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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

au bonheur des dames 430

d'oliveira, 08.11.21

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Demasiados sinais para alarme

mcr, 8-11-21

 

 

Em Glasgow reúnem-se centenas de pessoas para discutir medidas de prevenção sobre o clima. Milhares de outras enchem as ruas. Entre os de dentro e os de fora parece haver raros sinais de concordância.

Confesso que sobre a questão apenas sei o que vou lendo nos jornais. E acredito sem grandes problemas nas prevenções dos cientistas.

Há coisas que entram pelos olhos dentro, desde a superabundância de desperdícios de plástico que vão direitos para as montureiras ou para o mar. Vi, numa televisão, um rio de lixo plástico nas Filipinas, o que prova que mesmo num país pobre o desperdício é imenso e o tratamento do lixo uma miragem.

Acredito que a deflorestação seja na amazónia, seja em África ou na Índia só piora as condições de vida de quem lá habita, diminui dramaticamente a vida selvagem e aumenta as possibilidades de desertificação não só pela floresta que se perde mas pela erosão que o vento e as chuvas tropicais provocam em zonas despidas de capa florestal.

Fico-me por aqui pois não tenho conhecimentos de qualquer espécie para futurar seja o que for. Nem para pensar sete gerações à minha frente. Basta-me pensar que na minha juventude ou no início da minha vida adulta era incapaz de prever um décimo do que havia de suceder ou sequer de imaginar parte da tecnologia de hoje. Nem o facto de ser um leitor de ficção científica me preparou para o mundo de hoje, aliás para um telemóvel dos baratinhos.

Não questiono especialmente as manifestações juvenis, sequer a menina sueca que aos treze anos já só pensava ecologia. Provavelmente essa questão   era aflorada em casa ou no circulo mais chegado em que ela se movia.

Também não me surpreende que seja nas camadas mais jovens que as manifestações vão buscar os seus interventores. Com a idade deles, eu próprio já me manifestava. Pode dizer-se que as realidades não eram exactamente as mesmas. Eu e todos os da minha geração (e das três ou quatro anteriores e da seguinte)vivíamos num ambiente especialmente opressivo, a repressão era uma evidência, as liberdades mais simples e vulgares algo de que apenas ouvíamos falar. Entre a Europa e Portugal não era só a Espanha era tudo!

Tudo fito, espantam-me mais as associações que vejo nos noticiários. Por exemplo, uma menina, portuguesa, vinte e um/vinte e dois aninhos pode dar-se ao luxo de fazer uma pausa nos estudos, um ano sabático para se dedicar à organização de manifestações, deslocar-se à Escócia aguentar meses e meses. Vive de quê? Come, dorme, viaja com que dinheiro? Atrevo-me a pensar que serão os pais a subsidiar esse ano intenso.  Não conheço muita, melhor dizendo não conheço quase ninguém que, na flor da idade se possa dar a esse luxo.

Continuando com a mesma criatura, eis que ela junta a luta climática à luta contra o capitalismo. Segundo ouvi, o encerramento da refinaria de Matosinhos além de atirar para o desemprego muitos trabalhadores, é a prova provada dos males do capitalismo. Eu, provavelmente por defeito próprio, não consigo imaginar como se defende o encerramento de uma instalação poluente e a defesa dos postos de trabalho. Isto é como encerrar uma mina de carvão: os mineiros ficarão obviamente sem trabalho...

Claro que se pode sempre defender que a esses desempregados sejam concedidos subsídios de readaptação a outas tarefas mas esbarra-se no pequeno óbice de encontrar empresas onde se possam recolocar. Num país de fraca mobilidade laboral (isto não é a América onde a norma é um trabalhador desempregado tentar deslocar-se para outro sítio, outro Estado longe, quase sempre, para encontrar emprego compatível. Em Portugal nasce-se, cresce-se e morre-se quase sempre no mesmo distrito e já estou a ser generoso.

Depois, sempre a azougada menina, finalista de um curso universitário, aponta o dedo acusador ao capitalismo, esquecendo que dos cinco maiores poluidores três (China, Rússia e Índia que são responsáveis por sessenta e cinco por cento da emissão de poluentes aéreos) não se reconhecem como capitalistas e menos ainda como democracias liberais onde o direito de manifestação seja não só reconhecido como sobretudo tolerado.

A europa, os EUA (e, já agora, o Japão) tem menos habitantes, mais medidas anti-poluição, e fornecem, seguramente mais de 90% dos protestarios. E são igualmente numa percentagem semelhantes quem de facto mais auxilia os países menos ricos, quem recebe os emigrantes quem permite uma vida sindical autêntica e garante liberdades que ns três países antes citados ou não existem ou são de modo retalhadas que é como se não existissem.

Eu sei que, agora, exigir a uma estudante em vias de acabar um curso universitário, qualquer espécie de conhecimento sobre as realidades mundiais pode ser arriscado. Mas que as televisões se entretenham com este discurso (as televisões, uma vez mais, ocidentais)é que me parece aberrante. Ou melhor, diria que andam à procura do homem que mordeu o cão em vez de verificarem quantos cães mordem o homem.

O progresso humno fez-se sempre modificando o ambiente humano. A domesticação dos animais, a lavoura, a concentração urbana, as descobertas científicas tiveram sempre lugar e foram paralelas à modificação do meio em que se vivia. Os recursos escassos foram sempre mobilizados de forma a que uns quantos, mesmo ganhando com isso poder, riqueza e influencia cultural e social, conseguissem obter resultados que mais cedo ou mais tarde poderão beneficiar outros. E isso obviamente só se conseguiu porque alguém percebeu que o lucro era o incentivo suficiente e único (até à data) para se arriscar a investir no que quer que fosse desde um campo de batatas até um rebanho de ovelhas ou o fabrico de medicamentos contra o covid.

Seria maravilhoso que todos os homens agissem desinteressadamente e pensassem apenas no bem comum e nos seus eventuais benefícios para a humanidade.

