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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

au bonheur des dames 517

d'oliveira, 30.07.22

 

 

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A verdade é sempre revolucionária

mcr, 30-7-22

 

A frase que dá título ao folhetim será da autoria de Gramsci, um intelectual italiano e figura inquestionável do PCI.

No caso que hoje me ocupa, temos que uma prisão situada no território separatista de Donetsk foi bombardeado. Os russos afirmam que o bombardeamento foi feito pela Ucrânia e que matou uma quarentena de prisioneiros de guerra ucranianos. Também informaram que nenhum, nenhum – notem bem – dos guardas foi sequer ferido! Prodígios da guerra moderna e dos mísseis de precisão!...

Temos assim que, não contentes em perder soldados, os ucranianos eliminam os seus homens que se deixaram aprisionar !!!

Isto, aliás, no exacto momento em que os mesmos ucranianos mostram e julgam os prisioneiros de guerra russos. Por razões que me escapam estes prisioneiros inimigos são poupado se estão vivos.

Também se sabe, mas isso não foi negado, que mísseis russos de longo alcance atingiram os portos ucranianos de onde, segundo um acordo solene, sairiam barcos carregados de cereais para várias partes do mundo.

Os russos, desta feita, limitaram-se a dizer que esses bombardeamentos (dois dias seguidos, sem se saber se hoje voltaram a acontecer) não se destinavam aos silos de cereal mas a infra-estruturas militares ucranianas! Parece que as alegadas infra-estruturas estão intactas e que os misseis atingiram outras áreas mas não os cereais...

Aliás também se ouvem sempre o alto comando russo anunciar diariamentenotáveis progressos no bombardeamento de depósitos de material de guerra inimigo. Costas feita, por um amigo meu que tem uma evangélica paciência, levam-me a crer que só dos novos lançadores de mísseis fornecidos pelos americanos  já foram abatidos 47! O que não deixa de ser interessante se soubermos que ainda não foram entregues sequer quarenta. E, pior, se soubermos que alvos russos, quer no Donbass quer  na zona confinante com a Crimeia, são diariamente atingidos pelos eventualmente inexistentes mísseis !...

Também, e sempre nesta onda mansa de verdade revolucionária ficamos a saber que os milhares de alvos ditos civis ucranianos e atingidos pela artilharia, aviação e mísseis de longo alcance russos, eram afinal tremendo quartéis, carregados de armas. Mesmo quando vemos escolas em ruínas podem estar certos que aquilo que parecem carteiras de meninos são afinal espingardas, metralhadoras, bombas e outros malévolos artefactos destinados a matar os libertadores enviados por Putin, o novo pais dos povos. 

Bem faz o PCP, os seus filiados, os “amigos” e a restante comandita progressista e amante da paz entre os povos, incluindo os “russistas” nacionais, que pretende que esta guerra ão é uma guerra, que as duas partes (ditas agressor e agredido) são iguais, capitalistas e fascistas  e que nunca a antiga pátria dos falecidos sovietes (aliás mortos e enterrados por Lenin como se sabe) seria incapaz de levar a guerra sequer a uma colónia de vespas asiáticas quanto mais a “povos irmãos”.

Ese falei em sovietes é porque, a URSS também usou os mesmíssimos argumentos quando desencadeou a repressão do 17 de Junho em Berlin, quando invadiu a Hungria ou sufocou a “primavera de Praga”. Isto sem falar da fraternal invasão do Afeganistão...

Aliás, basta recordar as posições do PCP nestas alturas para verdadeiramente se entender que não houve nada de repressivo na actuação do exército e do partido comunista soviéticos...

Temos, pois, que a morte dos prisioneiros de guerra ucranianos (mas não dos guardas) foi perpetrada pelas hordas sinistras da Ucrânia que, como se sabe não foi invadia mas invadiu a Rússia e, provavelmente também a Bielorússia (de onde saíram, em Março passado, mais de 20.000 soldados russos rumo  a Kiev. 

Resta averiguar o caso de centenas de cidadãos ucranianos das cidades a norte da capital e que apareceram em valas comuns. Ainda se provará que foram também eles executados pelos nazis ucranianos que, desde sempre, tentaram destruir Moscovo ou S Petersburgo. Felizmente o camarada Putin benevolente ex-coronel da pide soviética vela pela paz e pelo progresso da Federação russa e, já agora, pela felicidade dos irmãos portugueses que o PCP (com a desinteressada ajuda de alguns intelectuais acima de toda a suspeição,  tão dignamente representa.

A “verdade, a áspera verdade” (Danton) opõe-se assim à verdade sempre revolucionária ou, traduzida em português e em calão à “verdade a que temos direito” (slogan do falecido jornal “O Diário” -1976-1990- , falecido após doença prolongada e exacerbada falta de leitores ).

 

* a vinheta : ilustração da famosa frase “gato escondido com o rabo de fora” Os amáveis bichanos não tem culpa nenhuma mas como se sabe há verdades que de tão verdadeiras acaba  escondidas com o rabo de fora...

