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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

au bonheur des dames 483

d'oliveira, 09.04.22

A arma da razão 

mcr, 9-4-22

 

 

Augusto Santos Silva disse em poucas e acertadas palavras o suficiente para calar a catadupa de tolices de que o sr Ventura é capaz.

Não levantou a voz, não tentou sequer discutir. Lembrou que na Assembleia da República não é permitido o discurso do ódio e que há um regulamento que é para cumprir. E disse o fundamental: numa democracia não há lugar para culpas colectivas.

Isto. Este breve punhado de razões calou irremediavelmente um deputado que ainda não percebeu os limites a que uma votação eleitoral obriga alguém. E a responsabilidade que daí advem. 

A quase totalidade da assembleia aplaudiu de pé. É bonito mas tardio porquanto, Ventura já poderia ter sido parado há mais tempo. Bastaria lembrar-lhe algumas verdades e não tentar discutir na base que ele propõe ou tenta impor. 

Veremos se a serena firmeza, o obrigatório cumprimento das regras constitucionais e os claros limites do direito à opinião responsável serão entendidos por todos quantos tentarem fazer da AR não um debate desapaixonado e vigoroso mas apenas uma expressão de política politiqueira. 

 

 

estes dias que passam 675

d'oliveira, 08.04.22

do uso reiterado da falácia e da confusão

mcr, 9-4-22

 

Há, entre nós (e provavelmente em muitos outros lugares) o hábito de tentar desviar os termos de uma discussão para fazer valer os nossos argumentos. 

Na vida política (nacional ou internacional) o abuso é quase um hábito. Deixemos, entretanto, os argumentadores estrangeiros e fiquemo-nos pelos indígenas  que já dão pano para mangas. 

 

Agora, o que está a dar é a situação de guerra que se vive no leste europeu e as suas repercussões em Portugal.

O que, a principio pareceria normal e evidente era apenas a verificação de uma situação: quem agride e quem é agredido. Este é o ponto fundamental. Depois, evidentemente poderá discutir-se se houve ou não razões para se ser agredido e para agredir. Todavia, uma agressão armada com as dimensões a que se assiste, e com a qualificação de mera “intervenção especial” parece ultrapassar toda e qualquer norma ética que, em princípio, deveria ordenar a vida internacional.

Se, ainda por cima, as justificações apontadas para uma intervenção violenta  (uma invasão ou um bofetão) forem de uma pobreza franciscana, então, a tomada de posição na questão torna-se ainda mais urgente. E a condenação da agressão ainda .mais se justifica 

Todavia, além disto que é, insiste-se, o fundamental,  há que pesquisar os efeitos dentro de portas, nossas.  E é aí que as surpresas (se de surpresas se trata) surgem. E as confusões, as falácias, as mentirolas e a tentativa de atirar poeira para os olhos dos outros, sobretudo dos que, desde o primeiro momento se indignaram, se sentiram ameaçados e se solidarizaram com as vítimas das agressões. 

Qualquer português tem o direito de pensar pela sua cabeça, de estar ou não de acordo com a opinião esmagadoramente maioritária  dos seus compatriotas. Mesmo se, notem bem, a sua atitude derive mais da compaixão do que da fria análise dos factos e das razões que os motivaram. 

É obviamente mais fácil, mais humano e mais decente comovermo-nos perante uma cidade em ruínas, uma fuga maciça de populações espavoridas, um cadáver insepulto e abandonado, do que perante uma coluna de tanques a avançar, uma esquadrilha de aviões a bombardear ou o voo temível de misseis disparados de longe às vezes a centenas de quilómetros para cair perto de um alvo que nem sempre é militar ou estratégico. 

Ver mulheres e crianças com uma pobre mala por equipamento, um cão ou um gato dentro de uma transportadora, comove vinte, cem, mil vezes mais do que uma parada militar arrogante. 

Ver pais a levarem até à fronteira os familiares, despedirem-se para voluntária, ou involuntariamente, regressarem à frente de combate de onde poderão ou não escapar vivos, torna a situação muito mais dramática do que ouvir um autocrata, ex-pide soviético a bramir teses raciais inconcebíveis, comentadores ao seu serviço a garantir que havia a ameaça de criação de vírus específicos anti-eslavos (como se os ucranianos o não fossem...), manifestantes anti guerra a serem presos, a arriscarem-se a condenações que podem chegar aos 15 anos de prisão, outros em maior número a abandonar as casas, os empregos e o país que os viu crescer (e tudo isto a ser classificado como “purificação” da pátria eterna!!!...) leva multidões, cada vez maiores a condenar o agressor e a pedir satisfações a quem os apoie.

Ora, e é aqui que a porca torce o rabo, apareceu ultimamente, entre nós, a ideia peregrina de que anda por aí uma multidão sedenta de sangue a querer excluir o PCP, o BE e um par exíguo de  “bem pensantes” da vida política e social; a impedir estas organizações e pessoas de se pronunciar sobre o que muito bem entendem. 