Eu lembraria apenas o exemplo da agricultura soviética desde os seus primeiros começos, a concentração em gigantescas unidades colectivas, o retorno àuma pequena produção individual, o aparecimento dos kulaks, o seu brutal desaparecimento, as fomes temíveis que se lhe sucederam (milhões de ortos só na Ucrânia, o “celeito” russo), o desinteresse sempre denunciado dos camponeses arregimentados nas empresas campestres, a falta de abastecimento endémica e por aí fora. E isto, esta trágica realidade foi comum a toda a esfera dos países ditos socialistas, desde a China a Cuba, desde a Coreia à Albânia.

Mas a menina que tem um ano para se manifestar, viajar, comer e dormir sem preocupações. Não sabe isto, nunca saberá isto, ou, se alguma vez se confrontar com esta realidade pode soçobrar nas suas boas intenções, virar o bico ao prego e começar a militar na extrema-direita, como aliás é visível justamente nesta Europa nossa onde as antigas zonas vermelhas são agora terra de missão da reacção mais imoderada e mais activa.

Há evidências que comprovam o que digo: quem entende deixar de usar um carro alimentado a gasolina ou gasóleo sabe perfeitamente que o seu substituto mais barato e mais caro que um automóvel de gama media-alta. A transição energética que até eu admito necessárioa vai tornar as coisas, todas as coisas, mais caras, razoavelmente mais caras energia mais cara faz o preço dos produtos fabricados subir. Jºa estamos a verificar isso e a procissão ainda nem no adro vai. Hoje a ntícia choque é que dada a escassez de matéria prima, o encarecimento dos transportes, os produtos têxteis (uma simples camisa, por exemplo) vão encarecer ente 10 e 20%!  Cá, com os salários baixos que se conhecem. Se a coisa começar (como já se preveniu) a ocorrer com os alimentos (trigo, por exemplo) esses produtos (pao, p. ex) serão mais caros. Ou seja, os vinte/trinta por cento dos portugueses mais pobres terão uma mesa ainda mais modesta e frugal do que a que hoje tem.

Fique claro que eu não quero que se pare com os protestos sobre o clima. Apenas gostaria de que não se misturassem os alhos (qua ainda há...) com os bugalhos que ninguém come.

E já agora, que não se misturasse a propaganda vegetariana com as questões centrais do debate em Glasgow. Eug, como pouca carne, muito pouca mesmo. Todavia só me resignarei a uma dieta cem por cento vegetal quando já não tiver dentes. Enquanto o bicho homem nascer com dentes defenderei o uso da carne e do peixe. E dos ovos e do leite. E do queijo e da manteiga. E por aí fora.

 

Em aparte: em Lisboa também houve uma manifestação. Aponta-se o número de quinhentos participante.  Reportagem, claro, só mostrou as criaturas do costume. Sempre as mesmas seja qual for o motivo...

* a vinheta: Filipinas 

 

Venham de lá as eleições!

José Carlos Pereira, 08.11.21

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No dia 30 de Janeiro teremos eleições legislativas antecipadas. Marcelo Rebelo de Sousa anunciara alto e bom som que o recurso a eleições seria o desfecho óbvio em caso de chumbo do Orçamento do Estado (OE). Se BE e PCP entendiam que eram inultrapassáveis as divergências com a proposta de OE apresentada pelo Governo, então ruía a base de suporte que sustentou o executivo e, não se vislumbrando qualquer alternativa no actual quadro parlamentar, não restava outra solução que não fosse uma ida antecipada às urnas.

O Presidente da República ainda recordou, no seu discurso ao país, que tinha viabilizado orçamentos dos executivos de António Guterres, mas obviamente não havia neste momento qualquer possibilidade de o PSD contribuir para a aprovação do OE. O período da troika e do governo de Passos Coelho criou clivagens enormes entre os dois partidos, que depois conduziram à solução de governo "inventada" por António Costa. Aliás, o próprio primeiro-ministro deixara claro no ano passado que, se viesse a precisar do apoio do PSD, nesse momento cairia o Governo.

Na política portuguesa, e sobretudo na relação entre PSD e PS, há um antes e um depois da legislatura 2011/15. Se em outras circunstâncias haveria caminho para António Costa e Rui Rio firmarem entendimentos em matérias críticas para o país, isso hoje não se coloca. E se o PSD vier optar por eleger Paulo Rangel para a liderança do partido, tal representará um realinhamento mais à direita, na ânsia de polarizar com o PS os dois campos políticos opostos. Se isso pode servir para conter o crescimento que se antecipa do Chega, o que em si mesmo é positivo, não deixa de representar uma estratégia de maior antagonismo, diria até de radicalismo, face aos socialistas. Não é com surpresa que se vê Paulo Rangel ser apoiado por todos aqueles que estiveram mais envolvidos no governo de Passos Coelho/Paulo Portas.

À esquerda do PS, esgotada a política de reposições que, em boa medida, justificou os acordos entre BE, PCP e PS nos últimos seis anos, voltou a prevalecer a vertente de protesto que mais identifica BE e PCP. A estes dois partidos, com história e percursos tão diferentes, não serve um PS forte e dominante, que acaba por lhes retirar espaço e eleitores. A páginas tantas, à luz dos seus interesses mais egoístas, mais vale que a direita volte ao poder para que possam afirmar-se no protesto permanente, ao mesmo tempo que assistem à fragilização do PS. Creio que aqueles que, no seio do PS, acreditam numa maioria estável com o suporte de BE e PCP estão iludidos com algo que dificilmente acontecerá, tantas são as divergências de base entre socialistas democráticos, comunistas e radicais de esquerda.