 

au bonheur des dames 516

d'oliveira, 29.07.22

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Pergunta pouco inocente

Mcr 28-7-22

 

A propaganda oficial dá um retrato generoso de Portugal: bom clima, preços baixos, segurança acima da média, população cordial. Acresce que o país conta com algumas comunidades estrangeiras de que não há quaisquer queixas. A começar pelas duas comunidades asiáticas que, tudo indica, estarão perfeitamente integradas.

Depois seguem-se os brasileiros e várias comunidades europeias de que também não constam problemas de adaptação ao país. Finalmente, e sobretudo na grande Lisboa e no Algarve largos milhares de africanos provenientes maioritariamente das ex colónias (sobretudo Angola Guiné e Cabo Verde). As populações negras ou afro-descendentes não são novidade num país que teve colónias e, muito antes disso ser uma realidade, recebeu milhares de escravos.

Dessa primitiva população negra não restam quase traços tirando alguns nomes de ruas (rª das Pretas, Rª do Poço dos negros  etc...). A imensa maioria dos escravos vindos a partir do sec XVI foi-se miscigenando e desapareceu na população dita branca. A partir de meados do  do sec. XIX nem sequer com o começo da colonização mais intensa das colónias  se pode falar de afluência de negros a Portugal. Foi fundamentalmente a partir de 74 com a descolonização que, subitamente, tudo mudou: na grande massa de “retornados” não havia apenas colonos brancos ou mestiços mas também muitos negros que por razões diversas escolheram emigrar para Portugal. com o incremento das guerras civis na África ex-portuguesa aumentou o fluxo de africanos  e inclusivamente o de emigrantes oriundos de outros países africanos. Sempre na zona de Lisboa e arredores e um pouco mais a sul.  A este grupo há que acrescentar uma forte comunidade cabo-verdiana que apenas fugia da falta de trabalho, das secas sucessivas via em Portugal um meio de atingir outros países da UE. Se refiro essa comunidade é porque tem traços diferentes das provenientes de outras ex-colónias (Cabo Verde é fundamentalmente um  país mestiço e os seus naturais possuem um crioulo desenvolvido que disputa a primazia a ao português oficial).

De todo o modo não é a caracterização dos africanos e “afro-descendentes” que dá motivo a este post.

De facto o que me  irrita  (para além da presunção esparvoada e da pobreza ideológica) é o tipo de fatwas que alguns talibans (e talibanas) disparam sobre quem não partilha as absurdas teses da apropriação cultural de valores africanos por europeus. Em primeiro lugar, porque dada a colonização a África que hoje sobra sobretudo a urbana  (e as zonas urbanas abrigam, hoje, em muitos Estados africanos mais de metade da população) já tem uma gifantesca percentagem de traçs distintivos legados pelos europeus que normalmente as fundaram. Depois, os próprios Estados agricanos nas suas actuais fronteiras são um produto da colonizaçãoo e da Conferência de Berlin, com todos os temíveis defeitos e desastrosas consequências daí resultantes. As elites africanas são cada vez mais produto de um sistema de ensino ocidental o que com a “língua oficial “ de cada um desses países é  algo de profundamente mestiço e de apropriação cultural de todo um sistema ocidental (ou europeu) ali introduzido.

Tenho a convicção  (diria mesmo a certeza absoluta) que os filisteus (homens e mulheres) que execram um penteado africano numa mulher branca  não sabem sequer dez palavras dos maravilhosos e robusos vernáculos africanos que agora só circulam entre os muceques mais recentes e nas aldeias do interior ou, pelo menos, afastadas da influencia da cidade. Trata-se do maior, mais grave e mais profundo desastre cultural que afecta praticamente toda a África subsaharina.

H´por aí nas universidades portugueses cursos de “estudos africanos”que ensinarão tudo o que quiserem as imaginações mais delirantes e nada das línguas originais (e são umas centenas, mesmo se muitas sejam aparentadas) de África.

Aliás, em Portugal, que eu saiba, existirão cerca de duas dúzias de dicionários de vernáculos africanos, todos em edições mais que esgotadas devido ap cuidado das missões pois o conhecimento das línguas locais era imperioso para a “difusão da fé”...

Do contacto que mantenho com muitos intelectuais africanos  (provenientes das ex-colónias portuguesas  - eu odeio a palavra, aliás sigla, PALOP -  fiquei com a desolada ideia que –se falam e escrevem um excelente português – são absolutamente incapazes de perceber duas frases na língua dos seus antepassados.

Ora os convertidos à nova teses da “apropriação cultural”  fazem tábua rasa disto e, muito provavelmente, também pouco ou nada saberão dos mitos fundadores, da história pregressa africana, das religiões e de tudo  o resto. Isto, e sempre, no que toca às ex-colónias portuguesas.

