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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

au bonheur des dames 424

d'oliveira, 31.10.21

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Sunday, bloody sunday

mcr, 31-10-21

 

Os domingos de chuva e mau tempo são difíceis de aturar. A maioria das pessoas aproveita o domingo para fingir que gosta de ar livre, de actividade desportiva, de vida dita sã.

Ora um domingo a fugir para a intempérie (enfim, para o mau tempo) estraga os planos a toda a gente.

Eu sempre desconfiei dos atletas de fim de semana que se apresentam equipados a rigor ou ao que eles pensam ser de rigor, fazem umas breves corridas e retiram-se gloriosamente para casa onde os espera o cozidinho à portuguesa, as tripas, a feijoada ou outro mimo culinário “de substância” que uma fome atávica ainda nos obriga a dar-lhe à fartazana quando se pode dar o gosto ao dente.

Chove, está um dia que convida a tudo e sobretudo à casa, home sweet home. O povo resmunga, a CG acha que estamos a ser perseguidos pelo mau tempo, só porque hoje é o segundo ou terceiro dia de chuva num Outono glorioso.

Os portugas nem sabem o que tem, isto é o sol em pleno rezentos ou mais dias por ano. Deviam ir passar um estágio de alguns meses naqueles ascéticos países do Norte, a começar logo ali na Bélgica. Já não falo da Suécia ou das ilhas escocesas, da Rússia das noites brancas e dos dias escuríssimos.

Eu mesmo, que me armo em carapau de corrida, já tive o meu momento de lamentação pelo sol desaparecido em parte incerta. Foi na Alemanha há uns bons trinta e muitos anos, na Baviera, em Murnau, mais precisamente num belo mas ainda pouco doce mês de Abril. Durante uns bons dez dias o ceu foi cor de chumbo (plúmbeo, aproveito esta aberta para usar uma palavra que já ninguém usa. Convém retira-los do armário – ou do dicionário, arejá-las, engraxar-lhes as botas, que as palavras, como as pessoas precisam de exercício uma vez por semana mesmo se depois voltam à sonolência pacífica e ruminante dos cartapácios de coisas antigas)

Murnau éra, é, de certeza, uma terra encantadora pequenina, à beira de um magnífico lago, de um pântano de que restam poucos vestígios. E uma montanha imponente onde na época propícia se faz ski.  Aliás a cidadezinha fica no Gebiet de Garmisch-Parenkircen essa sim afamadíssima estação de desportos invernais. No meio fica Oberamergau, conhecida pelo seu presépio natalício. Bons tempos lá passei nessas terras do sul da Baviera, à beira da Áustria e a caminho da Itália, donde vem um vento, o Fohn  que sobe as montanhas e ao descer enlouquece os bávaros. A cidade é minúscula: Uma dúzia de hotéis, um Goethe Institut, um bosque à beira lago, e a memória dos expressionistas pois Kandinsky o enorme, foi amante da Gabrielle Muentner e em casa dela reuniu-se o melhor dsaa escola, Mack, Franz Marc outros. Deste último há um airoso museu em kochel a 20 km de Murnau, bom passeio, prazer garantido.

Não sei o que vale o meu actual alemão, enferrujado que está e sem préstimo. Todavia goatei desse pequeno exílio, da belíssima cerveja, do lago, das Frauleinen todas.

Aguentei os primeiros dias da greve solar mas ao sexto ou sétimo também senti o apelo do Sul, do sol e do sal. Que qure? Sou portuga até ao sabugo, ainda por cima da beira mar, o meu horizonte foi sempre o mar, nem os belos lagos tudescos, me tiram dessa velha paisagem em que nasci e na qual quereria morrer. É que em morrendo, escusavam de levar o meu corpo para o cemitério. Era airarem-me ao mar para os peixes me comerem a carcaça. Bem lhes devo isso que tantos e tão bons fui comendo. Hoje mesmo, estamos a preparar um robalo enorme e assado como Deus manda. Com um vinho branco vai ser uma festa.

Não, eu não posso queixar-me do domingo mesmo se aproveitei o título e um filme com uns bons cinquenta anos para titular o folhetim.

Bom domingo para vós, leitores generosos que me aturam. E, como diz o Papa, santo homem que conhece as suas gentes, “Buon pranzo!”   

* na vinheta: Murnau visto por Gabrielle Muntner

au bonheur des dames 423

d'oliveira, 30.10.21

A mulher rendeira não deve namorar um cangaceiro

mcr, 30-10-21

 

“...Lampião desdeu s serra

 foi dança em Cajazeira

encontrou Maria Bonita

que virou mulé rendera 

 

 

Já aqui citei esta canção tradicional do Nordeste brasileiro mas nunca pensei que, nesse dia, de frouxa inspiração, viria a socorrer-me de novo do tema.

 

Hoje, sábado, novamente sem nada a que meter o dente, volto ao tema, até porque há novidades. Pelos vistos, da famosa  “colecção de arte” do cavalheiro Rendeiro, houve, depois do arresto, vários quadros desviados e vendidos em Londres.

Vê-se que não faltou audácia ao cavalheiro agora em fuga pois, para além de surripiar as peças de que sua mulher era “fiel”(???) depositária, o homem ainda preparara outra trafulhice. Mandara fazer cópias de vários quadros e pusera os originais a salvo para o que desse e viesse.

E deu e veio, se posso usar a idiomática mais uma vez. As preciosas cópias permitiram lançar uma nuvem de fumo sobre a real existência e presença das peças e dar tempo para as vender. 

As últimas notícias avançam que foram transaccionadas obras que terão rendido mais de um milhão de euros, o que é um bom começo de vida para qualquer um, sobretudo se também, a bom recato, dispuser de outros capitais em locais sofisticados e inacessível. 

Há aqui porém, o habitual toque canalha: a mulher, deixada para trás, arrisca-se a ser acusada de descaminho e a malhar com os ossos numa enxovia. 

Eu não estou aqui a armar-me em feminista, defensor das donzelas, viúvas e órfãs mas confesso que a coisa, assim descrita (e não vejo outra maneira de a descrever) é feia, revela mau carácter e sobretudo uma longa e maliciosa preparação. 

Não há honra entre ladrões, costuma dizer-se mas deixar a dedicada esposa a braços com a justiça (sabendo ela ou não das maroteiras do cônjuge) enquanto se toma sol numa praia coralina e inacessível ao curto braço da justiça portuguesa, cai mal. 

Lampião desta vez terá subido de novo à serra e sumido, deixando Maria Bonita a debater-se com a justiça. 

E, ironia das ironias, uma peça do lote das desviadas está numa exposição onde pode ser filmada. Como é que as autoridades arrestadoras a poderão recuperar?

Segundo os noticiários, a senhora Rendeiro, teve uma crise de choro diante da juíza que a convocara e terá declarado não estar em condições para prestar declarações!  Não faço comentários

au bonheur des dames 422

d'oliveira, 29.10.21

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Um, dois, três... cem orçamentos

mcr, 29-10-21

 

Pelos vistos, vários, muitos, e dos mais importantes membros da geringonça, ala esquerda, entendiam (e entendem) que se um orçamento é chumbado, logo outro deve ser apresentado. E se chumbar, presume-se que um terceiro entrará na roda deste fungágá.

A princípio, pensei que este frenético esbracejar fosse fruto da imaginação delirante de algum aprendiz político retardado ou de alguém com humor. Porém, não, nada disso.

