au bonheur des dames 438
Lá vai o comboio
mcr, 18-11-21
Lá vai o comboio
lá vai a'apitar
Lá vai o comboio
p'ra beira do mar
p'ra beira do mar
p'ra beira do rio
e os passageiros
cheiinhos de frio
cheiinhos de frio
cheios de calor
e os passageiros
a tocar tambor
Eu já andava desconfiado com tanta fartura ferroviária e tanta fanfarra pedro-nunista. Pobre, quando a esmola é grande, desconfia e eu, que sonho com viagens cómodas, esperava que das promessas, das garantias, das juras algo saíssede maravilhoso, vá lá, de interessante, enfim de razoável sobre os carris do nosso descontentamento. A montanha pariu um rato se é que não sairá aborto espontâneo.
Os jornais lá confirmam que as coisas estão de novo adiadas para as calendas gregas mesmo se, uma voz trémula avise que será só dois ou três aninhos.
A culpa que, pelos vistos, e por vergonha, já não é de Passos Coelho, vai ser da Europa, da pandemia, do Orçamento, do ministro das Finanças, da bitola larga (ou da estreita, tanto faz...) da Direita que não governa, enfim de alguém desde que não se aponte ao mais óbvio.
No primeiro governo gringoncista havia um pobre diabo que tinha o cargo de ministro de qualquer coisa ligada aos comboios que andou quatro anos a prometer uma espécie melhorada de “Expresso do Oriente” aos portugueses, gente mais habituada ao vagão jota e, agora, nem a isso.
A criatura foi promovida a deputado europeu e desapareceu do radar nacional. . Poderiam ter-lhe oferecido um comboio elétrico, um relógio de bolso com a imagem dos comboios (estão à venda na internet por +/ - € 200) mas não. Mandaram-no representar a pátria dos egrégios avós em Bruxelas. Chama-se a isto dar um pontapé no dito cujo mas para cima. Bizarrias!...
E depois veio o actual, o castigador de perninhas de banqueiros teutónicos!
E a populaça, embevecida, perante esta espécie nova de rapazinho pioneiro do Komsomol dos bons velhos tempos, mas prudentemente socialista, arfou de entusiasmo. “É desta que a coisa vai!...”
Lamento muito: não foi. Fica para a próxima legislatura, para a próxima geração, para o dia de S. Nunca. Aguentem que é serviço.
Há nestas histórias sempre algo que intriga: a capacidade de prometer mundos e fundos é, como se vê, grande, gigantesca. A execução é o que é, melhor diria o que não é. Os comboios em Portugal foram há muito votados ao abandono. O mesmo se passa com a infra-estrutura ferroviárias, cai aos pedaços por tudo o que é sítio.
Eu sou do tempo em que na escola (pouco risonha e menos franca ainda) se aprendiam as linhas todas, a do Norte, a do Sul e Sueste, a do Oeste, a da Beira Alta , a do Douro, a do Minho. E tudo com as estações, se calhar até tínhamos de recitar os apeadeiros. Era chato mas a miudagem tem uma memória prodigiosa e aquilo ia de par com os rios e afluentes, todos, claro e o sistema orográfico. Também por inteiro, claro. Mal, aquilo não me fez. Bem também não garanto mas o ensino era o que era e nunca um menino confundiu o douro com o Guadiana ou o pôs o rio Mira no Minho. É por isso que, quando se fala na linha do Douro, os meninos sobrevivos do meu tempo sabem do que se trata. E sabem que à contínua queda de população no Alto Douro também corresponde o fim das linhas férreas. Ou seja ainda se tornou o interior mais interior por falta de transporte. Agora quem quer (e pode) chama um táxi e paga três ou quatro vezes mais pelo serviço.
Há uns escassos esses, reinaugurou-se um troço de via entre a Covilhã e qualquer sítio não demasiado distante. Durante três dias foi um alvoroço. E era, raios me partam, era a possibilidade de tranquilamente e depressa se ir por pouco dinheiro de um sítio para o outro. A avetura, porém, parou ali.
Também foi alvo de dezenas de entrevistas e reportagens a reabertura das oficinas da CP. Com operários antigos e despedidos pela mesma CP. Recuperaram comboios inteiros que agora circulam. Não foi um milagre mas tão só a recuperação de um projecto que andou pelos gabinetes ministeriais camuflado e clandestino. E deu para uns quanto se pavonearem sem se dar conta que tinham sido os seus antecessores e camaradas a dar cabo de estruturas que afinal são úteis...
Desta feita coisas que se deveriam ter iniciado em 2020 vão, na melhor e mais duvidosa das hipóteses, arrancar três/quatro anos depoi. O que assusta qualquer um é a naturalidade com que isto é anunciado. E ninguém é chamado à pedra, censurado, processado, demitido. Ninguém!
Fala-se de ligações a Espanha e à Europa que rola sobre carris. Qual a bitola que se vai usar? E quando?
Mistério insondável! Num mundo em que as viagens de avião até distancias de 600 ou 800 km irão acabar não há ninguém por cá que sequer atenda o telefone.
Lá vai o comboio... lá vai ele a apitar... Vai?