As próximas eleições devem proporcionar, tudo o indica, o crescimento do Chega e da Iniciativa Liberal e o definhamento do CDS (envolto num triste folhetim com o seu presidente agarrado ao poder, sem perceber quanto isso o diminui aos olhos do eleitorado). A evolução destes três partidos estará em boa medida relacionada com a liderança que for escolhida para conduzir o PSD. O maior partido da oposição necessita de arrumar rapidamente a casa e ultrapassar este momento menos feliz em que o líder em funções queria marcar eleições internas, depois já as queria cancelar e, por fim, anunciava querer comprimir todo o processo eleitoral do PSD. E, do outro lado, está um candidato que apoiava e, em pouco tempo, deixou de apoiar Rui Rio, propondo-se guinar o partido para a direita, o que deixa um pouco a ideia de que é mais animado pelo tacticismo de ocasião do que por aturada reflexão estratégica.

Com todo este quadro, vamos então para eleições. Marcelo poderá ter a desfeita de acordar a 31 de Janeiro sem que o quadro parlamentar se altere significativamente. As primeiras sondagens sugerem esse desfecho. Pode até acontecer que o parlamento fique ainda mais pulverizado e seja difícil constituir uma maioria de governo sólida. Não vejo que, nesse caso, se possam assacar grandes responsabilidade ao Presidente da República. Este ciclo encerrou por si, os portugueses têm a palavra e os partidos terão de estar à altura do momento que Portugal vive neste pós-pandemia.

au bonheur des dames 429

d'oliveira, 05.11.21

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O “brueghel” "estragado"

mcr,  5-XI-21

 

Em Évora há um museu (Museu frei Manuel do Cenáculo”) com cerca de 20.000 peças no seu acervo e que teve obras importantes há bem pouco tempo.

Todavia, como aliás é queixa unânime, ou quase, o museu debate-se com uma temível falta de pessoal. Ao que parece se um guarda adoece ou fecha a loja do museu ou a galeria pois não há mais ninguém. Até um director afirmou que, por várias vezes, fez de guarda ou de bilheteiro!...

As faltas não se prendem apenas com o pessoal administrativo ou de guardaria, antes atingem toda a estrutura do museu.

Não admira que um dos raros “Brueghel” existentes no nosso país, e pertencente à colecção de um banco,  tenha aparecido com uma fissura devido a “má conservação”.

A obra já foi retirada do museu, está no instituto Joseé de Figueiredo para estudo das hipóteses de restauro e, não se sabe se voltará a Évora para exposição.

Sempre qua aparece uma entidade pública ou privada a doar ou a emprestar uma (ou várias) obra de arte a ima instituição pública, há festa rija. A ministra desloca-se em grande pompa ao local, fazem-se juras de grandes trabalhos e dpois do dia da vernissage o museu volta à sua apagada e vil tristeza.

Não há concursos de admissão, pelo que chega mesmo a haver períodos especiais e excepcionais (já nem tanto) de encerramento de salas, galerias ou do museu todo inteiro!

Os visitantes batem com o nariz na porta, a bilheteira ressente-se, o costume.

Ora a falta do “brueghel” vai sentir-se duramente porquanto se trata de uma peça que em qualquer museu assume características relevantes, quanto mais em Portugal.

Reduzir os museus a uma insignificância tradicional não é novidade. Também, de uma ministra insignificante, não seria de esperar a descoberta da pólvora!...

Há algum tempo, escrevi aqui, o relato de uma autentica gesta para comprar um catálogo de uma exposição no MNAA. Foram pesquizas, telefonemas, mails, nada! Ao fim de algum tempo lá dei com o catálogo à venda no pavilhão de INCM na feira do livro.

Devo dizer que, esta tentativa de adquirir um catálogo de uma exposição só em Portugal é algo de aventuroso e problemático. Em França, são os museus, melhor dizendo a sua divisão de marketing que prontamente noticiam as exposições e o catálogo. Em dois, três dias poderemos ter o livro em Portugal Ou comprado na livraria do museu ou via amazon.

Falei em marketing, a propósito demuseus. Explico-me: nos museus portugueses tal palavra é deconhecida e tal actividade ainda menos. Suponho que nesse mundo solitário e abandonado, a simples ideia de marketing soe a pecado. E pecado capital. Dos de nem sequer imaginar. O resultado é o que se sabe: os museus fenecem à mingua de visitantes nacionais. E muitas das visitas são feitas por escolas, universidades sénior enfim algo que ou é obrigatório ou se faz por desfastio.

Exactamente o contrário do que se passa em países para lá da fronteira, a começar já ali em Espanha. Eu, de há muito, que quando estou no estrangeiro, tenho o cuidado de marcar com antecedência em serviços próprios, uma visita a um museu. Para não secar à porta durante horas, perdido numa bicha. Por cá basta chegar à porta que não se corre o risco de desafiar uma multidã ansiosa. Também é verdade que raras vezes se noticia clara e precisamente a abertura de uma exposição. Só se for coisa muito “badalada”. Aí sim, aparece uma pequena multidão que vai por ser moda, por ter notícia na televisão ou porque se espera encontrar “personalidades”.

De resto, se porventura se teme uma enchente no dia da vernissage, há um remédio: ir no dia seguinte. Aposto singelo contra dobrado que já não há bichas.

Não vou falar das livrarias dos museus. Já h´e isso, apenas isso, soa a milagre. Mas, de todo o modo são relativamente pobres. É evidente que ninguém está à espera de uma livraria no estilo do Centre George Pompidou ou do Louvre. Seria pedir demasiado ou até o impossível.

Isto, das livrarias e lojas dos museus remete para outra anomalia bem portuguesa: o Estado quando se mete nestas cavalarias, esquece que deve procurar distribuidores que levem as peças para fora dos museus para venda.

Como isso parece ser superior às forças e à cabecinha sonhadora dos agentes estatais, temos que há armazéns cheios de edições muitas vezes excelentes que, como não foram publicitadas, muito menos distribuídas, vão apodrecendo lentamente. Às vezes alguém se lembra e então aparece um monte de coisas num ou outro espaço nacional a preço da uva mijona. É aí um dos sítios onde os alfarrabistas, que já conhecem oa hábitos da casa, se vão abastecer. E o circuito que não existiu na primeira vida passa a ser real numa segunda mas onerado com a raridade e o preço consequente. Fiz a minha colecção da revista “Oceanos” não só em alfarrabistas mas também em escandalosos saldos quase ao preço do papel velho.