A coisa foi apresentada seriamente ontem, durante várias entrevistas, comícios e outro momentos de exaltação partidária e dolorida.

É verdade que sobre o tema, pode haver interpretações duvidosas à luz desta Constituição que, apesar de ser maior do que a légua da Póvoa, esqueceu alguns pontos que valeria a pena esclarecer.

No entanto, é prática constitucional mais ou menos universal e de pacífica aceitação pela doutrina que um chumbo deste teor carrega consequências fortíssimas e implica quase obrigatoriamente a queda do Governo.

Tenho mesmo a ideia, porventura errada, de que na 1ª República (a dos 51 governos em 16 anos, um recorde mundial) se o Orçamento soçobrasse no mar bravio da anarwuia parlamentar, o Governo ia à sua vida. Digamos que este processo, o chumbo, até foi dos mais suaves que se usaram para mandar um Governo pela borda fora. Muitas vezes preferiu-se a intentona, o golpe de Estado, a revolução com o seu cortejo de misérias, de bombas, de ataques às redacções dos  jornais adversos para “empastelar” os tipos, enfim o habitual.

Contudo, já que o argumento pareceu ser gravemente sugerido, seria bom tentar perceber como é que as coisas poderiam suceder.

De facto, as alternativas são exíguas. Ou o Governo, enfia a carapuça e vai cerebrar para um cantinho sossegado e depois reaparece mansamente com outro Orçamento, ou apresenta o mesmo com ligeiras alterações, digamos, com a maquilhagem retocada.

Em ambos os casos, de facto, o Governo com o documento bis vem dizer que se tinha enganado no primeiro e que, depois de aturado trabalho das meninges sempre fecundas do Ministro das Finanças surdiu outra maravilha (ia a escrever maravalha mas temo que os cavalheiros que vieram à praça com a ideia peregrina de segundo orçamento não saibam que a palavra existe). Só esta pobre confissão serviria para vários efeitos, desde a chacota pura e simples, até à acusação de que, afinal, sempre havia um plano b  que só não aparecera à duvidosa luz do dia porque o Governo tinha uma agenda escondida e malvada.

Também poderia acontecer que, os críticos clamassem que o segundo orçamento era mais do mesmo e vontade de gozar com o pagode.

Entretanto, como qualquer pessoa sensata saberá, ter-se-iam passado dias, seguramente semanas, que isto de arranjar novos números, novas alternativas, mais receita e mais despesa é como Roma e Pavia que se não fizeram num dia.

De todo o modo, a ideia mais geral que ficaria era a de que isto era uma espécie de jogo dos quatro cantinhos jogados por cinco parceiros.

E como justificar esta furiosa, dramática, longuíssima troca de argumentos, acusações, declarações ameaças?

Alguém está a ver o PS a fazer o papel de tonto no meio da ponte?

Eu bem sei que, nesse partido, há quem diga coisas bizarras, a menor das quais será a dos banqueiros alemães ficarem com as perninhas a tremer só de pensar no sr. Pedro Nuno.

Mas, convenhamos, um partido que quase roçou a maioria absoluta não pode, sem se desautorizar dramaticamente, andar  aos caídos a mendigar, para além do razoável, o renitente apoio de dois partidos que aumentam de cada vez as suas exigências e, inclusivamente, tentam contrabandear no texto orçamental matérias que nada tem a ver com ele, que não cabem sequer nele.

O PS também não sai desta guerra sem culpas. Ao aceitar meter o salário mínimo, matéria que me parece de exclusiva competência das parcerias Governo/patronato e sindicatos, arranjou um par de botas que vai ter dificuldade em calçar.

Mas, voltemos à curiosa e, julgo, inédita, teoria da apresentação de novo(s) documento(s) de cariz orçamental. Se o segundo documento for chumbado, destino provável a menos que os chumbadores do primeiro momento, temendo eleições se apressem a voltar com a palavra atrás e engulam, ao fim e ao cabo, uma versão finalmente semelhante à chumbada no meio da vozearia inflamada anterior.

Haverá possibilidades para uma terceira tentativa?

Eu percebo a razão deste último truque. Afinal, PC e BE (e aquela coisa informe chamada “os verdes”, sucursal absoluta do PC e só existente no parlamento por se apresentar sempre coligada com o primeiro) terão sonhado com deserções à direita para acudir ao PS naquela hora de aflição. Uns deputados da Madeira, outros dos Açores, um qualquer émulo do expediente do queijo Limiano, sei lá.

Porém, previram mal. Contaram com sapatos de defunto antes do mesmo estar no descanso eterno. As contas, eventualmente dolorosas, saíram furadas e agora é ir às urnas esperando que estas não se tornem funerárias para quem, aos olhos de toda a gente, contribuiu para este cenário.

E devo acrescentar: quem se socorre de ideias tão estrambólicas para virar o bico ao prego, merece uma punição eleitoral. Forte! Isto, apesar de tudo, não é uma republiqueta bananeira, nem um antigo, atento, obediente, venerador e obrigado país do pacto de Varsóvia.

 

O título faz uma (muito) vaga referência a uns dos slogans mais tripudiados da então jovem República Popular da China: “que cem flores desabrochem que cem escolas compitam” A frase foi levada a sério por muita gente e os resultados foram os do costume: mais uns milhares de cidadãos repreendidos, presos, desaparecidos e depois, “tudo como dantes quartel general em Abrantes”. Até hoje como se vê com os exemplos de Macau e HongKong: flores só de plástico e competição só nos louvores ao sr Xi Jiping.

*a vinheta: movimento das cem flores (China)

    

estes dias que passam 600

d'oliveira, 28.10.21

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A primeira vez

mcr, 28-10-21

 

 

Fiquem descansados os leitores (e as leitoras) mais pudicos. Não vou falar da minha biografia amorosa e sexual como eventualmente se deduziria do título do folhetim.

Aliás, mesmo se aceito que o tema poderia ter o seu quê de picante e mais ainda de confessional, ponho muitas reservas a este género de exercícios de auto-contemplação  exacerbada. Mais, acredito pouco neles tanto a fantasia se impõe à verdade nua e crua dos factos.

Isto de “primeiras vezes” não é assim tão romântico nem tão absoluto como, depois da memória estar convenientemente enevoada pela distância e pelos narizes de cera, as pessoas tendem a acreditar que “a terra tremeu”, que houve uma chuva intensa de estrelas, que um rio de prazer transbordou das suas margens.

Ora, se a coisa ocorre, quando se é adolescente, a inexperiência dos verdes anos, a pressa, a clandestinidade quase normal, retiram muito da carga ao acontecimento. Sobretudo os machos, propensos ao egoísmo e ainda não habituados ao doce exercício da paciência, costumam levar a coisa a cabo sem se preocuparem com a parceira que muitas vezes em vez de fogo de artifício, fica apenas a ver navios.

Portanto, dada a explicação passemos ao acontecimento que motiva esta “primeira vez”.

Trivialmente, trata-se tão só do chumbo do Orçamento, da quase certa dissolução da Assembleia, da convocação de eleições.

