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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

estes dias que passam 679

d'oliveira, 20.04.22

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Mais revisões da matéria dada

mcr, 20-04-22

 

A guerra, aquela guerra rápida e indolor que se travestia de “operação especial” já vai em mais de 50 dias. É provável que também já vá em mais de 50.000 mortos. Bastaria poder contabilizar com um mínimo de segurança as baixas no exército invasor russo que alguém razoavelmente credível já estimou em mais de 20.000. Juntem-lhe os mortos já confirmados e o número supera a horrenda estatística apresentada.

Todos os dias nos entram casa adentro, imagens de destruição que só tem paralelo em Alepo na Síria e em Grozni na Tchechénia (que não por acaso foram perpetradas por heroicas tropas russas, amantes da paz, do progresso e da humanidade.).

Em Portugal, umas criaturas vindas da banda da Esquerda, viram-se na necessidade de se proclamarem vítimas do “pensamento único” (sic), da afrontosa propaganda dos belicistas defensores da culpada Ucrânia, apenas por apontarem, vejam lá, as “evidentes, antigas e redobradas culpas” dos americanos, da NATO e da União Europeia.

Hoje, uma comentadora no “Público”, Maria João Marques, num notável texto (os males do pensamento único e a sua acidental razão”) vem apontar o dedo aos “russistas” e aos seus queixumes: apesar de escreverem onde querem e quando querem, eles vêem-se  acusados. Acusados pelas imagens, pelos mortos, pelas runas, pela gigantesca onda mundial de simpatia pelo invadido. Seria caso para perguntar se alguma dessas nefelibáticas criaturas foi insultada na rua, agredida, impedida de escrever (e de receber os seus trinta dinheiros de estipêndio pela escondida propaganda do agressor) onde quer que seja.

Em boa verdade, estas alegadas vítimas do terrorismo intelectual pró-ucraniano (e cada vez mais evidentemente pró-europeu...) já não sabem como fugir com o dito cujo à seringa. Tinham apostado tudo numa guerra rápida e “limpa” questão de oito dez dias no máximo, com uma Ucrânia caída de joelhos e esmagada pelo “amigo” russo.

Tinham apostado tudo no silêncio da NATO, no encolher de ombros dos europeus, na velha tradição americana do não intervencionismo, tão avançada pela retirada do Afegnistão (onde milhões estão ameaçados pela fome, de par com a falta de liberdades básicas), pelo  indecente  abandono dos curdos na Síria, depois destes terem sido os principais destruidores da infâmia islâmico-terrorista, pela desastrada aquiescência à ocupação da Crimeia (território que, dizia-se estaria empapado de sangue russo, quando na verdade se sangue lá há e muito pertence aos Tatars vencidos e posteriormente expulsos da península para zonas longínquas, pois foram ucranianos sobre as ordens de Potenkine que fizeram o frete da guerra como aliás era normal-ninguém iria buscar tropas a centenas de quilómetros se ali já tinham soldados experimentados)

A grande verdade, é esta e vergonhosa: toda a gente assobiou para o lado quando a Rússia auto-proclamou as duas republiquetas seccionistas do leste e num golpe de mão ocupou a península. “Ninguém queria morrer pelos sudetas ou por Dantzig, digo por estas terras no fim do mundo e nos limites da Ucrânia.

As tímidas e modestas reacções ocidentais, um par de sanções económicas e o não reconhecimento do fait-accompli,  bastaram para encorajar o autocrata, a sua corte, o seu séquito de militares corruptos e brutais.

Os ocidentais fingiram que a Rússia, aquela Rússia, era igual em questões de democracia cidadã, imprensa livre ao que no Ocidente, bem ou mal vem vigorando. E que nesse país, devastado pela corrupção, atravessado por diversos e poderosos movimentos de extrema direita, governado por ex-pides , digo ex-kgb (que é o mesmo ou, eventualmente, pior), com uma tradição de eliminação de adversários políticos, jornalistas inconvenientes ou meros protestários pelo eficaz método do envenenamento, os ocidentais, dizia fingiram que estavam a lidar com um seu igual, com direcções políticas que se renovavam  através de eleições livres e democráticas como se Putin e o seu títere Medvedev não se passassem o poder num pingue-pongue ridículo e pornográfico.

Os russistas engoliram tudo isto na ànsia de condenarem o seu inimigo interno de estimação, o capitalismo, o liberalismo, a democracia parlamentar e os direitos humanos. Numa palavra, identificaram, como sempre,  os EUA, a NATO, a UE.  Ou seja, recorreram à langue de bois antiquíssima, à casste de todos os dias, na esperança que o conformismo, o receio de uma guerra bastassem para silenciar as vozes de quem está em desacordo com eles.

Agora, a cada dia, a cada vala comum, a cada bomba que cai e entra pelas nossas casas via tv, já não sabem a que santo se votar.

Os sacanas dos soldados, treze exactamente, que mandaram o navio russo à puta que o pariu estragam tudo e ameaçam os filhos de Putin com a tirania do pensamento único.

O que ainda por cima é mais extraordinário, e que estas almas cândidas, puras insípidas, inodoras e incolores como a água destilada, sabem pertinentemente que o poder russo apoiou continuamente, por todos os meios, incluindo os financeiros a extrema direita europeia e americana, as Le Pen, os Trump, os Salvini et alia. E que, paralelamente, através da pirataria informática (oficial mesmo se dependente dos serviços secretos), tentou por todos os meios desorganizar grupos e organizações democráticas, semeando boatos temíveis sobre a candidatura democrática de Clinton e mais tarde de Biden para não ir mais longe.

Vê-se que aquela antiga e patusca  acusação que esteve na moda no MRPP nos anos em que aquilo ainda parecia um partido, a saber a acusação de “agitar a bandeira vermelha para melhor destruir a mesma bandeira” (a que juntou depois a campanha da bandeira vermelha contra a bandeira negra, num processo que já na China maoísta tivera eficaz e trágico resultado,  mantem, na actualidade, mesmo na sub-desenvolvida actualidade de uma certa e auto-proclamada Esquerda portuguesa, os seus fiéis, os seus acólitos, os seus tristes imitadores.

Não estou a apontar para nenhum jornal mais tímido mas tão só ao que quer no Expresso quer no Público (que são praticamente os únicos jornais que levam a sério a diversidade de colaboradores e comentadores) se pode ler. No primeiro, em artigo maçador e longo (como de costume) até já faz a apologia da paz, de uma paz com “custos” (claro) para a parte invadida, a saber a resignada aceitação de mais perdas de território a juntar às de 2014. E continua-se a acusar a NATO, ou melhor a hipótese de adesão à NATO como razão para a “libertação” dos pobres cidadãos governados por nazis ou quase!, por anti-russos, por anti-ortodoxos, por perseguidores da língua e cultura russas!!!

E tudo, claro, em nome da luta contra o pensamento único!

*a vinheta: antes que me acusem de pensamento único sempre adianto que isto que parecem valas comuns é apenas um conjunto de canteiros de flores semeadas pelos bondosos ocupantes russos desta região. ao que a propaganda armamentista, belicista, capirtalista e anti russa chega! 

 

au bonheur des dames 488

d'oliveira, 19.04.22

 

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D. Madalena

mcr, 19-04-22

 

o jornal traz a notícia que, em boa verdade, já não surpreenderia ninguém. Morreu Madalena Sá e Costa, excepcional interprete de violoncelo, discípula da enorme Suggia que por sua vez fora aluna do avô da primeira.

