Sem estados de alma
mcr, 19.10.21
Graças a um leitor que me lê com alguma constância mas que discorda de quando em quando, descobri que alguns textos meus podem ser tomados como um pessoal ajuste de contas com os visados.
Devo dizer que não tive nunca essa intenção. Quando não gosto claramente de alguém ou o digo com todas as letras ou nem sequer refiro a criatura.
Já não recordo se é Orwell ou Huxley que nas suas sombrias antevisões de um futuro sinistro criou a categoria dos “non persons”. O “non person” é alguém condenado à inexistência social, banido mesmo se vivo entre os outros de contactos sociais ou outros.
Tenho, ao longo destes muitos (demasiados) anos de ida duis non persons de estimação. Se me cruzo com eles o que quase nunca sucede olho através deles de tão translúcidos de alma e carácter que são. Em boa verdade é raríssimo, sequer, lembrar-me que eles existem mas lá vem o dia (e foi ontem) que uma menção ao “odiozinho” de estimação pela ministra da Saúde, mos recordou.
Nã, não tenho nenhuma especial desafeição violenta pela referida senhor. Muito menos a considero estúpida ou esparvoada. Apenas me incomoda que, no perigoso e dificílimo lugar que ocupa ela ainda não tenha percebido que a saúde dos portugueses, de todos os portugueses (e de algum eventual estrangeiro que por aqui passe) não pode ser um campo de tiro para radicalismos sócio políticos de qualquer espécie.
É perfeitamente admissível que essa senhora deteste o capitalismo, ou apenas a medicina privada. Já não parece sério que se esforce por a tornar um inimigo a abater quando, como se sabe e, pior!, se vê o SNS atravessar um período de enormes dificuldades, de insuficiências dramáticas que, agora sem a pandemia, se revelam angustiosas.
“em tempo de guerra não se limpam armas”, diz-se com alguma desrazão. Em tempos de crise sanitária, todos são poucos para restituir aos cidadãos um serviço rápido (insisto: rápido) e eficaz de os tratar condignamente,
Não vou, não é preciso, elencar molhada absurda de situações problemáticas em que vivem os hospitais do SNS. Há atrasos tremendos que, obviamente, atingem sempre os menos abonados. Um rico se o hospital o remete para uma consulta com seis meses de espera, nem hesita, parte para o privado e é atendido. Um pobre, um remediado, não o pode fazer: aguenta que é serviço!
E há casos em que os seis meses se convertem num dois, quase três anos.
Há falta de médicos no SNS. As causas serão variadas mas a verdade é que do SNS saem continuamente especialistas. Võ para os detestados hospitais privados. Como se presume que estes profissionais não são masoquistas nem tolinhos de atar, há que aceitar que procuram melhores remunerações, melhores instalações, melhores e mais bem apetrechados hospitais.
E aqui começa a questão: estes médicos já nem sequer se limitam a fazer umas horas noutro hospital. Saem, desistem, estão fartos.
Quem diz médicos, diz enfermeiros (que inclusive emigram e obtêm um enorme sucesso e bom nome noutros países o que aliado a remunerações que duplicam, triplicam as de cá – quando há emprego!- os faz “desertear” do país onde nasceram, onde cresceram, onde estudaram onde tem os familiares e os amigos. E onde há bom clima, sol, segurança, etc...
Todos os dias, desde há muitos meses (mesmo antes da pandemia) se ouvem queixas de todo o género. É a pediatria que encerra aqui, é a oftalmologia que quase não tem um médico num quadro de seis ou dez ou mais. São cirurgias adiadas por falta de anestesistas. É isto, é aquilo, mais aqueloutro. É Babel , uma babel de vociferação ou de desculpas de mau pagador. É, numa palavra, o desastre ainda moderado mas a apontar para o naufrágio e para o caos.
Ainda há meia dúzia de dias oitenta e sete chefias de um hospital apresentaram em conjunto a demissão. Vai-se a ver e o Ministério mostra uma calma de cemitério que se desconhece a si próprio. As ARS fingem que a coisa é uma brincadeira de mau gosto, assobiam para o lado, chutam para canto.
No meio disto tudo, mesmo se os males já eram antigos, conhecidos, diagnosticados, caiu a pandemia. Ainda hoje, ninguém assumiu o número de mortes não covid em excesso se atentarmos em médias anteriores. Esses mortos são clandestinos, não existem, são “non persons”
Isto parece a história dos jogadores de golfe que nunca morrem, foram só à procura de uma bola perdida.