É a minha primeira experiência do género Mesmo com esta quantidade de anos em cima do canastro. Na verdade, no antigo regime, não era possível a Assembleia chumbar o Orçamento pela simples razão de que os senhores deputados só ali estavam a fazer o papel de figurantes, melhor dizendo de paus mandados. Eu nem sei se nas aulas de Constitucional tal tema era aflorado. E para quê, se o cavalheiro de santa Comba dava as duas instrucções e o resto era só um concordante acenar de cabeças? Talvez em finanças, cadeira regida Por Reixeira Ribeiro, opositor do regime mas mantido naquela escola pela sólida fama internacional que tinha e por não haver perigo de nessa cadeira se instilar o bolchevismo. Teixeira Ribeiro não frequentava essas capelas profanas e, de resto, pouco eficientes. Portanto, se nesse tempo eu não me debrucei nem, muito menos, me deparei com o chumbo do Orçamento, o mesmo aconteceu durante os quase 47 anos de Democracia. É verdade que houve um (Guterres) que se chamou do queijo Limiano por um deputado do CDS se atravessar em troca de umas benesses para Ponte do Lima mas regra geral, mesmo aos trancos e barrancos, o  OE lá ia singrando. Depois, já com este Governo, é bom lembrar, o Ministro das Finanças fazia-lhe a barbe e o cabelo com cativações e o milagre surdia.  Desta feita, não!

Pelos vistos, os partidos (à Esquerda– de quê?-) ainda sonhavam com a apresentação de um novo documento, com uma espécie de governo por duodécimos at. é ao dia de S Nunca, enfim, patacoadas e ignorância culposa da constituição.

Venham pois as eleições, mesmo estas que se adivinham idênticas ao costume, abstenção forte, escolha de deputados à molhada, acusações tremendas (algumas aliás justas).

Quem é que rompeu com quê?

A verdade tem de ser dita e repetida: a Direita para isto nem sequer foi ouvida. A discussão foi toda entre os da Geringonça que jamais teve um nome tão certo e justo. Pelos vistos, o BE (muito) e o PC (o suficiente) à falta de barricadas nas ruas, “Internacional “ a plenos pulmões, muita “Grândola” que há muito (para os seus mais desafinados e ardentes cantores) deixou de ser “morena” para ser avermelhada, e multidões de proletários de punho erguido, viris e acompanhados de ceifeiras de peitos robustos e olhos em alvo, pensaram em fazer a revolução no sossego dos gabinetes, como quem cozinha um comunicado ao país e ao mundo.

As revoluções, tirando o Sudão ou a paródica Venezuela (e, vá lá, a Nicarágua onde um casal presidencial vai prendendo ou inabilitando politicamente os seus opositores)  estão fora de moda e ficam caríssimas. E não atraem gente, nesta europa repolhuda farta de ser apontada como racista, colonizadora, egoísta, velha, sexista (!!!), avarenta e não sei quantas mais coisas. As revoluções já nem nos discos. E mesmo nesses passaram de 78 a 45 e depois a 33 rotações, para finalmente acabarem em CD ou em streaming...

Essas esquerdas desunidas que passaram anos a uivar contra a Direitona malvada que aí vinha, esqueceram-se do que já por cá anda e que esfrega as mãos de contente.

O PS, como Baçus, pastora de camelas e mulher de Ali (adivinhem o poema e o autor, vá, um esforço...) jura vingança. O discurso de Costa, no Parlamento, para lá do retórico, era uma clara declaração de guerra disfarçada em apelo que ele sabia recusado.

Os olhos, e ouvidos, da opinião pública, o PS apresenta-se como vítima de uma conspiração indigna e imerecida. Podem PC e BE vir jurar que toda a política do PS desde que a pandemia começou ia no sentido de criar as condições para a obtenção de uma maioria absoluta que despacharia estes dois parceiros menores, ruidosos sem especial apoio social para o galinheiro do teatro com a função de bater palmas caso quisessem fingir que continuavam influentes.

No discurso de Costa, houve porém um momento onde boa parte do seu argumentrio mostrou a sua irredutível fragilidade ideológica e política. Foi quando referiu os seus antecedentes familiares de Esquerda. Eu não vou cair na esparrela de o contradizer com o famoso distinguo gramsciano (origem, situação e posição de classe) que foi chão que já deu uvas. Quando oiço alguém falar da família para se justificar politicamente, lembro-me sempre de Coimbra e da Faculdade de Medicina. De facto, naqueles tempos, filho de professor dessa escola tinha sempre notas mais altas e, se possível sucederia ao papá na regência da cadeira ou pelo menos no corpo docente da faculdade. A restante rapaziada justamente ressabiada contra este escandaloso nepotismo, falava de catedráticos (ou de lentes) por via urinária.

Conviria recordar a Costa que Esquerda por esta via não existe nem tão pouco é recomendação. Costa nasceu na burguesia lisboeta, mesmo se os seus pais tivessem simpatias de esquerda. Nada o predestinava a seguir o mesmo caminho. Nem sequer, algo que recorda sempre (sabe-se lá por que razões...) que é o de, com catorze aninhos, se ter ido inscrever no PS Não sei como foi recebido, se com condescendência, divertimento ou seriamente mas com essa tenra idade e o buço a despontar não há um claro conhecimento do mundo e das coisas para alguém se precipitar num qualquer partido. Aceito que seja desse tempo a sua paixão pelo Benfica mas no confuso período do 25 A e do PREC que se lhe seguiu, deu provas de muita juventude mas não de especial discernimento.

De todo o modo, os dados estão lançados. Às urnas cidadãos. E não à urna para onde o país parece querer encaminhar-se com especial determinação.   

estes dias que passam 599

d'oliveira, 27.10.21

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A  História, sempre ela

mcr, 27/10/21

 

Tratamos a História à nossa maneira. Como

nos agrada. No anonimato...

Sentados ao sol, à mesa do café, abrimos

As páginas. Da História que fazemos

 A citação é de um poema de Eduardo Guerra Carneiro,  que dá título ao livro em que foi publicado em 1973 (´”é assim que se faz a história” Assírio & Alvim, )

Era ainda o antigo Estado Novo, na altura a cair da tripeça, definitivamente afastado do mundo e, pior, da realidade. Os poetas tem um 6º/7º/8º ou 9º sentido que os faz entrar no real tão profundamente que o leitor mais desprevenido pensa que o autor enlouqueceu ou que está a divagar.  Nada disso, o poeta sabe, como os gatos, o futuro e di-lo sem rebuço mesmo se o que escreve parece algo que nada tem a ver com a vida..

Sobre o actual momento, vejo todos os dias comentários que parecem não ter em conta a História. Ou que, criaturas não poéticas de todo, pensam ser poesia ou, pior, a realidade.

Assim, António Costa, cavalheiro seguramente inteligente, que há de ter lido algum livro, algum dia, repete, e acredita  (!!! ???)  que derrubou um “muro de Berlin, à portuguesa”.

Eu não sei se o homem viu sequer o  verdadeiro muro em toda a sua sinistra infâmia ou, alguma vez, vendo-o, o atravessou submetendo-se ao delirante ritual de busca a que os “Vopos” se dedicavam afanosa, materialista e dialecticamente, na entrada do “lado de lá”. Pareciam serafins a guardar o paraíso dos trabalhadores (em boa verdade os trabalhadores demonstravam que essa maravilhosa pátria deles era um inferno de onde se tentava fugir de qualquer maneira. Isto quando não se erguiam em protesto violento como no 17 de Junho de 53 com o seu cortejo de vítimas, de presos e condenados a duríssimas penas de prisão. É incalculável o número de fugitivos que ainda não tinham pela frende o execrando muro).