MSC vinha, como acima já se intui, de uma família de músicos, de virtuoses, gente que enobreceu a história musical de Portugal e, sobretudo, do Porto de forma notável. Durante um bom século marcaram  a arte musical na cidade, ensinaram gerações, deixaram um rasto notável que poderia ser ainda maior se como hoje, houvesse a possibilidade, a enorme possibilidade, de gravar actuações de que toda a gente fala para inveja minha e de tantos outros que já chegaram tardiamente às audiências de MSC e de sua irmã Helena, excelente pianista, aliás.

Conhecia ambas, e com elas privei um pouco sobretudo porque trabalhando durante anos na Delegação Regional do Norte d Secretaria de Estado da Cultura as recebi vezes sem conta sobretudo para tratar de assuntos referidos ao Orpheon Portuense, instituição fundada por seu pai ou seu avô e um dos motores da vida musical da cidade. As duas senhoras eram uma excelente companhia, estavam ao par de tudo o que se passava nas cenas nacional e internacional e no meu tempo já tiveram o azar de viver uma época em que outras preocupações afastavam da área cultural muita gente que antes contribuíra para um ambiente cultural excepcional. O Porto, durante anos, orgulhava-se do seu Teatro Experimental, dos seus dois cineclubes, do Orpheon e do Círculo de Cultura Musical, instituições vivas e pujantes que mobilizavam fortes plateias. De certa maneira, o 25 A abrindo portas à discussão política e às actividades daí decorrentes, enfraqueceu o movimento cultural  e retirou-lhe público e apoios.

De todo o modo, as irmãs Sá e Costa, de per si, eram uma instituição respeitada e reconhecida não só pela actividade artística mas também pelo facto de terem sido grandes professoras que educaram gerações de músicos que continuaram a distinguir-se quer em Portugal quer no estrangeiro. 

Suponho que já há até uma rua celebrando a pianista falecida há alguns anos. A Câmara tem agora a oportunidade de baptizar outra com o nome de Madalena  para ver se evitamos mais toponímia à base de vereadores de que ninguém se lembra e que, com quase toda a certeza, não deixaram obra  que os torne lembrados pelos portuenses.

Seria mesmo bonito, e mais do que isso, digno e imperioso, que a cidade decretasse luto pelo falecimento desta grande artista. MSC, provincial, não será especialmente recordada pelas autoridades culturais nacionais que, coitadas, só olha para o que lhes está próximo. É pena, e sem desmerecer a acção da grande actriz Eunice Muñoz eu lembraria a quem de direito que MSC não fez menos pela grande cultura nacional. Mas, como disse, ela era apenas uma provincial por muito aluna e digna sucessora de Guilher

mina Suggia que fosse. Todavia, a Câmara Municipal tem a estricta obrigação de a recordar e participar na homenagem à artista e professora que a D Madalena (era assim que eu a chamava) merece.

 

au bonheur des dames 487

d'oliveira, 18.04.22

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A  extrema Direita está em todo o lado

mcr, 18-04-22

 

Quando se é jovem e se conhece mal o mundo, melhor dizendo se desconhece o mundo, acreditamos que tudo, ou quase, é a preto e branco e que só por perversão do espírito existem muitas e subtis gradações de cor entre dois extremos tão nítidos e óbvios.

Assim, nos meu tempos de jovem progressista fiquei admirado, arrepiado e indignado por ver militar no bando da Direita mais radical, o grupo “Jovem Portugal”, um rapaz indiano que se chamava, creio, Rabindranath. Eu não concebia que aquele indiano, provavelmente de religião hindu, andasse de braço dado com admiradores do fascismo que inclusive se opunham a Salazar por achar este, o velho “Botas”, demasiado “cecntrista” ou, pelo menos, pouco radical de Direita.

Mais tarde conheci outros “não brancos” (permitam que use este termo retirado do pior que havia de cinismo na África do Sul) que estavam de alma e coração com o Estado Novo e desconfiavam absolutamente da rapaziada “democrática”, “republicana”, progressista, tudo eufemismos mais ou menos  usados para esconder as pequenas hostes dos simpatizantes mais radicais do “reviralho”, leia-se comunistas e “companheiros de caminho”.

Então estes gajos, que foram durante séculos colonizados, maltratados, diminuídos na sua capacidade cidadã dão-se ao luxo de andar de mãos dadas com o opressor e os seus rebentinhos?

Era esta a pergunta mais comum, a frase mais escandalizada que nos ocorria.

Para nós, os africanos, os indianos, os chineses, os asiáticos na generalidade, os negros americanos e os povos, todos os povos, sul americanos, incluindo os crioulos, pertenciam à ala movente do progresso e tinham por missão bater-se contra o imperialismo, o capitalismo e o fascismo, ou pelo menos o que nós teimávamos em chamar assim mesmo se, na maioria dos casos, a coisa não fosse mais além do que um conservadorismo de longas e fundas raízes, inclusivamente democráticas.

A nossos olhos, a democracia ocidental era meramente formal e finalmente mais perigosa ainda que o antigo fascismo, sepultado nos escombros da derrota germano-ítalo-japonesa.

Em boa verdade, apesar de tudo, distinguíamos os regimes peninsulares e nono-partidários dos restantes da Europa Ocidental onde, à época prosperavam fortes partidos comunistas e no caso escandinavo social-democratas.

De todo o modo, e para simplificar, a RFA era proto-fascista, militarista, capitalista e serventuária dos EUA, enquanto que, do lado de lá, a DDR era um exemplar país progressista onde o povo vivia feliz, sobretudo depois de se ter construído um muro que evitava a insidiosa e venenosa propaganda anti-socialista.

Pessoalmente necessitei de passar um par de meses em Berlin (ocidental) e de ir várias vezes por semana até ao lado de lá, aguentar o vexame da passagem do check-poin Charlie onde de um lado um soldado americano, visivelmente enfastiado nem se dignava sair do seu posto para nos verificar os passaportes, enquanto que do outro uma nuvem de diligentes “Vopos” se precipitava sobre o nosso carro e quase o virava do avesso, escrutinando tudo e mais alguma coisa num exame que nos dias bons só demorava 15/20 minutos!  Num primeiro momento, eu admirei o zelo e o empenho na despistagem do inimigo disfarçado de estudante mas, depois, comecei a afinar com tanta vigilância, com os atrasos que essa revista nos provocava, na brusquidão com que nos tratavam, na voracidade em nos obrigar a trocar cinco marcos ocidentais por idêntica quantia oriental sabido que era que, no mercado negro do Zoo-Garten a regra era pagar quatro orientais por um ocidental e mesmo assim lucrar com o negocio.

O cúmulo ocorreu quando um dia fui obrigado a ir depositar na guarita do soldado americano, um exemplar do “Le Monde” que nesse dia trazia um longo artigo a classificar “a DDR como a Dinamarca dos países de leste”. Bem que tentei num alemão ainda macarrónico explicar o tom elogioso do artigo mas o vopo  não se deixou convencer: nem sequer queria confiscar o jornal, nada disso aquilo, aquela afrontosa propaganda capitalista, tinha de ser devolvido ao mundo que a parira. O simples facto de a reter ali conspurcava a pureza dos ideais da Alemanha de Leste!

O americano a quem entreguei o jornal, riu-se de mim e terá dito que eu era ingénuo ou parvo ou as duas coisas em conjunto e lá guardou o jornal num canto. Valha a verdade que, quando regressei, o jornal esta intacto e foi-me devolvido sem comentários.

