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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Que rumo para a informação do Porto Canal?

José Carlos Pereira, 30.06.21

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A informação do Porto Canal conheceu algumas alterações desde o início do ano, após a saída de Júlio Magalhães do cargo de director-geral. Segundo veio a público, o FC Porto pretenderia que o canal se aproximasse mais do clube, perdendo algum pendor generalista, e isso terá sido uma das razões para a saída de Júlio Magalhães.

A verdade é que com o novo director de informação, Tiago Girão, o Porto Canal tem investido em posições editoriais que seguem uma via populista, persecutória e que, a meu ver, não dignificam o canal. As recentes notas editoriais centradas na escolha de Pedro Adão e Silva para comissário das comemorações do 25 de Abril e na organização e procedimentos da Câmara de Lisboa, a propósito da partilha de dados com embaixadas, podem ter gerado muitos likes acirrados nas redes sociais daqueles que gostariam de ver "Lisboa a arder", mas não creio que contribuam para a afirmação de um canal generalista de informação, sério, rigoroso, com base no Porto e na Região Norte.

Essas notas editoriais direccionadas para os, não por acaso, benfiquistas Pedro Adão e Silva e Fernando Medina, além de não trazerem novidades e adoptarem um triste tom persecutório, acabaram por omitir factos importantes mas que não contribuíam para a narrativa que se pretendeu construir. Fazem parte de um tipo de jornalismo (?) opinativo e inflamado, que busca a popularidade fácil, mas não fazia nenhuma falta ao Porto Canal.

Enquanto associado do FC Porto, logo um modestíssimo stakeholder do Porto Canal, gostaria que o canal do meu clube continuasse a dar voz aos empreendedores, cientistas, académicos, agentes culturais, figuras do desporto e responsáveis políticos do Porto e da Região Norte, projectando desse modo os valores e os bons exemplos da região para todo o país. Estaria com isso a assumir um papel inestimável. E se a direcção de informação quiser continuar a envolver-se no debate político que o faça de modo equilibrado, imparcial, centrando atenções e abrindo a antena aos responsáveis das diferentes forças políticas, como se quer num canal isento e independente politicamente, sem pesar quais são as simpatias clubísticas deste ou daquele. Isso nada deve contar para a análise e crítica jornalística.

homem ao mar 74

d'oliveira, 30.06.21

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Liberdade vigiada 55

Até que enfim ou

Obrigado S Pedro 

mcr, 30 de Junho

 

Chegam ao fim os tradicionais festejos dos santos populares. Ou melhores acaba a época deles porque festejos propriamente ditos foi um que lhes deu: népia!, os três santos passaram sem deixar sombra nem rasto.

Alás, nunca entendi bem como é que três santos, a todos os títulos austeros, desde o baptista ao primeiro papa e ao doutor da Igreja, se liga uma tradição orgiástica ou pelo menos de folia generalizada.

Cá por mim, mas que sei eu?, tenho que tudo isto é ainda resto dos grandes momentos pagãos ligados ao solstício do Verão. O povo, todos os povos europeus, julgo, tem isto bem arreigado, às tantas está até no ADN: esta época dos primeiros calores, dos dias longos e lânguidos, da seiva a surdir por todo o lado, incluindo nos humanos, vem dos tempos antiquíssimos pré judaico-cristãos.

É uma espécie de doce vingança do antigo paganismo que a Igreja, na impossibilidade de o jugular inteiramente, travestiu nos três dias dos santos. O cristianismo acaba por ser bem mais sincrético do que se imagina.

Deixemo-nos, porém, destas divagações de um letrado ocioso e mais técnico de ideias gerais do que de outra qualquer e mais sábia coisa,§ e vamos ao que interessa: prenderam o Berardo.

Já ninguém acreditava nessa maravilhosa hipótese mas ontem dia de S Pedro, a criatura foi mesmo “dentro”. Claro que é apenas para ser interrogado mas, com a bênção dos três santos populares pode acontecer que ele amargue mais uma temporada entre grades.

Andávamos todos fartos daquela tosca personagem, vagamente alfabetizada, grosseira e arrogante que jurava não ter nada depois de ter feito desaparecer uma milharda de milhões (isto para já que a procissão ainda vai no adro).

A critura agoirente e sempre de negro, “va de retro!...”,  passeava a sua pífia insolência por toda a parte, jurando nada ter, nada dever, vivendo ao que se supõe de ar e vento, como um golem e retorquindo num vago português primitivo aos que o azucrinavam com umas falácias que nem sequer eram de primeira água.

Mas tinha o controlo de uma fundação que detinha uma imensa fortuna desde a Bacalhoa até à colecção de arte que se expõe em Belém e noutros locais.

E a lúgubre figura, toda de negro lá se passeava cercada de acólitos, de conselheiros artísticos  (que, por esta altura, andarão desaparecidos, cosidos às paredes, fingindo que nada é com eles – nunca é! - que nem conhecem o avejão que lhes pagava pareceres e opiniões) de advogadagem, de guarda-livros peritos em fazer desaparecer o dinheirinho de paraíso fiscal em paraíso fiscal, até se lhe perder o rasto.

A última prestação televisiva foi um escândalo: a criatura ria-se das deputadas e deputados que tentavam saber dos milhões e sempre com o ar deslavado de um urubu dispéptico levantava os membros superiores numa negação silenciosa. A Jujú “Cachimbinha”, uma do nosso velho velhíssimo grupo, botânica de primeira e temível, em seu tempo, jogadora de póquer, jurava que aquilo, aquela imagem na comissão parlamentar parecia a de um cipreste doente a querer levantar voo. Y, por seu lado, jura que tudo isto é milagre de S Pedro. Nos avoengos de Y há gente ligada à pesca do bacalhau, claro. E filho, neto ou bisneto de pescador lá tem a sua especial devoção por Pedro...

Convenhamos,: ontem foi um dia em cheio. Mesmo com a pandemia, com o ministro Cabrita que, desta vez, é desmentido pela “Brisa” quanto ao declarado sobre o atropelamento de um trabalhador de colete reflector, numa via de obras devidamente sinalizadas, ao fim de uma recta. A Brisa desmente S.ª Ex.ª e esta cala-se como uma ostra! Eu, se alguém me desmentisse publicamente, moveria céus e terra para encontrar a pessoa que assim me desfeiteava quanto mais não fosse para a tal bofetada do sr João Soares.

A propósito, o seu sucessor (de Soares)  também terá de explicar uns acontecidos com o museu e situação do espólio artístico. Já ontem alguém, cruelmente afirmava que o dr. Castro Mendes não está acusado de nada, tanto mais que é poeta e por isso facilmente enganado pelo primeiro finório que lhe passe ao alcance de soneto...