Depois, o que ainda é mais curioso, nota-se que uma boa parte, eventualmente a maioria destes anti-racistas, anti-coloialistas e anti imperialistas de fresca data não tem nada a ver com os grupos independentistas que lutaram de armas na mão contra o regime colonial, ue povoaram as prisões desde o Tarrafal até à Machava e que, no “melhor” dos casos, apenas foram deportados para Portugal. São filhos e netos de Fanon, um antilhano psiquiatra, marxista e sartriano, licenciado por uma universidade francesa e cidadão francês. que de África apenas terá conhecido bem  a Argélia (mesmo se passou brevemente por mais dois ou três) o que é, convenhamos, pouco, muito pouco

Dois amigos com quem discuti parte do aqui deixo, entendem que se deveria acrescentar que muitos dos novos talibans seriam mestiços, isto é pessoas entre dois mundos e olhados com eventual desconfiança por ambos. Não considero isso importante  ou, pelo menos, suficientemente importante. É que me vem sempre à memória algo que Richard Wright , um grande escritor nego e americano ocntava da sua visita a um país africano: quando tentou contactar com aldeões negros este afirmaram que ele era branco. Estupefacto, RW perguntou porquê: responderam-lhe que ele usava óculos e se vesta como um branco. A cor negra era apenas o resultado do inclemente sol tropical!...

Depois a ideia da “apropriação cultural” impõe dilemas tremendos. Deverão os africanos ler Alexandre Dumas, mulato e romancista francês ou relega-lo-ão para o limbo dos ingénuos. E Horace Silver, esse portentoso jazzman cabo-verdiano? Vinicius de Morais que se intitulava o “branco mais negro do Brasil era o quê- um gatuno da poesia e música afro-braileira. De resto, o jazz é música negra mesmo quando tocado num piano instrumento seguramente “branco”?

Desconheço se nos povos indígenas das Américas do Sul e Central também há cultores de burrice grotesca E no Ásia? Será que do seio das grandes culturas hindus, chinesa ou japonesa surdem também inquisidores dfascizantes a proibir o uso da cabaia, do sari, do kimono?

Andarei eu a apropriar-me culturalmente dado ser possuidor de uma colecção de máscaras africanas, de gravuras japonesas, de umas centenas de obras de ficção e poesia africanas, bem como de outras de origem asiática?  Dever-se-á proibir a música de Dave Brubeck um branco e pianista de Jazz*? Serão os grandes dançarinos negros de ballet clássico 2apropriadores culturais? E as grandes cantoras líricas negras, poderão cantar óperas de Rossini ou Verdi?

Em resumo, esta imbecil guerra de fanáticos “afro-descendentes” se, porventura, tivesse alguma hipóteses de êxito criaria até cá ghettos infames bem piores do que certos bairros onde emigrantes de fresca data se acolhem. Com todas as consequências que se conhecem, violência radical incluída.

 

Na vinheta:  uma parede da casa de um “apropriador cultural português:.Da esquerda para a direita e de cima para baixo Domingos Pinho (cera) máscara Songhie (RD Congo) ana Maria (acílico) Diogo de Macedo (gouache) , Dario Alves (acrílico) José Rodrigues (tinta da China), António Modesto (aguarela), Bronze com soldado português (Benin) A Modesto (acrílico ), máscara Naga (Guine Conakri)

a 3ª mácara (acontar de cima é Dogon (Mali)

au bonheur des dames 515

d'oliveira, 27.07.22

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 A guerra das tranças proibidas

mcr, 27-7-22

 "...está  o Chiado carregado de mil tranças

mas tranças pretas ninguém como ela as tinha”

(tranças pretas fado antigo)

 já aqui me queixei: sou um provincial (o que ainda  passa) e um provinciano (o que é um defeito). Por várias razões todas péssimas. A mais grave é que já só sei de certas coisas pelos comentários atrasados dos jornais. 

E esta é uma delas-Uma senhora que não conheço, e que se chamará qualquer coisa Pereira, ousou  entrançar o cabelo à moda de África (ou à moda “rasta” que é puramente antilhana?). Saltaram-lhe ao caminho os filisteus do costume, inquisidores mais imbecis que preocupantes, que entenderam que  criatura por ser branca estava a “apropriar-se culturalmente” de algo definitivamente africano ou #africano-descendente” . e isso essa apropriação colonialista, racista, imperialista e racial, era mais uma prova da criminosa expropriaçãoo branca, imperialista e ocidental dos mais lídimos costumes e modas africanas.

A coisa vem contada por João Miguel Tavares um cronista do Público que, desta feita, leva demasiado a sério a burrice supina de uma outra criatura  (de raça desconhecida, eventualmente africano-descendente, o mesmo seria dizer não exactamente negra mas mestiça) que no papel de Vichinsky de saias e africano se bem que com passaporte português  exprobou a desenvoltura capilar da senhora Pereira  afirmando que ao africano as coisas africanas e à europeia bico calado e tranças à moda do Chiado como na epígrafe se pode ler.