Demorei anos a perceber o quão enganado estava mesmo se, por diversas vezes, tivesse notado entre a malta os tiques autoritários, vesgos e a incapacidade de (como mandava Lenin, que eu lia entusiasmado) “fazer a análise concreta da situação concreta”. De certo modo, valeu-me a anterior frequência obrigatória de alguns colégios internos recheados de padres onde  reinava, mesmo que mais moderadamente, o mesmo pensamento único que não admitia discussão. Isso permitiu-me, entender os meus colegas comunistas e mesmo estando de acordo com acções levadas a cabo por eles, nunca me filiar na comandita. Amigos, amigos ideologia à parte. Provavelmente, desempenhei o papel de inocente útil mas, apesar de tudo pude pensar sempre pela minha pobre cabecinha sonhadora e nunca alinhar nas verdades oficiais e quantas vezes, pelo menos no meio estudantil, tolas e fora do real que eram transmitidas mecanicamente por quem de direito.

A primeira vez que fui a Paris, além do “L´Humanité”, comprei só para perceber mais dois jotnais, o “Figaro” e, se bem me lembro, “Le Soir”. Isto sem contar com “Le Monde” leitura a que me afeiçoei ainda no ano de 1961. Descobri, sem especial surpresa, que as notícias do dia não eram exactamente as mesmas pelo menos no que tocava ao jornal comunista. Os outros mesmo com enfoques claramente distintos variavam pouco quanto à escolha dos acontecimentos que mereciam destaque. A segunda diferença era a adjectivação que as “lutas” trabalhadoras mereciam. Para “L’Huma...” eram sempre grandiosas, gigantescas, anunciadoras dos amanhãs que cantariam, enquanto que nos outros  a coisa era reduzida a proporções bastante mais modestas como no decorrer dos dias ou semanas se comprovava. E, isso sim era impressionante, “L’Huma” pura e simplesmente omitia notícias  de vária ordem desde algo que fosse desfavorável à “causa dos povos e dos trabalhadores de todo o mundo” até outras onde não se conseguia perceber a razão da sua omissão ou desvalorização

A minha segunda surpresa consistiu na diferença, essa absolutamente notória, entre as livrarias “progressistas” e as restantes. Em Paris havia um bom par de livrarias comunistas oficiais ou oficiosas, outras meramente progressistas e a generalidade (e claramente as maiores e mais recheadas, desde a  Gibert até à PUF ). As primeiras vendiam as edições de Moscovo, as “editons Sociales”, os autores  “progressistas” e bonda. As outras menos providas dos “clássicos” comunistas vendiam tudo. E havia o caso especialíssimo da “Joie de Lire” que vendia toda a esquerda possível, ou seja o repertório das progressistas e uma infinidade de autores de todo o mundo e de todas as facções, capelas e capelinhas por mais vagamente revolucionarias que fossem. Um paraíso para o rapazola curioso que eu era. Ainda hoje, para lá de largas dezenas de livros da editora Maspero  (o proprietário da joie era François Maspero) provavelmente mais de uma centena, ainda encontro edições  tão raras como a “autocritica do comité cental do partido comunista da Indonésia”,  uma edição de cubanos comunistas anti-fidelistas  da autoria de um cavalheiro chamado Petit, proclamações de uma frente guerrilheira do Darfour  ou uma curiosa e excelente publicação quinzenal. de influência trotskista francesa chamada “analyses et documents” (?) que consistia numa antologia bem elaborada de textos documentais de toda a ordem desde que política. A PIDE levou-me toda a colecção dessa publicação que, consegui durante anos receber  via ctt  sem perda de nenhum exemplar.

Hoje em dia é preciso andar de candeia acesa para encontrar uma livraria com algum espólio deste tipo de literatura e as antigas e conhecidas como a “librairie du globe” desapareceram sem deixar rasto.

A “esquerda” livreira, jornalística, “revolucionaria” foi fenecendo e, em boa verdade, nada lhe sucedeu.

A Direita ganha votos e influência mas também não se manifesta por escrito pelo menos por via militante. Anda por aí, tem deputados mas quem quiser saber dessa gente terá de suar as estopinhas para encontrar literatura que se veja e, sobretudo, se leia. Provavelmente não precisa de propagandistas ou evangelizadores, basta-lhe aproveitar as asneiras e falhas dos adversários.  Ou, o que é pior, a gritante ausência deles.

*na vinheta "La joie de lire" uma livraria única, desaparecida na voragem dos tempos

 

au bonheur des dames 486

d'oliveira, 17.04.22

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O futuro no passado

(ou Alburcas & Santíssimo à pega)

mcr, 17 de Abril

 

Há 53 anos, hora por hora, estaria eu e os dois esgrouviados que entram no título do folhetim já roucos de gritar impropérios contra o almirante Thomaz e a pandilha de ministros, professores e muitas autoridades civis, religiosas e militares que os acompanhavam na inauguração do edifício das Matemáticas da Universidade de Coimbra. Começava aí a mais longa (e a única vitoriosa) crise académica em Portugal.

Saúdem-se, pois, de raspão mas com emoção as companheiras e os companheiros desses anos de vinho e rosas, e passemos ao que hoje importa contar.

A saber: o Albuquerque e o Santos, respectivamente Alburcas e “santíssimo” eram dois brejeiros do meu tempo com quem de longe em longe me sentava numa mesa de “A Brasileira”, café no “canal”, que era o quartel general dos  dois amigos. Aí eles discutiam longamente o mundo, a cidade, as raparigas que passavam e, claro a política. E os livros, obviamente pois eram dois consumidores de mão cheia das novidades da “Almedina” livraria que ficava mesmo em frente ao poiso diário deles.

É curioso mas estes dois amigos íntimos discordavam de tudo até na bica (aliás bicas e muitas) que tomavam em conjunto. Um pedia a chávena escaldada enquanto o outro pedia o café em chávena fria, bem fria!  Manias, pensava eu mas cinquenta anos depois eis que as duas criaturas continuam como os dois marretas da rua sésamo, pelo que que fora os cabelos brancos e o peso da idade continuavam firmes nas suas exigências cafeícolas. (“mas agora já só bebemos três, máxime quatro cafés por dia”, precisam ambos num surpreendente acordo).

Todavia, se hoje me lembrei destes dois amigos e cúmplices de algumas pequenas aventuras políticas é mais por via de um artigo no “Público” (“A guerra prolonga a via dolorosa do PCP”) publicado hoje, domingo de Páscoa.

Convindo que o título é mais prometedor que o texto sempre há que explicar que a autoras (Ana Sá Lopes) analisa a contínua queda eleitoral do PC  e a sua subsequente perda de influência autárquica, social e política.

E a que vem os dois comparsas nesta discussão? Pois ao facto de Alburcas , o temerário  sempre ter entendido o “partidao” como uma força disciplinada, forte, e coerente (e por isso “perigosa” sic)  o “Santíssimo” contrapunha que aquilo era um gigante com pés de barro, muito dependente da circunstância internacional e do “subdesenvolvimento, político, moral, ético e social do povo português (novamente sic).