Ora, se isto é assim, em coisas tão simples, imagine-se como será nas grandes instituições estatais. E, sobretudo, no museus que, normalmente são considerados insuportáveis chatices. Tirando o dos coches que tem uma fama que o impõe a turistas e a nacionais, os restantes museus vegetam, são infra-subsidiados, tem falta de pessoal, desde técnicos qualificados até pessoal auxiliar.

Já nem vale a pena falar no descaso em que andam ou andaram certas colecções nacionais, mormente de pintura moderna. Há uns anos foi notícia que se andava à procura de uma série de peças de arte moderna num ou em vários departamentos do Ministério da Cultura. Desconhecia-se o paradeiro de muitas e nem sequer havia um inventário capaz e actualizado de alguns espólios. Durante uns tempos a busca continuou sem resultados que se vissem. Já não sei se mudou o ministro, o director de serviços, o guarda-nocturno, a verdade é que essa aventurosa pesquisa deixou de ser notícia. Na altura um jornalista, sabedor de que eu tivera responsabilidades numa delegação da SEC (ainda não havia, nem era preciso Ministério) veio falar comigo. Eu lá lhe expliquei que, na altura de abandonar o cargo entregara um inventário ao meu sucessor (coitado nem sequer sabia para que servia aquilo) e guardara uma cópia que o pobre homem assinara a contragosto depois de eu o ter feito ver as duas ou três dúzias de peças à minha guarda.

A entrevista não chegou a ser publicada porque o assunto desaparecera silenciosamente dos poucos noticiários que referiam o descaminho das peças. O meu exemplar do inventário desapareceu também porque o jornalista terá achado que eu não precisava já dele. Também o jornalista desapareceu ou então sou eu que não lhe recordo o nome.

(nota: o jornalista levou-me o documento apenas para fotocopiar e devolver. E eu, tolo, caí que nem um pato na conversa. Até hoje...)

Voltando ao Brueghel: já não vai voltar e, a menos que muito me engane, o proprietário, um banco, guardá-lo-á num qualquer gabinete como quem guarda uma secretário sem ocupante, dois armários ou uma pilha de relatórios antigos.      

 

Regulador inútil

Mocho Atento, 05.11.21

Reclama-se junto do Banco de Portugal que uma instituição bancária carregou a base de dados de contas com menção de ser beneficiário efetivo de contas de que não sou nem titular, nem autorizado, há mais de 4 anos.

Passados uns meses, recebe-se simpática comunicação a dizer que "analisada a reclamação, o Banco de Portugal não encontrou indícios de infração por parte da entidade reclamada" e conclui "considera encerrado o processo de reclamação".

Pelos vistos, a falsidade dos dados carregados para uma base não é relevante.

Fico esclarecido quanto à competência e  eficiência da supervisão e regulação do sistema bancário.

au bonheur des dames 428

d'oliveira, 04.11.21

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Sair melhor do que a encomenda...

mcr, 4-11-21

 

 

A novela “rendeiro & amantíssima esposa” merecia as honras de uma televisão de república bananeira Agora a mulher do foragido deu com os ossos na cadeia, enquanto ele, repimpado ao sol dalgum paraíso tropical consome álcoois brancos na companhia de uma indígena local e cara.

As opiniões dividem-se: estaremos perante uma esposa amantíssima e inocentíssima, deixada para traz para arcar com as culpas ou, a criatura foi, desde o primeiro momento, uma cúmplice das malfeitorias do ratão.

A verdade, se é que neste novelo de imbróglios  há algo que seja verdadeiro, é que na altura do arresto das obras de arte do casal, elas estavam todas no domicílio do casal. Terão sido inventariadas e fotografadas e, só por isso, se deu logo pela marosca das falsificações grosseirotas de três ou quatro peças. Depois, contas feita, verifica-se que, dez anos depois, faltam dez! 

Dessas, uma, agora pertencente a um terceiro, aparece numa exposição “de entrada livre” num conveniente país estrangeiro. Entretanto, afirma-se que as restantes terão sido transacionadas via uma prestigiosa leiloeira. A coisa terá rendido um milhão e duzentos ou trezentos mi euros. Não é muito mas é um princípio de vida...

A amantíssima e abandonada esposa perante uma juíza desatou a chorar jurando não estar “em condições para prestar declarações”. Azar dela: não foi um jiz mas uma juíza que lhe calhou em sorte. Ou seja, alguém que sabe todos os processos de chorar para embarrilar o próximo. E a triste abandonada foi dormir a Tires...

Suponhamos, por um momento, que, de facto, a srª Rendeiro não sabia das maroscas maritais, do desvio de dez peças, do seu destino, do cacauzinho obtido e do percurso do marido inconstante.

A ser assim, o cavalheiro (isto de cavalheiro é pura ironia) Rendeiro saiu ainda melhor do que a encomenda e mostra-se disposto a tudo, inclusive a deixar a cônjuge no fosso dos leões. Um carácter!

Há, porém, quem refira, uma tentativa de viagem da ”abandonada” a realizar num destes próximos dias que se gorou graças à intervenção da polícia que, depois da casa roubada pôs trancas à porta...

\Estaríamos assim, em presença de alguém que fria e determinadamente leva a cabo um plano de encobrimento do marido e que só um bambúrrio permitiu descobrir. Diz-se, mesmo, que, na bagageira do seu carro, estariam outras peças prontas a enfrentar outra peregrinação para local incerto mas capaz de gerir lucros. Será assim?

