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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

au bonheur des dames 500

d'oliveira, 31.05.22

A vida mudou

mcr, 31-5-6

 

Dois anos de pandemia com uma guerra por cima (já lá vão quase 100 dias...) alguma mudança haviam de trazer.

A começar por um claro empobrecimento de certas zonas do mundo, sempre as mais frágeis, sempre as do costume, as mais evidentes. 

A crise ucraniana (até eu já me esqueço da guerra...) tem, para já uma consequência grave: Países importadores de cereais não os terão ou terão muito menos e a muito maior preço. 

Uma frota de navios piratas no Mar Negro, proíbe, aniquila ou rouba o que poderia sair dos porto do sul da Ucrânia. Como se o poder arrogante e criminoso da Rússia proclamasse que mesmo não conseguindo desembarcar não permitirá nenhum embarque. 

A arma da energia, mormente do petróleo e do gás russos na Europa poderá virar-se contra o fornecedor mas, a curto (e mesmo a médio) prazo isso encarecerá a produção industrial sobretudo no caso dos países sem acesso directo ao mar. 

(no meio disto tudo, que nos toca também e de várias maneiras, uma coisa surpreende: ontem e anteontem a campanha de recolha de alimentos do Banco alimentar bateu o recorde anterior: as pessoas pagaram mais por mais alimentos doados. É verdade que a situação em Portugal melhorou mesmo se os indicadores ainda não cheguem aos de antes da crise. Mas isso, essa percepção de que as coisas estão lentamente a voltar ao sítio, não justifica este pequeno mas honrado arroubo de solidariedade. Demos mais e mais caro! 

Chamem a isto o que quiserem, caridadezinha por exemplo, mas é isto que num curto prazo resolverá momentaneamente problemas herdados da pandemia, da perda líquida de empregos. 

Não chega? Claro que não chega mas neste capítulo é a generosidade e a boa vontade que primeiro se chegam à frente. )

Os leitores desculparão as linhas entre parêntesis aí em cima mas, para alguém que sempre aponta o dedo à ferida há pequenas coisas que devem ser apontadas. Mesmo se o sentimento não substitui as medidas de fundo que tardam. 

Entretanto, eu dizia que a vida mudou. Nada de muito forte, nada de extraordinário mas há pequenos sinais. Pelo menos cá em casa. 

Perdemos uma empregada (e uma amiga) de mais de vinte anos de bons e leais serviços. A pandemia e os anos atiraram-na para a reforma mais que merecida. Como temos sorte e porque pagamos bem acima do salário mínimo encontramos que nos quisesse dar dois inteiros dias de trabalho. Não é a mesma coisa mas é o que há e estamos bem contentes. Para os restantes dias encontramos soluções várias. Agora recorremos muito ao take away local e à encomenda de géneros. O peixe chega, fresquíssimo, pela mão do sr José Manuel, já pronto a cozinhar. E pelo mesmo preço da concorrência! 

Fruta e legumes também são cá entregues sem que isso, esse trabalho que me poupam (sou o moço de recados desta família), se afigure mais caro do que antes. A roupa é toda passada fora e a CG jura que isso se traduz numa economia dupla: de tempo e de electricidade. Às terças a D Maria vem buscar a trouxa e às sextas traz tudo num brinquinho. Ou vice-versa, já nem sei...

As contas que entretanto a CG foi fazendo indiciam que a despesa não aumentou o que já me basta. Claro que se conseguíssemos alguém por uma ou duas manhãs isto ainda correria melhor pois entre a CG e o pó e o lixo (real ou imaginário) a guerra tem anos e pelo menos um acusado: eu!, o autocrata de serviço, o encarregado das compras diárias, de todos os recados em troca da permissão de saída para um café e a leitura do jornal na esplanada.

Homem sofre!

 

au bonheur des dames 499

d'oliveira, 30.05.22

Atribulações de um português em Portugal

mcr 30-5-22

 

Ser português não deveria ser uma fatalidade mesmo que não fosse exactamente um privilégio divinal. Mas é!

Portugal trata os seus cidadãos como súbditos de 2ª classe, como colonizados de fresca data, como imigrantes do quarto mundo. 

Vá qualquer pessoa a um serviço público e verificará o bem fundado das minhas palavras. 

Vamos fingir que não há bichas do lado de fora da repartição em causa mesmo se, quase sempre, as haja. 

Vamos fingir que as instalações a que se acorre são modernas, limpas, já não digo confortáveis, mas capazes de receber funcionários e utentes. Em condições razoáveis de atender e ser atendido!

Vamos fingir que, no serviço público em causa se percebe bem a que sitio (balcão) nos, havemos de dirigir, que tempo de espera  -moderado – é provável. 

E que há instalações sanitárias decentes para quem lá tem de trabalhar ou ir. 

E que, supremo luxo, há um balcão de informações, aconselhamento guia para  caso de o cidadão pagante de impostos poder ser encaminhado, informado e guiado.

Será pedir muito? 

Convenhamos que algum caminho se fez nos últimos trinta anos. Também não é de espantar dados os tsunamis de fundos europeus que entraram por Portugal dentro. 

Há porém, no meio deste utópico panorama proposto, um velho sarro muito antigo, muito lusitano, muito burocrático, muito anti-público. 

Tudo começa, na alarmante sensação de falta de funcionários. 

Metade, e é um favor da minha parte, estão desoladoramente vazios. Estarão os trabalhadores de baixa, em férias, num plenário sindical ou simplesmente escondidos sabe-se lá onde? 

Vamos a um caso prático: a repartição de impostos aonde me dirigi com o fito de pagar o imposto de circulação automóvel (Porto 7º bairro). As instalações são boas, há estacionamento pago em frente mas contei entre dois terços a três quartos de balcões desertos!!!