Alburcas, indignava-se: então “Santíssimo” não via a força dos pc do sul da Europa, desde o grego ao italiano, passando pelo francês e pelo espanhol  (“o da Pasionária!”, acentuava)

“Santíssimo replicava que o sul fora o bom gosto para o vinho, o uso do azeite, a sabedoria secular no uso do peixe e a dieta mediterrânica, era constituído por povos cansados, arruinados pelo catolicismo paganizado, adormecidos pelas glórias passadas e carcomidos pelo analfabetismo, a pobreza  endémica e a violência de elites que muitos casamentos entre parentes próximos teriam conduzido a uma crónica imbecilidade. “O Sul, proclamava, só produz emigrantes As américas e um pouco do resto do mundo é o sítio para onde os melhores emigram. O que fica é do piorio!...”

É bom que se diga que nenhum dos dois compadres era militante mas apenas e generosamente “compagnon de route”, fiel, leal e seguro.  À polícia, mcr, nem os bons dias!, dizia um. “nem merecem um bardamerda. Aquilo não existe!” avançava o outro.  E era verdade. Quando por razões que aqui não cabem, a prestimosa lhes deitou a unha, calaram-se que nem ratos: nada! Raspas de nada! Nem sequer, pelos vistos, o bardamerda citado.

Não admira que, passado o 25 A , mas por razões diversas, se tivessem expatriado. Alburcas ao assistir incrédulo ao carnaval do verão do prec ficou-se pela Itália onde além de uma voluptuosa bolsa de doutoramento havia o que ele chamava lolobrigidas e lorens a pontapé, era só escolher...

“Santíssimo” especializou-se em mercados e foi ganhar rios de dinheiro para o Liechenstein e mais tarde fixou-se no Mónaco mesmo se, na verdade, tivesse comprado uma casa com vistas para “a imensidão” (sic) ou em dias mais excitantes, “para o mar cor de vinho” (sic, outra vez. Todavia continuaram umbilicalmente ligados, escrevendo-se, primeiro, e agora “mailando-se” e telefonando-se várias vezes ao dia. De quando em quando combinam, arribam à pátria madrasta para muita sardinha, muito bacalhau com todos, muito presunto e salpicão  (e “broa da verdadeira” seja lá o que isso for). E eu de testemunha mesmo se fielmente lhes mande desde sempre os meus pobres escritos.

Ora, e a propósito do artigo já citado, eis que Santíssimo (antigo aluno dos jesuítas a quem devota um ódio antigo e de estimação) vem reafirmar uns famosos e periódicos bilhetes postais em que comentando resultados eleitorais começava sempre por escrever “como ia dizendo”,  realçando a contínua descida de votos e lugares do “epifenómeno maximalista inventado pelo Rates e restaurado pelo tio Álvaro! (sic).

Alburcas da sua Toscânia  de adopção “já sou mais toscano que português” com filhos e netos toscaníssimos, mulher (a terceira!) idem (mas depois de uma romana e de outra da Campânia, convém esclarecer ) repete que “à medida que se depura –acentua-me lá isso, mcrse torna mais perigoso e com mais influencia na rua”.

Ambos, porém, e eu com eles, estão de acordo numa coisa: não é a guerra que acentua a “via dolorosa do pc mas é o pc que não se livra dos seus velhos tiques, das suas fidelidades, das suas manias e e dos seus preconceitos. Isto de vir afirmar que na Ucrânia o que se joga é um ajuste de contas entre a Rússia, saudosa do Império e da URSS, e a América (com a Nato e a UE às cavalitas) é uma burrice supina. O que se passa nada teve a ver com a ameaça da NATO que dormia o sono dos justos e repletos, mas apenas com a ideia de que aquilo da Ucrânia era chegar, ver e vencer.

Ora, e nisso estamos todos de acordo, nem Putin é César nem a Ucrânia é um território semeado de tribos gaulesas sem rei nem roque. A ideia de entrar por ali dentro como quem entra no moinho da Joana partia do sonho imperial que afinal é apenas um pesadelo.

Como qualquer ditador de terceira, Putin, foi-se rodeando de fieis, de yes men, de acólitos(esta é do “santíssimo” cuja maior glória colegial foi ter-se sempre recusado a ser “sacrista ou ajudante do mesmo” (sic) e ter sido o pior aluno de catequese ainda antes de ser metido naquela prisão das Caldinhas onde fez todo o liceu.  E bom aluno, mcr, que eu queria ver-me livre da padralhada o mais depressa possível. E ao pé da “infame”, o partido é uma criança com birra         )

Alburcas, já agora, vinha do Colégio Moderno, como aluno externo e admirador da dr.ª Maria Barroso “bem melhor e mais inteligente do que o marido” precisava ele galhofeiro pois sempre tivera a lata de o dizer ao próprio “Bochechas” que o estimava como um filho mesmo se nunca o tivesse convencido a alistar-se no PS. (ó sr dr., um partido moderno deveria ter uma mulher como secretária geral! A dr.ª Maria de Jesus não se atreviam eles de chamar o que lhe chamam!” –é bom que se diga que isto, estas afirmações datam de 1974  e nada tem a ver com algumas senhoras políticas de hoje, com assento no parlamento ou tabuleta nos jornais.

E como é que vieste dar com os patins em Coimbra, a lôbrega, Alburcas? “

“Miúdas, pá, gajas  e a porra da greve (a de 62). É que eu escondi duas miúdas no sótão lá de casa e a minha mãe embirrou que aquilo não era por política mas por outro e mais “lascivos” motivos.  As famílias progressistas são mais conservadoras que as da situação, tás a ver?”

Claro que eu “tava”  a ver a coisa bem que a via que  já nesse tempo, o Alburcas com a mesada de uma tia solteira e artista, alugara uma sala ali perto onde “recebia” alguma amiga mais aventureira e destemida... A inveja que eu tinha... ( e sem razão porquanto o “santíssimo e eu próprio mediante prévia marcação e companhia assegurada (mas rara, raríssima!...) tínhamos a porta da famosa sala generosamente franqueada.

Estamos nos anos vinte de um novo século: os partidos poderosos acima citados desapareceram quase todos  comidos pela História, pela deliquescência e deixaram muita região vaga para uma Direita renascida e grosseira. E o “nosso” também não parece de boa saúde mesmo se persiste em farroncar luta de classes, povo trabalhador e defesa do proletariado

Por cá, conviria ir vendo em que geografias prospera o Chega pois ou muito me engano ou também ele anda a ratar as sobras do pc. Em França a srª Le Pen, com a fraterna ajuda de Putin ou Orban tem o arrojo (e esperemos que seja só isso, esse susto) de disputar a Presidência a Macron, perante a reacção cretina, imbecil e anómala de uns jovenzecos que invadem, outra vez!, a Sorbonne, degradam as instalações e recusam, os “puros”, um e outro dos candidatos em liça.  

Vê-se que são semi-adolescentes tardios, que vivem na opulência da sociedade ocidental, que nem percebem o que é a liberdade e que se imaginam  uma segunda edição revista e aumentada da da Grande Revolução (e da guilhotina e do terror, acrescenta, sempre ele, o “Santíssimo” que relembra escarninho os delírios robespierranos do culto da Razão Universal e outras toliçadas de igual teor. Antes os padres da Vendeia, reponta, eram menos esparvoados

Alburcas doe-se com estas posições e relembra Mirabeau, Lafayette ou Danton, injustiçados  e os exércitos a desfilar ao som da Marselhesa contra os tiranos europeus.

E agora, vê lá tu, uma loira postiça e já fora de serviço quer chegar à presidência! E com os votos, alguns votos daquele pobre diabo meli-melo melenchonesco que acha suficiente uma gravata vermelha como programa político!