Será que a srª Rendeiro sabe mais, muito mais, do que, chorosa e dorida, afirma? Será que uma estadia atrás das grades lhe refrescará a memória afora obnubilada pelo desaparecimento contumaz do amado esposo?

Esperemos pelas cenas dos próximos capítulos. Isto está a tornar-se mais empolgante do que a troca-tintisse do chumbo orçamental onde, pelos vistos, ainda há uns espertalhaços que insistem na extravagância d possibilidade de apresentação de mais um , dois, cem orçamentos. Até que água mole em pedra dura, o PS se rendesse definitivamente, como parece ser o caso do jovem Pedro Nuno, o  martelo das perninhas dos banqueiros teutónicos, ao desvario despesista do PC que, ao fim e ao cabo, invoca a união Europia e os seus dinheiros para melhorar a vida dos “trabalhadores e do povo” (convém notar esta dicotomia, trabalhadores por um lado e povo pelo outro, como se os primeiros não fizessem parte do segundo e como se a maioria do elementos do segundo – crianças, doente e velhos excluídos – não trabalhasse ...).

A assembleia que já tem destino marcado, prepara-se para, num último estertor, passar aos direitos uma série de propostas que vão ser votadas em molhada, à pressa e sem passar pelos habituais crivos políticos. Bai ser outra festa...

au bonheur des dames 427

d'oliveira, 03.11.21

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Admirável mundo novo

mcr, 3.XI-21

 

 

Recebi uma mensagem que dizia:

 Vacinação covid 05/!!/21 às 13.45 em regimento transmissões Responda SNS numero de utente  SIM/NAO até 02Nov. Ex: sns111111111.Sim

Como eu tivera o cuidado de ir a uma farmácia fazer a vacina da gripe a 28 do mês passado, entendi mandar uma mensagem a dizer isso mesmo. Pelos vistos tal rmail não foi aceite/não foi lida/não chegou, /foi par o lixo ou “passou ao ventre da mãe terra pelo esófago da latrina ( Camilo dixit) (os leitores escolherão a solução que isto é o meu primeiro folhetim de resposta múltipla Um escriba tem de se modernizar...)

Ora, como eu quero apanhar a 3ª dose da vacina, apressei-me a tentar telefonar para a minha “unidade familiar de saúde”.

A dita unidade de familiar tem pouco porquanto depois de cinco (5) tentativas de chamada fui informado que o “numero para o qual ligou não está disponível”

Ignora-se para que serve esses número , o 220165380. Será puro enfeite, Não recebe chamadas mas apenas chama quem os exmos funcionários entendem dever ligar? Está entupido? Morto? Simplesmente anestesiado? Faz que toca mas não toca? Um mistério!

Persistente tentei enviar um mail para p mesmíssimo centro de saúde. Alguém que pomposamente se intitula “postmaster” de algo que desconheço avisa-me que a pobre missiva não foi aceite!

Já não sei a que santo me encomendar. Perpassa-me no cérebro já arruinado pelos anos uma febre antiga de metralhar o ministério, a DGS, pelo menos a ministra, vá lá um secretário ou sub-secretário de Estado, enfim alguém. Será que devo irromper pelo regimento de transmissões e ameaçar os técnicos de saúde de represálias horríveis por me não atenderem?

E se os militares (se é que há lá ainda militares) julgarem que se trata de um ataque armado e me acabam à queima roupa? Bem sei que aquilo é um regimento de transmissões mas até um telétipo atirado com força pode acabar com a vida de um invasor...

Há tempos, um leitor afirmou que eu tenho um “ódiozinho” de estimação” pela Ministra. Não tenho nada! Mesmo que duvide das suas capacidades governativas (e duvido metodicamente, quase desde o primeiro dia) não quero mal à criatura, muito menos neste momento em que ela pode ir à sua vida (como alguma vez terá afirmado querer – só quero ser de novo a Marta!-) Por mim, tudo bem antes só marta que morta menos ainda murta  e não prossigo porque não ha palavra em que só mude a primeira vogal.

Eu, pobre homem de Buarcos, sou um pagador de impostos, de todos os impostos, taxas, adicionais e demais sacanices financeiras que o Estado inventa. Voto sempre! Leio (e compro) diriamente o meu jornal. Ainda sei a lista completa dos reis de Portugal, os rios, o sistema orográfico e hidrográfico da pátria, enfim tudo o que, pelos vistos, agora não é necessário saber, Cumpro as leis com benevolência, paciência e resignação. Não us violência de género passo à frente de ninguém nas poucas filas que eventualmente frequento.

É verdade que não vou à Igreja mas não pratico o mata-fradismo nem apouco a religião dos meus vizinhos. Não conspiro contra as instituições mesmo se, de quando em quando, me dá uma fúria negra e antiga com o que vejo fazer. Sou condato, tolerante e pago à empregada que me trata da csa mais do dobro do salário mínimo nacional. E isto sem ser, nem nunca ter sido, militante do pc, do be, dos verdes/ vermelhos, do pan e de outras associações do mesmo teor. Também não pesco nas águas da Direita, era o que me faltava depois de ter visto (e sentido) os pobres lombos afagados sem cerimónia pelas matracas da polícia de choque da outra senhora. Sou ou queria ser apenas um cidadão na plena posse dos seus direitos mas estes sms, estas mensagens sem direito a resposta atiram-me para o limbo da política.

Porra!   

 

* o título do folhetim, repete o de um excelente livro de Aldous Huxley um provavelmente ignorado escritor do sec. XX que na melhor hipótese pode ser encontrado em algum alfarrabista. São os leitores que perdem. E os editores que, patetas, não ganham.

A (in)justiça arbitral

José Carlos Pereira, 02.11.21
A experiente jornalista Inês Serra Lopes publicou na semana passada um artigo na Revista do "Expresso" acerca das práticas dos tribunais arbitrais, do muito dinheiro que aí circula, das conexões estranhas e das fortes indemnizações a que o Estado e as diferentes entidades públicas são invariavelmente condenados.

