au bonheur des dames 430
Demasiados sinais para alarme
mcr, 8-11-21
Em Glasgow reúnem-se centenas de pessoas para discutir medidas de prevenção sobre o clima. Milhares de outras enchem as ruas. Entre os de dentro e os de fora parece haver raros sinais de concordância.
Confesso que sobre a questão apenas sei o que vou lendo nos jornais. E acredito sem grandes problemas nas prevenções dos cientistas.
Há coisas que entram pelos olhos dentro, desde a superabundância de desperdícios de plástico que vão direitos para as montureiras ou para o mar. Vi, numa televisão, um rio de lixo plástico nas Filipinas, o que prova que mesmo num país pobre o desperdício é imenso e o tratamento do lixo uma miragem.
Acredito que a deflorestação seja na amazónia, seja em África ou na Índia só piora as condições de vida de quem lá habita, diminui dramaticamente a vida selvagem e aumenta as possibilidades de desertificação não só pela floresta que se perde mas pela erosão que o vento e as chuvas tropicais provocam em zonas despidas de capa florestal.
Fico-me por aqui pois não tenho conhecimentos de qualquer espécie para futurar seja o que for. Nem para pensar sete gerações à minha frente. Basta-me pensar que na minha juventude ou no início da minha vida adulta era incapaz de prever um décimo do que havia de suceder ou sequer de imaginar parte da tecnologia de hoje. Nem o facto de ser um leitor de ficção científica me preparou para o mundo de hoje, aliás para um telemóvel dos baratinhos.
Não questiono especialmente as manifestações juvenis, sequer a menina sueca que aos treze anos já só pensava ecologia. Provavelmente essa questão era aflorada em casa ou no circulo mais chegado em que ela se movia.
Também não me surpreende que seja nas camadas mais jovens que as manifestações vão buscar os seus interventores. Com a idade deles, eu próprio já me manifestava. Pode dizer-se que as realidades não eram exactamente as mesmas. Eu e todos os da minha geração (e das três ou quatro anteriores e da seguinte)vivíamos num ambiente especialmente opressivo, a repressão era uma evidência, as liberdades mais simples e vulgares algo de que apenas ouvíamos falar. Entre a Europa e Portugal não era só a Espanha era tudo!
Tudo fito, espantam-me mais as associações que vejo nos noticiários. Por exemplo, uma menina, portuguesa, vinte e um/vinte e dois aninhos pode dar-se ao luxo de fazer uma pausa nos estudos, um ano sabático para se dedicar à organização de manifestações, deslocar-se à Escócia aguentar meses e meses. Vive de quê? Come, dorme, viaja com que dinheiro? Atrevo-me a pensar que serão os pais a subsidiar esse ano intenso. Não conheço muita, melhor dizendo não conheço quase ninguém que, na flor da idade se possa dar a esse luxo.
Continuando com a mesma criatura, eis que ela junta a luta climática à luta contra o capitalismo. Segundo ouvi, o encerramento da refinaria de Matosinhos além de atirar para o desemprego muitos trabalhadores, é a prova provada dos males do capitalismo. Eu, provavelmente por defeito próprio, não consigo imaginar como se defende o encerramento de uma instalação poluente e a defesa dos postos de trabalho. Isto é como encerrar uma mina de carvão: os mineiros ficarão obviamente sem trabalho...
Claro que se pode sempre defender que a esses desempregados sejam concedidos subsídios de readaptação a outas tarefas mas esbarra-se no pequeno óbice de encontrar empresas onde se possam recolocar. Num país de fraca mobilidade laboral (isto não é a América onde a norma é um trabalhador desempregado tentar deslocar-se para outro sítio, outro Estado longe, quase sempre, para encontrar emprego compatível. Em Portugal nasce-se, cresce-se e morre-se quase sempre no mesmo distrito e já estou a ser generoso.
Depois, sempre a azougada menina, finalista de um curso universitário, aponta o dedo acusador ao capitalismo, esquecendo que dos cinco maiores poluidores três (China, Rússia e Índia que são responsáveis por sessenta e cinco por cento da emissão de poluentes aéreos) não se reconhecem como capitalistas e menos ainda como democracias liberais onde o direito de manifestação seja não só reconhecido como sobretudo tolerado.