Esta absurda, nem sequer pitoresca teoria da “apropriação cultural “  parece ser de sentido único. Qualquer criatura africana (ou africano descendente, queira isto dizer o que se quiser) pode usar o cabelo qye entender, incluindo peruca , suponho, trancinhas, com ou sem berloques, capulana se o entender (mesmo sabendo-se que as capulanas não eram fabricadas em África mas nos empórios coloniais que depois as vendiam caras e de duvidosa  duração às pobres colonizadas) e o que mais se lembrarão.

Ninguém repara na língua que a acusadora usa, o português que é seguramente uma apropriação de sentido contrário.

Também ninguém atende ao facto de as línguas vernáculas africanas estarem em iminente perigo de desaparecimento dado que todos os países africanos (não todos a Etiópia usa as suas línguas milenares, por exemplo) usam oficialmente a língua do antigo colonizador por entenderem que é a que mais facilmente se adequa à diversidade étnica do país cujas fronteiras traçadas a régua e esquadro pelos antigos colonizadores se mantêm com todas os males que isso suscita.

Também, pelos vistos, ninguém se manifesta contra outras apropriações culturais tais como o imoderado gosto de joias ocidentais (um cavalheiro africano retinto e banqueiro ( ou algo semelhante a isso... ) tinha e tem um imoderado gosto por relógios europeus de luxo, por apartamentos europeus e lisboetas de grande luxo, por toda uma série de coisas europeias caras e nem sempre de bom gosto mas luxuosas, oh quão luxuosas!, que adquiriu graças ao expediente (europeu?) de roubar umas centenas de milhões de euros às instituições que geria.

A  razão da não indignação africana ou africano-descendente é simples. Segundo um dos colaboradores permanente do “Expresso” a corrupção em África levada a cabo por políticos e empresários africanos é apenas uma normal consequência da colonização europeia e branca. Se esta não tivesse ocorrido (e no caso português  e das ex-colónias portuguesas os exemplos podem colher-se à pazada mesmo se a famosa colonização da  pátria dos heróis do mar, nação valente e etc... não tenha durado mais de cem anos porquanto os quinhentos que os iltra-nacionalistas apregoam nunca foi mais do que um arranhar nas costas africanas, em feitorias para onde se mandavam deportados e gente de mau viver  Tais tristes trópicos eram varridos pelas doenças africanas e pelas tribos belicosas que de quando em quando arrazavam tudo e dizimavam as guarnições enfraquecidas pelas febres e pela saudade.

Em Portugal, país que colonizou fracamente, que nunca teve os meios da sua ambição (e por isso apanhou com o ultimato e acabou por ser apenas o que foi mesmo se, num final apocalíptico e tremendo tenha aguentado a mais longa guerra colonial (aliás três) de que há memoria no século XX) estas discussões importadas de outros lugares só aparecem em certos pequenos círculos da periferia intelectual e ignorante de Lisboa.

Nda que se pareça com os EUA onde ao correr da aragem vão aparecendo e desaparecendo discussões igualmente acesas mas esereis mesmo se nesse país as comunidades negras tenham um outro peso e outras mais fortes razões.  (a última discussão, nossa, indígena, foi saber quem é que tinha o direito e o duvidoso privilégio de traduzir um poema medíocre de uma jovem afro americana lido durante a tomada de posse presidencial. É que havia quem uivasse que ou o tradutor era negro ou a tradução era falsa. Isto entre duas línguas francamente brancas e europeia...

O ridículo não mata mas devia deixar cicatriz como no caso dos golfinhos que se mordem desportivamente as cabeças e lombos.

Vivi em África alguns poucoe e felizes anos. Chateava os nossos criados porque queria aprender o máximo de palavras no vernáculo da região defrontava-me obviamente com dificuldades de toda a ordem pois o português dos serviçais era escasso e sobretudo nenhum deles sabia escrever. Agora, muitos, demasiados, anos mais velho possuo uma boa dúzia de dicionários dos vernáculos mais importantes (a começar pelo makua). E como aprendi todos os palavrões que consegui buscar, uso-os para insultar esta gentinha que cá, no quentinho, vai fingindo que defende os de lá que sofrem as maldades da variação climática, as canalhadas da administração corrupta, as investidas das seitas fanáticas, a fome e todas as privações imagináveis.  E apropriando-me de um título de um livro admirável de Allan Paton, também eu choro pelo amado país em que vivi em cujo combate modestamente me alistei como soldado raso. E à sombra de uma centena de autores africanos de várias cores cujas obra guardo com carinho e gratidão nestas estantes que me cercam , olho para esta gesticulação histérica e cretina e temo pelo futuro das duas párias esta que recebe essa fente e a outra da qual desertaram ignobilmente fingindo-se sei lá o quê.

O tempora o mores (outra apropriação de uma cultura e língua mortas...

 

Na vinheta: mascara zamble (etnia Guru, costa do Marfim –

atenção não confundir com outras máscaras de família próxima mas provenientes do povo Baúlé) colecção própria miseravelmente apropriada com mais umas largas dezenas por mim . com uma diferença  de peso: eu sei o que elas significam e para que servem e paguei-as pelo preço – alto!- pedido.