Depois, onde dantes havia uma máquina de senhas que nos indicava o balcão desejado stava um cavalheiro a receber as pessoas.

Segundo me disseram a culpa era do covid. A máquina, coitada, ainda não se restabelecera de dois anos de pandemia, pelo que éramos recebidos por um funcionário que, com a cuidadosa lentidão que um serviço público exige, nos atendia, pedia o nosso número de contribuinte e no meu caso me informou que só dali a meia hora.

A zona onde se paga o selo automóvel tem quatro balcões mas só um estava preenchido!

Alguém, misericordioso, me disse que eu devia ter telefonado a marcar hora. Hora para pagar, raios e diabos! 

Eu bem tentei explicar que telefonar para a a repartição de finanças é mais difícil do que para o Kremlin e provavelmente igualmente inútil. 

Dantes o cúmulo da dificuldade era ligar para a operadora de televisão, telefone e internet mas esses, como são privados, tiveram que se esforçar e agora aquilo é uma fervurinha. O Estado que não deve desculpas a ninguém escuda-se atrás da rede telefónica e basta estar numa repartição para se perceber que os telefones tocam mas ninguém os atende. Deve ser apenas para dar música de fundo...

Depois, uma funcionária explicou-me que se eu fosse à internet e pedisse umas guias poderia com esses documentos importantíssimos, ir ao multibanco e pagar. 

Isto num país em que a percentagem de velhos (e de info-exluídos!) é gigantesca, uma das maiores da Europa...

(sobre esta questão, já agora, informo que para obter uma licença de estacionamento na minha zona,  a Câmara Municipal, todos os anos por Novembro me manda um aviso para pagamento multibanco. Rápido e eficaz. Se para a CMP a coisa é possível porque não para o Estado? Mistério insondável!

A segunda questão que ao fim de uma hora de espera me debati é que só podia pagar o imposto relativo a um dos carros pois o outro só para Julho! Notem: para pagar, isto é para dar o cacauzinho ao Estado.  

Durante todos estes anos passado, pagava os dois impostos ao mesmo tempo, mesmo se algumas vezes a coisa se fizesse com multa. 

Agora,  não. Parece que inventaram mais uma aplicação (depois do covid e antes da guerra na Ucrânia a tabela de explicações passa pela menção a aplicações informáticas) a dívida deve ser paga e só no mês em que o carro foi matriculado. 

Como durante o período de espera eu via as coisas a andar para trás e ninguém me dizia nada, pedi o çovro de reclamações. Este pareceu logo que eu acabei de pagar o que me permitiram pagar. Em boa verdade, suponho que estavam à espera que eu me  aviasse e farto daquilo tudo me fosse embora antes de vislumbrar o maldito livro. 

A responsável do serviço veio em pessoa custodiar o precioso livro que parecia novo em folha. Ou ninguém reclama ou ninguém está para estar à espera. A senhora era simpática, desculpou-se com a falta de pessoal, com o covid (sempre ele) fingiu não me ouvir quando propus a guerra da Ucrânia e recitou-me toda uma litania jurando que além de perencer ao fisco era também cidadã. Não valia a pena explicar-lhe que nisto de cidadãos há uns que são mais iguais do que outros nem, provavelmente, ela perceberia a citaçãoo de Orwell, mesmo que ali à minha frente, com simpatia e educação, personificasse o “outro lado”. E sobretudo estava preocupada em defender o “seu” pessoal. Ora eu, do pessoal, não me queixava mas apenas do sistema e o sistema sabemo-lo todos é tão politicamente inocente quão desumano. 

Fartei-me. Desisti, estava desesperado por tomar um café e sabia, de ciência certa, que a minha reclamação nem lida seria. Ou não seria respondida. Ou responderiam misturando alhos com bugalhos.

É o costume, a tradição, o hábito enviesado e prestar um mau serviço mas de exigir do ciddão o exacto, escrupuloso, preciso dever de pagar. A tempo e horas. Senão...

(Vem George, vem ver o meu país de marinheiros...)

* O título é uma homenagem a Julio Verne e toma por empréstimo um  título de um dos seus romances (passado na China, que é longe e era ainda mais longe, naquele tempo)

estes dias que passam 697

d'oliveira, 29.05.22

Uma “girl” dispensável 

mcr, 28-5-22

 

 

Provavelmente já ninguém se lembra  dos muitos escândalos com vacinas. É natural: foram tantos e tão diversos que só quem não quer pensar em mais nada é que se aferra a este género de faits-divers que tornam a pátria mais ditosa e empolgante. 

Todavia, ontem, o Ministério Público arquivou um desses casos, provavelmente o que mais gente envolveu:  em Setúbal, o Centro Distrital de Segurança Social resolveu numa só vez, e à frente de milhões de pessoas, vacinar o pessoal. 131 criaturas com a directora à cabeça. 

A coisa deu brado, as “autoridades” rosnaram, a senhora pediu a demissão  (aliás exigida) e o mundo pareceu acalmar-se. Entretanto, o MP foi chamado e eis que ontem sai o resultado da devassa: afinal, a criatura dirigente obedecera a instrucções precisas vindas do Instituto da Segurança Social, uma coisa que acolhe protegidos do regime e que teria por fim dirigir a grande trapalhada da Segurança Social. Este instituto tornou-se, há muito, conhecido por ser um alfobre de boys and girls do partido no poder. Da bondade das administrações não consta nada em abono enem em desabono. Aquilo está lá para dar uns tostõezinhos a ganhar a uns militantes médios mas obedientes  que tem por missão controlar os aparelhos distritais onde outros militantes médios, menos médios e médios baixos se vão governando . 