A favor desta tese inverificada, afirma-se que, na análise dos acontecimentos na Ucrânia, existe uma conspiração a misturar os dois partidos (que singularmente divergem fortemente quando não absolutamente)) com a Extrema Direita (que, no caso português e diferentemente do que se passou noutros países europeus, da Grécia à Holanda, também condenou a agressão russa).

É provável, mas ainda não tive oportunidade de o comprovar que algum arrebatado tenor tenha tentado trautear esta ária, só que o público, pelos vistos, não a aplaudiu ou sequer acompanhou. 

Não tenho quaisquer dúvidas que o PC está sem razão e desacompanhado. Isso nunca me inibiu nem inibirá de pensar que, tem e teve um papel na vida política portuguesa mesmo que esse papel nem sempre tenha colhido a minha aprovação (e pelos vistos a da maioria dos cidadãos portugueses, como é mais que sabido)

Portanto a pedra atirada clandestinamente contra quem desaprova a posição do PC não tem, neste específico ponto, qualquer sentido nem corresponde à realidade. Ninguém quer, prop~ee ou se lembra proibir o PC,  coartar-lhe a liberdade de organização e acção, expulsa-lo da AR  ou das Câmaras que possui. É o PC que se tem encarregado de lenta mas seguramente ir desaparecendo da vida política nacional, eleição pós eleição. 

Uma segunda questão é a comparação dos dois campos em confronto. Lamento ter de dizer que nem o sr Putin é um fascista e muito menos o sr Zelensky , mesmo se em determinadas circunstâncias específicas e facilmente verificáveis, haja gente de extrema direita, ou meramente ultra-nacionalista a apoiá-los. A ambos! Claro que esse apoio é facilitado se o país em causa for o agredido. O chamado patriotismo é sempre o primeiro sinal. E não é por acaso que na URSS, depois do namoro firme e durável, com a Alemanha nazi, se entrou na era da “grande guerra patriótica” logo que a invasão se concretizou. Nessa altura até a quase clandestina Igreja Ortodoxa foi chamada a santificar a guerra da “santa Rússia” contra o inimigo alemão. Ou de como um regime ateu pôs em surdina o seu afã anti-religioso para melhor mobilizar um povo que nunca perdera a fé. 

(este pequeno ponto é apenas para relembrar ou ensinar alguma comentarista que desconhecia este pormenor Desvantagens de ser novo e não estudar, não tentar perceber ). 

Um terceiro ponto é o que toca a liberdade de informação: Basta abrir a televisão para notar que em todas as frentes de batalha ucranianas há nuvens de repórteres, de jornalistas.  Basta tentar aceder às redes  sociais para verificar que na Ucrânia se mantém todas ao invés do que se passa no país agressor que as eliminou rapidamente. 

Ou seja, as situações não são iguais, semelhantes ou sequer vagamente parecidas. 

A tentativa grosseira de igualar os dois campos também aqui falha miseravelmente. 

Uma guerra nunca é uma cortês troca de tiros. Nunca! Porém alguma diferença há entre o espectáculo de centenas de corpos de civis a apodrecer nos territórios apressadamente abandonados pelo exército russo e o facto já noticiado pelo Governo ucraniano de um seu soldado estar a ser alvo de inquérito por ter assassinado um soldado inimigo que jazia ferido. Pode até acontecer que o soldado ucraniano seja ilibado mas, pelo menos, o Governo reconheceu o facto. Do outro lado, como se sabe, se vê, se ouve, nunca houve quaisquer abusos de militares. Os mortos são encenações, os roubos e as pilhagens são meras difamações e a invasão é uma simples operação especial. 

Eu sei que estou a insistir em algo que mais cedo ou mais tarde cansará quem me faz o favor de me ler. Nem sequer sinto qualquer gosto ou apetência por me referir à guerra. Só que fingir que tout va bien madame la marquise me indigna mais do que é suportável.

Também sei que a Rússia nunca levou a bem o facto de haver na Ucrânia uma igreja ortodoxa autónoma (com a aprovação aliás das congéneres ortodoxias); que a Ucrânia tenha tornado a língua russa uma língua segunda, o que é natural dada a distribuição da população; que o país reivindique algo que desde a fundação do regime soviético é um dado político claríssimo, a saber, a existência de uma “república” independente da Rússia moscovita ou da Bielorrússia, facto aliás reconfirmado no fim da 2ª Guerra Mundial quando a URSS apresentou e conseguiu três nacionalidades como membros de pleno direito da ONU; como, depois de Gorbatchev, o império soviético implodiu, como  igualmente morreu a tentativa da CEI para dar lugar a uma vintena de países unanimemente reconhecidos inclusive pela Federação Russa. 

Fingir que isto nunca sucedeu, que foi imposto por inimigos internacionais, que ameaçam a Rússia, o país com o maior número de ogivas nucleares, e por isso afirmar que há sólidas razões para justificar uma guerra que já leva oito anos e que durante quase todo esse tempo foi ignorada pelo mundo quase todo, é agora a arma e o argumento de quem, fingindo-se equidistante, teima em considerar os dois lados igualmente culpados. 