Um dos exemplos destacados é o do processo arbitral no diferendo entre a Câmara Municipal de Marco de Canaveses e a concessionária Águas do Marco, hoje controlada pela ECS Capital, processo em que intervim como testemunha.

Inês Serra Lopes deixa a nu as enormes fragilidades do edifício da justiça arbitral e a sobrecarga de custos que tal representa para o Estado, ou seja, para todos nós. A experiência que vivi no processo entre a autarquia de Marco de Canaveses e a concessionária da rede de água e saneamento faz com que corrobore plenamente as teses da jornalista.

au bonheur des dames 426

d'oliveira, 02.11.21

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O cheiro da carniça

mcr, 2-XI-21

 

 

o fim da Geringonça destapou uma oculta realidade que já se adivinhava nos difíceis tropeções dos dois principais partidos da Direita.

Rui rio e um rapazola chamado Xicão sentiram, como os urubus, o cheiro da carniça morta e eis que começaram a sobrevoar baixinho o cadáver ainda fresco de um Governo que, de há muito, tinha a certidão de óbito pronta mas ainda não assinada.

Com eleições cada vez mais próximas, a braços com uma contestação interna que vinha de longe e que, nos últimos meses, fora progressivamente ganhando força, ei-los que se revelam em toda a sua paupérrima identidade política. Estão como lapas, agarrados sofregamente ao poder dentro dos seus irrisórios campos entrincheirados, julgando que, desta feita, a coisa, um Governo, lhes virá bater ao postigo.

Não se perguntam, nem isso seria de esperar, sobre o que terão feito para merecer uma qualquer cadeira ministerial.

É verdade que, como António José Seguro (incomparavelmente mais merecedor, mais inteligente e mais preparado), fizeram o “caminho das pedras, durante estes últimos e apagados anos.

Não foram sequer os feitores da quinta mas apenas dois improvisados capatazes que sem imaginação nem brilho de qualquer espécie lá tentaram guardar a propriedade, cortando as ervas más, limpando os caminhos e caiando as paredes mais estragadas pelo tempo e pela chuva.

Alegam que foram eleitos o que é apenas uma meia verdade. O que aconteceu foi, como de costume, em época de vacas magras, os que se chegaram à frente. Nada os predestinava à ribalta da grande política e, em boa verdade, ainda nonguém notou neles qualquer rasgo verdadeira acrobacia partidária e nacional.

Foram eleitos, porque outros não quiseram ou não puderam entrar na liça. Não eram os melhores mas apenas, os menos maus ou os que estavam, à falta de melhor emprego, dispostos a serem os punching-ball  de outros futuros atletas com mais força e mais chama.

Se eu fosse adepto das modernas teorias da conspiração, diria que esta crise foi propositadamente desencadeada por Costa quando percebeu que à esquerda os seus parceiros poderiam perder votos e à direita, os seus eventuais adversários estavam de calças na mão.

Quem, em estado de relativa sanidade mental e política vai dar m voto a umas criaturas que nada predestinava para altos voos quando os vê tentar tudo para fazer os seus eventuais rivais (mais experientes, mais cultos, mais credíveis) perder na secretaria?

Mesmo em período normal, já as coisas estavam difceis para quem não é incumbente. É que, mesmo ganhando uma eleição interna interna, há que redistribuir cargos, poder, atribuições, reorganizar listas de candidatos às legislativas, escrever um programa sensato, forte, diverso e inovador. Enfim, tudo o que o “dirigente associativo“ Xicão (melhor diria, Xiquinho esperto)  parece não saber fazer, tudo o que o antigo dirigente associativo da faculdade de Economia do Porto, já baldadamente tentou. Rio, com efeito, é o exemplo típico do “princípio de Peter” aplicado à política. Foi Presidente da Câmara do Porto mais por demérito e arrogância de Fernando Gomes (para quem a coisa estava “no papo”. O insensato que já trocara a CMP por um Ministério fantasma, feito de retalhos, que levara para Lisboa uma equipa provincial e provinciana o que teve como resultado que ninguém no seu novo ministério estava sequer disposto a indicar-lhe o caminho para a casa de banho, como rapidamente se percebeu) achava que os tripeiros lhe perdoariam o desvario e o abandono e que à simples menção do seu nome e ao verem no horizonte aparecer um capachinho, se prostrariam gritando “Hossana”, “Hossana”!

Furiosos, os portuenses viraram-se para o desconhecido do PSD só por vingança. E ele saiu eleito.

Um falecido parceiro de bridge meu, militante do pSD confidenciara-me entre duas partidas, que quando o homenzinho se propôs para candidato À CMP logo os bonzos esfregaram as mãos radiantes. “Livravam-se de um chato e como o Gomes o trucida nunca mais o aturamos!”

A política escreve torto por linhas ainda mais tortas e Rio alcandorou-se a “fronteiro” do Norte. Nessa posição não tardou muito a escrever uma carta patética (e pateta) a Jorge Sampaio, queixando-se da imprensa que lhe zurzia os costados. Ainda hoje não percebo o que lhe deu para achar que um Presidente da República o iria livrar do escrutínio da imprensa.

Todavia, Rio geriu a CMP durante três mandatos. Bateu o PS sem apelo nem agravo, mesmo se este partido também não tivesse tido a inteligência de arranjar candidatos credíveis (ssim se vê que o Porto vai perdendo importância no tabuleiro da política nacional) Rio foi um guarda livros cuidadoso e pouco mais. Como militante do PSD armadilhou o caminho do seu possível sucessor, dando a Rui Moreira a hipótese de ganhar. O PSD apesar de tudo, ou apenas por instinto suicidário, sagrou-o Presidente do Partido, o qur também prova o descaso em que o cargo caiu.