Portanto a vacinação decorreu, garante o M, sob as ordens de estruturas dirigentes dos Ministérios da Segurança Social e da Saúde. 

A criatura escovada não fez mais do que obedecer a uma ordem “dada por engano”!!!

Agora, nem os ministérios em causa, nem o famoso e inútil  instituto tiveram o cuidado de dizer duas a abater. Nad, raspas de nada!

Mais, sabe-se que para a “escovadela” da antiga responsável setubalense houve unanimidade incluindo o voto da pessoa que dera a ordem errada e fatal. Vê-se que estas criaturas estão à altura dos cargos que ocupam e que sentem o peso da “gravitas” e da responsabilidade... 

A televisão mostrou a defenestrada mas foi parca em informar qual o posterior destino desta e, sobretudo, o que ela poderia agora comentar. 

 

 Provavelmente,exerce os seus talentos, noutrocargo de confiança pois mostrou ser capaz de aguentar em silêncio asburrices dos outros. 

Honra ao mérito!

 

 

 

estes dias que passam 698

d'oliveira, 29.05.22

Encontro/desencontro

mcr, 29-5-22

 

Na bicha do supermercado, uma senhora que estava à minha frente, desculpou-se pela demora que estava a causar. “E que sou velha”, disse-me. “-Não tanto como eu” retorqui do alto dos meus oitentinhas. 

A senhora insistiu que era mais velha e, na verdade, levava-me seis meses a mais. 

E depois, desta troca de galhardetes entre dois veteranos do longínquo ano de 41, informou-me que me ouvira falar da Figueira e que ela, pasme-se vivera lá até aos 13 anos. Alvoroçado tentei puxar por conhecimentos comuns já que ambos seguramente andáramos no pequeno liceu  na mesmíssima altura mas aí emperrou. Ainda lhe atirei uns nomes de raparigas (as mulheres são mais durázias, duram mais tempo ou é isso que consta)  do meu tempo mas ela não tugiu nem mugiu. 

Fiquei desgostoso pois não é todos os dias que encontramos alguém quase da nossa criação. E sobretudo quando, como sobreviventes que somos, rareiam os macróbios da nossa geração. 

É a primeira vez que uso a palavra macróbio aplicada a mim mesmo mas, alguma vez teria de ser. 

Isto de perguntar por conhecidos é pau de dois bicos. Há muitos anos que evito essa pergunta fatal sobretudo referida a maridos ou mulheres da pessoa com que me cruzo. 

Aquilo desata uma história comprida onde abundam conflitos, divórcios, queixas enfim um desastre medonho. 

Agora, são os óbitos. Quando se chega à idade das vítimas preferidas do covid, é só nomes a abater, 

E quando, por milagre as criaturas ainda se passeiam por este vale de lágrimas, a realidade também não é cor de rosa. A velhice (que segundo a minha sábia mãe,  é uma doença...), os achaques da mesma, as doenças que antes  espreitavam à espera de uma oportunidade, todas ou várias misérias humanas surdem à superfície. 

Depois, há os lampeiros que se armam em carapaus de corrida e se mostram na sua mais que duvidosa glória, afirmando sentirem-se jovens (prova que já o não são, de todo em todo) que troçam ou fingem ignorar o pouco de razoável que a idade traz na ansia de se mostrarem “modernos”, modernaços, enfim meras caricaturas do que foram ou nem isso. 

Aliás, já não há velhos, mas seniores, veteranos, idosos, alunos da universidade da terceira idade, enfim uma panóplia de adjectivos do pensamento correcto e corrigido que, normalmente, é apenas anti-pensamento. 

Esta ocultação da velhice serve propósitos indignos e normalmente traduz-se no desprezo dos velhos, no abandono deles, na criação de barreiras cada vez mais invisíveis mas mais fortes contra eles.  

Ah, este país (e quase todos os outros) não é para velhos

estes dias que passam 696

d'oliveira, 26.05.22

Ai o politicamente correcto...

Mcr, 26-5.22

 

São 49 0s casos de varíola dos macacos em Portugal. Os atingidos são todos homens entre os 26 e os 60 anos de idade. 

Dito assim nada indicia uma qualquer transmissão sexual. Mas também não prova o contrário. É embaraçoso o facto dos doentes serem todos homens e terem idades que fazem suspeitar a forma de transmissão que tem de ser u contacto prolongado. 

Dizer isto não é sinal de homofobia mas apenas uma forma de prevenir quem se arrisca. O silêncio mata tanto ou mais que o estrondo. A campanha imbecil de certos grupos no sentido de repudiar quaisquer conotações de ordem sexual que podem existir apenas abranda as necessárias cautelas e pode provocar mais contágios. 

Há dezenas de doenças que afectam os órgãos sexuais primeiro e o resto(eventualmente) depois que não ganham nada em ser escondidas pois impedem as pessoas de recorrerem aos tratamentos mais adequados. Por outro lado, mesmo sabendo disso, há pessoas que arriscam e que pretendem viver plenamente a sua sexualidade. Tem esse direito desde que issonão afecte a saúde de outros. Seria bom, pois, que quem manda nestas coisas tivesse a honradez e a corgem de prevenir alto e bom som todos quantos por pertencerem a grupos de risco podem ser contaminados. Isto não é isolar homossexuais é, sim, defendê-los. Pelo menos aqueles que ainda não sabem, não percebem ou não ldeem a devida importância ao assunto. 

 Doença é evitável. Não se transmite pelo ar, exige contactos prolongados. Bastará não os ter até se saber mais e melhor sobre o actual surto. 

Tudo o resto é hipocrisia e desprezo pela vida e saúde humanas. E pela dignidade de todos.