E ao fazê-lo legitima a agressão, critica os que se indignam, mostra o parco valor em que tem as instituições internacionais, o Direito e a Justiça. Apenas e só. Tudo o resto é fantasia, falácia e desrazão. 

estes dias que passam 674

d'oliveira, 07.04.22

Efeitos da guerra no raciocínio das gentes

Ou “de novo orgulhosamente sós!”

mcr, 7-4-22

 

 

A actual guerra na Ucrânia tem permitido a descoberta de espíritos singulares que, a coberto da defesa do “direito de pensar” ou da “paz” se tem distinguido pelo cinismo, pela amoralidade absoluta ou por uma indisfarçável afeição pelas autocracias sobretudo se provenientes das antigas tiranias que assolaram a Europa durante séculos.

Neste capítulo, a defesa dos agredidos é sempre comparada a uma tentativa de adiar a paz, de promover a guerra, o conflito, as indústrias armamentistas (ocidentais, claro), o imperialismo e o capitalismo. 

Vem de longe este rosário de invectivas contra os que são vítimas de agressões (controladas ou descontroladas) de países poderosos. Ao longo do século XX e prolongando-se até hoje são muitos os exemplos. Não vale a pena referir todos sequer alguns pois, agora, neste preciso momento, temos um país a invadir outro com o propósito de o “desnazificar” e de se libertar de uma temível ameaça à sua segurança externa e mesmo interna. 

Na verdade, esta grotesca inversão da verdade dos factos foi notória desde a primeira hora, condenada pela esmagadora maioria dos países (o agressor apenas teve o apoio expressão de um satélite de três países conhecidos pela violência contra a sua própria população ( a Síria, a Coreia do Norte e a Eritreia). É verdade que mais de uma vintena de países em quase duzentos teve o cuidado  de se abster por razões variáveis mas que se reconduzem quase sempre (senão sempre) a relações económicas de dependência  em variados graus. A única excepção é a China , cujo apetite por Taiwan é conhecido e que pretende autonomizar-se dos blocos económicos mundiais e da sua história. 

Não vale a pena relembrar que toda esta “operação especial” se tem revelado um fracasso para o agressor e, sobretudo, um mau exemplo de como uma grande potencia nuclear descurou os aspectos mais simples da organização do seu exército, desde a disciplina, à eficácia, para já não falar do desastre da logística e da intendência. É no terreno que as guerras se ganham e não basta a avassaladora superioridade aérea, o facto de ter armas nucleares e um incomensurável arsenal de misseis de todos os tipos. Tudo isso, ou parte disso, pode causar enormes destruições físicas mas não ganha um palmo de território a menos que deixe de haver população que resista.  E é isso o que se passa após quarenta dias de bombardeamento indiscriminado. 

Não vou sequer referir os massacres de civis, os alvos civis destruídos, a censura exacerbada sobre os meios de comunicação internos do agressor,  as leis extravagantes e recentes sobre informação  interna, a perseguição violenta aos críticos. 

Basta-me pegar num pequeno exemplo nosso, português: 

Como se sabe, o presidente ucraniano tem vindo a ser convidado pelos parlamentos nacionais e pelas areópagos internacionais a dizer da sua justiça, da sua revolta perante uma agressão de que é vítima. O resultado é o que se conhece.

Ora em Portugal houve também a ideia de o convidar para falar na Assembleia da República, finalmente em funcionamento. Da conferência de líderes de ontem verifica-se que apenas um partido se opôs ao convite com dois argumentos tão espúrios e tão estúpidos que merecem ser recordados.

Em primeiro lugar, mesmo com uma guerra em directo nas televisões, 24 horas por dia, afirma-se que as sessões parlamentares com um presidente estrangeiro convidado só devem efectuar-se se houver uma visita institucional dessa alta personalidade. 

Em segundo lugar, e esta é de estarrecer o mais calmo dos ouvintes ou leitores, é que este convite não só “não serve a paz” mas contribui para “a escalada da guerra, da confrontação, do conflito e contribui para a corrida ao armamento” (sic).

A autoria destas contribuições pertence a uma senhora de 42 anos , química de profissão mas de facto, política a tempo inteiro e deputada desde a XI legislatura, ou seja desde há praticamente 13 anos. O que feitas as contas dá que a criatura começou a sua carreira de deputada com escassos vinte oito aninhos. Isto para não ir procurar os anos anteriores que a biografia publicada não refere, ou seja o eventual tempo de “funcionária” do partido ou de mera tarefeira , o que é aliás a regra. Convirá dizer que a criatura é vice presidente do fantasmático  “conselho Português para a Paz e a Cooperação” um organismo inexistente fora da constelação controlada pelo PCP que, como se sabe é useiro e vezeiro na constituição de organizações frentistas com raros aderentes mas que fazem efeito nos abaixo-assinados. 