Mais sério será o caso dos cavalheiros que (alegadamente) geriam a Caixa Geral de Depósitos) e passaram para a garra do comendador umas centenas de milhões apenas fiados (?!?) na sua palavra. Essas mesmas criaturas acabaram na direcção do BCP graças à queda da anterior direcção quando o cavalheiro Berardo pontificava  entre os accionistas. Este curioso accionista comprara as acções com dinheiro emprestado pela Caixa e deixara como garantia as acções compradas que  num ápice caíram estrondosamente!

Hoje na esplanada, a conversa entre mesas batia o mesmo assunto: “aquele já foi para a choça!”, - “Mais hão de ir, respondiam uns. “Arre que já era mais que tempo”, repontava um terceiro. E por aí fora.

Por um sublime momento, esqueceu-se a pandemia, a brisa ligeira mas incómoda, as ameaças ao turismo (pudera não! Que é que o Algarve esperava quando neste momento tem 10% dos novos casos de infecção? Achavam os cavalheiros dos hotéis – e eventualmente o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros – que em breve veriam a Sr.ª Merkel surdir das límpidas águas do mar algarvio enfatiotada num “biquíni pequenino às bolinhas amarelas” (a relembrar um êxito dos Dave Dee, Dozy, Beaky, Mick & Tich no programa “em órbita” (anos 60) logo traduzido e trazido para português)?

Dou de barato a não-festa dos santos só por esta notícia da prisão do comendador.

Já sei que até ao lavar dos cestos tudo é vindima. Mas este pequeno grande passo já me enche de uma maldosa, imensa, ensurdecedora, alegria.

Como se regressasse aos felizes, descuidados, anos 60 e voltasse a ouvir noite dentro “itsy beaty teenie weenie  yellow polka dot bikini” pela já citada banda chefiada por Dave Dee

*na vinheta: há fotografias maravilhosas debikinis amarelos e respectivo recheio mas, em tempos de #me too# justiceiro, arganaz e politicamente correcto, optei por esta imagem muito apropriada para a estação que começou. E assim ninguém me criticará por "coisificar" a mulher.  

          

o leitor (im)penitente 215

d'oliveira, 29.06.21

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Liberdade vigiada 54

Uma biblioteca para mais dez anos?

mcr, 29 de Junho

 

Em tempos, preocupado com o avanço da idade, com os embaraços que os meu livros  causarão à família, pensei legá-los desde já a uma biblioteca publica-

A minha primeira escolha foi a Biblioteca Municipal Fernandes Tomás da Figueira da Foz.

De facto essa biblioteca, uma excelente biblioteca com um espólio valioso, foi iniciada por um grupo de cidadãos figueirenses que não só doaram as suas colecções mas também criaram um fundo para aquisição de livros.

Entrei nela, com 9/10 anos pela mão da tia Néné, uma leitora compulsiva que a certa altura esgotou a lista de romances em português segundo declaração do senhor Santos o bibliotecário, homem de aspecto severo que escondia um coração de ouro e um imenso amor pelos livros. Era coadjuvado por um casal de surdos mudos, respectivamente sua filha e genro que, todavia, cumpriam as suas tarefas, incluindo perceber o que os leitores queriam, sem falhas.

Foi lá que li os Tarzans todos da colecção Terramarear, todo o Salgari e os primeiros textos clássicos para jovens da autoria de Adolfo simões Muller e as primeiras versões também para jovens da Odisseia, da Peregrinação e outras.

Às tantas, já me permitiam andar a vasculhar as estantes à procura de livros desde o Twain até ao Fenimore Cooper. Uma felicidade!

Portanto, em homenagem a esses tempos de descoberta da alegria foi a esta Biblioteca que primeiro me dirigi.

Surpresa: acharam a ideia fantástica mas...não tinham espaço! Já tinham começado a recusar ofertas de bibliotecas!

Espantado, resolvi passar pela biblioteca do Porto. Mais uma vez fui lindamente recebido e mais uma vez descobri que a biblioteca rebentava pelas costuras. Não estava cheia, estava atravancada. Havia um número gigantesco de caixotes com livros fechados à espera que os bichos comessem o seu conteúdo.

Entretanto, recordei algumas conversas com americanos que volta e meia apareciam pela Delegação Regional do Norte da SEC à procura de livros portugueses, sobretudo revistas, que faltavam nas colecções das suas universidades. Falavam de bibliotecas com milhões de livros como cá se fala das que tem milhares. Eu ficava possesso de raiva e de inveja, tanto mais que, nos alfarrabistas notava a concorrência de compradores profissionais americanos em temas que me interessavam (Expansão; colónias; textos sobre arte ou etnografia africanas etc)

E depois das conversas que tive com uma técnica superior da Biblioteca do Porto (que goza do privilégio de depósito obrigatório) fartei-me de procurar asilo para uma biblioteca que continau a crescer. Quando morrer os herdeiros que chamem um alfarrabista e que esse profissional vá vendendo em leilão os meus livros. É verdade que assim se dispersam colecções, autores, temáticas. Que me importa? Já cá não estou para ver!

A obra foi confiada ao meu amigo Souto de Moura, um arquitecto com provas fartas e cuja primeira obra, a “Casa das Artes” na actual Direccão Regional de Cultura foi por Rui Feijó e por mim  (passe a imodéstia) um combate de anos. Ministro ou Secretário de Estado da Cultura que cá aparecesse era confrontado com a maquete da obra de Souto de Moura, com a história do concurso por ele ganho por unanimidade do júri, enfim uma boa hora de tentativa de aliciamento da personalidade governamental. A um, creio aue a Coimbra Martins, recentemente desaparecido, o Rui Feijó chegou a dizer algo como “Senhor Ministro deixe o seu nome ligado à pedra”.

E também com a cumplicidade de João Diogo Alpendurada sucessor de Feijó e meu antecessor nos destinos da DRC, lá chegámos a bom porto. Daí a amizade com Souto de Moura aquém me liga outra mania: somos dois fanáticos de Herberto Hélder!

Ora, e aqui é que começa a questão, Souto de Moura que sabe bem como são as Câmaras e como estas tratam a cultura, apresenta, diz o jornal, uma solução excelente (arquivo em torreão como é o caso da Biblioteca François Mitterrand) mas modesta: segundo o arquitecto o aumento para 54 km de estantes dá para os próximos dez anos. Não sei se já os próximos ou os que se contarão a partir da inauguração da obra. E tudo por cerca de vinte milhões.