 

(o meu surto de covid parece estar de malas aviadas. Nunca foi violento, sequer forte apenas chato. De todo o modo, cumprirei exactamente o que é aconselhado pelo que permaneço prisioneiro em casa até sábado.

Agora que julgo estar livre dessa ameaça que, não com a minha provecta idade, não é despicienda sinto uma gratidão ilimitada por todos quantos, em todo o mundo, contribuíram para minorar as consequências deste vírus. E enraivece-me profundamente a campanha miserável, infame, criminosa dos negcacionistas nacionais e estrangeiros que reputo responsáveis por muitas e muitas mortes e muito sofrimento. 

E como não sou boa criatura desejo-lhes um covid “à maneira” desses de arrebimba o malho que os faça penar ou mesmo desaparecer  uma vez por todas. 

Com esta idade, com este fraco físico sou a prova provada da excelência das vacinas. Tudo o resto é música celestial. E se ainda a não irei escutar isso deve-se aos milhares de agentes de saúde, à sua abnegação, à logística extraordinária  que foi montada e à inteligência do povo português que acorreu em massa para ser vacinado. 

Por azar, falho amanhã a convocação para a 4ª dose pelas razões que já indiquei mas isto é só um adiamento. Logo que possa lá estarei de braço ao leu para mais uma pica.

Em boa hora: não agradeço aos profissionais  o terem sido profissionais. Agradeço-lhes a abnegação, o esforço a mais, a paciência evangélica e o carinho que demonstraram com tantas dezenas de milhares de pessoas que foram atendidas e ainda por aí andam por seu pé 

E relembro que médicos, enfermeiros é agentes hospitalares e auxiliares de toda a ordem fazem parte dos grupos profissionais mais infamemente pagos deste país onde aliás se paga mal a quase toda a gente. 

 

 

au bonheur des dames 498

d'oliveira, 25.05.22

 

 

 

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Ser homem também tem as suas vantagens

mcr, 25-5-22

 

Era ainda mais ignorante do que hoje sou mas naqueles anos sessenta gozava de um par de vantagens: era curioso, atrevido, não me repugnava perguntar e, apesar da minha juventude, sabia ouvir. Mais, tinha gosto em ouvir e em aprender.

E, de certa maneira, a época era propícia a esse pequeno exercício de humildade: Havia quem não se importasse de ensinar, quem até achasse graça a um rapazola que queria saber e se dispusesse a aturar a criatura atrevida.

Nesse numeroso grupo de mestres de vida e de cidadania, destacavam-se alguns cavalheiros de Coimbra que tinham porta aberta para a estudantada: Paulo Quintela, Luís de Albuquerque, “Fred” Fernandes Martins, Orlando de Carvalho e Joaquim Namorado. Isto para não referir o meu pacientíssimo tio Marcos Viana, um professor licenciado em Românicas e que era um prodigioso leitor e entusiasta do surrealismo. Dele aprendi muito mais do que hoje recordo, pois, MV, um tímido bon vivant figueirense, desempenhava com aprumo o papel de  intelectual de cidade de província, nunca troçava da ignorância que se expunha e tinha reais qualidades de professor.

A ele devo boa parte do meu gosto pela História pois passou-me para a mão uma gigantesca quantidade de fascículos da “História Universal” de Macedo Mendes, uma louca iniciativa de um professor de Belas Artes que convenceu as edições Cosmos a publicar aquele monumento,  12 volumes a 500 pagines cada, ilustrações excelentes e, para mim, a primeira História que trazia o habitual europeu mas também as civilizações que nenhuma outra carreava, da Índia à China, do Japão à Oceânia e Crescente fértil .

(este esforço editorial nunca chegou ao fim pois não coube nos doze previstos volumes deixando as coisa por volta de inícios do século XVIII. Muitos anos mais tarde, a prima Maria Manuel ofereceu-me os volumes do pai e eu, com sorte e muito trabalho, juntei-lhes os que faltavam. Tive mesmo a sorte de encontrar as capas de editor , que a coisa era publicada em fascículos)

Luís Albuquerque, um dos maiores nomes da História da Náutica portuguesa e mundial, perdeu longas horas e explicar-me coisas únicas e meteu-me mais esse vício. Paulo Quintela era um conversador admirável e um tradutor de mão cheia. Deixou um enorme espólio de autores alemães traduzidos de Goethe a Rilke, de Holderlin a Trakl, de Nietzsche a Brecht. A ele se deve a criação do Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbrra, as encenações de Gil Vicente e do teatro clássico grego. Fernandes Martins, amigo do meu pai era um geógrafo de grande prestígio, professor universitário, anarquista q.b. e um homem profundamente empenhado na luta pela liberdade. Joaquim Namorado, matemático e poeta de adiante falarei dirigiu durante dezenas de anos a “Vértice”, manteve-lhe a possível independência e foi, de certo modo, a alma do neo-realismo poético. Resistente, como os anteriores, corajoso, meteu-me o vício da leitura de revistas, revelou-me poetas de todo o mundo mesmo alguns que em nada seguiam o mesmo ideário literário-político. Finalmente Orlando de Carvalho, jurista, católico progressista, amador de cinema foi outro animador cultural brilhante e alma do Cineclube de Coimbra.

Houve outros claro, antes e depois (e neste depois, agigantam-se duas figuras, Jorge Delgado e Rui Feijó que acompanhei até ao fim e de quem guardo as melhores e mais gratas recordações.

Sei que esta não é a primeira, sequer a décima vez que os cito mas eu, para usar a expressão de bom amigo, colega e psiquiatra, “sou cão que conhece dono”. Devo a estes homens e a um largo par de outros, 99% do que sou ou do que penso.

Ora estas figuras surgiram-me do doce nevoeiro que os anos vão criando, por uma questão, pelos vistos, actual.

