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404 !!!
mcr, 24-11-21
Calma, leitores mais supersticiosos! 404 ainda não é o 666 número diabólico por excelência, como a sapientíssima igreja grega firma.
404 é um mau número mas meramente nacional. É, ou era há poucos dias, o número total de médicos que abandonaram o SNS desde Maio deste ano.
E abandonaram aquele utilíssimo instrumento por várias razões que vão desde a falta contínua de meios, ao grotesco número de horas extraordinárias que lhes cai em cima, às remunerações, ao estatuto medíocre da profissão, ao custo de vida em certa cidades e zonas (Lisboa e Algarve), ao comportamento errático do Ministério, enfim a quase tudo.
Interrogado o MS sobre esta debandada tremenda, disse nada. Ou disse duas parvoejadas piores ainda do que silêncio envergonhado com que deveria encarar este naufrágio.
E, notem bem, os “desaparecidos em combate” não atiram as culpas à pandemia onde se portaram com incalculável coragem e dedicação. Simplesmente estão fartos.
Cá fora ganham mais, tem mais meios, melhor material, melhores horários, mais tempo para a família e, o que não é despiciendo, melhores remunerações.
Algo está podre no reino da Dinamarca, digo Portugal. A situação rebenta por todas as costuras. Ainda ontem se noticiava que Leiria, uma pequena capital distrital, vi ter um hospital CUF. Isto no mesmo momento m que uma cabazada de directores de serviços pede a demissão no hospital público!
O tema saúde diz-me bastante. Venho de uma família de médicos. Desde o trisavô Ernst Richard, ao bisavô Oskar (esse farmacêutico e inventor de medicamentos), ao meu pai, um João Semana dos que já não se fabricavam, um romântico incurável, sempre com o juramento de Hipócrates nos lábios, ao meu irmão também médico (no SNS até à reforma) à minha cunhada enfermeira e professora na respectiva faculdade. E na geração mais nova há notícia de mais uma estudante de enfermagem.
Pela minha parte limitei-me a ter de estudar, pouco e mal, Medicina Legal e a assistir a um par de autópsias. Mas sou amigo de longa data, desde os tempos de faculdade, de muitos e muitos médicos porque em Coimbra as faculdades estavam todas no mesmo sítio e era fácil, quase obrigatório conhecermos malta de outras faculdades.
E a queixa é geral, absoluta, ultrapassando as barreiras partidárias: isto está um caos!
E, já que estou com a mão na massa, vou arriscar uma constatação: a vitória da vacinação deveu-se não só ao inexcedível zelo, generosidade, patriotismo e empenhamento dos profissionais de saúde (todos desde médicos a enfermeiros e restantes agentes) mas ao facto de as Forças Armadas terem emprestado umas dezenas de profissionais para assegurar a logística. Ou seja, enquanto o MS começou por designar uma incompetência tonitruante que andou sempre nos píncaros obscuros da governação sustentada por boys, o descalabro foi tal, as ordens tão confusas, que goi mister recorrer a militares que num prazo de poucos dias puseram a casa em ordem e tudo em pratos limpos.
Por isso convém não misturar a água do banho com o menino acabado de lavar. Foram os da “frente de combate” e a máquina da task force os que nos tornaram, como país, um exemplo.
E não foram poucas as vezes em que a task force teve de se impor à pequena multidão político-sanitária que tentava furar as regras e salvar o coiro, à custa de outras e inermes vítimas do vírus.
E mesmo agora, é o coronel que ainda comanda a pequena força que, felizmente, ficou que se tem esforçado por ultrapassar a confusão de decisões, a falta de comunicação, a errática política ministerial ou dependente (o que vem a ser o mesmo) da DGS.
Eu sou utente (e pago forte e feio!) da ADSE. No auge da pandemia (Fevereiro deste ano), vi-me obrigado a recorrer com urgência absoluta ao serviço de oftalmologia da CUF (e afora, graças às burrices supinas da ADSE do Hospital dos Lusíadas). Em dois dias estava a ser marcada o primeiro par de injecções intra-oculares de que necessitava desesperadamente. Sempre fui atendido a horas, quase ao minuto, sempre recebi antecipadamente, aviso do dia e hora marcados. Ainda ontem lá me telefonaram a relembrar a consulta de amanhã...
Mesmo com a comparticipação da ADSE, sai-me do bolso, claro, mas a verdade é que os meus pobres mas traiçoeiros olhos não pioraram e posso encarar o futuro com alguma relativa tranquilidade. Ainda consigo ler o jornal o que já não é mau. E tudo na horinha certa! Não me marcaram uma consulta para daqui a seis meses, um ano, dois, ou para o dia de S Nunca. Ou para quando estivesse definitivamente cego!...
Pago religiosamente todos os meus impostos. E não são poucos mesmo se pouco é o meu património. Em Portugal a classe média paga à bruta como é sabido. Quero continuar, que remédio!, a pagar o que devo como membro solidário de uma sociedade que em muitos casos se apresenta como insolidária.
Não quero que acabe o SNS, bem pelo contrário. O que, porém, não aceito é que aquilo seja o palco de pequenas vaidades, de criminosas vaidades, de inoperância e desleixo. Não quero que aquilo seja mais um exemplo da triste funçanata pública que é o pasto onde se alimentam partidos que só a engrossam mas nunca por nunca a melhoram ou impõem regras de bom funcionamento.
Vi, li, fui estudar, os relatórios das PPP no campo da saúde. Como é sabido, graças à independência do Tribunal de Contas – que ainda não foi integralmente domesticado pela máquina partidária- os hospitais públicos que tiveram tais instrumentos provaram que com a gestão meticulosa dos privados, fizeram mais, bastante mais, por menos, bastante menos dinheiro. O saldo final dos últimos três ou quatro hospitais com PPP foi, se bem recordo de 100 milhões de euros mais coisa menos coisa.
A gritaria do BE, do PC e de algumas alucinadas criaturas do PS. Ao pôe em causa tais acordos, deu origem à debandada das privados que se fartaram de ser insultados e acusados. Será bom ir veras contas recentes desses hospitais que entretanto recobraram ao a sua “liberdade” de hospitais públicos. Vai uma aposta, singelo contra dobrado, que as contas já estão outra vez fora de controle?
404,agora! Quantos serão amanhã, no fim do mês ou no fim do ano? Alguém se atreve a responder?
(ontem as televisões davam conta de várias anomalias mormente nas urgências pediátricas algarvias. Alguém se queixava que os pais assustados logo que a criança espirrava corriam para o hospital. Entupiam o hospital. É verdade mas alguém ja pensou no que é que estes pais aflitos pensam dos restantes serviços (saúde 24; centros de saúde, sei lá o que mais)? E porquê?
É que convinha saber se, no caso das urgências nocturnas – e era disso que se tratava – havia alternativas! E consta que não há!
E convinha saber quais os tempos de espera no Centro de Saúde mesmo de dia. E mais não digo... porque não vale a pena. Entendidos ou preciso de fazer um desenho?)
na vinheta: Amadeo de Sousa Cardozo (não tem que ver com o texto mas é uma bela obra, olá se é!