** uma nota para J M Tavares: não vale a pena reivindicar seja o que for de centenas de grandes músicos negos: Todos eles usaram instrumentos europeus, todos trazem também a marca de antigas músicas europeias e é isso , essa mistura de raízes fortes e generosas que torna o jazz, o blues e as restantes músicas  arte imortal.

Lady Day ou Satchmo  nunca pensaram nessas fronteiras cretinas que ,agora, por cá, três palermas usam.

 

E corra essa canzoada fraudulenta com esta interjeição insultuosa chope: Suka! 

 

au bonheur des dames 514

d'oliveira, 26.07.22

Um centenário já está,  a ver vamos como será o seguinte

 

mcr, 26-7-22

 

fiz, como eventualmente algum leitor mais generoso terá reparado, uma pausa de alguns dias neste desenfadado quase-diário que vou deixando por aqui. 

A razão desta ausência é simples, a minha Mãe celebrou com forte estrondo o seu primeiro centenário e ameaça estar pronta para outra experiência semelhante mesmo que as probabilidades joguem contra ela.

Todavia, a old lady (é assim que eu e a prima Maria Manuel chamamos às respectivas nossas progenitoras) divertiu-se como uma cabinda, confessou que tinha gostado da festa que pouco mais foi do que um almoço de aniversário. 

Tudo isto foi engendrado pelo meu irmão acolitado e fortemente ajudado pela mulher e pela cunhada que se terão esfalfado em tudo o que era pormenor prática deixando-lhe a ele a “estratégia”. Traduzindo ele teve a ideia deu um par de palpites e depois as manas esfalfaram-se. O costume... 

Eu, vivendo a 300 quilómetros bem puxados, fui, como calculam, poupado a essas tarefas quer de estratégia quer de  táctica. Viver na província tem as suas vantagens. 

Isto de ser o mais velho dá vantagens especiais tanto mais que nunca troquei os direitos de primogenitura por qualquer prato de lentilhas. (aliás e aqui para nós nunca vi lentilhas, muito menos as comi e, com a idade que levo, tenho fortes dúvidas que alguma vez me cruze com tal legume cozinhado ou ao natural. 

Portanto acompanhado pela CG acomodei-me desde sexta feira na casa materna. Prestando serviços quase mínimos e preparando-me, mental e fisicamente, para a festa do centenário. 

 

 

Nesta família da parte da minha mãe há uma enxurrada de tios, primos e demais descendência que desemboca nos três netos do meu irmão. Melhor dizendo a minha mãe ainda teve duas crias, dois tios ficaram-se por uma (aliás um e uma) enquanto os dois restantes tios imbuídos de forte sentimento patriótico apresentam a conta de doze entre rapazes e raparigas (enfim entre sexagenários e quinquagenários...) que por sua vez tem feito alguns esforços (moderados, aliás) na defesa do património genético nacional. Essa geração está já toda na universidade. Não foi uma reunião demasiado grande na medida em que o meu irmão (que leva estas coisas com rigor milimétrico...) entendeu que a festa tinha de cair exactamente no dia do aniversário, dia útil o que, desde logo, impedia alguns familiares  de participar. Depois, outros primos estão espalhados por vários países (Grã Bretanha, Holanda, Cabo Verde, Angola e Alemanha) Desses apenas a minha sobrinha pode vir. A extrema idade  de alguns tios também os impediu de participar. (e quando falo de extrema idade atiro a coisa para cima dos noventa anos... o que acrescido a que vivem longe tornava tudo mais complicado. De todo o modo arregimentaram-se quase quarenta preopinantes entre familiares e amigos muito, mas muito, próximos. E houve quatro faltas mesmo na hora de soar o gongue. O covid atacou uma cunhada, dois primos e uma sobrinha (que vinha expressamente de Sheffield na Inglaterra para os anos da avó. Já é galo! Pior do que isso. Na manhã do dia da festa fez um desses testes manhosos e deu positivo. Na tarde do mesmo dia mas já recolhida voltou a testar e afinal deu negativo. Bem feito para quem tem a mania de andar sempre a tentar o diabo ... 

Aqui para nós, eu temia que a minha Mãe não adorasse a surpresa (isto digo eu pois às tantas, já desconfiava que ela, para essas coisas, até parece ter um pacto com o Maligno). Depois, a excelente Senhora que ainda vive sozinha (!!) está óptima de tudo excepto uma surdez  valente, má visão e uns pés que ela jura que estão demasiado gastos. No resto prova que a velhice é apenas um  estado de espírito. Memória de ferro  e apetite devorador, boa disposição, muito bom senso, enfim ela é, e desde há muito a matriarca da família.

Portanto, apesar da caminhada, parte dela em cadeira de rodas (foi a segunda vez que vi tal peça em uso...) estava radiante.  Medalha de ouro com palma para o meu  irmão e menção mais que honrosa  para as suas coadjuvantes. 