A famosa questão das PPP é de bradar aos céus. O Tribunal de contas, provavelmente uma força de bloqueio destae Governo ou só desta ministra, veio dizer, preto no branco, que quatro ou cinco hospitais com PPP presentavam melhores resultados, menos gastos por doente, mais rapidez na prossecução dos seus fins. A poupança, ou a diferença para os melhores hospitais públicos traduzia-se em mais de cem milhões de euros.
Mas, como Marco António, dizia de Bruto, os hospitais públicos são honrados e os privados uns desaforos.
Eu não quero impor nenhuma PPP a ninguém. Apenas gostava que se reconhecessem os erros de gestão, os seus motivos e se obtivesse um resultado semelhante aos obtidos por esses quatro ou cinco hospitais que durante alguns anos tiveram administração privatizada.
O Ministério exerce sobre a ADSE uma pressão intolerável e os seus utentes que a pagam integralmente sofrem as consequências de para o topo dessa entidade serem nomeados os boys e as girls e nunca quem merece a confiança de quem entra com o dinheiro.
Portanto, e resumindo, não odeio a ministra, que não conheço, que não desejo conhecer, era o que me faltava. Odeio o fanatismo, a burrice, a toleima a teimosia no erro sobretudo se ela se exerce contra os que nenhuma protecção têm. Há pelo menos seis ou sete milhões de portugueses que ou não podem de todo escolher o sistema de saúde, ou não podem pagar uma alternativa rápida, e segura que os livre da doença, da angústia, do temor e da longa e interminável espera.
Parece, contudo, que a boa gstão da vacinação, ungiu a ministra de um novo esplendor. Convenhamos que, se é verdade que a task force reportava ao MS, não menos verdade é que, na sua primeira e aberrante forma, estava destinada ao fracasso graças à nomeação “política” e desrazoável (e evito termo mais apropriado...) de uma criatura medíocre mas que sempre navegou no cimo da onda até mostrar a sua total queda para ser a prova viva do Princípio de Peter. Quem ganhou a guerra da vacinação foram os profissionais de saúde que acumularam, extenuados, milhões de horas extraordinárias (ouvi dizer 17 milhões!!!), e a equipa gestora dirigida pelo vice almirante. E também se devem citar as autarquias que nunca negaram esforços e colaboração. O resto veio por acrescento.
Eu poderia acrescentar um par de Ministros que me irritam tanto ou mais (e já nem refiro o pobre sr. Cabrita). Poderia dizer que o “inimigo das perninhas dos banqueiros alemães” ainda nem sequer percebeu como é que a Alitália morreu de vez e foi substituída de raiz por uma outra empresa pública. E a Alitália transportaria seguramente três ou quatro vezes mais passageiros do que a TAP que era desde há muito uma relíquia do “Portugal desde o Minho a Timor”. Agora a TAP é um sorvedouro de dinheiro, despede à mesma trabalhadores, e ninguém de bom juízo se atreve a prognosticar-lhe uma retoma que devolva aos contribuintes os cinco ou seis mil milhões que ela já custou ou vai ainda custar.
E pasmo, mas devo ser eu que vejo tudo cada vez pior graças aos pobres olhos castigados pela degenerescência macular, que a mesma criatura que ameaçava o ministro das finanças venho agora afirmar que este orçamento é do melhor que há. Com o mesmo desplante, como se nada tivesse sido dito antes. Arre!
* A vinhea é por demais conhecida. Se não erro, o quadro chamou-se "retrato do dr Tulp" e passou à posteridade sob o nome de "A lição de anatomia"
O quadero está na Mauritshaus em Haia, o melhor (porque de tamanho humano) museu do mundo. aind por cim também lá está a "vista de Delft"
Uma filha deste médico Tulp casou-se com o filho do burgomestre de amsterdão e na casa que ainda hoje pertencerá à família reune-se uma impressionante colecção de pinturas porque em todas as gerações foi confiado a um pintor de prestígio o retrato do dono da casa. Como conheci e fui amigo de um dos descendentesdessa família pude, nos anos 70 , visitar essa prodigiosa casa. Babei-me, morri de inveja, felicitwi esse meu amigo (Jn Pieter, se bem recordo) que noivva com uma amiga e colega minha no curso de Diereito Comparado. Oh dias maravilhosos em Amsterdão- Oh paixão súbita e alvoraçãda que por lá vivi. às vezes penso que parto deste mundo de "papo cheio". Ou quase...