Seria interessante buscar na História as razões do desencontro entre comunistas e socialistas. À falta de melhor, lembraria a criação da 3ª Internacional (Komintern) em  1920.

A começar pelo facto de nessa reunião quase clandestina de 51 delegados (dos quais só 36 tinham direito de voto deliberativo)  e onde não compareceram quaisquer membros dos grandes partidos socialistas tradicionais mas apenas russos e estrangeiros residentes na Rússia, quase todos militantes do PCR.

Depois, as famosas 21 condições de adesão à recém formada organização. Tais condições suscitaram de imediato a rejeição da grande maioria dos partidos socialistas e tiveram mesmo o seu lado caricato no caso da constituição da secção francesa da internacional comunista onde de 21 se passou a 23 condições, sendo que uma delas era a proibição absoluta de entrada de um neto de Marx!

O Komentern tinha uma estrutura pública onde predominavam os russos e outra mais clandestina e que era constituída pelos seus agentes dentro de cada partido filiado. Ou seja, cada partido, além da Direcção conhecida e eleita em congresso tinha uma outra, bem mais forte que fazia a ponte entre o partido nacional e a internacional. Os dirigentes “legais” nacionais estavam sob a orientação dos enviados  de Moscovo. E toda a política dita internacionalista tinha como principal missão defender a pátria dos trabalhadores ou seja a recém criada URSS.

A partir dessa altura, o confronto entre socialistas e comunistas tornou-se público, violento (a famosa teoria do “Klasse gegen Klasse” muito em voga na Alemanha  pré hitlerianae que durou até acabarem todos nos campos de concentração. Todos não, porquanto, a direcção do PC alemão conseguiu fugir para URSS de onde só regressou no fim da guerra.

Data dessa altura a “fusão” entre comunistas e socialistas na RDA, criando o Parido Socialista Unificado alemão (SED) Do lado ocidental, obviamente não aconteceu tal união pelo simples facto de não haver um exercito soviético a ocupar o país.

É verdade que, durante curtíssimos períodos houve “frentes populares” em alguns países, nomeadamente a França. Todavia, essa unidade artificial foi sempre breve e basta lembrar que, uma vez ocupado o país, os comunistas, tentaram, de resto sem êxito, recomeçar a publicar legalmente “L’Humanité” dado considerarem que o pacto entre A Alemanha nnazi e a URSS os colocavam como parceiros leais dos invasores.     

  A famosa resistência do partido dos “mártires e dos fuzilados”, só começou em 1941 depois da invasão da União Soviética, mesmo se alguns militantes se tenham oposto aos alemães desde o princípio. Mas também é verdade que os mais conhecidos dentre eles foram, por isso mesmo, expulsos do partido!

Em Portugal, desde o início da Ditadura houve adversários do Estado Novo em todos os sectores políticos (republicanos, socialistas, anarquistas e comunistas). De todo o modo, a unidade de acção também foi sobretudo episódica, por curtos períodos de tempo e terminou sempre pelas mesmas razões: a tentativa comunista de hegemonizar e dirigir unilateralmente a luta política. 

O 25 de Abril pareceu, durante escassas semanas, produzir alguma acção unitária que se desfez com rapidez, desde a luta contra a unicidade sindical até ao Verão quente e ao cerco do parlamento.

E mesmo o apoio a Mário Soares na eleição presidencial (precedido de uma significativa agressão na Marinha Grande) foi, como bem disse Álvaro Cunha, algo tão difícil como engolir um sapo ou um elefante!

Portanto, o muro de Berlin (em versão nacional) foi derrubado não exactamente por Costa mas sobretudo por Jerónimo que entre dois males -um novo Governo da Direita e outro do PS- preferiu sem entusiasmo a segunda hipótese. Porém, sempre que houve possibilidades, e sobretudo em épocas eleitorais, o PS foi mais maltratado pelo PC do que o chouriço por Mafoma.

(os leitores repararão que evitei usar o termo chantagem que agora irá ser gasto até nada significar. As discussões orçamentais foram como as campanhas eleitorais terreno fértil para exigências, denúncias, ameaças e calúnias. Pelos vistos é a isso que chamam “discussão democrática”)

 

Não vou tentar encontrar razões para estes anos de acalmia nas ruas mas também não vou ignorar que o PC está a ser alvo de um profundo desgaste que se traduz em clara diminuição do seu peso eleitoral e da sua influencia na sociedade.

E não é apenas a concorrência do BE que o afecta – e apenas nas cidades importantes e nos media. É a cada vez mais distante ideia de que o “o verdadeiro socialismo” propõe uma sociedade melhor, mais justa e mais feliz, a recordação ainda viva do anquilosamento das sociedades comunistas desde a soviética, à cubana, com passagem pela coreana ou pelo social-imperial capitalismo chinês (Hong-Kong ou Macau aí estão para mostrar que o espírito da repressão na praça Tien-an-men está vivo e persegue, prende e faz desaparecer os opositores).

Estas linhas estão a ser escritas antes de de conhecer o destino da votação de hoje, se é que já ocorreu. Com o OE chumbado ou salvo por algum milagre da santinha da Ladeira, o que acima está não muda uma vírgula.

É que a História não se faz a la carte...

(nem Lenin acabou por morrer graças às sequelas de um atentado de socialistas revolucionários que ele persegui com denodo e violência  e contra a História comum). 

* na vinheta: um cartaz da época da sinistra ideia-força "klasse gegen Klasse". eu tenho ideia de um poema curto de Brecht que diz mais ou menos isto: num muo está escrito "viva a guerra". quem o escreveu já está morto. 

Também os adeptos desta trágica e estúpida mensagem acabaram quase todos em campos de onde poucos voltaram

    

estes dias que passam 598

d'oliveira, 26.10.21

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Vamos mesmo?

mcr,26.10.21

 

Até ao momento, o OE vai ao fundo sem apelo nem agravo. O PC e o BE entendem que não há condições sequer para uma abstenção deixando para a posterior discussão o juízo definitivo. Em boa verdade, poupa-se tempo com este chumbo à cabeça pois quanto mais depressa forem as eleições mais depressa se verá se houve ou não uma aclaração dos equilíbrios políticos que as ultimas consultas mostraram já não ser os mesmos, se  que, como tudo indica, o PS perde um pouco e o PC e o BE muito.

Os comentadores estão perplexos, ou isso afirmam. De facto, se o Governo cair, a percepção geral é que isso se fica a dever à intransigência dos partidos à esquerda que terão esticado a corda de modo absolutamente suicidário.

Aliás, as concessões de última hora do PS já feriam o OE proposto de forma inequívoca e arriscavam tensões fortíssimas com os parceiros sociais, leia-se, os patrões sobretudo.

No capítulo da discussão sobre o SNS a coisa entrou num paroxismo de voluntarismos que a serem seguidos – mesmo em parte – podem fazer com que muitos médicos, e eventualmente, os mais prestigiados, saiam directamente para o sector privado que, ao que parece, oferece melhores meios, maiores remunerações e mais facilidades.

Diga o BE o que disser, o sistema esta(va) em ruptura desde há muito, e a pandemia apenas veio sublinhar um mar de problemas pré-existentes.