A europa, os EUA (e, já agora, o Japão) tem menos habitantes, mais medidas anti-poluição, e fornecem, seguramente mais de 90% dos protestarios. E são igualmente numa percentagem semelhantes quem de facto mais auxilia os países menos ricos, quem recebe os emigrantes quem permite uma vida sindical autêntica e garante liberdades que ns três países antes citados ou não existem ou são de modo retalhadas que é como se não existissem.
Eu sei que, agora, exigir a uma estudante em vias de acabar um curso universitário, qualquer espécie de conhecimento sobre as realidades mundiais pode ser arriscado. Mas que as televisões se entretenham com este discurso (as televisões, uma vez mais, ocidentais)é que me parece aberrante. Ou melhor, diria que andam à procura do homem que mordeu o cão em vez de verificarem quantos cães mordem o homem.
O progresso humno fez-se sempre modificando o ambiente humano. A domesticação dos animais, a lavoura, a concentração urbana, as descobertas científicas tiveram sempre lugar e foram paralelas à modificação do meio em que se vivia. Os recursos escassos foram sempre mobilizados de forma a que uns quantos, mesmo ganhando com isso poder, riqueza e influencia cultural e social, conseguissem obter resultados que mais cedo ou mais tarde poderão beneficiar outros. E isso obviamente só se conseguiu porque alguém percebeu que o lucro era o incentivo suficiente e único (até à data) para se arriscar a investir no que quer que fosse desde um campo de batatas até um rebanho de ovelhas ou o fabrico de medicamentos contra o covid.
Seria maravilhoso que todos os homens agissem desinteressadamente e pensassem apenas no bem comum e nos seus eventuais benefícios para a humanidade.
Eu lembraria apenas o exemplo da agricultura soviética desde os seus primeiros começos, a concentração em gigantescas unidades colectivas, o retorno àuma pequena produção individual, o aparecimento dos kulaks, o seu brutal desaparecimento, as fomes temíveis que se lhe sucederam (milhões de ortos só na Ucrânia, o “celeito” russo), o desinteresse sempre denunciado dos camponeses arregimentados nas empresas campestres, a falta de abastecimento endémica e por aí fora. E isto, esta trágica realidade foi comum a toda a esfera dos países ditos socialistas, desde a China a Cuba, desde a Coreia à Albânia.
Mas a menina que tem um ano para se manifestar, viajar, comer e dormir sem preocupações. Não sabe isto, nunca saberá isto, ou, se alguma vez se confrontar com esta realidade pode soçobrar nas suas boas intenções, virar o bico ao prego e começar a militar na extrema-direita, como aliás é visível justamente nesta Europa nossa onde as antigas zonas vermelhas são agora terra de missão da reacção mais imoderada e mais activa.
Há evidências que comprovam o que digo: quem entende deixar de usar um carro alimentado a gasolina ou gasóleo sabe perfeitamente que o seu substituto mais barato e mais caro que um automóvel de gama media-alta. A transição energética que até eu admito necessárioa vai tornar as coisas, todas as coisas, mais caras, razoavelmente mais caras energia mais cara faz o preço dos produtos fabricados subir. Jºa estamos a verificar isso e a procissão ainda nem no adro vai. Hoje a ntícia choque é que dada a escassez de matéria prima, o encarecimento dos transportes, os produtos têxteis (uma simples camisa, por exemplo) vão encarecer ente 10 e 20%! Cá, com os salários baixos que se conhecem. Se a coisa começar (como já se preveniu) a ocorrer com os alimentos (trigo, por exemplo) esses produtos (pao, p. ex) serão mais caros. Ou seja, os vinte/trinta por cento dos portugueses mais pobres terão uma mesa ainda mais modesta e frugal do que a que hoje tem.
Fique claro que eu não quero que se pare com os protestos sobre o clima. Apenas gostaria de que não se misturassem os alhos (qua ainda há...) com os bugalhos que ninguém come.
E já agora, que não se misturasse a propaganda vegetariana com as questões centrais do debate em Glasgow. Eug, como pouca carne, muito pouca mesmo. Todavia só me resignarei a uma dieta cem por cento vegetal quando já não tiver dentes. Enquanto o bicho homem nascer com dentes defenderei o uso da carne e do peixe. E dos ovos e do leite. E do queijo e da manteiga. E por aí fora.
Em aparte: em Lisboa também houve uma manifestação. Aponta-se o número de quinhentos participante. Reportagem, claro, só mostrou as criaturas do costume. Sempre as mesmas seja qual for o motivo...
* a vinheta: Filipinas