A criatura é actualmente a chefe da bancada do PC no parlamento, dado que Joao Oliveira não conseguiu ser eleito. Promovida por falta de líder, por antiguidade e provavelmente por fidelidade à cassete  do costume.

Em boa verdade, entendo que é uma notícia excelente a oposição do PC à audição do presidente ucraniano. Isto permite separar as águas e perceber cada vez melhor onde param as fidelidades e como as saudades do antigo império ainda se fazem sentir. 

Pena não haver agora eleições para verificar se sequer esta criatura entraria no Parlamento. Infelizmente, não se pode ter tudo...  

 

estes dias que passam 673

d'oliveira, 06.04.22

Comentar comentadores

mcr, 6-4-22

 

sou um leitor de jornais, revistas e, regra geral, de tudo o que é impresso tirando revistas cor de rosa sobre vips informação medicamentosa e guias de uso de aparelhos sejam eles quais forem (à terceira linha já estou absolutamente baralhado...). Mais sou um leitor fiel de publicações periódicas e pouco, ou nada, me incomodam opiniões divergentes da minha nessas minhas leituras diárias. Direi até que gosto do são convívio de autores divergentes mesmo se me irritam. 

No caso em concreto, o Público tem agora na última página uma senhora advogada que substitui Rui Tavares, eleito deputado pelo Livre. 

A referida senhora é advogada, foi deputada pelo BE e terá (mas não tenho a certeza por razões a seguir expostas) sido uma das pessoas que advogou a proibição do “chega”. Como se sabe, esta agremiação de direita confusa mas agressiva “passou no exame” do Tribunal Constitucional  o que, para mim, chega. Eu cá sou pelo livre confronto de ideias desde que isso se faça às escâncaras, sem sofismas, nem meias verdades escondidas. A Direita combate-se com argumentos e não com proibições. Pessoalmente, bastaram-me os dezasseis anos de adulto (ou jovem adulto dos 17 aos 33 anos) que vivi debaixo da tutela da censura, da polícia e do finado “botas” e respectivos amigos e cúmplices.  Paguei como tantos outros (não demasiados, é bom lembrar) o direito de discordar e, agora, tantos anos passados não lamento o tempo perdido mas apenas a maneira como parte dele foi perdido.

Portanto temos que o historiador Tavares foi substituído (pessimamente substituído) por uma senhora advogada e por algum tempo deputada do BE. 

Ler, penosa tarefa, esta criatura, três vezes por semana, faz parte dos sacrifícios com que eu, livre pensador fugido ao catolicismo desde tenra idade, penso ganhar o céu (nunca escapamos ao molde em que crescemos...). sobre a guerra na Ucrânia (porque raios não dizemos Ucraína como toda a gente?) tenho assistido mais abismado que divertido às contorções de alguém que, no fundo até dará alguma razão à Rússia (ou pelo menos parece dar, sabe-se lá que o estilo da criaturinha é confuso e a argumentação um tanto ou uanto coxa.) ou, no melhor dos casos se apresenta como neutral. A Rússia será agressora mas a Ucrânia ter-lhe-á dados razões suficientes para uma “intervenção!... Ao longo destas cinco semanas, há subtis mudanças mas permanece a postura  salomónica de quem  “não quer situar-se no campo dos que se comovem, se irritam, se indignam com as malfeitorias que a guerra trouxe a milhões, muitos milhões de pessoas, mortas, feridas, bombardeadas, deslocadas ou pura e simplesmente refugiadas em países vizinhos. Em números aproximados, cerca de 30% dos ucranianos saíram das suas casas e cidades afugentados pelas bombas, pelo avenço lento da tropa russa e pelo medo (aliás legítimo face ao que se vai descobrindo).

Agora, nos últimos dias, incapazes de conquistar terreno na frente de Kiev, os russos retiraram ou foram obrigados a retirar para a Bielorússia! ( notem bem que este país vassalo este mais que comprometido na agressão) abandonando umas dezenas de cidades  onde os cadáveres apodrecem na rua, onde as valas comuns são multidão, onde há sinais evidentes de violências medonhas sobre civis, incluindo testemunhos filmados apanhados por drones, onde as pilhagens foram o normal da ocupação e as acusações de violação de mulheres se multiplicam. 

A ocupação de um “país irmão” salda-se por destruição sistemática de casas, fábricas, escolas, hospitais e instituições públicas, o que dá bem a ideia da “fraterna vinda de soldados cuja única missão era desnazificar  criaturas malévolas que queriam o mal da Rússia, da religião ortodoxa, da cultura eslava e sei lá do que mais. Perante tudo isto, vale a pena ler o artigo de hoje, quarta-feira, 6 de Abril na última página do Público. Ao que parece temos de um lado um bando de pessoas que só quer o mal da Rússia, prontas a todo o tio de acusações de má fé e de outro aquele heroico punhado de puros espíritos que pretende ir até ao fundo da questão (onde obviamente estarão a NATO, os imperialistas, os fascistas – mas não os húngaros ou os sérvios!!!- os americanos, o capitalismo internacional ).

