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“grandeur et servitude…”
mcr, 28-12-21
Esta crónica vem a propósito da tomada de posse do almirante Gouveia e Melo que , se não teve momentos altos, abundou em baixos mesmo só durando dois minutos (parece que terminou mesmo antes da hora marcada para o seu início).
Foram mais notadas as faltas do que as presenças o que, de si, já diz muito sobre uma polémica inútil, inteiramente criada pelo Governo e, especialmente , pelo Ministro.
O dr. Cravinho poderá ser tudo o que quiseram mas é, sobretudo, canhestro. E autoritário mais do que é suportável.
Eu sou um pobre paisano, mesmo se, como me aconteceu, tenha passado um par de anos da minha adolescência em meio militar. Já tinha idade suficiente para perceber que a tropa não é exactamente homogénea mesmo se à superfície o pareça.
O meu pai foi episodicamente médico militar e por isso e nessa altura estivemos instalados num bairro militar (em Lourenço Marques), frequentávamos o Clube Militar onde aliás comíamos . O círculo paterno contava com diferentes oficiais todos com a paixão do bridge, o que, de certa maneira, os tornava bastante civilizados.
Fizemos bons amigos que duraram para ávida inteira (deles)e ainda hoje, a minha Mãe tem como amigas mais antigas um par de viúvas desses tempos que eram suas companheiras constantes de “canasta”, jogo a que se dedicavam com notório entusiasmo, perseverança e saber. O meu maior êxito entre essas amigas da minha Mãe deve-se ao facto de, uma vez, ter participado com uma amiga da minha idade, a Zeca Garção, num torneio. Para gáudio nosso e pasmo das empedernidas “canasteiras” ficamos em 2º lugar, batendo todas as veteranas. Ainda hoje me verberam essa proeza com gentileza e carinho.
Quando fui “às sortes” (poucas semanas antes do início da guerra de África) o médico que me inspecionou perguntou-me em surdina se eu queria ser tropa. Respondi-lhe que não e ele falsificou elegantemente os meus dados do índice de Pignet de tal modo que fiquei “livre”. De vez em quando uma criatura de Deus tem sorte e esta, há que dizê-lo foi “grande”. De todo o modo se escapei a esse horror, a política atirou-me para outro “serviço patriótico”, a saber a frequência das cadeias políticas do regime, onde, pelas minhas pobres contas penei o mesmo tempo.
De todo o modo, e para mim, a profissão militar nunca foi algo de admirável mesmo se também nunca me declarasse anti militar fundamentalista.
Depois, nunca perdoei aos militares, o 28 de Maio e o 25 de Abril não é desculpa suficiente para os endeusar como vi fazer durante anos e anos , PREC incluído.
Foi difícil livrarmo-nos da tutela militar, foi duríssimo experimentarmos as veleidades golpistas de um Utelo ou o tom jactancioso de outros de sina.l diferente.
Portugal, a partir das invasões francesas, foi vítima de várias tutelas caserneiras a começar por Beresford um inglês que (como governante) tentou ser o émulo de Junot. As guerras civis trouxeram outros generais, depois marechais, à ribalta e todos eles (talvez com a excepção do duque da Terceira) não melhoraram significativamente a situação da pátria. Na república, se é verdade que Pimenta de Castro ou sidónio são apontados, a verdade é que os civis quase todos “afonsistas” não eram melhores. A militaragem saída das fileiras pouco gloriosas do Corpo Expedicionário Português na Flandres, não foi brilhante antes causou estropícios de toda a ordem que acabaram no golpe militar. Claro que terá havido excepções, patriotas, gente séria, disciplinada e respeitadora da Constituição (fosse ela qual fosse) mas de tudo isto focou para a História e para a consciência nacional, um mito de salvador da pátria que vários antigos adeptos de Salazar passados à “oposicrática” encarnaram (Norton de Matos, Quintão Meielas, Henrique Galvão ou Humberto Delgado, incluindo no lote Botelho Moniz e Craveiro Lopes, todos igualmente ineficazes na luta contra o astuto filho de Santa Comba Dão.)
Recentemente, verificou-se que um militar, a todos os títulos distinto e bom profissional, conseguisse com a direcção da campanha de vacinação a rara proeza de agradar a gregos e troianos. Linguagem clara, rigor, autoridade deram a Gouveia e Melo uma merecida aura que a tolice do Ministro (e do Governo) conseguiu desgastar severamente.
Havia um compromisso de manter o anterior CEMA até meados do ano que chega. É bom lembrar que quando foi reconduzido no cargo, mereceu dos sectores governamentais fartos elogios. Eu não conheço o senhor mas esta pequena vilania, esta desfeita repetida que lhe fizeram deslustram o perfil do novo CEMA. Esta pressa em nomear Gouveia e Melo traz água no bico e mostra à saciedade duas coisas: a primeira é que o Governo (e o desastrado e rancoroso Ministro ) não suporta qualquer crítica. A segunda é que ao praticar o feio acto de demitir sem quaisquer razões um CEMA torna o seguinte muito vulnerável e faz pensar que esta nomeação (porventura justíssima, como espero) é um truque de baixa política. O governo tenta, desesperadamente, a poucos dias de se extinguir sem chama nem glória, criar um espaço de simpatia ao nomear alguém que os portugueses (e muito justamente) consideraram a figura do ano.
As ausências na tomada de posse, a posição há meses assumida por todos os vice almirantes a favor do anterior CEMA, fazem temer um mandato difícil e particularmente incómodo.
Eu não sei se Gouveia e Melo poderia eximir-se ao convite. Provavelmente e pelo que conheço das suas posições, é de acreditar qu nunca lhe passaria pela cabeça não aceitar um cargo que ele entende dever ser assumido por um militar.
Os dois minutos da tomada de posse foram uma crua visão do que pode acontecer. O poder recluído na solidão é um fardo insuportável que nem a “grandeur et servitude militaires” mesmo pela pena de Vigny justificam.
(nota; a obra de Vigny chama-se “servitude et frandeur militaires” mas vai dar ao mesmo sobretudo porque a expressão passou ao uso público para definir uma função e um estado de espírito)