Todas as semanas se conhecem novas demissões de cargos de chefia, novas dificuldades em hospitais (ontem o Beatriz Ângelo, fechou as urgências às ambulâncias, causando, naturalmente, problemas no Santa Maria). De outros hospitais vem notícias muito pouco animadoras de aumento de atrasos em todas , ou quase todas, as áreas, sejam consultas, exames ou cirurgias. As diferentes categorias de pessoal hospitalar agitam-se, promovem greves de aviso, anunciam exigências e, sobretudo, alertam para o inacreditável excesso de horas extraordinárias a que os seus profissionais são submetidos. Como na Educação, há centros hospitalares que vem os concursos para admissão de pessoal ficarem desertos. Há zonas do país (Algarve ou Lisboa para não ir mais longe) onde o custo de vida, mormente a habitação, fazem os profissionais preferir ficar nos seus locais de origem.

Já aqui se referiu que os conflitos na ADSE poderá, em breve, causar, um forte aumento da procura no SNS. Isto é como na gasolina. Se o preço sobe em Portugal, os residentes nas zonas fronteiriças vão abastecer a Espanha. Basta viver num raio de 40 km para ser rentável (e rápido) encher o depósito do lado de lá.

Eu, que de adivinho não tenho nada, temo que, desta vez, o PR tenha alguma razão: acrescenta-se às diferentes crises (social, económica, pandémica, estoutra, política. Todavia, diverem as nossas conclusões: isto, este modo de governar que faz que anda mas não anda, este estar parado no tempo, enquanto os outros, todos os outros, avançam e nos ultrapassam. Ser ultrapassado poderia não ser mau se vivêssemos numa honrada mediania sem ricos muito ricos mas aem pobres muito pobres. Ora o cenário é justamente este, mesmo se os ricos sejam pouco ricos e os pobres uma multidão. Vinte por cento dos portugueses vivem abaixo do limiar fa pobreza, quase cinquenta por cento ganha tão pouco que nem é tocado pelo IRS. Menos de metade do país paga tudo e tem direito a pouco. Uma Direita que nunca perdoou lha contra uma Esquerda que vive nos inícios, de resto pouco gloriosos, do século XX. As duas últimas décadas passaram sem ninguém dar por isso. Um crescimento anémico, uma dívida imparável, um sistema político gizado em anos de arrebatamento que cedo se verificou ser falaz.

Vamos para eleições? Porque não?  Alguém de bom senso esperava que de remendo em remendo, de orçamento manco em orçamento coxo, de cativação em incumprimento, se faria algo de novo?

Todavia, o próprio sistema eleitoral, tal qual está codificado, não vai permitir um quadro muito diferente, e mais exigente, do actual. É provável queo peso dos dois partidos de protesto baixe. Ao fim e ao cabo, foram eles que fizeram tudo para que isso ocorresse. É provável que uma outra extrema direita apareça finalmente, mais robusta e mais enraizada. Provavelmente essa Direita populista e reaccionária sempre existiu mas só agora encontrou quem a represente. Certa Esquerda cega pela ideologia e pelas saudades do PREC, andou quarenta a anos a vociferar pelo fascismo que, segundo ela se escondia em cada pedra, ameaçava em cada esquina. Quarenta anos, esse número execrado que, agora, está prestes a parir, como no resto da Europa, algo que só por ilusão e ignorância se considerava extinto.

Este sistema de Governo surdiu de uma derrota eleitoral e transformou um perdedor António Costa, num Primeiro Ministro por obra e graça de Jerónimo de sousa. Durou sete anos aos trancos e solavancos, amparado pela recordação dos anos temíveis da troika e das culpas, reais algumas, inventadas muitas, do anterior Governo da Direita.

Passos Coelho poderá estar a rir-se, e Portas seguramente acompanha-lo-á. É que não há “arcos de governação” entre partidos de poder e partidos de protesto. É a história do pote de ferro e do pote de barro. Não dá!

Este Governo descurou completamente a sua base de apoio. A classe média. Em Portugal a classe média foi sempre exígua e mal ultrapassava a funçanata pública. Porém, os tempos mudaram, o país lá foi criando alguma indústria, algum turismo, alguma actividade terciária. E esses novos elementos verificaram que se eram bons para arcar com as despesas, eram ignorados quando apresentavam a factura.

O “proletariado” sempre caro ao PC evoluiu. Dezenas ou centenas de milhares de trabalhadores por cont alheia não se reconhecem nos versos heroicos- e esquecidos – da Internacional. Tem outras ambições, outros projectos, outa concepção de vida. O mundo rural deslocou-se, mudou. O Alentejo “vermelho” foi um mito. Durou duas três dezenas de anos e foi esmorecendo. De resto, o mito importado das UCP, tradução tosca e bastarda dos kolKozes soviéticos que nunca conseguiram acalmar a sede de terra própria dos camponeses, morreu de morte macaca quase tão depressa como surgiu. Era uma miragem, um fogo fátuo, com um século de atraso. E isso vê-se, eleição após eleição, inexoravelmente perdidas aos poucos sem retorno.  Num país que não é para velhos, são estes que ainda aguentam os bastiões comunistas. O PS e o Chega vão roendo devagar a famosa “muralha de aço” rural que a industrial já desapareceu.

Não sei, já o disse, do futuro, mas de passado amortecido e de pântano, tenho uma amarga experiência. E, pelos vistos, não estou sozinho.  O “diabo” anunciado por Passos Coelho veio, portuguesmente, como de costume, atrasado. Mas veio. Só por um milagre não chegará já amanhã.

Eu não acredito em bruxas, mesmo se uma certa sabedoria vinda de Espanha, me sussurre “que las hay, ls hay”.

E de mágicas ou malabarismos (exceptuando os do parlamento), também sou fraco.

A ver vamos

*na vinheta. a perigosa mas imprescindível travessia do rio Mara. 

o leitor (im)penitente 223

d'oliveira, 25.10.21

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Livros para tudo e... para nada

mcr, 25.10.21

 

 

Saiu mais uma edição portuguesa da Divina comédia (que de facto foi baptizada pelo seu autor como “comédia”. Todavia, a admiração, a surpresa e o espanto de alguns leitores, seguramente muitos, uma multidão, foi tal que quando alguém lhe apôs o “divina” ninguém resistiu e a desde esse dia, este magnifico fruto da imaginação dantesca ficou divino, aliás divina. Os leitores são como os clientes das tascas honradas: tem sempre razão.

E ninguém se admire com esta imagem das tascas, hoje reconvertidas em kitsch horrendo de bares e outras fantasias onde o álcool se vende. Foi fielding, o imortal autor de “tom Jones” outro livro que atravessa séculos sem perder o brilho, que comparou o escritor a um taberneiro que, em vendendo coisa fraca por boa, logo perde a freguesia. Não é bem assim (a citação e a verdade dos factos) mas eu assino por baixo. Já meu mestre e amigo Joaquim Namorado, dizia que a única obrigação de quem escrevia na “Vértice” era a de ser claro, clarinho, de modo a que o leitor pagante entendesse à primeira o que o autor dizia ou queria dizer.

Entretanto, a lição do velho e respeitado neo-realista perdeu-se e nos jornais leem-se autênticos labirintos de palavras encadeadas que raras vezes querem dizer coisa de jeito e sobretudo mostram que a cabecinha do escrevente é um deserto de gelo.