Vá lá que ainda não temos por cá (ele escreve: por aí) nenhum espécime do género e olha que estivemos perto com o trio Louça/RosasFazenda mas, valha a verdade, acalmaram-se e nunca se atreveram a ir tão longe...

Da “cote d’azur”, Santíssimo acrescenta que nem no pc há catecúmenos daquele tipo, vê que o partido nunca pescou com força nas bordas mais entusiásticas da Igreja. E agora já lá não chega!

Eu tenho por momentos vontade de lhes dizer que conheci alguns inquisidores fanáticos da agremiação que só não foram mais expeditos porque os tempos mudaram demasiado depressa, ou seja a 25 de Novembro. Aquilo pôs em surdina os mais avançados e atirou para as fp25 e similares os revolucionários mais estridentes. Depois tudo acabou em bem com os perdões em catadupa, a incapacidade de fazer justiça coisa que pode repetir-se agora com o bando de ladrões politico-financeiros que nunca mais senta o cu num tribunal a sério.

E os dois expatriados, lá longe, no bem-bom calam-se e, adivinho, suspiram: raio de país que nunca chega ao fim de uma conversa, de uma experiência de uma reforma...

Boa Páscoa a todos, crentes e não crentes. E bom verão que o turismo está a regressar e não há sinal de chuva no horizonte.

*na vinheta: D camilo e Peppone, imortal e divertida descrição de uma Italia cortada ao meio (na verdade apenas a Emilia romagna) pela política no post-guerra. Com um abraço para o alburcas.

estes dias que passam 678

d'oliveira, 16.04.22

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Por quem Deus nos manda avisar

mcr, 16-04-22

 

 

à medida que os anos passam, passa também a memória das coisas e situações. De pouco vale, invocar o 25 A se, entretanto não recordarmos como é que se vivia no tempo da outra Senhora, isto é no Estado Novo (que, de resto foi sempre velho, antigo, cheirando a naftalina, como a naftalina cheirava também boa parte da escassa oposição que se dava a conhecer de quatro em quatro anos, de eleição em eleição).

Ora acontece que, vindos desse tempo a cada dia mais distante, menos visível e menos compreensível, ainda andam por aí algumas criaturas que, com a revolução, instantaneamente, operaram uma viragem de 180 graus nas suas opções, no seu pensamento, no seu discurso e apareceram resplandecentes à luz do novo dia travestidos em democratas puros, arautos do mais límpido progressismo, verdadeiros “maîtres a penser” para as gerações futuras.

Convém esclarecer que mais não fizeram do que centenas de milhares, porventura milhões de outros concidadãos que, num ímpeto descomunal passaram da manhã de 25 de Abril para a tarde do mesmo dia, ou para o dia seguinte, tocados pela luz. Foi uma epifania colectiva, um “alumbramento” (para usar uma palavra de Mauel Bandeira) democrático surpreendente. .No dia 1 de Mao seguinte, a pátria acordou com tudo fechado (era o dia do trabalhador) e milhões na rua berrando slogans democráticos, o mais democráticos possível, desfilando interminavelmente pelas ruas tentando cantar a “Internacional” (de que só se ouviam os primeiros vversos, que ainda não houvera tempo para aprender tudo) o “Grândola vila morena” em tom desafinado mas entusiástico e, posteriormente mais um par de cantigas  das quais a mais chata e repetida era sobre uma gaivota que voava, voava... Um regalo para os raros frios observadores, um atordoamento para os igualmente escassos antigos resistentes que tinham atravessado anos, décadas num aflitivo isolamento  e uma lição para os turistas revolucionários que acudiam da Europa em magotes para assistir ao vivo à “revolução”.

É bom que se diga que do passado pouco glorioso destes resistentes da 25ª hora não consta, regra geral, qualquer forma de colaboração activa com a “situação” vigente até 1974. Poder-se-ia falar, com mais propriedade, numa inacçao prudente, numa quase colaboração passiva, numa neutralidade silenciosa  que mais não fazia do que deixar o poder e os seus agentes à vontade para aplicar aos rebeldes os famosos safanões dados a tempo.

Antigos ministros do regime deposto, um punhado um largo punhado de intelectuais que anteriormente se notavam pelo silêncio profundo em que se encerravam (enquanto iam abocanhando alguns pequenos lugares na universidade e em certos organismos públicos jurando a pés juntos uma fidelidade canina ao Estado Novo e aos valores que enformavam e informavam a Constituição de 1933) enfim o costume neste género de transformações abruptas.

E assim se constituíram ou se aumentaram as elites, também poucas e pouco inspiradas, da Terceira República.

Para se manterem ou para se validarem, muitas destas excelsas criaturas aceitaram tudo e muito depressa, desde colaborar no saneamento de outros menos inteligentes ou menos apressados, até afixarem as mais tresloucadas posições que por puder vamos modestamente qualificar de “maximalistas”.

E, num parêntesis, é bom lembrar, agora que se pretende medalhar todo e qualquer militar de carreira que nesses operosos anos se revelou, que quanto à tropa já ninguém discutiu a sua fortíssima, activíssima, participação não só no 28 de Maio (e até antes...) no fortalecimento da “ditadura Nacional” (1926-1933) no Estado Novo  e finalmente nas guerras africanas. É bom não esquecer que durante muitos e bons (ou maus) anos a oficialidade portuguesa combateu sem descanso os “turras”, os traidores, enfim os “pretos”.  E durante esses anos quem “se lixava era o mexilhão”, ou seja a soldadesca, os taratas, a milicianagem que chamada às fileiras e sem alternativas viáveis lá ia penar dos dois anos e vários meses (de matabicho) nos territórios coloniais. Quem tinha sorte ou padrinhos bichava um lugarzinho na Maroinha, alguma comissão em Cabo Verde, S. Tomé ou Timor (acaso em Macau). O resto apanhava com uma das três frentes de guerra que também se diferenciavam pelo grau de periculosidade (Guiné, Angola e Moçambique, e dentro destes territórios  as zonas norte, as piores mesmo se na Guiné fosse quase tudo mau.)

Bastaria tentar saber a “carreira” dos oficiais desde 1962 até 1974 para perceber  que até começarem as reuniões do mfa (e as questões corporativas como o acesso de milicianos ao quadro) a guerra não suscitou especiais estados de alma na esmagadora maioria.

De todo o modo, lá terão percebido que ao fim de 13 anos de guerra, as coisas não mostravam ter solução à vista, e lá se mexeram.

Tudo isto para significar que o súbito e imparável entusiasmo abrilista não tinha precedentes fortes sequer vagamente conhecidos. Foi como se um país inteiro caminhasse pela estada de Damasco e subitamente visse a luz.

Ora ocorre que, desse tempo de catacumbas, ainda subsistam alguns abencerragens que graças à idade, ao desaparecimento acelerado de testemunhas desses tempos, ao desconhecimento dos cidadãos e à audácia das suas opiniões tem mesa posta nos jornais e televisões com tabuleta para a rua.

E continuam maximalistas pois, de certo modo, foi assim que registaram a sua patente de democratas de toda a vida.

Sãoobviamente cidadãos acima de toda a suspeita como o recentíssimo compatriota Roman Abramovitch, cujas raízes sefarditas e passagem pela Alemanha (Altona) são desconhecidas de todos quantos se dedicam ao estudo da diáspora judaica portuguesa.

