorussia, estado acossado e capaz de tudo. A Polónia, democracia cada vez mais iliberal se bem que tenha protestado não vê com olhos demasiadamente severos o tiranete de Minsk. à Rússia basta um pretexto para intervir a favor do déspota.

Eu não sei o que vai sair da reunião da União europeia, agora em curso. Claro que poderão reforçar algumas medidas, proibir os voos da aviação civil bielorussa, , vetar a presença de eminentes membros da nomenclatura local n Europa ou cortar-lhe eventuais fundos. Tudo isso não me parece suficiente para libertar o jornalista, sequer a amiga mesmo se esta puder ser usada um pouco como moeda de troca. Temo pela vida do infeliz oponente  e suponho que à Bielorússia de pouco importe que a aviação civil europeia evite o seu espaço aéreo. Enquanto o amigo russo estiver atento, Lukashenco tem o lugar seguro E mesmo se tiver de ser removido, os russos manter-se-ão senhores da situação.

As tiranias, veja-se o exemplo da Birmânia (ou Myamar se preferirem) que ainda agora se deuao luxo de mostrar Suu Khi a detida primeira ministra apeada. Dizem os jornais que a senhora, que governou com demasiada prudência e cuidado para não irritar a irritável Junta militar, arrisca uma pena de prisão longa.

Não vale a pena tentar viajar para outas latitudes, por exemplo a Arábia Saudita cujo governo raptou e eliminou em solo turco um outro opositor. Aliás a Turquia é um bom local para tiranos com se vê desde há anos. E por aí fora. Até no seio ca pretensa comunidade lusófona há um país a Guiné Equatorial onde qualquer ideia de democracia é apenas um sarcasmo.

Fique todavia, registado o protesto deste escriba que é cada vez mais incrédulo quanto à eficácia da opinião pública mundial neste género de questões.

Entretanto, Lisboa contabiliza cada vez mais infecções, Braga (também campeã mas mais moderada) idem. Sempre quero ver se a DGS se atreve a fazer Lisboa recuar no desconfinamento. Vai uma apostinha?

* na vinheta: manifestação em Mnsk     

Homem ao mar 43

d'oliveira, 24.05.21

Liberdade vigiada 21

Paisagem depois da batalha

mcr, 24 de maio de 21

 

 

“Em quatro meses foram identificados 129 lares ilegais e encerrados 31”, eis o título principal de 1ª página do “Público”. Só depois há a fotografia da vitória do Braga e a notícia de um programa de testagem em massa para a zona de Lisboa.

Interessam-me o primeiro e o último destes itens porque dizem muito de um Portugal fiel a si próprio que, depois de roubado p-põe trancas à porta.

Os lares ilegais são uma verdade conhecida desde há muitos anos. Razões não faltam, aliás. em primeiro lugar há poucos lares para uma cada vez maior procura, mesmo contando com a rede de lares das Misericórdias onde sucedeu o que se sabe.

Não vou, à cabeça, condenar estes lares ou as suas direcções mesmo se julgue que a imprudência foi e é uma constante. Ninguém estava preparado, ninguém foi convenientemente bem informado e a intervenção do Estado foi tardia já a procissão ia no adro, De todo o modo, sem as Misericórdias, as coisas seriam bem mais dramáticas. Não sei exactamente quantos lares destes há ms andarão pelas centenas, largas centenas. Ao longo dos últimos 20/30 anos houve um enorme esforço das instituições e da sociedade civil no sentido de criar ou remodelar lares de modo a torna-los um pouco (ou bastante, consoante) confortáveis. Em boa verdade, todos auferem de ajudas estatais mesmo se, com o correr dos anos elas sejam cada vez menos importantes na economia destas instituições. Aumentou extraordinariamente o número de pessoas a necessitar destes estabelecimentos, as suas reformas são no mínimo miseráveis e as despesas aumentam. Por mais ajudas que recebam da sociedade civil, a verdade é que não são suficientes.

Tive, profissionalmente a experiência directa de intervenção num lar com instalações de excelente qualidade, amplos espaços exteriores e numerosas ajudas externas, sem falar nas do Estado. Todavia, as duas pessoas que me ajudaram na tarefa de recuperar esse lar, cedo verificaram que sem a ajuda do Banco Alimentar (abençoado seja!) as coisas não singrariam.

Diga-se que, num ápice esse lar, intervencionado pela Segurança Social, com o apoio do Tribunal local e do Bispado, ficou com a lotação completa e uma lista de espera do tamanho da légua da Póvoa.

O envelhecimento acelerado da população, a impossibilidade de numerosas famílias poderem, com um mínimo de dignidade, apoiar em casa os seus familiares mais velhos, mais doentes, mais dependentes, fez disparar a procura.