Eu, leitor obsessivo e (imp)enitente comecei o dante em italiano, enrascado vezes sem conta, perdido outras muitas mais mas teimoso como uma honrada mula espanhola. Só depois, quando apareceu a tradução, aliás magnífica do Vasco Graça Moura (eu digo “do” Vasco porque fomos amigos e ele generosamente, nos meus começos de advocacia, sempre me ajudou. Irritaram-me muitas das suas crónicas mas nunca lhe neguei a inteligência, o humor, a irreverência, o cuidado posto nas traduções e a criatividade poética. E a sua forte cultura, quer literária quer musical quer pictórica. E raras vezes vi alguém ser tão digno quanto ele, no momento em que bateu a porta da RTP devido ao facto desta aceitar como boas umas críticas imbecis contra a exibição do filme “pato com laranja”. O motivo eram dois ou três fotogramas onde uns belíssimos seios apareciam gloriosamente nus. Uma escassa dúzia de devotos protestou e a televisão deu-lhe ouvidos!... E o Vasco, ala que se faz tarde.)

Bem, tudo isto, menos os circunlóquios, defeito antigo meu, vem a propósito de uma tradução, pelos vistos, louvadíssima de Jorge Vaz de Carvalho. É claro que o anjo mau e livresco que me sopra propostas indecentes ao ouvido direito, me convida a comprar mais outra edição do livro. Ora eu já tenho 5 edições desde o Graça Moura, até uma lindíssima italiana com desenhos de Boticelli, passando por outra minúscula, de bolso que já não consigo ler. Isso, e a falta cada vez mais pungente de espaço ajudar-me-ão, espero, a vencer mais essa tentação.

No momento em que escrevo, cai-me o olho cansado num número hors série de “Le Point”. São 98 páginas sobre Frédéric Dard “San Antonio personanages, langue, philosophie” (ou como diz também a capa “le genial universo de F D”

Eu tomei conhecimento com este autor e com uma boa centena de romances mais ou menos policiais, graças a um amigo italiano, sardo, especialista em restauração. que, naquela época corria a europa para se familiarizar com as línguas mais importantes. Já tinha feito a Inglaterra e a França onde descobrira San Antonio e encontramo-nos em Berlin, ambos estudantes de alemão no Goethe.

A princípio desconfiei daqueles livros, com capas de romance de “gare ferroviária”. Porém, a linguagem era espantosa, vibrante, inventiva, oh quão inventiva e inventada! E havia humor às mãos cheias, um pequeno fundo de erotismo e aventuras rocambolescas. Eu, em 1970, ainda era muito “dogmático”, quase um “ortodoxo (para não dizer um ortorrômbico”)Vinha de um país triste e cinzento, de um presente sem futuro e, francamente, a RDA onde íamos frequentemente almoçar ou ver os extraordinários museus, anunciava-me se tudo corresse como se esperava um futuro pouco risonho, cinzento também. Todavia, o facto de estar uns meses fora da pátria madrasta, o “berliner Luft” (o ar de Berlin, ocidental e cheio de vida) e o encontro com gente de outros sítios ajudou muito. E, pouco a pouco fui cedendo à loucura admirável de Dard, aliás San Antonio. Ou vice-versa. Hoje possuo umas dezenas de romances (o que aliás não representará sequer 30% da produção do autor, tenho um Dicionário gordo e universitário sobre o homem e há notícia de uma boa dúzia de teses universitárias. Ou seja, o autor, popular e brejeiro, converteu-se num tema sério estudioso vários anos após a sua morte. Confesso que, depois de ter ouvidas algumas (des vertes et pas mures...) críticas a esta minha grosseira inclinação, sinto uma certa satisfação vingativa.

Isto, aliás ocorreu-me com várias outras leituras (nem falo do Verne e do Salgari) como por exemplo o “Catalogue des objects introuvables” de um certo Carelman, homem de transbordante e delirante imaginação que no final dos anos 60 montou uma exposição com objecto, criados por ele evidentemente, absolutamente inexistentes ou inúteis como o preservativ em renda (que também se faria, por encomenda “em ponto de Alençon, de Bruges e de Bruxelas. Elegante e refinado” ((da legenda)) ) Trouxe o catálogo ainda numa 1ª versão modesta de Paris (1969) mas não resisti à versão definitiva e de luxo da mesma editora (Balland) já dos anos 80.

Os meus amigos, endurecidos pela crise de 69 acharam aquilo uma esquisitice quando não uma perversão cultural e política. Não foram precisos muitos anos para assegurar a perenidade de Carelman e para esconder, ou escurecer, muitos dos “maitres a penser” desses anos de brasa.

Tenho umas prateleiras cheias de títulos delirantes, que me enche(ra)m de gozo e que algum dia publicarei como obras a ler impreterivelmente para não levar demasiado a sério o que se escreve e edita.

E entre elas, claro, o impagável tratado do abade Louis Betelheem, “Romans a lire &romans a proscrire” (essai de classification au point de vue moral des principaux romans et romanciers de notre époque(1880-1908)avec notes et indications practiques) de que tenho a 4ª edição (1908) dada à estampa em Cambrai, pela casa Oscar Masson, rue de Noyon, 13. São 382 páginas que o meu amigo Y me obrigou a mandar fotocopiar para ele se poder regalar. O sacaninha ainda por cima avisou que não aceitava umas fotocópias merdosas em papel merdoso mas coisa que se visse. Gastei um dinheirão e ele, volta que não volta, telefona a dizer que já conseguiu o livro X ou Y do inventário das obras “más. Devo esclarecer que nos centos de autores proscritos há uma imensa maioria de absolutos desconhecidos, pelo menos para nós. Só o alucinado Y se lembraria de os desenterrar do merecido cemitério onde caíram não por obra do abade mas apenas pela do tempo.

 Não há livros maus mas apenas livros à procura do leitor desconhecido que os lerá com carinho, entusiasmo  e emoção.

* A vinheta é obviamente da autoria de Carelman. Não será exactamente o que se esperaria de um leitor apaixonado por Dante  mas tenho por certo que isso não levaria o florentino ilustre a enviar-me para o inferno.  

estes dias que passam 597

d'oliveira, 24.10.21

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De regresso a casa

(meditação na auto-estrada)

mcr, 24.10.21

 

Não faço parte da imensa maioria que gosta de guiar. Eu guio pelas mesmas razões por que telefono. Absoluta necessidade!

Um dos mais tresloucados sonhos que me persegue desde os meus trinta e poucos anos é o de ter um chauffeur. Chauffeur, notem bem. Motorista é bom para quem conduz autocarros e camiões de longo curso. Chauffeur, a la franciú, como dantes se usava. Jamais xófer, que pelintrice!

Chauffeur como aquele célebre romance de que apenas sei o nome, “John chauffeur russo” de um certo Max du veuzit de quem também nunca me terei aproximado e que foi um sucesso de entre as duas guerras. E até hoje pois fui de propósito à internet,  onde vi que, pelos vistos, ainda se publica e vende.

E, por favor, nada de “Ambrósio” para cá Senhora (má tradução!) para lá. Um chauffeur a quem eu trataria por senhor fulano (nunca o nome próprio mas o apelido, acrescente-se para não cair na ridícula moda actual de tratar um quiddam por sr. João, sr Amílcar, sr. Bartolomeu.). Eu que sempre tive horror às doutorices, bastou-me Coimbra e a estudantada a ser tratada por futricas servis por doutor, não apregoo a minha pobre e esquecida licenciatura. Resultado: apanho, na esplanada com sr m. Ao quando ao lado uns advogados de fresca data são brindados com dr.! Ora toma lá, que é para saberes!.... 