Em contrapartida milhares (provavelmente dezenas de milhares) de soldados negros que combateram na Guine e Angola depois de iniciada a africanização da guerra continuam estrangeiros, sujeitos a toda a espécie de vexames, abandonados pelo país e esquecidos pelos oficiais que os treinaram e enquadraram. Pior, nem os amigos dos colonizados, das vítimas do racismo e de tudo o resto os apoiam. São, pelos vistos, os únicos fascistas de uma história recente!

 

Quem em 74 andava entre os 18 e os 20 anos (e estabeleceram-se estas balizas porquanto a partir da última meta podia ser-se mobilizado) abeira-se agora dos setenta anos, o que significa que os restantes e mais adultos estão, os que estão ainda, em vias de desaparecimento.  Menos testemunhas desagradáveis, claro. Mais possibilidades de fintar a história tal qual aconteceu.

O que não iremos ainda ver e.. ouvir!...

 

*na vinheta: comandos africanos durante a guerra colonial

Au bonheur des dames 485

d'oliveira, 14.04.22

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A “pequena” diferença

mcr,  14-04-22

 

 

Como é largamente conhecido, e desde há vários anos, ser opositor político na Rússia equivale normalmente a morrer de causas estranhas, lá ou no estrangeiro. Aos poucos e poucos foi-se descobrindo que o “vírus” que atacava opositores (líderes políticos, jornalistas, ex-agentes em debandada, era afinal  um veneno  desenvolvido e fabricado pelos serviços secretos russos, velha tradição do antigo bloco de leste que assim se livrava discreta e silenciosamente de inimigos internos mesmo se residentes no exterior.

O último caso conhecido e documentado é o de Navalny, envenenado, salvo in extremis pels médicos alemães e que, uma vez regressado à Rússia foi de novo encarcerado sob uma novíssima mas gasta acusação de “corrupção”

Navalny, por enquanto vivo, está numa cadeia de alta segurança russa mas toda a gente teme um acidente fatal, uma morte súbita e inexplicável, enfim um acidente que acabe de uma vez por todas com este ressuscitado político que cometeu o imperdoável descuido de voltar à pátria. Ele eventualmente sabia que isso era um risco mas também toda a gente sabe que há na Rússia uma velhada tradição de gestos desesperados que se mistura com o fatalismo eslavo e parece saída de um romance de Dostoievsky , esse enorme escritor que, mesmo num século pejado de grandes autores russos, assombra o mundo e as letras universais.

Ora ocorre que há na Ucrânia um especial opositor da independência nacional (Viktor Medvedchuk), co-fundador de um partido pró-russo, oligarca proprietário de uma das dez maiores fortunas ucranianas (mais de 600 milhões de euros), padrinho de uma das filhas de Putin de quem sempre se afirmou como “amigo muito próximo”, suspeito de ter participado em negócios na Crimeia ocupada, obtendo fortes vantagens em propriedades ucranianas ocupadas e depositando os seus lucros na Bielorússia em contas que eventualmente também poderão beneficiar o ditador local.

Desde Maio passado que este cavalheiro, líder de um partido pro-russo, estava preso no domicílio, acusado de vários crimes, o menor dos quais não era a traição (relembremos que a Ucrânia sofria desde 2014 uma caracterizada agressão russa consubstanciada não só na ocupação da Crimeia  mas também numa fantasiosa frente de repúblicas pró-russas nos territórios do Donbass. Desde 1914, repete-se. Com um fortíssimo e decisivo apoio russo, sem o qual os separatistas teriam sido destroçados em poucos meses.

Portanto, e para resumir, este exemplar cidadão ucraniano, estava em casa (nem vale a pena imaginar que género de mansão!) em Kiev. Há dias, por razões que se desconhecem evadiu-se, disfarçou-se de soldado ucraniano, com farda e tudo e tentou alcançar a Moldávia para daí se dirigir à fantasmática República da Transnistria que nenhum país reconhece, e dpois para as admiráveis e exaltantes imediações da Praça Vermelha. Teve azar: foi reconhecdo e capturado pelos serviços de segurança da Ucrânia. Ao que se sabe, a Presidência ucraniana propôs-se troca-lo por “meninos” prisioneiros dos russos (ignoro se se tratava de meninos no exacto sentido do termo se de soldados jovens aprisionados).

Aquele famoso porta-voz do Kremlin que já conhecemos da televisão  (e aqui reparem: nós conhecemos os porta-vozes russos mas o povo russo nunca viu a cara, nunca ouviu nem leu declarações e porta-vozes ucranianos ou ocidentais!...) veio dizer que a Rússia não troca prisioneiros por cidadãos estrangeiros.

Ora, eis que a Ucrânia vai ter de aguentar com este incómodo preso quando seria muito mais fácil te-lo feito "desaparecer" depois da fuga. Isto de não eleiminar os adversários políticos tem custos.

Como quem diz: “Roma não paga a traidores” o que seria uma feliz citação não fora tratar-se de uma infame ironia e de um sério aviso aos que internamente discordam da “operação especial”

(vai esta à atenção dos nossos raros mas activos “filhos de Putin”. Já sabem com que devem contar...) 

*nas imagens, o briso soldado já apanhado e a humilde casa que lhe serve de prisão.

 

estes dias que passam 677

d'oliveira, 12.04.22

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In a dubious battle

mcr, 12-4-22

Os leitores desculparão  o “ingliche” do título mas não resisti a citar o nome de um belo livro do admirável Steibeck lido sei lá há que décadas.

E juntei-lhe uma imagem forte do filme realizado recentemente sobre o mesmo livro. Acho-a uma imagem forte bem diferente dos diferentes grupos chauvinistas franceses que reclamam por tudo e por nada, pese embora a notória e notável recuperação da economia francesa sob Macron.

E se intitulo este folhetim de “batalha incerta” é apenas porque contrariamente ao manifesto optimismo do meu excelente amigo e camarada de blog, JCP, tenho por especialmente duvidosa a vitória de Macron daqui a duas semanas. Em primeiro lugar os adeptos do ultra Zemour (e são quase 7%) irão engrossar as fileias da srª Le Pen. E logo aí se verificará um encurtamento da distancia entre os dois candidatos mesmo se todos os restantes eleitores (excluindo os de Mélenchon) se inclinarem para Macron.

O grande problema, de facto, reside nesses 19/20% de criaturas estranhamente federadas pelo cavalheiro da gravata vermelha.

Em primeiro lugar, ele não apelou ao “voto em” mas apenas e enigmática e hipocritamente referiu que os eleitores sabem em quem não votar!   Basta recordar muitas das palavras de ordem de Le Pen e de Mélenchon, desde o pouco amor pela UE, a aversão pelo “capitalismo” seja ele qual for, o horror à NATO e a ideia de que Macron é uma espécie de candidato das antigas “duzentas famílias”. Nisto, nesta série de condenações que ambos partilham está a raiz da dúvida que expressei ontem e hoje renovo. Nada está ganho! Nada!

Não direi que Macron esteja a caminho da derrota mas que vai ter de suar as estopinhas, ai disso não há qualquer dúvida. Por um lado há adeptos de Mélenchon que já avisaram que se iriam abster. Depois será com os restantes onde é preciso mobilizar uma forte maioria para garantir a vitória de Macron e a continuação da Europa tal qual a conhecemos hoje.

Eu quereria crer num frémito democrático, de bom senso, de inteligência mas a política e, sobretudo, a política francesa (tantas vezes politique politicienne) não são um especial bom agouro.

