au bonheur des dames 412
...Outra na ferradura
mcr, 30-9-20
Sei bem que o trocadilho que estou a usar não é do melhor gosto mas também sei que, no caso em apreço, o visado não merece mais trabalho.
Vejamos então: correu nos mentideiros habituais que em Portugal são a única fonte possível de notícias descarnadas e sem o tal toque de fantasia com que costumam adornar-se, que o sr Ministro Cravinho não gosta do chefe de Estado Maior da Armada.
Pelos vistos, este, terá sido demasiado sincero quanto a algumas opções ministeriais. Convirá, entretanto, esclarecer que as opiniões expendidas pelo CEMA tiveram lugar no local próprio e altura própria nada transpirando para o exterior. De todo o modo o almirante em questão disse o que entendia dever dizer porque lhe foi pedido/perguntado/sugerido tal
Ora a opinião do representante da Matinha não coincidiu com a do Ministro. Todavia, isto, este desencontro de ideias é exactamente o que pode ocorrer sempre que o sr. Ministro quer saber qualquer coisa. Umas vezes haverá concordância, noutras reticência. É normal e o contrário seria surpreendente.
Portanto, desde há duas três semanas corri o zunzum de que o Ministro queria “despachar” o marinheiro para uma qualquer doca seca e substituí-lo por alguém que parecesse mais concordante.
Entretanto, e paralelamente, começou a falar-se no vice-almirante Gouveia e Melo que estava já de âncora levantada do seu último teatro de operações. Dizia-se té que, caso não se encontrasse tarefa digna deste excelente servidor público, ele teria de passar à reforma por qualquer razão que já não recordo.
As condições para uma tempestade perfeita combinaram-se. Gouveia e Melo, justamente aureolado, pelo êxito de uma missão limpa e honrosamente cumprida, aclamado dentro e fora do país , parecia ser um bom substituto para o CEMA que entretanto só terminaria normalmente o seu mandato em 2023.
E assim, pela calada, o sr Ministro, chamou o CEMA para em conversa privada, sem conhecimento do “comandante supremo das forças armadas” (isto é, do Presidente da República que no caso é sempre chamado a intervir) e informou este oficial superior e, pelos vistos, reconhecidamente competente, que não engraçava com a sua cara, ou com as suas opiniões (sempre estrictamete reservadas) ou com seu modo de fazer a continência.
E sempre pela calada, esperava o senhor governante que o almirante saísse de cena (se possível pelo seu pé...) para espantar o mundo com a nomeação de Gouveia e Melo.
Ocorre, porém, que o Presidente da República, que é quem nomeia os altos cargos das forças armadas, ficou furioso por, sem lhe dizerem nada, resolverem armar uma borrada em que ninguém ficava bem (Presidente, ministro, demitido e convidado).
Resta saber se Gouveia e Melo sabia disto ou se, na altura certa, seria apanhado na rede de pesca. Ao Governo convinha muito, uma figura altamente prestigiada e conhecida dos portugueses. Mais: difícil seria para o convidado escusar-se sobretudo se o CEMA saísse por seu pé. Ou por claro desentendimento público com o Ministro (aliás ninguém sabe se há ou não divergência forte de opiniões, divergência insanável que não permite coabitarem juntos no mesmo barco. Por junto, fontes eventualmente próximas do Ministro terão veiculado para fora esses desaguisados mesmo sem os precisar).
O PR que é, eneste caso com razão, muito senhor do seu nariz, interveio com fogo a toda a peça avisando com meridiana clareza que, com ele, não há batalhas navais de papel. Que isso é para meninos rabinos, nas aulas chatíssimas que tem de aguentar.
E está lançada a polémica pelo país.
Disto, desta eventual tonteirada ninguém, ou poucos, saem bem. Mal sai sem dúvida o Ministro que já tinha estado no centro do furacão da nova lei sobre a questão das chefias das forças armadas. Oficiais generais na reserva, incluindo os mais prestigiados, tinham manifestado o seu incómodo. Os oficiais no activo, remetidos ao silêncio dada a especial disciplina que os inibe, calaram-se de tal odo que nem sobre o tempo que faz se pronunciavam. Tanto silêncio, tanta reserva, também acabam por ser ruidosos...
Gouveia e Melo que saiu pela porta grande, está queira ele ou não, metido numa camisa de onze varas que provavelmente não merece.
Ministro não tuge nem muge depois da declaração bombástica do Presidente. Noutro tempos, uma criatura demitia-se mas agora é o que se sabe. Nem o Cabrita, coitado, tão bombo da festa, se lembra de bater com a porta.
Há neste Governo, como aliás observavam vários comentadores (de Júdice a Pacheco Pereira, de Marques Mendes a Lobo Xavier, entre uma multidão de outros – exceptua-se a srª deputada Ana Catarina Mendes para quem, como Pangloss, tudo corre pelo melhor no melhor dos mundos -) algumas criaturas que querem sair mas não sairão sem um lugar aprazível onde descansar das caseiras governamentais, outra não querem sair nem a tiro e outras que preferem andar aos tiros aos colegas – é o caso do ministro das perninhas alemãs a tremer de pavor - enfim uma trapalhada. E o dr. Costa impávido e gordinho como lhe compete....
Se alguma coisa, depois, do trambolhão das autárquicas, não convinha a ninguém, mesmo aos que entendem que o Governo está esgotado, fragilizado, encostado às cordas, sem chispa, agarrado à futura bazuca, era que agora se visse alguém na forja a dar uma no cravinho e outra na ferradura.
Mas é o que temos...