Discute-se, agora, o problema da incidência de dores menstruais no desempenho laboral das mulheres. Sobretudo o caso que não é rato destas dores serem passe a expressão realmente dolorosas e impeditivas de levar a cabo as tarefas quotidianas.

Isto que assune foros de actualidade foi algo que me ficou de um par de conversas tidas há cinquenta/sessenta anos com Joaquim Namorado que afirmava que num exame uma aluna com dores menstruais ficava sempre prejudicada quer em termos classificativos quer mesmo, em casos extremos, em termos de êxito escolar. Foi tão impressivo que nunca mais esqueci as suas palavras que, na altura, e ao que sei, eram absolutamente incomuns. Na ´época tinha amigas que, durante o período passavam francamente mal e isso impressionou-me o suficiente para, mais tarde, e numa instituição que durante anos dirigi, tivesse tomado uma série de iniciativas  de protecção às mães trabalhadoras, criando  um infantário, um jardim escola, uma creche enfim, uma série de instrumentos que lhes aliviasse um pouco as preocupações do dia a dia. E não foi coisa pouca, porquanto tudo o que era órgão de tutela veio meter o focinho  inquisidor, pedir explicações, justificações que consegui tornear explicando a um ministro, burro mas vaidoso e com ambições políticas, que com aquela medida evitava um gigantesco número de faltas e com isso poupava dinheiro. E acrescentava, num sussurro ao ouvido do político que dissera às centenas de subordinadas que a ideia fora dele ministro, atento e compassivo e muito dado ao social, e não minha. O homem subiu de peru a pavão, grunhiu um aplauso e quando visitou a minha instituição foi por recomendação sigilosa minha alvo de uma pequena homenagem das beneficiadas que, aliás sabiam bem o que se passava e comparavam a sua sorte com a de milhares de colegas de instituições similares onde estes progressos justíssimos e necessários não tinham chegado.

É claro que isto não abrangia os problemas do período menstrual mas eu sempre fui reformista e sabia de ciências certa que Roma e Pavia não se fizeram num dia. Apenas me espanta um facto: mais de quarenta anos depois e só agora começam a despontar interrogações, dúvidas e propostas sobre algo que, a meus olhos é fácil de resolver. Ou nem tanto como já vi afirmado por quem teme que os sinais evidentes de dor menstrual diminuam a luta pela igualdade salarial.

Arre! 

* na vinheta: a incompleta “História Universal” de Macedo Mendes, ou seja mais cinquenta e dois centímetros de estante

estes dias que passam 695

d'oliveira, 24.05.22

Original? Nem tanto!

mcr, 24-5-22

 

Era um alegre trio aquele que se reunia, em “A brasileira” naqueles finais de 60. O mais nov0 e o mais entusiástico era o “Médico”, estudante de Medicina, de su vero nome Américo Caseiro. que faria depois uma sólida carreira como psiquiatra. Que desde caloiro assumira uma postura muito “profissional”, ligeiramente pomposa mas atenuada por uma autocrítica constante e bem humorada. 

O segundo elemento era o Cunha Pinto, um estudante  não sei bem de quê que se mandara para Bruxelas onde ia tirando cursos que nunca completava para desespero de um pai rico e dono de cafés e hotéis na baixa. Não queria entrar na vida adulta e graças à generosa mesada paternal só vinha à pátria madrasta quando a paternidade enfurecida o cominava a regressar sob pena de lhe cortar os meios de subsistência. Era um leitor infatigável, sempre ao corrente das últimas modas culturais, sem presunção alguma . Viria a ter uma curiosa carreira de escritor de culto (três livros notáveis mas só apreciados por uma forte minoria e que lhe deram um lugar de destaque em “trabalhos e paixões de Benito Prada” (Fernando Assis Pacheco) onde a sua personagem enfeitada com um capachinho se cruza com outra com o meu nome, produtor de vinho do Porto e de uma aguardente, especial, especialíssima, de que um inspector da pide era grande apreciador. O Assis tinha essa amável mania de imortalizar os amigos dando-lhes pequenas aparições nesse divertidíssimo romance. E eu, claro estudante veterano de Direito, já sem especiais ilusões.  A nossa mesa, situava-se, obviamente na zona esquerda pois na Brasileira imperava uma divisão tácita de território entre democratas e situacionistas que se agrupavam do lado direito. Com uma excepção: a mesa, dita do aquário por ficar junto da janela direita que era propriedade privada e indiscutível de Joaquim Namorado, Paulo Quintela, Luís de Albuquerque , irmãos Vilaça e outros pesos pesados da oposicrática coimbrã.

Graças ao europeu Cunha Pinto, ao cepticismo do “Médico” e à minha francofilia nascida no turismo de Buarcos, olhávamos de alto a malta de outras mesas e éramos agraciados pelo livreiro Joaquim Machado, o fundador da “almedina” com volumosas pilhas de livros que ele nos destinava. E quando reclamávamos “O sr Machado não temos dinheiro para pagar a livralhada! Ele respondia, hão de ter, hão de ter e na verdade até tivemos.

O Joaquim Machado sabia vender livros mas raro foi o livreiro que permitiu a três rapazolas ter contas assim tão enormes. Lembro-me que consegui inclusive comprar os caríssimos volumes do “Traité des manieres de table” do Levi-Strauus e paga-los a conta gotas. Volta e meia, em cima do balcão da pastelaria, lá estava mais um embrulho da “Almedina” e nós, num alvoroço a tentar adivinhas a quem se destinava.