Costa, além do apoio insensato do PC e do BE que não perceberam bem o que um Governo socialista lhes poderia render, teve em Rui Rio um adversário de eleição. Rio,à semelhança do herói de um filme japonês cujo nome me escapa, não se mexia deixando o primeiro e irreflectido movimento a um eventual adversário. Todavia como Costa o não atacava não ganhou nada com isso. Melhor, perdeu, porquanto a sua prudência permitiu a costa deixar de se preocupar com o lado direito e dedicar-se a armadilhar o esquerdo.

Mesmo as últimas eleições autárquicas não foram tão cor de rosa (ou laranja) quanto ele quereria. Moedas ganha porque tem luz própria e em Coimbra o PSD numa coligação chefiada por um independente vence um presidente gasto, demasiado gasto. E regista alguns desaires, desde a Guarda até à Figueira onde um Santana Lopes sem chama, fugido do desastre da “Aliança”,  desfaz  o PSD.

A vitória do PSD foi uma semi-derrota, mais ligeira do que o afundanço anterior mas longe d maioria ainda importante nas mãos do PS.

É este o homem que se quer livrar de Paulo Rangel à viva força mesmo sabendo que assim não vai a sítio nenhum.

Quanto ao rapaz do CDS a coisa adquire tons de caricatura, de drama de faca e alguidar. O CDS manteve  a sua meia dúzia de câmaras, gritou vitória (coitado!) no Porto e nas coligações em que foi à boleia do PSD. Mais nada! 

 

É bem verdade que se temia que o Chega lhe ratasse alguma coisa mas o Chega ainda não teve asas para voar sozinho. Suplantou o BE em mandatos mas o BE não passa de um chega de esquerda, é um ajuntamento de pessoas vindas (e desavindas) de origens diferentes. O BE é estridente, anti-europeu, tenta comer as papas na cabeça do PC mas não representa nada autárquica ou sindicalmente. É um produto dos subúrbios chiques da s grandes cidades e arrisca-se , assim Deus o queira, a pagar uma factura gorda pela sua intransigência.

Xicão espertalhaço viu o posto ameaçado por Nuno Melo, um político com experiência, com passado, com inteligência. Vai daí limpou o tabuleiro de todas as peças e declarou-se vencedor de uma partida que não jogou e de adversários que nem puderam comparecer. Está no seu bunker, a ver desfilar militantes conhecidos importantes, a ser criticado pelso que ficam e segue a famosa linha estratégica de vitória em vitória até à derrota final.

É este o panorama, à Direita.

A Esquerda também não parece estar à beira dos “amanhãs que cantam” e apega-se desesperadamente à ideia de uma traição do Presidente da República que deveria obrigar os senhores Costa & Leão a apresentar outro, e outo orçamento  ou a governar indefinidamente por duodécimos.

 

O PS poderá sofrer alguma censura dos eleitores mas como todos os adversários parecem estar à beira de doença semelhante mas mais grave, há a temer que da baralhada nada saia. A montanha parirá um rato e o país continuará a navegar  sem rumo que se veja.

Não quero convocar o diabo mas cheira-me que assim, Cabrita, Temido e Pedro Nuno, o truculento adversário das perinhas dos banqueiros teutónicos,  voltarão das merecidas tumbas para onde poderiam estar em vias de ser remetidos. E  a senhora Fonseca, ia-me esquecendo dessa irrelevância cultural.... 

* na vinheta: um punching ball a quem uma jovem vai dando socos. Rio e Xiquinho que se cuidem...

au bonheur des dames 425

d'oliveira, 01.11.21

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Cinquenta anos, já?

mcr, 1-XI-21

 

o meu primeiro dia em Berlin (desculpem mas não consigo escrever Berlim (nem para as “bolas” que são uma adaptação das “berliner Pfankuchen”, cujo recheio é feito à base de frutos vermelhos. Parece que o doce veio com os refugiados judeus da 2ª guerra e eu, nascido nessa época temível, habituei-me a comê-las nos cafés da Figueira antes de, sempre lá, mas na praia, as ver ser vendidas em concorrência com a “bolacha americana, os “barquilhos” e as “línguas de sogra”) foi exactamente há cinquenta anos.

AN último dia de Outubro, atravessámos a DDR, a Alemanha de Leste, sempre numa auto-estrada quase deserta, mal cuidada mas fortemente vigiada. Entramos em Berlim, cerca da meia noite e pernoitamos num hotel da “Ku-damm” (é mais fino apelida-la assim do que usar o Kurfursten, mais fino e mais berliner!)

Na manhã seguinte, descemos dois ou três quarteirões, para apanhar a Knesebeckstrasse, onde ficava o Goethe Institut. Pelo caminho, descobri uma livraria francesa que vendia o “Le onde” e fiquei mais descansado. Não me faltariam notícias do mundo em língua que percebesse, pois o mu alemão era nada ou pouco menos.

Depois de inscritos e no regresso ao hotel, vimos surdir à nossa frente o joral Le Monde desdobrado e por baixo apareciam duas tiras de um cachecol. Lembro-me perfeitamente de ter exclamado “se fosse em Paris diria que era o zé Leal Loureiro”. E não é que era mesmo o Zé que terminava o 2Grundstuffr 1 no mesmíssimo instituto? Premonições que nunca me levaram à chave do euro-milhões ou a qualquer outro glorioso momento. Sempre, nesses tempos, adivinhava qualquer coisa era para o pior: por duas vezes, tive a absoluta certeza de que em tempo breve, e sem dar lugar a escapatória, iria ser preso. Arre, que acertei!

O Zé foi precioso, claro: apresentou-nos logo a dois americanos intranquilos, que davam por “big” e “little” John, a duas irmãs alemãs que ele namorava sempre uma e outra suspeitassem da marosca, indicou-nos a cantina da “Technische Universitat” também a dois passos onde se comia por preço mais que acessível, e mais um par de coisas que se revelaram utilíssimas naquela cidade vibrante (falo de Berlin ocidental, obviamente que o outro lado era sinistro...)onde iríamos permanecer um par de meses.