Um amigo meu, juiz conselheiro do STJ, pessoa prestabilíssima nunca negava um conselho aos vizinhos, gente humilde mas grata que o procuravam. Certo dia, confidenciou-nos que havia um desses “clientes” pro bono que o irritava. O homem, farto de nos ouvir tratar o nosso amigo por Manuelzinho, quando o via, desbarretava-se e desfazia-se em cumprimentos, sr. Manuelzinho  para aqui, sr. Manuelzinho para acolá... claro que a partir desse momento de fraqueza do ilustre pilar do Supremo Tribunal, um grupo de amigos galhofeiros só o referem por senhor Manuelzinho....

Voltemos, porém, ao chauffeur.

Eu tive um quando, nuns gloriosos sete anos de pastor, cuidei de uma instituição pública onde aliás me senti bem e, penso, onde deixei amigos e saudades.  Era o sr Pinho. Um profissional notável, com humor, da minha idade, conhecedor de tudo o que era restaurante bom, de todas as doçarias regionais (para eu levar às minhas queridas e devotadas  - e gulosas!!! – secretárias) discreto, discretíssimo, enfim uma pérola rara.

E o chauffeur  com que a partir daí eu sonho é um segundo – se possível – sr. Pinho que aliás, continua a ser um amigo.

Infelizmente, os maravedis de que disponho não dão para tal estravagancia, pelo que sou o chauffeur de mim mesmo e da CG que, uma vez pilhado um marido para todo o serviço deixou praticamente de guiar. Todavia, quando viaja a meu lado, Jesus, Maria, José!. É conselhos, admoestações, avisos, remoques um horror! 

Desta feita, lá fomos de longada a Lisboa visitar as respectivas mães. À uma nunca consigo partir à hora que quero pois a “patroa” tem uma noção assaz elástica das horas. Depois, entende tentar que eu veja algo que ela, sentadinha no seu canto pode ver e que, a mim, ocupado em conduzir não só não quero ver mas receio distrair-me. E acha que eu sou um péssimo companheiro de viagem. Também não me deixa pôr  uma 2pen” de música porque isso lhe contende com os aparelhos que usa nos ouvidos (a CG está mais surda que um portão de quinta!), Resultado a estrada parece-me ainda mais longa e mais chata do que é costume...

De nossa casa à casa da minha Mãe são, contas feitas, 330 qilometros. Três horas se não houver chatices  com duas paragens para dois café rápidos e mijinha para rebater Eu poderia evitar este plebeísmo e usar o “verter águas” tão do agrado dos camponeses de Niza, mas escrevi a coisa e já era tarde para emendar.

Outra das razões que tenho para usar o carro é que , gosto da minha independência, de não depender de outrem e de não dar cabo do juízo de outrem que, por gentileza me pretende conduzir, para me poupar canseiras e dinheiro para gasolina.  E ainda por cima, enjoo! (Nunca com o sr. Pinho, anjo milagreiro das estradas e auto estradas!)

Desta vez deu-me para contar os automobilistas que, impantes e domingueiros, entendem usar a via central quando há três vias. Entre a CREL e o Porto pelas auto-estradas A 8, A 17, A 25 e –suponho- a A 29, contei 32. Nada os obrigava a ir na via central. Nada excepto a burrice, o desconhecimento do código da estrada e a empáfia!

Eu não sou um cumpridor estricto do Código mas aprendi a usar normalmente a via da direita. Ora quando nos aparece um palerma, repimpado, a 70/80 à hora pelo meio, há que dobrar de precauçãoo na ultrapassagem desta espécie tola de reis da estrada.  Apetece, aliás ultrapassá-los pela nossa esquerda mas arriscamo-nos a que o palonço dê uma guinada ou que a polícia nos apanhe em flagrante. Claro que a coisa também permite dois ou três minutos de insultos dos antigos, dos de Buarcos, dos rebuscados que além da mãe metem mais familiares e hábitos infames. E isso alivia, mesmo se o cretino a quem se dirigem não os ouve. A CG aconselha uns toques irados de cláxon mas eu só me lembro disso depois que é quando ela, solícita começa “devia ter feito isto...“

Outra reflexão de auto-estrada é que me faz sempre perguntar porque é que não temos um regime de estações de serviço como em Espanha. Eu de há muito a esta parte limito as minhas incursões automobilisticas pelo estrangeiro apenas à Galiza pelo que pode ocorrer que a referencia a todo o território seja errada. De todo o modo, nas auto-estradas galegas (autovias incluídas) as estações de serviço tem apenas uma unidade a que se acede dps dois sentidos do percurso. Isso permite um serviço eventualmente mais barato, ou melhor e clara economia para quem o gere. E muito menos espaço a usar. O custo estra de um pequeno viaduto seguramente que é compensado pelo resto. Neste percurso de hoje, deparei-me com duas ou três cafetarias fechadas e outras tantas praticamente desertas. Além de uma estação totalmente desactivada, na CREL! Ora este serviço é de uma enorme utilidade para quem viaja pelo que deveria ser protegido e até melhorado. Mas quem é que suporta custos duplos com pessoal e conservação de instalações? Obviamente quem usa a estrada pois os fornecedores de combustível seguramente não são parvos nem mecenas russos.

Mas o país tem auto-estradas a mais e automóveis, para as encher e pagar, a menos!

* na vinheta: a Via appia. Ou de como as auto-estradas são bem mais antigas do que o sr. Sócrates pensava

au bonheur des dames 421

d'oliveira, 23.10.21

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Auf Wiedersehen Frau Merkel

mcr, 23.10.21

Antes que o galo cante três vezes, aqui me apresso a dizer adeus à senhora Merkel e na minha estricta e pessoal qualidade de europeu, lhe agradecer o seu trabalho, os seus esforços, a sua obstinação.

Nunca alinhei no coro que durante anos (e fundamentalmente no tempo da crise) se atirava a chanceler cobrindo-a de insultos e de impropérios.

Lembraria, se valesse a pena, que, se responsabilidade pelas dificuldades portuguesas da época havia, elas se deviam a uma política tresloucada levada a cabo cá, por gente de cá.

Em Portugal sempre houve a ideia de que os nossos males, as nossas desgraças, eram apenas e só fruto da acção de outros, do destino, da natureza malvada, de um fado aziago.

Raras vezes, ou mesmo nunca, se tentou entender  as razões alemãs para a observância de regras estrictas no domínio orçamental.

Eu, em tempos, vi uma nota de um milhão de marcas e (não o posso garantir pois já lá vã pelo menos sessenta e tal anos) com uma sobrecarga carimbada que lhe decuplicava o valor.

Datava esta nota da terrível inflação alemã fruto ainda da derrota na primeira guerra mundial  e das condições draconianas saídas do Tratado de Versalhes de 1919.

Antes que me caia meio mundo em cima, asseguro que não dou de barato as tremendas responsabilidades alemãs (e mais ainda as austríacas) no desencadear do conflito. Ingleses, franceses e russos, sem falar dos sérvios e dos croatas, aproveitaram a ocasião e lançaram-se com inusitada alegria numa carnificina que destruiu a Europa então conhecida.

Acabada a contenda, os países vencedores, trataram de garantir que os vencidos, Alemanha, Áustria e Turquia pagariam, com língua de palmo, a sua intervenção.