Há uma conspiração internacional contra os “países amantes da paz” (onde é que eu já ouvi isto?), os lutadores pelas causas fracturantes, pelo pão, pelo trabalho, pela paz pela igualdade etc. 

E tudo isso orquestrado pelo Zelensky a mando de Washington, da city de Londres para prejudicar o maior país do mundo (em extensão) que se vê, pobre dele,  ameaçado pelo belicoso cerco dos amigos da NATO! 

Não tenho dúvidas que, em breve, esta pundonorosa criatura irá, com outros, poucos mas escolhidos,  advogar uma “paz dos bravos” que retire à Ucrânia o acesso ao mar, os territórios de leste e o que mais vier ao espírito clarividente de Putin e do seu círculo de amáveis e generosos oligarcas a quem, vejam lá, se pretende confiscar os iates, as casas apalaçadas e o resto!... 

Ah, os filhos e as filhas de Putin... que incompreendidos são!...

 

au bonheur des dames 482

d'oliveira, 05.04.22

 

 

 

 

 

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A democracia distorcida

mcr, 5-4-22

 

Usando de todas as cautelas e caldos de galinha que o tema impõe, volto à questão  da representação dos 3º e 4º partidos mais votados para o Parlamento.

E se uso de tanta precaução é porque sei que , ao mínimo descuido ou falta de prevenção,  me saltam ao caminho os habituais filisteus, os guardiães da fé e da revolução (os pasdaram lusitanos, que os há e muitos mesmo que sem provas dadas em qualquer momento difícil)  e me tentam lapidar com acusações de cumplicidade com a negregada  “Direita”.

Um cavalheiro passou boa parte da sua vida a  apanhar com o ferrete de “comunista” ou similar e agora, ao fim de quarenta anos  aparecem os cândidos indignados do costume com novas veleidades de cruzados inquisitoriais. 

Feito o aviso, eis que descubro que para além dos dois lugares sonegados à Mesa da Assembleia da República, os partidos do bloco central entendem dividir os lugares elegíveis pela AR para o conselho de Estado entre eles. No meio disto tudo há um demónio a esconjuraar, o “chega” e uma vítima colateral, a Iniciativa Liberal que ainda por cima é o quarto da lista mais votada em eleições legislativas.

Eu, lamento muito, mas não dou para este peditório alseado. Mal ou bem umas centenas de milhares de cidadãos entenderam levar o “Chega” ao parlamento. Outros cidadãos, em menor número descalçaram o chinelo do CDS e elevaram a IL ao estatuto que ela agora tem.

Em boa verdade, estes cidadãos, tão portugueses quanto os do PS e do PSD, entenderam dever fazer chegar ao parlamento vozes diferentes e discordantes (enfim, discordantes q.b. ...) do habitual relambório que vozeia na AR. Pelos vistos, a anterior partilha que abrangia o PC e o CDS nos lugares ora em questão, acabou por falta de comparência dos interessados. O CDS foi afundado pela juventude irrequieta do Xicaãozinho e o PC pela senectude avançada e moribunda da sua velha guarda que inclui todos os presumidamente novos e novas.

Eu inda não entendi porque carga de água a IL paga as favas disto tudo, tanto mais que se há formula fundadora da Democracia representativa é o liberalismo. Dir-me-ão que o fechar portas e janelas à IL tem apenas por motivo não as abrir ao “Chega”. Fraco argumento que até pode criar alguma empatia entre os dois excluídos que se distinguem como a água do vinho.

Mas há mais: o eventual  representante do Chega na Mesa  da AR poderia, de algum modo, subverter a ordem republicana? Traria consigo algum micróbio, bactéria, vírus mortífero para a Democracia?

E porque razão a IL há de ser associada a algo que claramente nada tem a ver com ela?

Acaso, o chumbo do primeiro obriga a chumbar a segunda? Ou trata-se apenas, na melhor da hipóteses de cobardia intelectual e, na pior, de um “arranjinho” entre os do bloco central para melhor e mais facilmente desvirtuarem a democracia e a vontade popular? E os habituais críticos, que ululam à mais simples e vaga suspeita de entendimento no dito bloco, estão agora mais calados que a rataria no navio que se arrisca a naufragar?

Em França, e para não ir mais longe, houve durante dezenas de anos a ideia de criar à volta da família Le Pen um cordão sanitário. O resultado está à vista. É provável que a sr.ª Le Pen apareça de novo a defrontar não um campeão da Esquerda desaparecia em combate mas dos liberal e da Direita conservadora.

Eu não irei ao ponto de dizer que o aumento das vozes de Direita esteja directamente ligado ao desaparecimento, emudecimento, das vozes de Esquerda mesmo que se verifique, como se veirifica que é nos antigos territórios do PC que a Direita pura e dura aparece e se reforça. Na Alemanha, aliás, a AfD prospera nos antigos Länder da falecida e nunca assaz chorada DDR .