Que dizer mais do que isto? Que encontrei barrigudos, de cabelos brancos, meninos que conheci ao colo das mães, que tive a enorme alegria de ver duas amigas e de recordarmos juntos que nos conhecemos e amamos há 75 anos... 

Ou que conversei animadamente com uma prima que já vai no segundo ano de faculdade, filha de um primo direito que vi nascer! E que gosta de ler!!!...  E leva a sua amabilidade  até ao ponto de me ir lendo por aqui.!

Claro que as famílias dão para tudo mas é neste tipo de reuniões que temos as maiores surpresas e pensamos no que diriam os nosso que já cá não estão se nos pudessem agora ver.

Quanto a centenários este foi o primeiro muito embora tenha havido já fartas ameaças que se tem dissipado na praia dos noventa e muitos anos.  

À cautela combinei com as minhas amigas já referidas que urge levar a cabo uma reunião dos meninos que brincaram na praia da  Buarcos nos anos 40 e 50 mesmo sem a desculpa de uma data redonda. Se tudo correr como espero ainda será este ano. E lá, na Figueira de onde viemos todos ou quase sob a batuta do Nelito Pinguel que, mesmo viajando, neste momento, pelos mares do Sul está já notificado que tem de começar a preparar tudo. 

Temos de provar a nós próprios e uns aos outros que ainda estamos vivos e capazes de fazer a festa. 

 

 

estes dias que passam 716

d'oliveira, 20.07.22

“Les temps sont difficiles”

mcr, 20-7-22

 

 

recorro a um título de Léo Ferré, cantor que me acompanha desde os anos sessenta, poeta admirável embora , de quando em quando, cedesse ao panfleto e à facilidade daqueles anos em que (palavras suas) “a poesia estava na rua”. Convém, no entanto, dizer que mesmo nessas piscadelas de olho à espuma dos dias e a uma revolução pedida mas não partilhada pela mesma “rua”, havia humor, invenção talento  nada que se comparasse com a vulgata “cançoneteira”  de outros alegados arautos  de um mundo novo que se confundia com um outro bem mais velho e pouco recomendável. 

Foi por acaso que escolhi o título. De facto meti uma “pen” carregada de música no carro e saiu-me o Ferré. (eu agora tenho uma dezena de pens carregadinhas com todo o tipo de músicas e de géneros, tudo a esmo, para ouvir enquanto guio. ) 

Ora a discussão do “estado da Nação”, umas páginas de jornal sobre o mesmo tema deram-me, de bandeja, o título do folhetim. Valha a verdade que Léo Ferré tem pelo menos três canções com este título todas inspiradas nos anos 63 a 65 em França e, obviamente, críticas da política então seguida. 

E, então o dito estado da pátria madrasta?  Pois, na verdade, não encontrei melhor comentário que a tira de Luís Afonso  na última página do Público. Duas figuras perguntam-se sobre o tema e o barman anuncia que vai ligar para saber. Do outro lado do fio sai-lhe uma “unidade de cuidados paliativos”.

De facto, se pusermos de lado a pipa de massa que está a chegar da Europa para o famigerado PRR, as notícias sobre a Nação não são especialmente risonhas e futurantes.

É bom dizer, mesmo sem querer defender o actual Governo que mostra já as fissuras evidentes que se anunciavam desde o primeiro dia, que em cuidados paliativos temos andado desde o século XVIII , caindo aqui, tropeçando mais adiante, titubeando quase sempre, amparados aos ouros do Brasil, às remessas de emigrantes, a voraz e breve cornucópia de algum investimento estrangeiro. A “crise” endémica e instalada resistiu a tudo e os indígenas também a atribuíram a tudo excepto a eles próprios. Foram as invasões francesas, o ingratidão do Brasil, a guerra civil, a carta constitucional, o ultimato, a reacção contra a república,  a guerra, a crise internacional, a ditadura, outra vez a guerra (desta feita lá fora...) o corporativismo, a emigração, outra vez a guerra (agora em África de onde, valha a verdade pouco ou nada trouxemos mesmo vendendo panos aos “pretos” e vinho a martelo. A África imperial, nacional e nossa estava ocupada fracamente por umas dúzias de companhias estrangeiras de que apenas éramos vagos gerentes. De resto a nossa presença nesses sertões durou cerca de um século pois antes aquilo não passava de um punhado de feitorias perdidas na costa onde se trocava pouco por coisa nenhuma. Os 500 anos de acção civilizadora – ou colonial – nunca o foram de facto.  ) 

Feita a revolução, e passada a efervescência revocionaristisca, começou-se a tentar ir para a Europa (coisa que sempre os nossos emigrantes fizeram, aliás e com algum sucesso). 

É verdade (e nunca o devemos esquecer) que 74 nos trouxe a liberdade e a democracia mas, no que toca ao desenvolvimento do país,  as coisas não melhoraram significativamente. E agora é o que se vê, se sabe ou se pressente. 