Claro que vinte milhões é dinheiro. Todavia, este abençoado país gastou em auto-estradas desertas muitas e muitas vintenas, o mesmo sucedendo em projectos para o fatal aeroporto de Lisboa que nunca mais sai do papel.

Lembraria, porém que dez anos de crescimento do espólio é pouco, quase nada. Que seguramente haverá dezenas ou centenas de belíssimas bibliotecas privadas cujos donos gostariam de perpetuar legando-as à BMP (e eu logo na primeira linha, estão por cá 25000 mil espécimes, 10% dos quais é um espólio francamente bom, raro, caro. Digo 10% mas pode ser mais, tudo depende. De todo o modo, sei de colecções portuguesas cujos donos se debatem com o mesmo problema (Uma há que é apenas a maior colecção mundial de textos e documentos dobre escravatura! Até há pouco i dono não tinha decidido o que fazer com ela mesmo depois de assediado por universidades americanas que, gulosas, já terão arriscado fortes ofertas).

Imagino Souto de Moura a arriscar a medo a quantia para este projecto. Basta, aliás, ler, no Público as reacções dos vereadores da posição. Torcem-se à menção do preço mesmo confessando o interesse do projecto. E se fossem 50 milhões e digamos cinquenta anos de crescimento assegurado?

É fácil, disparar daqui números gordos. Não serei eu quem terá de encontrar o dinheiro e já não estarei para apanhar com alguma derrama por via das obras “faraónicas” que alguma vez algue, se atrevesse a propor.

Todavia, depois de saber qual a hipótese de crescimento dos espólios, de saber que há um imenso número de livros em caixotes, temo bem que a nova biblioteca não tenha espaço para crescer mais que três a cinco anos. Quanto às bibliotecas que por aí andam, a solução continua a ser dispersá-las em leilão ou vendê-las, como vai ocorrendo cada vez mais frequentemente, a quem quer e pode pagá-las a bom preço, os americanos em primeiro lugar e uma multidão de émulos logo a seguir.

De todo o modo... sou dos agarram esta hipótese de biblioteca apresentada. Esperando, fervorosamente, que a coisa vá para a frente. Aliás so quando vir os trabalhos a arrancar é que descansarei. E mesmo assim...

*na vinheta A biblioteca do palácio nacional de Mafra

    

 

o leitor (im)penitente 214

d'oliveira, 28.06.21

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Liberdade vigiada 54

Livros a mais...(1)

mcr, 28 de Junho

 

O confinamento obrigatório, alguma prudência, a falta de um local onde tomar café, o cuidado com os (e pelos) outros, proporcionaram-me a ocasião de verificar que andam por aqui muitos livros repetidos. Dos que estão na cave nem falo pois aí são multidão.

Assim, entendi desfazer-me deles pro bono, isto oferecendo-os a quem lhes quiser dar guarida.

Desta feita despeço-me com alegria de alguns títulos relativos a temas africanos e/ou coloniais,

Por acaso há um metro deles (todos números do Boletim da Sociedade de Estudos de Moçambique) que já tem destinatário certo, um leitor a quem os prometi depois dele me ter gentilmente prometido o 1º volume da História dos Caminhos de Ferro de Moçambique. Nisto, o mais surpreendente é ele ter repetido exactamente o volume que faltava!

Estão guardados à espera que o mau tempo pandémico permita uma escapada a Lisboa onde chegarei ajoujado coo esses exemplares que pedem, parece-me dois sacos de supermercado (dos resistentes, claro, à moda dos alfarrabistas que agora não querem outra coisa para transportar livros em quantidade)

Os livros estão disponíveis, no Porto (no género f.o.b., free on bord) ou seja o adquirente vem busca-los ao local de origem. Lamento muito mas acho que pedirem-me para custear o envio de uma oferta para outro sítio seria de mais.

Eis a primeira lista

A 1ª grande guerra na África portuguesa (M F Arrifes)  

Tratado das coisas da China (fr Gaspar da Cruz)

Origem do colonialismo português moderno ( Valentim Alexandre)

Relatório dos acontecimentos de Timor ( Manuel A Carvalho, Instituto de Defesa Nacional)

A identidade cultural do povo balanta (Salvatore Camileri)

Roteiro da África do Sul e sueste desde o cabo da Boa Esperança té ao cabo das Correntes ( M M Perestelo)

Angola ( um roteiro/inventário da colónia em 1953 recheado de fotografias e quadros variados)

 À volta do mundo (jornal de viagens e assumptos geográficos) sec XIX, direcção de Teófilo Braga que inclui, entre outros textos,  “como eu atravessei a África” Serpa Pinto que entretanto está incompleto. É o vol II –cerca 400 páginas. Muitas ilustrações e mapas, raro e extremamente interessante.

 

Todos os exemplares estão em “boas” ou “muito boas condições” segundo os conhecidos critérios alfarrabistas.

Quem quiser que se aponte Pode levar todos ou um é-me indiferente.

Esta feira é apenas uma extensão de um hábito meu começado aliás com ofertas ao meu saudoso amigo Manuel Sousa Pereira. Ele aparecia cá por casa, exigia um café, dava à língua, fazia pequenos serviços e levava sempre um livro. Nem o escolhia. Era o que estava mais à mão na estante dos repetidos.

Vários amigos e amigas eram (e são)  contemplados do mesmo modo mesmo se aí eu já tenha mais cuidado com a oferta tendo atenção às preferências que conheço. Amanhã, mesmo, segue a “História da Poesia Portuguesa do sec XX” do João Gaspar Simões, fascículos completos e encadernados em meia francesa. É um excelente, mas datado e limitado no tempo, estudo com quase 1000 páginas e centenas de excertos. Não conheço nada mais completo e a edição é de óptima  qualidade.

Já uma vez me perguntaram porque não vendia os livros repetidos a um alfarrabista. A resposta é simples: porque não compensa, sobretudo quando são edições recentes  ou abundantes. Assim, tenho o gozo de os oferecer a pessoas que ficam felizes e acarinharão os livros como eu acarinho os que cá ficam.

* na vinheta estante dos repetidos. Obviamente são apenas os que estão em cima.   

homem ao mar 73

d'oliveira, 27.06.21

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Liberdade vigiada 53

E agora, Portugal?

Mcr, 27 de Junho

 

A manhã está demasiado fresca para me aventurar até à beira mar. Ou então sou eu que estou demasiado preguiçoso e com pouca fé num estacionamento  não demasiado longe do local onde tomaria os cafés da manhã e aviaria o jornal.