Em Itália, os netos e bisnetos de Mussolini prosperam em regiões que foram comunistas e socialistas.  Na Rússia, putinesca, a herança da soviética divide-se entre ex polícias e novos corruptos nacionalistas e fautores de guerra (com o aplauso de umas dúzias de angélicos lusitanos, órfãos de mão forte e ideias importadas).

As mesmas criaturas que acham que a BBC é idêntica ao Russia today, que agressor criminoso de guerra e agredido que se defende, se medem pela mesma bitola, unem-se no mesmo piedoso silêncio perante esta nova versão da divisão do poder dito democrático.

No caso em apreço a questão nem sequer é de poder. A Mesa da AR ou o Conselho de Estado por muito engraçados que possam parecer,são meras flores de pôr na lapela, nada mais. E, se minoritárias, ainda menos!

Será que voltámos a jogar ao jogo dos quatro cantinhos,   desta feita  só dois?

E quando for só de um?

estes dias que passam 672

d'oliveira, 03.04.22

Os homens de mal

mcr 2-4-22

 

 

anda por aí um cartaz enorme, um outdoor, com o fácies do cavalheiro do Chega que, pelos vistos, pretende dialogar com os homens de bem, entendo-sec omo tal os seus seguidores e/ou simpatizantes. Os restantes que se desengomem com quem quiserem. 

Ora eu que não sigo, não simpatizo nem pretendo sequer conhecer superficialmente o dito cavalheiro e a sua comitiva, sou assim atirado para os homens de mal, os réprobos, os mal pensantes, a escumalha ou pior. 

Confesso que vindo de quem vem, a distinção não me incomoda.  Porém,  este género de divisões tem um largo   historial na política nacional. Em boa verdade, e para simplificar tudo se resume ao quem não é por nós é contra nós.

Este tipo de distinções é muito próprio de autocracias assumidas ou em estado de hibernação, que são as piores. 

No tempo  da outra senhora, os da “situação” acusavam todos os adversários de ”comunismo”.  Ou seja havia meio mundo que por não mijar no mesmo penico apanhava com o ferrete comunista e, por isso, se via em forte dificuldade quando se ratava de apanhar um lugarzinho ao sol, especialmente na funçanata pública. Ali, a coisa passava mesmo por uma declaração pateticamente solene que no fundamental era uma abjuração do comunismo de  coisas semelhantes, parecidas ou não demasiadamente longínquas. Foi assim que o “revitalhismo” herdado da 1ª República acabou no mesmo calabouço em que se enfiavam os sindicalistas anarquistas, os comunistas e um par escasso de socialistas escapados dos escombros do velho partido fundado por Antero de Quental.

Quando as coias aqueciam, era tudo “comunista” e corrido como tal. Se as coisas serenavam, os alegados comunistas juntavam-se à restante multidão “reviralhista”.

E nesta última, iam caindo, pingando do “situacionismo” menos conformista, alguns réprobos desiludidos. Assim apareceram Humberto Delgado, Henrique Galvão e outros para já não citar o fundador dos “camisas azuis”, Rolão Preto, um proto-fascista a quem Salazar deu um piparote e acabou com as veleidades de um partido copiado  à pressa dos congéneres alemão e italiano. Salazar detestava partidos “pagãos” não se via como condutor esforçado de multidões, era antes um católico ultra conservador, provinciano e pouco dado a modernices.  E o pseudo fuhrer lusitano ficou-se pela camisa azul e pela vozearia durante um par de meses. Depois tudo regressou à paz rural. De resto, mesmo nas instituições criadas e acarinhadas pela “Ditadura Nacional” e o “Estado Novo”, seu sucedâneo tudo foi medido, calculado pesado para não fazer ondas. Foi assim que a Mocidade Portuguesa ou a Legião não passaram de caricaturas de organizações estrangeiras até mansamente soçobrarem no pantanoso grupo de criações que vegetavam à sombra da União Nacional, algo também sem especial doutrina nem nervo que se foram arrastando até ao 25 A.

Para funcionar, o Estado apenas precisava de uma polícia eficaz, capaz de proporcionar aos recalcitrantes os “safanões dados a tempo”, uma censura sem contemporizações, e o atávico espírito de obediência das populações. Quem não gostava emigrava e em Portugal a emigração foi endémica a partir de meados do século XVIII. Os “torna viagem” vinham ricos ou abastados e de nenhum nodo dispostos a causar alarme social. Nas elites, parcas elites,   recrutavam-se os  quadros necessários, os oficiais do exército, os professores  e apenas se lhes exigia, em troca de um salário que só parecia brilhante em comparação com o que auferia a grande maioria da população, acatamento, respeito e decoro, muito decoro. 

O irredutível punhado de criaturas que recusava isto era, obviamente, comunista fosse qual fosse a sua obediência partidária. 