Do lado do sector privado surgiram duas respostas qualitativa e quantitativamente diferentes. De um lado, lares “de luxo”, bem organizados, com pessoal à altura, nas cidades, que porém pedem mensalidades fora do alcance da gigantesca maioria da população. Tomei conhecimento disso, quando a minha Mãe resolveu, sem dar cavaco a ninguém, procurar um lar. Os preços eram desmedidos mesmo se ela os pudesse pagar. Todavia, e já lá vão vinte anos, ela lá se convenceu a permanecer em sua casa, com pessoal suficiente e a constante presença do meu irmão. Está bem, muito melhor do que em qualquer dessas mansões caríssimas e onde o seu espaço privativo seria muito menor. E a despesa é notoriamente inferior. E a liberdade que ela usufrui é absolutamente maior! Eu mesmo lhe disse que “só por cima do meu cadáver” é que ela iria para um lar pois a minha casa seria de certeza muito melhor abrigo. O mesmo aliás foi dito pelo meu irmão que diariamente vem lanchar e estar com ela durante um par de horas. E até à data, a excelente senhora, está no seu sítio e nele celebrará muito brevemente 99 cumpridas primaveras.

Todavia, o nosso exemplo, não é deve ser especialmente considerado. Somos uma família da classe média-alta,  fortemente solidária e isso também conta.

O problema, como asseverava Sartre é  “os outros”. E esses são dezenas de milhares, se não forem centenas. Faltam lares como faltam instituições de cuidados continuados. O  problema será cada vez mais premente e as soluções tardam.

É por isso que surgem (surgiram) os lares ilegais. À uma abrem vagas, Muitas vezes essas vagas são mais baratas. Claro que as condições variam muito mas, genericamente, são piores (eu digo piores e “não menos boas”) do que os lares que a Segurança Social no final de uma maratona de exigências, nem sempre totalmente compreensíveis, autoriza ou valida.

Há de tudo neste ramo que, de qualquer forma, aaba por ser lucrativo. E é-o desde logo porque cada vez mais a sua localização aumenta em zonas interiores, menos fiscalizáveis, mais baratas quer no preço do aluguer das casas, quer nos salários pedidos pelo pessoal menos (ou nada) especializado que mobilizam.

A Segurança social investiga, fundamentalmente sob denúncia, e encerra o que pode. Mas nem sempre encerra porque, depois, fica com dezenas, centenas de idosos nos braços. E assim se vai entretecendo uma rede de clandestinidades, semi-clandestinidades, enfim de cedências em nome de uma falha maior do Estado. Este não protege os seus cidadãos mais idosos. As famílias também não: por falta de meios económicos ou, eventualmente, por egísmo. As casa não estão feitas, ou já não estão preparadas para famílias não nucleares. E os velhos exigem cuidados específicos e/ou especiais. Faltam cuidadores, falta uma política que os fiscalize, prepare e defenda. Falta tudo.

E, por isso vai continuar a florescer uma rede clandestina e ampla de lares ilegais. E por isso vai continuar a ser visível a fragilidade de milhares de cidadãos depositados em mortórios a aguardar que a morte, misericordiosamente, venha e os leve. À vista de todos, inclusive dos rapazinhos e rapariguinhas que ontem ou anteontem protestavam contra a poluição aérea, enquanto os mentores ficavam prudente e confortavelmente em casa.

Não consegui arranjar quem contra mim apostasse nesta coisa simplicíssima: eu afirmava que depois do protesto e da detenção de uma trintena de heroicos e vociferantes defensores do ar puro haveria a habitual queixa de maus tratos policiais. Ninguém aceitou arrisca cinquenta cêntimos na hipóteses contrária. Vê-se que neste campo, já toda a gente sabe do que a casa e a causa humanitária gastam em argumentário anti autoritário.

 

 

No que toca às festividades sportinguistas parece que, pressionada por todos os lados e pela evidência escandalosa, a DGS já aceita que algumas dezenas de infecções tenham surgido depois da vitória que demorou os 19 anos da história conhecida do clube. Eu arriscaria apostar outra vez que daqui a dias esses casos ultrapassarão a centena mas como de costume ninguém quererá apostar. E depois, ninguém, dentre os responsáveis quererá corroborar o o que as mais simples suspeitas começam a revelar.

E já agora: ontem a televisão mostrou imagens do Bairro Alto e do Miradouro de S Pedro de Alcântara povoados por uma multidão de turistas e de nacionais sem máscara e em alegre convívio. Eu não posso andar sem máscara pela rua que logo serei interpelado por um prestimosos agente policial. Ali, polícias municipais e da PSP deambulavam por entre os desmascarados sem dizer água vai...

Arre!

 

 

 

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