Curiosamente, ao comprar cigarros, alguém, a vendedora?, falou no “Totentag”, o dia dos mortos que, naturalmente era bastante observado num país que saíra da guerra há 25 anos e das suas misérias ainda há menos tempo.

Berlin permitiu-me ver de perto, bem de perto, as duas realidades que o muro dividia, mesmo se, como seria natural, os dois lados fossem uma montra vistosa do melhor de dois mundos. Só que o outro mundo era mais triste do que Portugl, mis pobre e mais policiado. Atravessar o “checkpoint Charlie” para ir comer ao lado oriental era uma provação que podia demorar uma boa hora de revista, Nada escapava aos “vopos”. Foi  primeira vez que vi um objecto uma espécie de armação com um espelho horizontal que se metia por baixo do carro para ver se não se trazia contrabando nem gente lá escondida! Éramos apalpados severamente ou mesmo mandados despir em instalações adjacentes. Curiosamente, nunca me foram ao bolso superior do casaco onde eu levava um flamante lenço branco com dez ouvinte  marcos orientais escondidos. Esses marcos, transaccionados no mercado negro ao lado do Zoogarten, trocavam-se por ocidentais “ein fur vier”, ou seja um – ocidental por quatro orientais o que era um ganho importante, dado que na fronteira havia a obrigação de trocar cinco por cinco, um roubo!. Graças a esta habilidade de alto risco, comemos sempre muito bem no lado de lá!

Berlin regurgitava de esquerdismos vários, para todos os gostos. Relembro apenas, um cineclube chamado “Arsenal” onde vi dezenas de filmes desde “la hora de los hornos” até aos Eisenstein e a vários italianos e franceses sempre mal tolerados nos respectivos países por todo o género de razões, normalmente políticas ou morais.

A cidade era liberal e um dos exemplos (estávamos em 1971!) era uma jovem ebonita prostituta que estacionava cerca do meio dia na Savignyplatz que ficava no nosso percurso Goethe-TU. Ao fim de uns dias já a cumprimentávamos com um sorriso a que ela, gentil, sempre correspondia. Houve mesmo uma vez em que a vimos ser abordada por um cliente com que ela terá ido exercer o seu mester.

Nesta praça, que honra um grande jurista alemão (de nome francês como muitos berlinenses, descendente de huguenotes expulsos ou fugidos de França e que encontraram refúgio seguro na capital da Prússia onde se fixaram. Nao sei se ainda estará vivo um famoso político da esquerda alemã que se chamava Oskar Lafontaine  mas é outro exemplo dessa longa tradição de auxilio berlinense  a outros refugiados) situava-se uma pizzaria onde se comia bem e barato. De facto ofereciam a bebida e depressa descobrimos que era melhor guardar a oferta para o “expresso” que era mais caro que um bom copo de cerveja.

Tudo dito: esprememos a cidade se alto a baixo, aproveitando as oportunidades que não eram poucas. Uma dessas foi, enquanto durou, o “casão” das tropas francesas de ocupação. Era em Wedding e aí compravam-se coisas a um preço verdadeiramente especial. Durou algumas semanas este regabofe, descoberto pela Martine, nossa colega, até sermos descobertos e amavelmente convidados a não voltar. Os dois John tinham um mapa das cervejarias onde se servia vom Fass, isto é à pressão, cervejas variadas. Havia dias em que um desconto era oferecido e os dois americanos acertavam sempre.

Não vou falar da prodigiosa riqueza dos museus ( e o lado oriental, onde se situava a ilha dos museus era o mais afortunado)menos ainda dos parques quase floresta intra muros,, praias fluviais, que ainda hoje não tem rival em parte alguma. Apenas referirei o fabuloso Museum fur Volkerkunde (esse em Dahlem (oeste, o primeiro museu de ates primitivas (ou civilizações primeiras como quiserem) que conheci. Obviamente, a maioria dos objectos da colecção vinha dos antigos territórios coloniais alemães mas já era algo de estarrecedor, de admirável, de respeito pelas culturas desses longínquos povos. Havia zonas (mormente de barcos ou de casas de anciãos em que a pequenada podia entrar. Era uma festa e, pelos vistos, os meninos portavam-se bem mesmo a brincar, a correr, a pendurar-se em coisas impossíveis. E perto de cada peça (ou grupo de peças) exposta havia receptáculos com folhas colecionáveis com a explicação do que se via. Assim fui fazendo um catálogo que, depois, completei na livraria do museu comprando quanta folha colorida havia. Jurei lá voltar e, em Deus querendo (e a pandemia permitindo) lá estarei brevemente com a mesma curiosidade e alegria desses dias de descoberta de um outro mundo, uma outra vida, outras gentes, outra – e melhor- maneira de ver.

Devo esta longa estadia aos meus sogros, Alcinda e Jorge Delgado que me quiseram que eu também fosse com a Maria João (aluna de Germânicas) aprender algum alemão. E aprendi. E mais do que isso aprendi, percebi, algo sobre um regime tão ou mais (seguramente mais, muito mais)opressor do que aquele em que vivíamos. Um dirigente político africano bem que dizia: “mandamos os nossos filhos para a Europa e tornam-se comunistas. Mandamo-los para Rússia e vem de lá furiosamente anti-comunistas”. O muro odioso, já tinha uma boa dezena de anos e duraria mais outras duas.  Nesse território que outrora parecia pintado de vermelho prosperam os fascistas, os anti- imigrantes, os xenófobos. Esta foi a herança de um regime imposto pelas armas do exercito vermelho e caído pela retirada do mesmo. Não foi preciso disparar um tiro. Aquilo caiu ainda mais facilmente que o regime português. E se tiros houve,, e foram mais de mil, as vítimas são todas pessoas que tentavam desesperadamente fugir do paraíso.

Daquele paraíso.

*na vinheta: pintura numa casa de culto, Nova Guiné. Pigmentos vegetais e terras de várias cores. 2,18 m 

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