Aliás, estou encarregado de fazer umas pequenas compras coisa que deixaria de lado não fora o facto de terem acabado as laranjas para o sumo matinal. Já que tenho de ir por elas o melhor é fazer os restantes recados.

Nesta asa, sou o moço de recados e o encarregado das compras. E faço-o não por gosto mas para me poupar a uma jornada de supermercado a meias com a CG. É que ela, por razões que não alcanço consegue demorar três vezes mais do que eu sozinho. E vai munida de um papelinho onde anotou cuidadosamente tudo o que queria comprar.

De nada serve o papel. Ou serve para verificar que comprou o dobro das coisas pretendidas como lhe faço notar. Fica indignada com a minha “má fé” e justifica-se frouxamente com o seu fardo de dona de casa. Vê-la cirandar por um supermercado, sempre um dos dois ou três que conhecemos de ginjeira é uma agonia. Pretende que mudaram tudo (não mudaram nada, claro), que há produtos novos (novos de há anos...) que eu a distraio, enfim, um rosário de desculpas que me põe à beira da apoplexia. Resultado, cumpro o meu dever de fiel marido e rezo para que não queira ir comigo.

Mais tarde, queixar-se-á que nunca sai de casa, como se uma ida ao super fosse algo de entusiasmante e pleno de aventuras.

Portanto, marchei para o supermercado, merquei o que havia a mercar , tomei um café numa esplanada da avenida e recolhi a penates com o jornal mal lido.

Deu, porém, para perceber que o  egrégio presidente da Assembleia da República desistiu de marchar sobre Sevilha à frente de uma Legião Lusitana, armada de cachecóis variegados, barretes de campino, roupa verde rubra, enfim, o habitual folclore das expedições ludopédicas (adora esta palavra que o computador ignorante marca como erro).

Pelos vistos, o torcedor nº 2 da “equipa de todos nós” iria à boleia do torcedor nº 1, o dr. Rebelo de Sousa. Por razões seguramente patrióticas, eminentemente patrióticas, o Sr.  Presidente da República não parte para a estranja para o que pedira ao parlamento a necessária licença. Licença concedida mas, afinal, não utilizada.

Parece que o torcedor nº 2 iria a convite do nº 1. Não indo este, o nº2 não pode ir. Não percebo: então o dr. Ferro não tinha antecipadamente, como qualquer adepto da selecção comprado o seu bilhete para dando o exemplo poder ir sem que alguém, de má fé – claro – lhe atirasse uma pedra. Ou o criticasse, que isto de personalidades políticas a irem à bola tem dado que falar. Sobretudo se é para acompanhar a “equipa das quinas” como algum(a) leitor(a) estará lembrado/a.

Ora falhando o Presidente, falha também o outro Presidente que, pelo que parece, iria à “pàla” do primeiro.

Convenhamos que ir à boleia é mais barato, mais confortável e igualmente desportivo. O diabo é que os portugueses conclamados para a cruzada sevilhana, esses, teriam de custear a viagem, a estadia e o bilhete. Este facto a ocorrer assim cheira-me a pouco democrático. Isto de mandar avançar a peonagem e depois ficar no quentinho, parece-me, sei lá, algo com o rançoso cheiro ao antigo regime: defendamos a pátria com o vosso sangue, ó heróis do  mar, nação valente, nobre povo etc...

Fica, pois, a selecção desacompanhada, só, no meio de uma turbamulta castelhana, pior, aliás, andaluza, gente aciganada, versada  em malasartes  que Sevilha é o poiso dos pickpockets peninsulares, dos intrujões, para já não falar no célebre barbeiro queera um alcoviteiro de primeira e, como ele próprio se reclamava, o “factótum della citta”!

Ora um presidente de uma assembleia que é da república tinha o absoluto dever de se ir bater contra a monarquia belga sobretudo em território da monarquia espanhola. Estamos a entregar  o oiro ao bandido, a desistir da luta de classes a permitir o o eventual regresso triunfante dos governantes ungidos pelo senhor, sucedendo-se por ordem dinástica como vai sendo o caso da coreia e de algumas republiquetas latino americanas onde o poder é sempre em família ou a Síria onde os matadores se sucedem aos matadores inclusive com o auxílio de uns “soviéticos” disfarçados de russos, gente que matou de morte matada um csar, filho, filhas, mulher e mais uns milhões de criaturas, incluindo vários, muitos, irmãos de armas dos mesmíssimos assassinos anteriores.

Portugal está em perigo, camaradas, companheiros e amigos! Força, força, companheiro Cristiano Ronaldo, nós seremos a tua muralha de aço!

Na televisão, lobrigam-se, a custo, alguns lusitanos perdidos entre a Giralda e a plaza maior. Vê-se que acreditaram cedo de mais no anunciado, entusiástico e ferrenho “conducator” que afinal borregou.        

 Cantam com fervr e desafinados o hino nacional e uma outra coisa horrenda com muitos olé (bem se vê que estão em Espanha!) e prometem fazer a festa com vinho verde, churros e castanholas de souvenir. Bem hajam! Bem hajam!

E tragam um frasquinho de perfume “maderas de oriente” para o faltoso dr. Rodrigues. E um leque com motivos tauromáquicos para se abanar nos calores que se aproximam...

 

 

homem ao mar 72

d'oliveira, 26.06.21

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Liberdade vigiada 52

“ferro, ferro, ferro, tudo é lata”

mcr, 26 de Julho

 

Os leitores presumivelmente desconhecerão esta mnemónica usada, em tempos que já lá vão, pelos estudantes que se defrontavam com o latim. Não era a única mas é a que vai servir para o folhetim de hoje.

De facto isto servia para relembrar um verbo irregular fero, fers ferre tuli latum que significa trazer. Os verbos latinos  identificavam-se assim, com o presente do indicativo, 1ª e 2ª pessoa, infinito, pretérito perfeito e particípio passado se é que ainda me lembro dos nomes das formas verbais.

Não pretendendo ensinar latim a ninguém, nem sequer a um putativo padre confessor que me leia, apenas recordo a mnemónica para despedir uma frechada ao dr. Ferro Rodrigues que, de facto, disse um disparate de bradar aos céus. Disparate é, aliás, uma formula benévola para referir um burrice de todo o tamanho e uma idiotice manifesta dados os tempos que correm.

Desconheço as apetências futebolísticas do Sr. Presidente da Assembleia da República, as suas veleidades desportivas que, e eu conheci-o bem mais novo e bem mais inteligente do que agora parece, na sua provecta idade mereciam uma acalmia e uma discrição que ele, estrondosa e petulantemente, resolveu ignorar.