Há uma díivida pública excessiva, uma classe política irrelevante mas ambiciosa, um empresariado frágil e, em larga escala mal preparado, trabalhadores pouco produtivos e sempre mal pagos, interior abandonado e um litoral sobre-ocupado que tenta viver do turismo de pé descalço e de umas dezenas de campos de golfe. 

Como de costume, os últimos dez/quinze anos foram assinalados como crise, troika, reversão mais crise, mais precariedade, mais dinheiros vindos de fora e uma emigração menos evidente do que há sessenta anos mas contínua e sobretudo  levando gente mais preparada. 

Agora, uma vez passada a pandemia descobrimos que falta mão de obra no turismo, nas empresas agrícolas, nos aeroportos, na TAP. Ai Jesus como é que vamos receber os camones que chegam nos low cost e querem ser servidos? 

Também há hospitais a rebentar pelas costuras, multidões nacionais a fugir para as seguradoras de saúde, escolas com falta de professores e comboios que não andam devido ao calor, à falta de ar condicionado e a mais dez razões entre as quais, as greves  que não são só as do guardas florestais em plena época de fogos. 

Parece que, mesmo no seio dos apoiantes do Governo há indícios cada vez mais estridentes de desconforto com a dr.ª Temido, a criatura da Agricultura, o abencerragem das infra-estruturas e por aí fora. 

É sabido que o dr. Costa detesta remodelar seja o que for, pelo que é duvidoso que estas criaturas sejam devolvidas à mediocridade de onde nunca deveriam ter saído. 

As reformas ditas estruturais não avançam como se sabe mas em contrapartida voltou a regionalização que, fora criar mais uns centos de empregos para boys & girls nada de novo trará.  E isso mesmo já foi claramente expresso há uns anos quando a proposta foi rotundamente recusada. Agora com a população cada vez mais concentrada no litoral volta a surgir o mesmo fantasma sem sequer se perceber que uma simples mas profunda descentralização administrativa, uma nova relevância dada aos municípios e freguesias resolveria melhor e com maior proximidade praticamente tudo o que atirado para cima da regionalização. Há quem ainda não tenha percebido que, num país de dez milhões de habitantes, cinco regiões (e falo do mínimo proposto)são de mais. 

Dir-se-ia que por vezes há problemas que extravasam o município. Claro que há e para isso já de há muito se propuseram acções plurimunicipais e o pouco que fez provou que isso era viável, simples e –mais uma vez – próximo das pessoas. 

Em Portugal olha-se demasiado para o exterior sem cuidar de saber se as receitas de lá vindas se aplicam à nossa realidade histórica, social e cultural. Há uma ideia – peregrina – de fazer tábua rasa de tudo – para reinventar um país que nunca existiu e que provavelmente nunca prosperará. 

A famosa luta contra o centralismo parece ignorar que os deputados em vez de representarem verdadeiros círculos eleitorais e eleitores que a todo o momento os poderiam chamar à pedra, são eleitos à molhada e por isso mesmo irresponsáveis perante os eleitores. A ideia simples da eleição nominal foi postergada por medo ao caciquismo e trouxe como consequência o poder esconso, escondido dos aparelhos partidários, a multiplicação de deputados paraquedistas que são eleitos em zonas onde nunca puseram os pés, onde não provaram nada . Daí o triste espectáculo de um areópago onde 90%dos preopinantes apenas serve para levantar e sentar o dito cujo, às ordens da “direccção da bancada parlamentar”. ..

Não admira que os mais capazes se recusem à aventura parlamentar e que a maioria dos cidadãos ignore as suas identidades quando não despreza os poucos que conhece. E que são eleitos no fundo das listas  premiando assim serviços miúdos, obediência canina e fidelidade a  toda a prova. 

E qual é o resultado de tudo isto? Pois uma taxa de abstenção que ronda os cinquenta por cento nas principais eleições (as legislativas) e sobe ainda mais noutras (por exemplo as europeias). Desinteresse das  pessoas? Não. Apenas falta de alternativa interessante na escolha. Umas dezenas de milhares de eleitores ainda se dão ao trabalho de irem às urnas para votar branco, um sinal terrível de desconfiança no “produto” que lhes é proposto. 

Claro que para os males de que todos se queixam há sempre desculpas (mau anterior governo, uma qualquer troika malvada, alterações climáticas, seca severa, fogos florestais, , senhorios malvados e ambiciosos (cfr declarações recentes de uma criatura  que é desde há sei lá quantos anos o presidente de uma fantasmática associação de inquilinos. A pobre criatura afirma que com o aumento dos combustíveis, se torna impossível pagar as rendas das casas. Este representante de inquilinos deve ser algo idêntico ao representante dos utentes da ponte 25 de Abril, idem dos idosos e reformados, e por aí fora. Gente que se autopromove à custa de um grupo de amigalhaços e frente à indiferença de todos os restantes cidadãos na mesma situação que fogem deste tipo de associações como o diabo da cruz. Curiosamente, ou talvez não, vai-se a ver e vem tudo do mesmo pequeno sector  político, minoritário mas capaz de fingir grandes mobilizações  quando convém  a quem o dinamiza.  