Esta pequena tertúlia era alimentada em novidades pelo Cunha Pinto que, de quando em quando caía por Coimbra, esporeado por mais um corte de verbas, e mais outro curso a meias. Estavamos na primeira fila das novidades culturais e não nos privávamos. Como nenhum grupo de amigos vive só de cultura pura e dura, também íamos observando o mundo que passava pelo “canal” as dias concorridíssimas ruas da Baixa coimbrã que ligam a Portagem a Santa Cruz  e para além do eterno e masculino passatempo de admirarmos “as virgens que passavam ao sol poente” tínhamos os nossos pequenos ódios de estimaçãoo. Dentre eles, um, um palerma encartado, muito senhor de si a quem alguém, num dia de nevoeiro chamara original. O rapazola acreditou e daí para a frente passeava-se majestoso entre o Arcádia e a Central mais inchado que a nau almirante da armada das Índias e a dar-lhe forte e feio na originalidade.

Nós embirrávamos com aquele garnisé que provavelmente desconhecia esta antipatia. Já não sei qual de nós, numa tarde cavaqueira que entendeu chamar-lhe original. ”Original, nem tanto que diabo!. Shega ori para nomear o fedúncio. 

De Ori a Origenes, sei lá porque razão foi um passo. Passo imprudente porque, por mero acaso, descobri que Origens era um teólogo cristão do seculo II ou III que se castrara a si mesmo e escrevera um texto contra Celso, o autor de “contra os Cristãos. E foi também um dos primeiros impulsionadores do culto mariânico  e da crescente importância da virgem Maria. 

Sai de cena Origenes e volta Ori. E desaparece do nosso universo porque eu formei-me, o Cunha Pinto voltou às andanças europeias e o Médico acaba o curso. Coimbra é, todos os sabem, um efémero ponto de passagem, abençoado pela “juventud divino tesoro” tão cara a Ruben Dario.

Mas a que vem estas emaranhadas memórias de já sessenta anos? Pois porque, já sem poder comunicar com os meus dois desaparecidos amigos, cheguei à conclusão que o dr. Miguel Sousa Tavares é ou pensa ser um original. Semanalmente, no Expresso, numa inteira página que ganharia em ser piedosamente  podada pela metade, o articulista esforça-se por mostrar à cidade e ao mundo que é um pensador original. Desta última vez apenas cito a caixa do artigo sobre a adesão da Suécia e da Finlândia à NATO  o que levou os políticos da Finlândia e Suécia a pedirem a adesão à Nato não foi a invasão da Ucrânia pela  Rússia e o medo de verem isso replicado nas suas fronteiras, mas sim o falhanço da invasão da Ucrânia pela Rússia.   (!!!)

O artigo tem o premonitório título  “tudo isto é triste o que seria uma boa autocrítica mas não é. Eu daria mais corda ao folhetim, mas acho que isso seria gastar demasiada cera com tão ruim defunto.. O homem é assim e já não muda Entrou numa complicada espiral argumentativa,  excitou-se com a polémica, julga-se numa arena a ver o touro espicaçado a ser vítima do diestro, ele, claro. 

Alguma leitora, talvez a Zé C, perguntar-se-á o que me leva a recordar estas tropelias, a lê-lo. Vou, uma vez por todas, responder: Ouço no corredor as botas do moço que vem buscar o folhetim e nada tenho pronto. Vai daí lembro-me do bey de Tunes e aí vai disto. Quando me falta tema, recorro a estes fantasmas que assolam os meus jornais e me tiram do sério e pimba, lá vai zaragatoa. E durmo a noite inteira de um só sono...

Ai como tudo isto é triste, como tudo isto existe, como tudo isto é fado...

 

(sob o nome de Leonel Brim, António Cunha Pinto escreveu três curiosos e excelentes romances:  Talvez Pinóquio” (Hiena ed) ”Os pés do cordeiro” e ”Magistério e desgosto” (ambos na Bizâncio) 

Autor de culto foi alvo de alguns artigos encomiásticos havendo mesmo alguém que no “independente” o considerava o “Joyce português”. Duvido que isso aquecesse ou arrefecesse o autor e, de todo o modo, não é verdade. Mas merece muito uma leitura. 

estes dias que passam 694

d'oliveira, 23.05.22

Notícias do bloqueio

Mcr, 23-5-22

(ou 4º dia de bicho mau)

 

Socorro-medo título de uma prestigiosa revista literária (fundamentalmente poética)dps anos 50 e que tinha o seu epicentro no Porto graças ao incansável trabalho do Egito Gonçalves, um poeta de grande qualidade com qu

Com ele participaram na aventura, o Daniel Filipe, uma bela voz que aprendi a conhecer e admirar logo que cheguei à Faculdade, e mais dois bons amigos, poetas também, com quem ainda tive o gosto de privar: António Rebordão Navarro e Luís Veiga Leitão. 

E gente de poesia comprometida mas que, para além desse testemunho de limpa cidadania, tinam especial cuidado com o que publicavam. DE todos eles, o caso mais curioso, será o de Faniel filipe, um cabo-verdiano cujps livros continuam a editar-se e a vender-se bem. Por razões que desconheço mas que atribuo à dificuldade de obter todas as licenças de autores lá publicaos ainda não há um fac-simile daqueles nove números publicados. 

No meu caso, o bloqueio foi outro: quando já me parecia ter salvo do vírus, com a CG a melhorar a olhos vistos (e a tornar-se menos cuidadosa) eis que, também eu, me comecei a sentir afectado mesmo que nada de especial sentisse: um certo cansaço, fotofobia (que é característica geral dos meus períodos de doença) perda de apetite, alguns esporádicos (muito esporádicos) ataques de tosse. Feito o teste lá estava tudo escarrapachado: covid. Toma lá que é para aprenderes, andavas a gabar-te que passavas entre as gotas da chuva mas Deus )ou o diabo) não dorme. Com tão poucos sintomas, julgo que até ao fom de semana posso dar por terminada esta etapa da minha vida. 