O Sr Ferro Rodrigues parece ignorar que se há região em Espanha pior do que Portugal é justamente a Andaluzia, cuja capital, desde já o informo, é Sevilha. Sevilha uma cidade magnífica, nas margens do Guadalquivir, cidade de ciganos, mil vezes cantada e louvada, que no século XVI tentou roubar protagonismo a Lisboa.

Ora, hoje, Sevilha mesmo mergulhada num vermelho vivo de pandemia será palco de um jogo de futebol etre Portugal e a Bélgica. O bom senso obrigaria a que o jogo nem espectadores tivesse não vá do ajuntamento resultar outro acréscimo temível de infecções. Também, não parece aconselhável que uma multidão de portugueses patriótico-futebolistas se organize numa mesnada vindicativa para bater os flamengos, gente do norte que, in illo tempore (mai latinório!),  deu água pela barba os soberanos espanhóis.

Esta cavalgada de lemings suicidas pedida por Ferro sobre ser uma bravata e demonstrar muita lata, é uma afronta ao estado de excepção em que se encontram, pelo menos,  três milhões de portugueses, confinados à região metropolitana de Lisboa.

Duvido, de resto, que haja bilhetes para o jogo em número suficiente para responder ao anseio heroico, à enxurrada patrioteira  pedida pela 2ª Figura do Estado.

Aliás, eu nem referiria esta picardia ferro-rodruiguiana não fora o facto insólito de, depois da primeira invectiva patriotinha, o mesmo cavalheiro, do alto da sua cadeira na AR ter voltado ao assunto. Decididamente, a criatura está pandemicamente tocada pelo desporto rei, pela “equipa de todos nós”, pelos manes de Cristiano Ronaldo, pelo Espírito Santo tribal que desperta em cada ronda de futebol internacional.

Pelos vistos, enquanto os portugueses se veem ameaçados pelo vírus, pela subida do R t ,pela ameaça do aumento de casos que, em Lisboa, onde vive o ferrenho “Ferro, ferro, ferro, é preciso ter lata”, caminham velozmente para o vermelho vivo, há ainda lusitanos do antigamente de antes quebrar que dobrar a cerviz que prometem uma invasão das antigas terras dos emirados de El Andaluz. Ou do castelhano traiçoeiro, tanto faz!

Pelos vistos, na cadeira presidencial da AR temos não um político assisado e prudente, um pai da pátria cauteloso mas um desportista impaciente, um ferrabrás  fugido de Alcácer Quibir, um devoto tardio de D Sebastião que à falta de um Marrocos à mão quer entrar nas terras à esquerda do Guadiana!

É obra!

À vista deste desenfreado patriotismo, que como todos os fanatismos, nega as mais elementares evidências, é ocasião de perguntar se vivemos numa república bananeira (onde por mero acaso, e há uns bons 50/60 anos se travou uma guerra por via do futebol), se a famosa frase presidencial que mandava tudo e todos focarem-se no futebol, ganhou novo ímpeto ou se meramente estamos perante um caso loucura mansa, de acentuada queda na velhice mais patética, na quintessência do famoso princípio de Peter.         

 

 

homem ao mar 71

d'oliveira, 25.06.21

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Liberdade vigiada 51

“non piu andrai...”

mcr, 25 de Junho

 

Hoje foi dia de  ir apanhar as injecções nos olhos. E pagar um respeitável balúrdio na tentativa de salvar os olhos.

Eu até já me habituei a esta punção semanal nos meu parcos réditos e nos olhos que maltratei em oitenta )ou quase) anos de vida. Muita leitura, muita oftálmica para “as virgens que passavam ao sol poente” se me é permitido citar enviesadamente o António Nobre, um desses poetas eternos, de que pouco se fala mas de que há sempre mais uma reedição. Homem de um “Só” livro, mas que livro!

Como Cesário, aliás, outro de um único livro, coligido e publicado depois da sua prematura morte (como Nobre...) mestre de poetas maiores mas por ele iluminados e a ele agradecidos...

Dois poetas que comprei ainda não tinha dezoito anos, nem receios de cegar. Um erudito, filho família, licenciatura a tiracolo, cosmopolita, spleen parisiense, outro vindo da pequena burguesia lisboeta, imortalizando pequenas coisas, pequenos prazer, fruindo a vida e afinal morto tão cedo quanto o anterior, E quase contemporâneos mesmo se Cesário transporta, anuncia e revela uma modernidade que Nobre só pressentiu no enorme talento que possuía.

E já me deixei embarcar por mais dois poetas, vindos até aqui apenas por eu falar em “oftálmicas” a jovens mulheres, olhares de longe, timidamente atrevidos, se é que tal coisa existe.

Não foram porém, eles, a causa dos meus recentes males de visão. Eu, e apenas eu, descuidado, mudando as lentes sem prestar a necessária atenção aos exames que na óptica me faziam, sem me lembrar de ir a um médico por pura preguiça, nem sequer era para poupar uns miseráveis tostões.

Portanto, fui submeter-me ao que já é uma rotina: uma injecção no canto exterior de cada olho e o resto da tarde a choramingar e com picadas e às vezes algum mal-estar.

A tarde teve apenas uma originalidade: para ir para o hospital chamei um táxi e à vinda quando me dispunha a chamar outro, vi chegar um e depositar o passageiro. “Está livre?”, claro que estava livre. Durante o percurso descobri que aquele táxi era o mesmo que me transportara uma hora antes. E disse-o ao motorista que também já dera pela coincidência e me informou que “as coincidências coincidem”. Fortlecido por esta novidade, entrei em cas rumei ap meu sofá favorito, acendi a televisãoo no canal “mezzo” e apanhei as Bodas de fígaro exactamente no memoento em que o conde se lança no “non piu avrai...

Eu sou um mozartiano frenético, contumaz, pelo que lá se foi a minha ideia de dormir. Puz a máscara sobre os olhos choramingões, mas fui ouvindo a inteira ópera que é nas cerca de trinta operas mozartianas uma das três absolutamente favoritas (com o “Cosi fan tutte” e o “D Giovanni”). Alguém, se calhar o meu irmão, mas não garanto, afirmou que “Mozart é como o porco: aproveita-se tudo!”