Esta acusação destruía sonhos e reputações, isolava pessoas e foi durante anos uma vacina eficaz para alguns espíritos menos conformes e sedentos de aventura. 

Um Estado tão imóvel, um país tão longe da vida e do progresso corriam o risco de soçobrar pela simples inércia a que estavam condenados. Apenas precisavam de um sopro no paciente castelo de cartas que substituía a solidez das inexistentes instituições democráticas que não funcionavam. Mais do que uma guerra, bastou o progresso contínuo que a Europa registava, o vai vem dos emigrantes que enviavam cada vez mais dinheiro para as famílias, a entrada maciça de mulheres no mercado do trabalho enquanto os homens faziam a comissão militar nas Áfricas, o afluxo cada vez mais forte do turismo que trazia dinheiro fresco fatos de banho curtos e imorais e novos modos de vida. E as elites, sobretudo a oficialidade militar, revoltaram-se- O regime caiu como árvore seca por dentro, sem um ai nem um ui. Caiu sem estrondo e subitamente tudo pareceu mudado.

O deserto onde vivia a oposição povoou-se subitamente de milhões de criaturas que esganiçadamente e à vez pediam tudo. Pareceu um maremoto incontrolável. Vinham de todo o lado os turistas políticos ver uma revolução ao vivo e a cores. Ou o que parecia ser uma revolução. O surpreendente surto de partidos políticos, a feroz concorrência que se estabeleceu entre eles  se é verdade que tocou os centros urbanos nunca se estendeu a todo o país. Uma fatia, talvez a maior parte, aguardava que a maré baixasse, que a febre desaparecesse. 

  Na ribalta política, a competição por se tornar a vera imagem da revolução deu para que todos chamassem a quase todos  “fascista”. Ou mesmo “social-fascista”, uma ressurreição de antigas guerras na história do socialismo europeu.. Foi assim que o PC que descobria um ninho de fascistas debaixo de cada pedra do caminho foi senso acusado de social fascista por tudo (que parecendo multidão era afinal apenas um punhado de criaturas) que se movia ou se dizia mover à sua esquerda. Boa parte desta retórica inintendível para uma gigantesca maioria das pessoas, vinha dos diferendos sino-soviético e posteriores cisões no campo pro-chinês.  A moda pegou: fascista é oque está contra mim, seja à Direita, seja à Esquerda coisas que de resto nem sempre significavam o que pareciam querer significar. Até ao destroçar da revolucionarite aguda, fascista era qualquer criatura a partir do PS (incluindo este nessa esfera demoníaca). Claro que o grande problema, pratico mas também, e sobretudo teórico, era o de não se saber exactamente o que era o fascismo, o verdadeiro. Provavelmente, também não se tinha uma noção exacta do que era o comunismo pois, por cá só se conhecia a versão reader’s digest de um par de divulgadores que serviam ao público uma sebenta fácil e incompleta. Mesmo do lado do PC a teoria não era dispensada em grandes doses. A esquerda extra-parlamentar lá se ia alimentando moderadamente do livro vermelho das citações do presidente Mao, uma espécie de almanaque  de vulgaridades  e de alguns textos de epígonso de Trosky passados aos direitos via França. Era este o estado ada arte. 

Era e é, mesmo se o maoísmo indígena seja já uma saudade e o trotskismo uma bizarria. Agora, pelos vistos são outras as frentes de combate, mesmo se persistem os mesmos fantasmas de sempre (a NATO, a Europa, o imperialismo americano e .o “fascismo” continuamente a brotar

Em quarenta e tal anos de vida democrática, a Direita mais pura e dura ou não apareceu ou teve uns vagos arroubos pindéricos de grupos marginais e sem expressão política. 

Finalmente, e em consonância tardia com a Europa (e mesmo com os EUA) eis que surgem à dúbia luz do dia, partidos que se assumem claramente de Direita, nacionalistas, xenófobos mas ( e este mas é importante)  não fascista:  ou porque ainda não chegou o tempo apropriado ou porque a ideia fascista provou a sua ineficácias histórica e ideológica. 

Porém, esta distinção não interessa. A palavra fascismo é cómoda, presta-se a tudo tal e qual como nos anos do Estado Novo a acusação comunismo. Desqualifica e diminui o adversário. 

É duvidoso, e por cá isso parece ter-se provado, que isso retire votos aos alegados fascistas. Mas para o diálogo (ou falta dele) na Esquerda e no Centro, a coisa é uma óptima arma de arremesso. 

Agora, pelos vistos, até a Direita liberal corre o sério risco de ser confundida com o seu mais directo concorrente. Assim o pacífico deputado João Cotrim de Figueiredo foi vetado para vice presidente da AR. De quatro vices, a AR passou a dois, ambos do chamado bloco central. Contas feitas na medida do possível permitem pensar que foram os deputados do PS que entenderam perigosa a ascensão do deputado liberal!

A regra dos quatro vices fora imposta pelo PC quando só havia quatro partidos no hemiciclo. Agora que foi relegado para 6º em número de votos e 5º em mandatos, o PC já não pode aspirar a um lugar de prestígio.