Extrema Direita e Extrema Esquerda são mais gémeas  do que se supõe e isso não sendo um exclusivo francês ´lá que mais prospera. Donde, é bom avisar que isto não são favas contadas.

Há quem refira a importância da abstenção, sobretudo num país que, por dá cá aquela palha, sai ruidosamente à rua. O que para alguns entusiastas e inocentes é uma prova de dinamismo popular e democrático aparece a outros como a mais forte manifestação de umbiguismo político que se conhece na Europa. Se para alguns franceses les portugais sont toujours gais (!!!) pra muito boa gente os franceses são toujours rouspeteurs  et prets a manifester.

Enfim, vamos esperar, de velinha acesa em punho, que outra (mais uma!) vez se produza o mesmo já gasto milagre do cordão sanitário à direita.  

Se assim, for desafio já JCP pra uma almoçarada comemorativa. Ele escolhe o restaurante e eu pago. Valeu?

Será a minha particular maneira de dizer que “Paris vale bem uma missa!”

 

*a bela imagem da vinheta é do filme "In a dubious battle".

estes dias que passam 676

d'oliveira, 11.04.22

Será a França um país revolucionário?

mcr, 11, 4-22

 

Sou um francófilo à maneira antiga. Boa parte da minha biblioteca é em francês,  o francês foi o meu primeiro idioma estrangeiro, o mais apreciado mesmo se consiga quase  mesma desenvoltura em espanhol ou italiano. Logo que pude  (ou me atrevi) passei a consumir os autores dessas línguas no original e alguns deles estão no meu pessoalíssimo cânone, eu diria mais panteão, palavra aliás de origem francesa.  Paris conheci-o antes mesmo de lá ter posto o pé (o mesmo de resto se passou com Nova Iorque mas aí era o cinema e os livros policiais que me comandavam os passos) à força de ler os Dumas, os Paul Féval, os Ponsol du Terrail e outros do mesmo teor aventureiro.   Depois vieram Hugo Balzac, Flaubert e sobretudo Rabelais, uma leitura que me espantou desde o primeiro dia ao ponto de agora até o conseguir ler no seu francês antigo, saboroso e original.  E finalmente cheguei ao momento absoluto, inicial e deslumbrante de começando pelo Prévert, ler de rajada Rimbaud, Baudelaire, Lautréamont,  e por aí fora. 

Foram francesas todas, e muitas, as revistas que com sacrifício e perseverança me alimentaram desde os primeiros anos de faculdade, que me moldaram o gosto literário  me ensinaram tudo o que eventualmente sei sobre política ou cinema. A minha francofilia  teve um momento alto por alturas da 1ª guerra do Vietnam, a francesa, Dien-Bien-Phu, o coronel de Castries, o anjo do Campo, uma enfermeira chamada Genviéve de Galard, a única mulher no campo que aliás também foi feita prisioneira.  Lembro-me de todas as noites no noticiário, estar colado ao rádio para ouvir a saga daquele exército cercado em plena selva por outro cinco a sete vezes mais numerosos. E dez vezes mais imaginativo e eficaz.

Posso pois, dizer com certa verdade que mesmo percebendo muitos dos tiques ridículos dos franceses, algum insuportável nacionalismo e uma forte incapacidade para se aperceberem das características de outros povoe e, sobretudo, da lenta descida de poder à escala mundial, o meu coração bate com o de Paris.

Testemunha interessada da vida política gaulesa desde antes da ascensão de De Gaulle  tenho verificado na França sinais preocupantes que mais cedo ou mais tarde ocorrerão entre nós. Fico-me tão só pela crescente importância da Direita radical que, aliás, é simultânea com o progressivo desaparecimento do Partido Comunista . Curiosamente os adeptos da família Le  Pen multiplicam-se (e conquistam lugares e votos) nas antigas regiões vermelhas...

Em França há uma ideia comum muito do agrado dos franceses: eles acham-se um país revolucionário! Pouco importa como foi a Revolução, sobretudo depois da entrada em cena de Napoleão. A ideia que persistiu nesse “Império” que tão pouco durou (mas que lançou todo o grande centralismo francês, é bom dizê-lo) é que apesar das galonas, dos príncipes e duques feitos à pressa, do reis da Espanha ou de Itália que duraram pouco , da srª duquesa de Abranttes e da sua chatíssima autobiografia, a tese manteve-se, país do espírito (o que é quase verdade) da douceur de vivre (idem, ou mais ainda) da gastronomia e da revolução. 

É verdade que no século XIX ainda houve uns arremedos revolucionários dos quais o mais conhecido é a Comuna, afogada no sangue e, sobretudo, absolutamente isolada em Paris. É verdade que contra o anti-semitismo apareceu Zola, que os intelectuais (mas não todos!) se consideravam “comprometidos, eram tidos como tal mas a França eleitoral, mesmo quando muito republicana nunca foi um farol revolucionário. O desastre da campanha de França na 2ª Grande Guerra permitiu-nos saber de uma França de Direita, comprometida com o nazismo, colaboracionista. É verdade que com o fim da guerra, todos quiseram ufanar-se de uma pátria resistente  que só o foi muito minoritariamente (e mesmo no início a resistência foi tarefa de pequenos grupos monárquicos e/ou conservadores e de um punhado de socialistas). Até à invasão da URSS, o pcf e os seus amigos estiveram mudos e quedos como penedos chegando mesmo ao ponto de expulsarem os dissidentes que optaram por lutar contra o “boche”. Há mesmo exemplos de altos responsáveis comunistas (George Marchais que chegou a Secretário Geral) que aceitaram fazer o “Service de Travail Obligatoire” na Alemanha em vez de o recusarem, fugirem, mergulharem no maquis como dezenas de milhares de jovens que nem sequer seriam especialmente politizados. 

Entretanto, uma vez entrados os exércitos aliados (incluindo tropas francesas, reunindo batalhões africanos, negros, antigos combatentes espanhóis e refugiados de uma vintena de nacionalidades) e vencida a resistência oposta pelos alemães, eis que tudo e todos embandeiraram em arco e glosaram até à exaustão a tese do pais resistente  e, obviamente, revolucionário. 

Portanto, entre os mitos de pele dura que ornam a ideia que os franceses têm de si próprios, há esta: a de um país de Esquerda puro e duro. Não o era. Também não era, e isso deve muito à sagacidade de De Gaulle, um país de Direita. Mas em ba verdade, até Miterrand, que não foi lá nem à primeira, nem à  segunda vez, o governo francês nunca se mostrou especialmente esquerdista. E menos ainda, revolucionário. 

E desde os fins do século passado, a Direita (não falo das poderosas formações conservadoras, mas da Direita Radical) tem mostrado os dentes e tem quase sempre conseguido enviar o seu líder à 2ª volta. A pontos de (com Chirac se não erro) ter havido um autentico toque de rebate para impedir, dificilmente mas com êxito, a vitória do pai Le Pen. 

E daí para cá é o que se sabe. Macron enterrou definitivamente o Partido Socialista e deixou bastante malferido o bloco conservador. Desta vez, eis que Macron consegue mais quase cinco pontos que a senhora Le Pen que bate também quase pela mesma percentagem o senhor Mélenchon.

Irão pois para a 2ª volta Macron e Le Pen. Evaporou-se o PS (menos de 2%), os conservadores gaulistas podem não ter atingido os 5%. Os restantes sete candidatos também só apanharam migalhas.