 

E, sem demérito para esse génio absoluto, “o mais novo dos anjos” segundo o grande poema de Manuel Bandeira, outro poeta que li antes dos vinte anos, achei a comparação genial: Mozart pode consumir-se dia sim dia não para durar ainda mais tempo e dar ainda mais prazer que o diabo do homem fazia música 48 horas por dia. E, claro, também ele morreu absurdamente cedo, como os dois de há bocado. E como eles tive a imensa sorte de o começar a ouvir muito cedo, graças a um pai melómano e, aliás excelente cantor (mas de fados de Coimbra, tangos argentinos e música coral pois foi “orfeonista” do Orfeon Académico de Coimbra e era vê-lo nos espectáculos do orfeão a tremer de impaciência pelo momento em que tradicionalmente se chamam os antigos orfeonista para cantar suponho que o “ámen”. Nesse momento, o meu pai saltava da cadeira, punha a capa velhinha aos ombros e subia quase a correr para o palco. Ah como me lembro...E como me comovo tantos anos depois da sua morte com este retrato vivo de um homem bom, um João Semana assumido que nesses escassos momentos revivia a sua juventude coimbrã!)

Aliás a ária que citei e cuja primeira é, cito de memória

Non piu andrai farfalone amoroso

Notte e giorno d’intorno girando

Dele belle turbando il riposo

Narciseto, Adoncino d’amore

 

Recorda-me, no seu final, do que escapei nesses mesmíssimos anos de descoberta do mundo, da música, da poesia, das mulheres, de tudo

De facto o pobre Cherubino vai ser mandado para a tropa para poder aspirar

Alla vitoria, alla gloria militare

E disso, safei-me por uma unha negra pois fui às sortes um ou dois meses antes do início da guerra em Angola. E foi um angolano, um médico militr miliciano quem me livrou, aumentando-me a altura, diminuindo o peso de modo a ficar fora dos limites do índice de Pignet, se é assim que se escreve tal coisa.

Daí o gostar tanto do non piu andrai...

Ou então é tudo virtude do querido Wolfgang Amadeus.

* na vinheta: a praia da Boa Nova tão frequentada e bem cantada de Nobre.   

 

  

   

  

 

 

homem ao mar 70

d'oliveira, 24.06.21

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Liberdade vigiada 50

Talassa!, Talassa!

mcr, 24 de Junho

 

 

O título do folhetim é demasiado pomposo para o fraco conteúdo do mesmo mas, que querem?, hoje desci até ao mar, melhor dito às esplanadas que bordejam o mar da Foz e tão feliz me senti que só me vinha à cabeça o grito espontâneo dos dez mil mercenários gregos arrebanhados por Ciro para derrotar o irmão e conquistar o trono da Pérsia imensa.

Estes gregos, sobreviventes de mil guerras fora e dento do seu solo difícil e pobre são guerreiros reputados. A melhor infantaria pesada da época, os melhores oficiais e estrategos, uma disciplina forte porque consentida e votada, dão para criar um exército indomável e invencível.

Em boa verdade, a vitória obtida por Ciro acabou numa derrota pois o pretendente vitorioso morre em combate. Assim os seus seguidores persas juntam-se ao agora poder único e os gregos sentem-se cercados, em grande perigo no meio de uma terra estranha e mais de mil quilómetros da pátria comum.

Que fazer?, questionam-se os mercenários. Pois regressar a penates enfrentando povos estranhos e pouco amigáveis sempre discutindo, votando e obedecendo cuidadosamente ao votado. É uma assembleia de cidadãos livres em movimento, um dos momentos mais altos dessa mítica e nunca conseguida pátria dos gregos. E depois de aventuras quase assombrosas o exército em retirada atinge a costa, vê o mar e, isto já é mais duvidoso, brada em uníssono “Talassa, Talassa! O mar, o mar. O mar que os levará para a Grécia e graças a Xenofonte, para a glória imortal.

 

Não vou, mais uma vez, contar a trama desse livro único (um dos meus vinte cinco ou até, provavelmente,  um dos dez preferidos(“Anábase” que corre em português, um belíssimo e escorreito e fácil português sob o nome de “retirada dos 10.000” graças à tradução de Aquilino Ribeiro datada de um dos seus exílios parisienses, o primeiro, suponho). Já li dez vezes, e já ofereci a amigos mais do que escolhidos, eleitos, sempre encadernado a preceito. Está agora mais um exemplar (será o 12º se não erro, nas mãos da D Fernanda Santos, encadernadora de mão cheia. Ainda não tem destinatário certo  mas na altura logo se verá) a ser tratado.

Para os mais curiosos a editora é a Bertrand e creio que anda pelas livrarias mais uma reimpressão. Ora aqui está um título que já leva 70 anos de curso seguido sempre no comércio livreiro!

 

Regressemos ao título, que eu perco-me demasiadas vezes sem respeito pelos eventuais leitores que me aturam.

Hoje, desde Outubro do ano passado, voltei à Foz para a bica habitual, o jornal de todos os dias. Nove longos meses longe do meu local favorito no Porto. Aqui vivi, durante o meu primeiro casamento, num andar encantador em dúplex. A parte de cima, autónoma, era para o casalinho e o andar debaixo era da Alcinda e do Jorge, os melhores sogros do mundo, a quem devo muito e cuja memória honro sempre que vem a talho de foice.

Quer do nosso quarto, quer de uma varanda escondida da nossa sala não se avistava a rua mas só o mar, talvez uma nesga de praia, seguramente parte do molhe (o molhe 8, eu não sabia mas os molhes em Portugal estão numerados e este o da Foz é o oitavo não sei se a contar de norte ou de sul mas não interessa. Este molhe é o oitavo maravilhoso sítio para se atentar na braveza do mar em dias de temporal com as ondas a desfazerem-se nele, a ultrapassá-lo sem rebuço e ameaçadoras).

Eu vivi aqui cerca de quatro anos, aqui fui visitado pelos “do costume” que me entregaram a habitual contra-fé para me apresentar na PIDE para prestar declarações. Vá lá que desta vez deram-me tempo, ou então quiseram que esse tempo fosse de angústia e temor, a verdade é que dessa vez lá me safei sem grande problema mesmo se adivinhava que esse episódio era mais um prego na tábua do meu caixão político. Vá lá que veio primeiro o caixão do apodrecido regime...

Vivi aqui, aqui, sempre que podia, pela manhã tomava um café improvisando um esplanada no muro que caía sobre a praia. Os empregados do café restaurante a dois passos eram gentis e atravessavam a avenida de café e copo de água para o señorito que juntava uma gorjeta de cinco tostões à bica. Ficava-me a festa por dois escudos, o preço de dois jornais.

Depois do 25 A abriram timidamente as primeiras esplanadas, ainda poucas e mal alinhavadas, umas cadeiras umas mesas tudo no baratucho mas com o sol, a praia e o mar, um luxo!