Sabemos, hoje, quais as consequências desse mau momento internacional. A Alemanha atirou-se de pés e cabeça para a manápula duvidosa de Hitler, um alucinado que se julgava um estratego. A Áustria entregou-se vibrante de alegria (ao contrário do que, depois de 1945, quis fazer crer ao Anschluss. A Turquia perdeu o controle de ilhas a menos de um quilómetro da sua costa, para não falar na perda do império médio-oriental que ainda hoje é palco de situações confusas e sede de tiranias religiosas vindas do confim dos tempos.

No caso alemão, há um testemunho que recomendaria a todos os leitores. Aquilino Ribeiro, casado em primeiras núpcias com uma senhora alemã, deixou narradas as suas impressões de viagem à Alemanha em 1919. A obra tem por título “Alemanha ensanguentada” e é de uma sagacidade extraordinária. Aquilino chega a prever o regime hitleriano. Ou isso, afirma, ou um regime copiado dos bolchevistas.

O trauma da inflação terá sido de tal ordem que cem anos depois continua a alimentar a imaginação financeira alemã actual. E a teoria! E a política...

Por cá, se não foi em uníssono pouco faltou, para toda a Esquerda se esganiçar contra a chanceler.

Merkel, numa das primeiras vezes que veio a Portugal, foi alvo de fortes injúrias, já não recordo se em manifestações em locais onde ela passaria.

Entretanto, as coisas mudaram, Merkel permaneceu e mesmo mantendo o mesmo rumo na sua governação (tendo, porém, o cuidado de se adaptar aos novos tempos)e começou a ser reconhecida não só como um pilar da ideia europeia mas sobretudo, do melhor da civilização europeia, a saber uma compaixão pelos migrantes a quem abriu as portas. Um milhão de pessoas, cálculo por baixo, encontrou um país graças à determinação e à teimosia de Merkel. Teimosia, tintada de uma profunda fé, de alguém nascida e formada na antiga RDA, que se enfrentou com a clara hostilidade de uma certa parte da sociedade alemã, sobretudo a do antigo leste.

Nesse momento, Angela Merkel, foi o símbolo de uma certa ideia de civilização europeia, e desafiou toda a elite governante da União, que regra geral pouco fez pelos que demandavam socorro e abrigo.

É claro que a Alemanha carecia e carece de mão de obra mas não menos verdade é que, em circunstâncias idênticas está a maioria dos países europeus e não se vislumbrou em nenhum deles uma tão evidente atitude e uma tão nobre boa vontade.

Não é por acaso que, as multidões que se acumulam às portas da Europa pedem em alta grita “Germany, Germany”. A Europa, a nossa, tem passado nos últimos quinze anos, por vicissitudes diversas, por altos e baixos, mas se aqui estamos, apesar de tudo, muito se deve à Alemanha e à sua líder.

Não foi por acaso que, nesta última reunião, ela foi alvo de uma comovente despedida recheada de aplauso com todos os restantes dirigentes em pé. Não é por acaso que Obama envia uma mensagem tão entusiástica.

Vamos sentir a falta desta mulher que poderia ter sido uma “dama de ferro” mas que, pelo contrário, sempre privilegiou o diálogo. Veremos se o seu sucessor faz igual pois é duvidoso que consiga fazer melhor.

O balanço dos dezasseis anos de governo de Merkel ir-se-á fazendo nos próximos meses porque os tempos que se aproximam vão ser férteis em problemas, a começar pela continuação das discussões sobre o Brexit.

Não deixa de ser curioso e, aliás, exemplar que Merkel saia do poder  por seu pé. Nada garante que a CDU perdesse as eleições com ela como candidata dada a escassa diferença  de votos na última eleição.

Vamos, ou eu vou, ter saudades.   

 

 

 

      

 

 

au bonheur des dames 420

d'oliveira, 22.10.21

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Nem mais nem menos

mcr, 22-10-21

 

Escrevo neste blog há mais de uma dúzia de anos. Digo o que penso, não faço fretes a ninguém, de resto já nem idade tenho para isso.

Raros leitores, raríssimos, desconfiam que eu tenho uma agenda política escondida e que quero o mal de uma série de instituições, partidos ou pessoas.

Lamento muito mas sei perfeitamente quão pouca, se é que  existe, é a minha influência  seja em que capitulo for da vida nacional.

E, convenhamos, pouco me importa o facto de ter um reduzidíssimo papel nessa arena de que saí por meu pé há mais de quarenta anos.

A experiência mostrou-me que o comentário político, ou o comentário na generalidade dura pouco e influencia ainda menos.

De certa maneira, este registo é quase um diário e teria funções semelhantes se eu o escrevesse sempre, e diariamente.

A generosidade de um punhado de leitores (eu, de resto desconheço quantos são, mesmo sabendo que há algures um registo do número de leituras que eventualmente mereço. A minha inépcia info-excludente é tal que nem isso sei consultar e, já agora, não tenho sequer qualquer curiosidade a esse respeito) chega-me e sobra para estar aqui.

Tenho-os (ou as visto que há , espero, leitoras) na conta de gente livre que pensa pela sua cabeça que está disposta a dialogar e a ouvir o outro.

De tudo o que vem de ser dito, resulta que seria razoável esperar de quem tem o trabalho de me ler apenas uma coisa. Que leiam o que lá está, só o que lá está e nunca, por nunca, o que lá falta. Eu chamo os bois (e os boys) pelo seu nome, não me escondo nem disparo para o meio da multidão. Digo o que penso, tenho por certo que muita coisa mudou, que eu mudei, que mudarei provavelmente se me caem mais meia dúzia de anos em cima.

Ouvi demasiados profetas e mais ainda falsos, refalsadíssimos, aprendizes de profeta. Dei para um par de peditórios e cada vez me apetece menos continuar essa piedosa tarefa.

Nietzsche dizia, perdoem-me se cito de cor e mal, “não o teres derrubado ídolos, mas o tere-los derrubado na tua cabeça, eis a tua vitória”

Espero, nestes tempos em que é prudente começarmos a d fazer o nosso próprio balanço, ter derrubado dentro da caixa dos pirolitos um par de ideias feitas e outro de fantasmas renitentes, recorrentes e pouco decentes.

Tudo isto serve tão só para reafirmar que mcr é o que é e não o que eventualmente alguém gostaria que fosse. Para o melhor e para o pior. E escreve de boa fé pois sabe, para alguma coisa serve a idade e o espectáculo do mundo, que a mentira só se aguenta com uma sucessiva cascata de aldrabices e que, tarde ou cedo, rui fragorosamente. Demasiado trabalho e demasiado barulho para nada.

E disse.

 

(sem ter nada com o de cima: avisa-se o leitor JMM que há poraqui,um livro com todas as gravuras da Encyclopedie para oferta pois, com a louca compra da obra propriamente dita este calhamaço, em estado perfeitamente novo necessita de quem o acolha generosamente. Não é generosidade minha, é necessidade absoluta de espaço! diga qualquer coisa pois duvido que tenha recebido um mail meu.)

 

*na vinheta uma gravura tintada de Cioriano Dourado, comprada com grande sacrificios nos ptomórdios da minha vida profissional. Ora 50 anos depois, continuo a gostar dela  e lamento que o meu (inexistente) talento fotográfico não permita avaliar a sua qualidade.

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