O que é curioso é que, fazendo como faço uma vida extremamente rotineira, sem sobressaltos, logo isto tinha de me acontecer numa semana (esta) cheia de acontecimentos: um almoço com amigas, um jantar com a malta do blogue, uma  sessão de instalação de uma impressora  que eu pra isso pago o que for pedido só para não verificar mais outra vez o quão info-excluído sou. E finalmente tinha sido convocado para a quarta dose da vacina! Arre, que jé é azar. 

Todavia não posso queixar-me depois do que já ouvi sobre a doença em gente da minha idade que parece ser carninha tenra para o vírus sacaníssimo. 

Se as coisas continuarem como até hoje, bem que posso erguer as mãozinhas ao céu. Trata-se de uns dias sem esplanada, sem ir pelo jornal que eu tenho muito respeito pelas poucos cidadãos com que costumo cruzar-me . Não será por esparvoada imprudência minha que alguém apanha o raio do vírus. 

Até hoje fui aguentando a provação. Quase sempre deitado num maple, olhos tapados com uma venda a ouvir ininterruptamente o canal “mezzo”. Ouvindo e dormitando com breves intervalos para as notícias que claro, me pareceram sensaboronas e desenxabidas pois a tv repete ao meio dia tudo o que dissera na noite anterior. Lá apanhei com a chumbada do Sr. Presidente em Timor. Como de costume, Sª Ex.ª carregou no over-drive do costume e lá acrescentou mais dez mil selfies ao seu carregado álbum. Quando chegar a vez de ir a Kiev. Vai ser ouro glorioso fartote mesmo se a ida del lá não aqueça nem arrefeça. Mas fica bem na arquivo do turismo político-militar. Claro que os ruusos vão ficar desesperados com esta vista mas a verdade é que se não queriam nada dito que se tivessem deixado ficar quietos a resmungar no seu canto.  

E assim, como se esperava, lá caiu Mariupol, aliás já tinha caído. De todo o modo, os russos que se gabam da resistência da fortaleza de Brest-Litovsk, cerca de oito dias e mereceu a atribuição do título de fortaleza heóica, deveriam ser comedidos nas comemorações. Entre iuma semana e três meses, há um forte diferença mesmo se o heroísmo não meça com régua e esquadro. 

Mais, o governo ucraniano teve o bom senso de ordenar  a rendição apesar de não haver qualwer espécie de garantias quanto ao tratamento decente dos prisioneiros de guerra. Os homens a as mulheres de defenderam Azofstahl imobilizaram durante semanas importantes forças russas e podem mesmo ter impedido outrs resultado espectáveis dada a desproporção de foras no terreno. 

Se os russos querem uma vitória, é simples: aceitem uma toca de prisioneiros, finjam que são gente decente mesmo se todas as evidências vão em sentido contrário. Esta vitória tal como se apresenta hoje, é pírrica e destituída de sentido. 

Entretanto e para voltar à vaca deia, eu lá vou tentando ganhar pequenos pontos ao bicho. E escreve o folhetim de hoje, já é qualquer coisinha.

Até à próxima. Cuidem-se. E pbrigado pelas mensagens que me tem chegado. 

estes dias que passam 693

d'oliveira, 20.05.22

Reescrever o passado ou andar distraída

mcr, 21-5-22

 

 

A revista do Expresso, relativa à ultima semana, traz mais uma vez um artigo sobre a crise de 1962 que, como vai sendo habitual, incorre nos mesmos erros de sempre.

Não negando o facto da crise ter tido o seu epicentro em Lisboa, conviria recordar que houve desde o primeiro dia uma presença significativa de estudantes de Coimbra. É verdade que a policia conseguiu travar uma série de autocarros e reenviar muitos dos que viajavam de  de comboio pelo expediente de mandar parar as composições e retirar todos os estudantes genericamente identificados pela capa e batina.

Entretanto, no primeiro comboio para Lisboa, iam cerca de cem estudantes que, eventualmente desconfiados do que lhes poderia suceder, mudaram já perto de Lisboa para um comboio suburbano que os conduziu até perto de Entrcampos, desembarcando aí e prosseguindo sem impedimento até à Cidade Universitária. Fiz parte desse grupo pelo que recordo perfeitamente o facto. Depois, foi o que se sabe, cargas policiais, esoancamentos, o costume.

A partir da semana que se seguiu, duas Assembleias Magnas proclamaram greves em Coimbra. Foram, é verdade, greves curtas mas provaram inquestionavelmente a solidariedade coimbrã. Aliás, a queima das Fitas foi suspensa e não se realizou, as equipas da Académica jogaram sempre com o sinal de luto académico (no caso um “fumo “ branco sobre o equipamento negro) e a Direcção Geral da AAC foi suspensa pelo Governo e encerrada a Associação.

Contra isso, houve duas ocupações das instalações associativas com forte participação de estudantes. Da segunda vez, a polícia deteve cerca de 250 ocupantes e transferiu para Caxias 44. (mais uma vez fiz parte desse escolhido grupo). A prisão durou para a grande maioria cerca de um mês. Em consequência da agitação estudantil foram expulsos de Coimbra por período variáveis, cerca de 35 estudantes o que representa dado o número diferente de matriculados nas diferentes universidades, um recorde absoluto e relativo.

Durante todo o tempo da crise em Lisboa, mantiveram-se contactos entre as duas Academias. Fiz, com Carlos Bravo, estudante de Geográficas, parte dos “enviados” de Coimbra para recolha e troca de informações e guardo desses dias tumultuosos a melhor das recordações.