Eu afreguesei-me no “ferreira” e nunca o troquei por outro poiso nestes trinta/quarenta anos (ou mais, sei lá...). Aos sábados e domingos, largava o meu bairro e vinha carregado de papel saber das últimas do vasto mundo. Hoje, traí miseravelmente o Ferreira (se é que se chama ainda assim) pois só havia mesas ao sol e eu gosto de sombra. Portanto andei 5o metros para norte para o bar do molhe e ai li o “Público” enquanto bebia a bica do costume. E dei por mim a fazer contas. Esta bica ficou duzentas e quatro vezes mais cara do que aquela que eu tomava na balaustrada, gorjeta incluída!

Já sei que a comparação não leva em linha de conta um monte de factores mas ilustra bem o fosso que separa 1971/4 deste ano de incertezas pandémicas.

E é duma dessas incertezas que quero falar. Não sei se foi a pandemia ou o oportunismo ou apenas a estupidez casada com o reacionarismo que fizeram Portugal abster-se numa votação sobre  o direito das minorias homossexuais na Hungria. Treze países assinaram a condenação mas o torrãozinho de açúcar absteve-se com o inacreditável pretexto de que, estando na Presidência do Conselho, devia ser neutral! Foi uma criatura chamada Ana P.aula Zacarias, vaga secretaria ou subsecretária de Estado que deu a cara.

Eu não sou um admirador das minorais sexuais, simpatizante sequer. Mas tenho por certo que elas, as minorias, tem o direito de existir, de se manifestar, de reclamar contra proibições vesgas. E é disso que se trata: a Hungria incumpre sistematicamente Direitos Humanos e faz o que pode para prejudicar a UE. Por mim já estaria fora da carroça mesmo se isso favorece a Rússia que, aliás, bem a espezinhou como ainda estarão lembrados.

Tudo isto é risível, ordinarote, tristonho e, obviamente, fortemente reaccionário.

Algum dia virá que os amigos do dr. Costa virão bater-me à porta indignados por em certas zonas mais populares de Lisboa lhe chamarem “monhé” ou “o preto”

(já ouvi em táxis as duas expressões, não invento nada). Terei então ocasião para lhes explicar um par de coisas, se é que sequer queira dar-me a esse improfícuo trabalho. E espanto-me pela falta de reacção dos habituais indignados que por dá cá aquela palha ou nem isso irrompem em uivos sobre o colonialismo, o racismo e outros ismos nacionais.

Os protestos, cá, são “a la carte”.

* na vinheta: pérgula na Av do Brasil entre a rua do Molhe e rua da Índia, justamente o local onde se situam as duas esplanadas referidas no texto   

 

homem ao mar 69

d'oliveira, 23.06.21

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Liberdade vigiada 49

Melancolia, melancolia...

mcr, 23 de Junho

 

 

Daqui a umas horas começaria a noite de S João. Começaria, é um modo de dizer: ninguém nunca conseguiu determinar a hora do começo dessa gigantesca rusga, dessa noite mágica que os de cá vivem com rara intensidade.

Este ano não há nada para ninguém. O bicho mau ronda a cidade e, mesmo não estando nós como Lisboa, a ninguém convém que as infecções alastrem. A Câmara presta uma espécie de serviços mínimos, abrindo três espaços para farturas e carroceis. E tudo muito vigiado, com entradas e saídas controladas, medição de temperatura, testes, e oque mais vier.

Ora, para quem não sabe (e desconhecer é grave pecado, dos mortais, sem absolvição, de padre ou mesmo arcipreste, só o bispo pode dar uma penitência severa aos ignaro sem falar da hipótese de o poder devolver ao poder secular para exposição no pelourinho e açoite impiedoso) o S João do Porto é uma coisa inorgânica, sem regras que não seja o encher as ruas, becos e praças, armado o braço de erva de cheiro, alho porro, raminho de flores o que for. Tudo menos o horrível martelinho invenção ignóbil e imbecil já ocorrida ou instalada na Democracia. Talvez num futuro próximo, o combate pelo ambiente remeta o martelo para a mãezinha que o pariu e se volte a uma tradição de séculos vegetal e ecológica!

Portanto as gentes na rua! Em grupos que se fazem e desfazem que, ao virar de uma esquina e no meio da multidão pode bem acontecer que uma cara desperte a nossa atenção e nos roube aos amigos. Com sorte, que a noite é propícia  uns beijos roubados de boa vontade, uma mão mais atrevida, um sorridente olhar reprovador e, em Deus querendo, tudo acabará em bem, em muito bem no bem bom. Ah as manhas na praia, nas praias ou num parque hospitaleiro...

Mas eu falava em melancolia. Que querem? Com esta idade se o coração ainda recorda amáveis folias, a cabeça já toda branca modera os ardores e brandamente nos lembra que o nosso tempo já foi e que, para velho verde também já é tarde.

O meu primeiro S João foi em 59 e durou até fins de 70. A partir daí a coisa amainou, a respeitabilidade involuntária impôs-se e a festa passou a ser em casa de amigos, sempre com as sardinhas, os pimentos, uma salada animosa, um vinho já de boa escolha. No pátio, se pátio havia, víamos passar os balões, ouvia-se o foguetório, adivinhavam-se os fogos de artifício. Já se recolhia à cama, mesmo se de madrugada e olhávamos para os filhos a partirem para as rusgas, armados da mesma pueril impaciência que já fora nossa. E os mais sanjoaneiros diziam “estes só entram em casa manhã alta, e derreados”. E uma luz marota brilhava nos olhos de quem já não sanjoanava porque muito já tinha sanjoanado.

E não se pense que a festa era só do povo miúdo, da pequena burguesia, nada disso. Os “meninos da Foz” os das Antas entravam no rebuliço com igual fervor e intemperança dos sentidos

Um amigo lisboeta convidado por mim, criatura batida por anos de estranja, arriscou “a burguesia tem um dia para se encanalhar”. Não, caro Luís, não. Esta noite a burguesia recorda-se de onde veio, sente o apelo da festa e da carne e vem por aí fora desavorada. Apanham e levam no toutiço com os alhos porros, a erva cidreira, não viram a cara a uma piada mais grossa nem deixa  os seus créditos por mãos alheias.

Bem se vê donde vem a elite citadina, numa cidade que durante séculos não queria fidalgos dentro de portas. Esta gente fez-se à vida e aos negócios desde as barraquinhas de feira até às grandes adegas onde dorme e envelhece o vinho fino que depois se chamará vinho do Porto.