O bloco dito central, tão difamado pelos seus adversários sai reforçado. 

E a democracia?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

au bonheur des dames 481

d'oliveira, 01.04.22

A barreira dos oitenta

mcr, 1 de Abril 22

 

Sou o pior amigo de aniversariantes que existe à face do planeta, digamos da europa, de Portugal enfim de Coimbra. Porém, sei lá porque razões, nunca esqueço dois aniversários. Um, por óbvias razões: calha a 29 de Fevereiro e é o do poeta e grande amigo António Lopes Dias que colaborou neste blog. Claro que só lhe telefono de quatro em quatro anos para os cumprimentos da praxe. De quando em quando lembro-me e lá desfiamos um parlapié que continua numa ida minha ao café perto de casa dele para prolongar uma conversa começada em finais de 61. Fomos companheiros de toda uma série de pequenas aventuras políticas e culturais, auspiciosamente começadas na cadeia de Caxias em 62por via da crise académica. E juntos percorremos a via dolorosa da “oposicrática”,  sempre próximos, sempre na brecha. Companheiros de escritório, advogados de estudantada que mijava fora do penico, colegas mais tarde na desvairada dança das instituições de Segurança Social,  Agora, rosnamos diante de filhos e netos, discutimos poesia (que ele cultiva com elegância e notória qualidade) e por cá nos vamos entretendo. O segundo aniversariante a que nunca falho é o Pedro Mendes de Abreu, uns meses mais novo do que eu e que quase fez o  mesmo percurso, desde o CITAC até Caxias, estância para onde a previdente polícia política o enviou ao mesmo tempo que eu. 

O Pedro é um dos casos mais curiosos da política coimbrã de sempre.  Órfão de pai desde cedo, tomou as rédeas do cinema Avenida (juntamente com a mãe, a notável Judite Mendes de Abreu) e aquela casa esteve sempre aberta à cultura citadina (Cine clube e festivais de teatro), à Academia  e à política oposicionista. O “Avenida” foi o palco único e central de toda a actividade democrática enquanto durou o Estado Novo. Casa aberta a todos os que se opunham à tirania, foi tema constante de denúncias policiais, dali partiram manifestações, ali se produziram tremendos comícios, ali muitas vezes estivemos mais ou menos cercados pelas “forças da ordem” . E o Pedro (mais o António, militante estudantil e eficaz) sempre impávido, calmo  e solidário. Por trás de ambos, a mãe Judite, figueirense atrevida, que começou por ser notada por, num arroubo de estudo e inteligência, se ter formado simultaneamente em Direito e Germânicas, usando na pasta as fitas de ambas as faculdades. Nunca fez Direito e as autoridades rancorosas nunca lhe permitiram dar aulas no ensino oficial.  Com a liberdade ainda teve tempo de presidir a duas Câmaras Municipais , a da Figueira primeiro e depois a de Coimbra, como eleita pelo PS. 

Ainda há uns meses citei aqui um livro sobre um informador da PIDE (excepcional, pela quantidade e qualidade de informação prestada) que a apontava como um verdadeiro “perigo público”. E escandaloso pois já vinha de uma família  (os Águas Pinto) com pergaminhos democráticos. E ainda por cima, queixava-se a criatura mesquinha, ela “era rica”. É verdade que algum dinheiro ganho suadamente tinha mas também é verdade que nunca faltou por sua parte apoio a quem perseguido pelo regime precisou de ajuda. Aliás Judite Mendes de Abreu foi,  desde a primeira hora, membro da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos. 

Ora hoje, pela manhã, lá liguei para o Pedro para o abraço do costume e a relembrar dezenas de anos de amizade. E o malandro a informar-me que alguns vários amigos comuns não tinham conseguido chegara esta barreira difícil e penosa dos oitentinhas. Entre eles o Vasco Pinto Reis, que fez parte do pequeno grupo de miúdos que, todos os verões, disputava um interminável campeonato do mundo de futebol na praia  ancha da Figueira. Também das mesmas ou parecidas aventuras, também formado em Direito, o Vasco foi um dos que iniciaram a carreira de administradores hospitalares, dos que abriram caminho a tantas coisas, entre elas ao Serviço Nacional de Saúde.

É que a História, de H grande, faz-se de pequenas  muitas histórias com gente dentro, gente que se fez à estrada, que cerrou os dentes, que foi à luta, que persistiu. Gente anónima excepto para quem a conheceu e que, à minha pobre e frágil maneira, vou celebrando e recordando.

Por vezes, sinto-me só e desamparado, com um longo cortejo de amigos desaparecidos que os anos já são muitos e a lei da vida é mesmo esta. Porém, a melancolia desvanece-se quando os lembro jovens e inteiros, nesses anos de lume e de coragem a fazerem, quase sem o saber, o país que somos e em que vivemos. E espero que os vindouros saibam ser dignos deles...

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