Aqui o único case-study acaba por ser o de Mélenchon, um cavalheiro que  graças a uma eterna gravata vermelha, passaria por benfiquista entre nós.  Noutros tempos, isto é na campanha passada, era um cachecol. Assim se vê como os tempos mudam...

Este cavalheiro provou ser bem mais sólido que o sr Zemour, um tremendo rival de Le Pen, situando-se ainda mais à Direita (o que não deixa de ser prodigioso) mas que desapareceu em combate. 

De certa maneira foi uma excelente lebre para a srª LE Pen que não podendo competir com o rival nos clássicos temas da extrema direita, se refugiou num discurso sobre o custo de vida, as dificuldades da indústria francesa, a segurança, enfim coisas que qualquer candidato excepto o incumbente (et pour cause) poderia chamar à colação. Ganhou com isso um perigoso (e sedutor) estatuto de criatura razoável (que já nem é pelos vistos amiga de Putin(!!!) e candidata a ser presidente de todos os franceses e francesas. Ora toma lá!

No capítulo da oposição à esquerda há que convir que Mélenchon consegue o melhor de dois mundos: une no mesmo saco (de gatos) os indignados, os resquícios da ultra-esquerda, os desiludidos do socialismo, ecologistas desamparados, pacifistas, alguns comunistas igualmente perdidos no nevoeiro e descoroçoados. Consta que muitos serão jovens. É provável apesar de Macron ter ganho a sua primeira eleição também rotulado de jovem não demasiado convencional na vida privada e fugindo da dicotomia esquerda-direita como o diabo da cruz. 

Nem a guerra actual, o papel inteligente e sensato de Macron, interessaram os apoiantes de Mélenchon. É provável que alguns até sejam russófilos ( De Gaulle também dava umas a abater nesse capítulo) outros só pacifistas, um terceiro grupo talvez acredite na intervenção desnazificadora dos russos, sei lá. E os restantes querem lá saber, nem sequer tem ideia de quão longe ou quão perto está a Ucrânia...

Ouvi com atenção e paciência evangélica duas vezes o cavalheiro da gravata vermelha. Pelos vistos ele quer o melhor de dois (ou três ou quatro) mundos todos tão diferentes e enfrentados que não se entendem três coisas. Que dinheiro, que recursos e que pessoas teriam de ser mobilizadas? Neste aspecto até porque não têm nada a perder,  o custo das suas políticas pediria duas, três Franças no mínimo. E punha de lado a Europa ou grande parte dela.

Ontem, no discurso com que fez a análise do seu, apesar de tudo, honroso mas imerecido, terceiro lugar, Mélenchon teve o cuidado de não fazer indicação de voto, o que é, simplesmente, extraordinário (eu ia a dizer insensato, oportunista, direitista e outros adjectivos menos correntes mas mais vicentinos) sobretudo nestas actuais circunstâncias. Limitou-se a dizer e por três vezes que os seus apoiantes sabiam perfeitamente em quem não deveriam votar (!!!)

Saberão? É a esquerda que os franceses têm...

É eventualmente aquela que os amigos da França irão ter. E, por isso, irão, como eu, andar com o coração nas mãos durante estes próximos quinze dias.  

 

A vitória de Macron e o os sinais que ficam

José Carlos Pereira, 11.04.22

As eleições presidenciais francesas têm sido terreno privilegiado, há muitos anos, para testar a evolução da extrema-direita na Europa e num dos seus países mais relevantes. Emmanuel Macron venceu a primeira volta de ontem e, tudo o indica, reunirá a maioria dos votos na segunda volta, daqui a duas semanas. Contudo, Marine Le Pen e o conjunto da extrema-direita cresceram em relação à primeira volta das anteriores eleições e isso não pode deixar de ser levado em conta nestas duas semanas e nos tempos que aí vêm, em França e não só. Sob pena de os franceses e os europeus se arrependerem mais tarde...

au bonheur des dames 484

d'oliveira, 10.04.22

O inimigo 

mcr, 10-4-22

 

A Bielorrússia publicou nos últimos dias uma lista de países inimigos. A lista abrange todos os países ocidentais pelo que o honroso lugar que Portugal lá ocupa perde importância e significado: somos apenas um entre tantos.

De todo o modo o pequeno lugar que detemos nessa lista significa muito para muita gente.

É que ser considerado inimigo pela Bielorrússia é um atestado de decência, de honradez política, de democracia e de respeito pelos Direitos Humanos.

Sou uma pessoa razoavelmente afável, careço de inimigos mesmo se ao longo de uma vida já bastante longa, me recorde de ter cortado relações com quatro criaturas. Duas já foram chamadas à presença do Senhor, uma dizem-me que doente e da outra nada sei.

E não sei nada pela razão simples que nunca foi por mim posta na especial e meritória categoria de inimigo mas apenas numa outra menos vistosa: a de criatura a “desconhecer doravante”. 

Já não recordo qual o autor que punha certas espécies de humanos na categoria de “non persons”,mas suponho que terá sido Alfous Huxley no seu distópico “Brave new world”

O mesmo faço eu, aquela gentinha deixa de existir a meus olhos. São transparentes não se distinguem do ambiente geral onde se arrastam. 

Que me lembre, três desses quatro ectoplasmas nem sequer se aperceberam do momento em que deixei de os ver, de os considerar como gente. Alguém me veio dizer que as criaturas não percebiam a razão pela qual eu teria deixado de as cumprimentar. Achei qye essa incapacidade era a prova provada de que agira bem e não me incomodei sequer a replicar. No meu pobre entendimento, eles estavam para além do mínimo ético de compreensão que me serve de medida de humanidade.

Com os países pode ocorrer o mesmo. Não tem substância suficiente para que os consideremos dignos de qualquer espécie de atenção.

A Bielorrússia é um perfeito exemplo disso. Como a Transnistria, a Abkásia ou a Ossétia do sul (ou do norte, sei lá eu bem...).

São invenções que mais cedo ou mais tarde desaparecem que é o que vai acontecer àquela imensidão nos confins da Rússia, da Polónia e da Ucrânia. Governada por um títere de Moscovo perigoso apenas pelos apoios que tem, repudiado por gigantescas massas do seu próprio povo que ele encarcera, espanca, expulsa ou mata, a actual Bielorrússia é ainda menos do que foi durante o período soviético, altura em que por truque de Stalin e fraqueza dos ocidentais chegou a ter (e ainda tem!...) um lugar captivo na ONU.

Foi pelas suas terras que ima boa parte dos invasores russos entraram na Ucrânia, sem que sequer houvesse algum motivo para permitir este trânsito de tropas agressoras. Ou melhor, havia: aquilo é um satélite pessoal de Putin e só existe porque, por enquanto isso interessa ao Kremlin. 

Portanto ser  considerado inimigo desta indigência nacional  não aquece nem arrefece. Nem sequer diverte!

Desconheço se Portugal tem alguma representação diplomática nessa extravagancia geo-política mas espero que não: seria dinheiro e recursos humanos atirados para o lixo, sem préstimo nem futuro enquanto o actual de estado de coisas bielorrusso durar. Mais vale, se é que vale, ter uma representação diplomática mesmo pequena como é o caso, na metrópole dessa colónia que se finge de independente.

Aqui para nós: a Bielorrússia só aqui aparece por mera preguiça. É domingo, está algum sol mas temo o frio da beira mar. À falta de tema, isto da bielo qualquer coisa, permite-me preencher o blog e partir para tarefas menos maçadoras.