Nada tenho contra o trabalho da jornalista mas surpreende-me as falhas de conhecimento de quem a informou. Há mesmo nesse grupo pelo menos uma pessoa, Helena Pato, que depois foi para Coimbra e que seguramente a poderia eludicar.

Tudo isto é História antiga , a maioria dos participantes na greve de 62 rondarão os oitenta anos, no caso de estarem ainda vivos mas isso não é motivo, muito menos razão para elidir da narrativa ma parte que foi, de todo o modo, substancial. Eas expulsões por períodos de um a dois anos das universidades ou apenas da universidade de Coimbra, acrescidas da lista dos presos (quase sempre por tempo claramente superior ao da imensa maioria dos detidos na Cantina Universitária) conferem aos estudantes de Coimbra um papel relevante na agitação académica que começada em 62 se prolongou intermitente ou vigorosa até 69.

Na vinheta: fotografias das minhas primeira e quinta prisões. Onze anos de diferença e mesmo de estatuto. Em 1973 já advogava e, por sinal, defendia uma razoável quantidade de estudantes, desta feita no Porto.

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Au bonheur des dames 497

d'oliveira, 19.05.22

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Faltam-me palavras

Mcr, 19-5.22

 

Parece que o PS “está perplexo” com o anúncio feito pelo Sr. Presidente da República sobre a data da visita do Primeiro Ministro a Zelensky.

Perplexo é uma palavra diplomática neste caso. Eu, pelo menos, estou bem mais que perplexo. E por várias razões. A primeira é esta: a que título o sr Presidente entendeu anunciar a data que, convenhamos, deveria ser algo de sigiloso, dada a natureza da visita e as possíveis ou meramente eventuais consequências do anuncio.

A Ucrânia está sobe intenso ataque russo e, no caso em concreto, um avião ou um míssil podem sempre atingir os dois estadistas que se reúnem.

Não que a presença do dr. António Costa constitua um perigo para Rússia pois Portugal, no cenário europeu é irrelevante militarmente. Todavia, neste tipo de situações e a exemplo do que ocorreu com todas as visitas anteriores ao presidente ucraniano, é de bom tom e claramente prudente, noticiar a posteriori o que ocorreu.

Vai nisto, também a segurança de Costa que irá visitar ainda a Roménia e que pode ser monitorizado desde esse país.

Depois, a que título um presidente de uma república se arma em porta voz do Governo e dos passos que este entende dar? É verdade que o dr. Marcelo Rebelo de Sousa foi jornalista mas é suposto que deixou essa nobre actividade há muitos anos e que a comunicação social actual dispensa o seu precioso concurso ou concorrência.

De resto a notícia em si mesma é irrelevante sobre qualquer ponto de vista. A ida de Costa à Ucrânia é meramente simbólica, implica apenas o Governo de Portugal e não necessita de arauto mesmo de um arauto tão altamente colocado. Há neste frenesi do Sr Presidente da República algo de estranho, mesmo de cómico e seguramente de ridículo.

Sª Ex.ª parece sentir a necessidade de constantemente se pôr em bicos de pés ou, pior, de desvalorizar as acções de outrem anunciando-as com antecipação como se as pretendesse desvalorizar.

Eu percebo que ir a Timor para assistir a uma tomada de posse interesse pouco ou nada a imensa maioria dos portugueses, para já não fala do resto do mundo que seguramente não dará qualquer espécie de relevo a esta viagem presidencial.

Provavelmente nem sequer os cidadãos timorenses se sentirão impressionados com a visita do mandatário português. Um Presidente de República, tirando o cargo altissonante, tem pouca ou nenhuma importância para a relação entre Timor e Portugal. Não decide, não pode prometer, qualquer ajuda substancial ou não. Poderá sempre dizer “duas a abater” mas não é um jogador, quanto muito é um “mirone”. E o mirone, sabe-se desde sempre, pelo menos nos jogos de mesa, “está calado e fornece tabaco”. Ou nem isso...

Porém, a perplexidade do PS não é assim tão natural. Será que não conhecem o homem que ajudaram a eleger para o cargo que hoje ocupa? Não recordam a sua voracidade em estar sempre no olho da fotografia, da notícia, mesmo quando, como antigamente, ele entendia criar o facto político e a  respectiva notícia?

Eu, pecador me confesso, não faço, não fiz e duvido de que alguma vez o faça, parto dos eleitores e admiradores do actual inquilino do palácio cor de rosa.

Não lhe nego a inteligência, a capacidade de trabalho ou a loquacidade comunicativa, bem pelo contrário. Mas, mesmo partilhando o mesmo nome (no meu caso já herdado de meu pai por vontade de uma avó demasiado culta para o seu tempo que versejava em várias línguas e lia Espronceda e Vitor Hugo) nunca senti o apelo da simpatia política e, menos ainda, ideológica.

E, como bom leitor do “Expresso” desde o primeiríssimo número, recordo o ataque gratuito a Balsemão a quem Marcelo Rebelo de Sousa, enquanto jovem falcão jornalista, chamou em momento absolutamente desisnspirado “lélé da cuca”.

Não irei tão longe (eu respeito as instituições republicanas e não uso esses processos e menos ainda esse género de expressões) mas não condenarei quem aproveite a boleia e o brinde da mesma maneira.

Apenas lembraria em latim, que é mais curial entre juristas que usam o nome do famoso sobrinho:

Est modus in rebus.

(para bom entendedor...)

na vinheta: tu Marcellus eris, pintura de Ingres onde se vê Virgílio lendo o seu poema diante de Augusto, sua irmã Octávia e Lívia e celebrando o malogrado jovem que era uma das grandes esperanças do Império e presumível sucessor do imperador.(para os mais curiosos cfr “Eneida”, VI, 863)

 

 

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