“Ai mcr eu perdia lá isto?”, dizia-me uma amiga que tinha atrás dela vinte gerações de pés calçados com sapato de fivela. E pimba, toma lá dá cá, alho porro em riste, sem pestanejar demasiado se alguma mão sorrateira lhe descia o lombo.  Nesta noite de milagres, o fero santo baptista sorri para Salomé. Se é que apenas sorri...

Mas este ano, nada! Há de ser para o próximo, prometem todos. Que seja! Que seja!

 

E será!

(esta noite lá iremos a CG e eu para uma sardinhada como deve ser com os nossos filhos, outros familiares e com o Nuno Maria que está que ferve! E vou ensinar-lhe:

“Orvalhadas, orvalhadas, orvalhadas

E viva o rancho das mulheres casadas

Orvalheiras, orvalheiras, orvalheiras

E viva o rancho das raparigas solteiras”

 

É de pequenino que se torce o pepino!

* para os companheiros de blog actuais e antigos Bom S João 

E para os leitores também!

 

homem ao mar 69

d'oliveira, 22.06.21

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Liberdade vigiada 49

A erva cresce

mcr, 22 de Junho

 

Aqui havia uma esplanada. Entretanto, os azares do comércio alimentar e outros acabaram com o estabelecimento. Outro surgiu, com longas obras que se foram atrasando ao longo da pandemia. Depois, quando eventualmente planeavam abrir um restaurante de sushi (é a moda...) eis que o vírus regressou em força. A casa, pronta, continua fechada, há papéis colados a desfazerem-se pelas amplas vidraças. A sensação é de abandono, será que a empresa não resistiu a segunda vaga?

Em frente, o chão empedrado deixa aparecer tufo de erva que caminharam entre pedras e cimento, que debaixo há a placa das garagens comuns do prédio, e encontraram refúgio nos grãos de terra que o vento até ali trouxe.

Demorou pouco tempo este regresso da natureza. Ao passar por l´, coisa que faço todos os dias, lembrei-me, vá lá eu saber como e porquê, de dois documentários sobre Tchernobil. As plantas invadiram as ruas da cidade, o interior dos prédios subitamente abandonados. Há cães e gatos que também eles abandonados, esquecidos, se recusaram a morrer com a radiação e parecem sentir-se bem num território que também já foi invadido por raposas, lobos sem falar na passarada.

Só o bicho homem desapareceu. Ou melhor: quase desapareceu. Um punhado de criaturas desafiou as ordens, os regulamentos, a polícia e ficou nas pobres casas que eram suas. Não eram citadinos mas camponeses dos arredores, bem dentro da zona proibida. E lá estão eles com as galinhas, os coelhos, alguma vaca ou cabra provando que a teimosia é mais forte que o medo. Estarão infectados? É provável mas nada o demonstra.

E ao longe, a carapaça de cimento que fecha os tanques de combustível atómico que estrão li para séculos e séculos.

Longe de mim descrer da ciência, dos pareceres dos especialista. A Ucrânia não está, nunca esteve nos meus projectos de viagem, muito menos a zona do desastre. Mais depressa partiria para os mares do sul, e tentaria ver a famosa ilha de Bikini, a dos ensaios  da explosão   de dezenas de bombas atómicas e de hidrogénio.

Desconheço a razão porque os fatos de banho de mulher em duas peças receberam o nome da ilha, aliás um atol. De todo o modo, o bikini impôs-se ampla e rapidamente salvo em Portugal (e Espanha?...) onde só arribou com a primeira grande vaga de turistas em princípios de sessenta.

O pudor campónio do dr. Salazar não resistiu ao brilho das notas estrangeiras, sobretudo francos e libras. As portuguesas aproveitaram com alguma lentidão a boleia das turistas e os homens, mais expeditos e livraram-se para sempre duma peça inacreditável que lhes cobria parcialmente o peito (mas fundamentalmente os mamilos!!!). Nem os meninos e rapazinhos escapavam. O cabo de mar zelava pela moral estival e multava os atrevidos.

Notem os leitores que isto ocorria ainda em plenos anos cinquenta e muitos. Se nos lembrarmos das fotografias de praias francesas ou inglesas dos anos 30 logo podemos fazer contas ao atraso nacional.

Curiosamente, durante a guerra, e com o afluxo de milhares de refugiados muitos deles acolhidos nas praias mais em voga desde o Estoril à Figueira da Foz, conseguem ver-se fotografias desses estrangeiros com fatos de banho no mínimo “indecentes” para a moralidade beata local. De todo o modo esses estrangeiros mesmo refugiados tinham algum dinheiro e isso era o passaporte seguro para exibirem o corpo e escaparem às multas.

   Anda por aí uma discussão envenenada, como é já   costume, sobre o Portugal do Estado Novo. Há uma série de comentadores com tabuleta para a rua  que se fingem escandalizados com um par de números que, não beatificando o regime, registam um que outro tímido e insuficiente progresso  mormente económico. As criaturinhas novas guardiãs da horrenda grande noite fascista (mesmo se não a viveram ou se, e há casos, tendo-a vivido não abriam a mimosa boquinha contra a “situação”, antes se acomodaram num confortável  silêncio de que só saíram quando o regime caiu) destemperaram-se na crítica, na acusação e até, é bom recordá-lo, na denúncia dos sacrílegos “proto-fascistas” às autoridades académicas das instituições onde estes trabalham! Um carnaval grotesco que só dá força a quem não esqueceu o piedoso Salazar e abomina  a democracia.

E, entretanto, a salazarice triste beata é tão fácil de descrever. Com os peitilhos, o saiote dos fatos de bnho femininos, a licença de isqueiro e quatro tretas do mesmo teor tira-se um retrato à la minuta cruel e verdadeiro do Portugal post Maio e pré Abril.

Mas isso necessita de esforço, estudo, liberdade na cabecinha sonhadora e horror às verdades oficiais ou oficiosas pret a porter, produto da ideologia dominante a cada momento.

Ora, se há um Portugal velho e relho que se recusa a morrer é justamente o desta vaga casta de cavalheiros devotos de todos os antigos fanatismos, das verdades reveladas e do mundo a preto e branco.

Como as ervas a romper a calçada e a reocupar um espaço que porventura nem seu era, são estes novos velhos cruzados que em nome de uma liberdade que desconhecem aniquilam a liberdade a que também eles poderia ajudar a vencer preconceitos e rancores mal cicatrizados.

Como as ervas que rompem o passeio, como as árvores que florescem em Tchernobil, como os coqueiros que teimam em nascer em Bikini...                 

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