E o país à espera. À espera dos dinheiros da bzooka, dos fogos florestais, cunha atempada e salvadora, dos bombeiros, das férias de Verão, dos subsídiozinhos c com que se lhes vai entretendo as carências e do totoloto ou da raspadinha onde se gasta dez vezes mais do que em qualquer outra necessidade premente. 

E no fim vai-se a ver e a dinheirama cai na estranja ..

Quem achar que estou a ser um velho do restelo só tem um caminho: ir ver as discussões que começaram hoje sobre o estado da Nação. Depois digam qualquer  coisinha...

 

au bonheur des dames 513

d'oliveira, 18.07.22

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Fogo sobre o contribuinte

mcr  18-7-22

 

Fui hoje à minha repartição de finanças pata pagar o “selo do carro” que agora tem outro nome mas é rigorosamente a mesma punção na algibeira do contribuinte.

Para começar, mantem-se as filas à porta pois deixou de haver, à entrada, uma máquina onde as pessoas podiam, com comodidade, dizer ao que vinham e obter uma senha.

Lá dentro de cerca de 16 guichets  utilizáveis apenas cinco estavam ocupados. Não sei se é por baixas, pelo covid, pelos fogos, por férias ou apenas por desprezo por quem ainda quer pagar o que deve ao Estado.

Quando chegou a minha vez, já dentro do edifício, uma senhora numa secretária logo à entrada começou por me perguntar  se eu tinha marcação.

Estupefacto, expliquei que não, que  apenas queria pagar o “selo do automóvel” E acrescentei que dois meses antes, para  fazer idêntico pagamento, ninguém me perguntara se tinha marcação.

“Nada feito”, retorquiu a funcionária, “afora é preciso marcação . Para que dia quer?”.

Eu pago os impostos todos sem refilar mas sem dar gritos de alegria pelo cumprimento desse patriótico dever a que correspondem muito poucos direitos. E assim, entendi insistir: “não venho cá pedir dinheiro, venho entrega-lo!”

E propunha-me já o dia de amanhã. Recusei. ”E hoje à tarde?”

Vejam bem a bambochata que tudo isto é. Voltei a insistir no meu direito, tanto mais que o guichet desse tipo de pagamentos estava desoladoramente vazio.

A funcionária não cedia pelo que recorri ao grande argumento: “se não puder pagar agora faça o favor de me trazer o livro das reclamações”.

Este livro deve ser mágico. À sua simples menção a funcionária levantou-se e foi segredar qualquer coisa ao guichet já referido. Na volta, anunciou-me que eu podia entrar e esperar.

E esperei um bom quarto de hora té a excelentíssima criatura fo guichet fazer o alto favor de me atender. Bastou-me declarar o meu nº de contribuinte e lá apareceu radioso o pagamento a efectuar. Um minuto! Porventura 59 segundos. Ou menos!

No meio da troca de palavras, a primeira funcionária queria o meu no de telefone. Recusei-me em nome da privacidade dos meus dados. O mesmo sucedeu com o  endereço do meu correio electrónico. Não precisam dele para nada, ou melhor com um destes eelementos eu era despachado para uma espera pela comunicação de algo tão simples como pagar um imposto. A funcionária não insistiu muito depois de eu lhe dizer que era advogado. S advogados são uns chatos de primeira e qualquer funcionário que se preze prefere vê-los de longe.

Confesso que também gostaria de ver de muito longe, a uns anos luz, os cavalheiros do fisco. Do primeiro ao último, munistro incluído. Mas o fisco é como um polvo. Tentacular. Sempre à espreita. Não perdoa um atraso. Mesmo sabendo, como sabe, que se for para arbitragem o conflito tem mais possibilidades de perder  (66%) do que de ganhar. Mas sabe que os cidadãos são ignorantes. Que temem o Estado. Que não querem chatices. Que não estão habituados a reclamar. Que nem sequer sabem que podem reclamar.

*na vinheta: máscara elefante “mbap mteng” etnia Bamileké (Camarões). Estas máscaras podem atingir mais de metro e meio e são extremamente coloridas. E caras!

De todo o modo, os amadores de arte primeiras africanas podem (e devem) visitar a “African Art” ou “galeria africana”, na Rª D João IV 303 no Porto. O proprietário, o sr Keita, originário do Mali  mas radicado em Portugal sabe o que vende, é simpático, explica as peças e a origem delas e tem de tudo “como na botica” Há peças boas, algumas muito boas, e peças para todos os preços  E duas ou três dúzias de  livros sobre arte africana  onde se podem tirar teimas. Suponho que está na internet

 

 

au bonheur des dames 512

d'oliveira, 17.07.22

Frenesi estival

mcr. 17-7-22

 

Acalmaram ligeiramente as temperaturas e os incêndios o que não significa qualquer espécie de sossego para o resto do verão (que é muito, uma eternidade...) que ainda nos falta.

Entramos pois na silly season com os jornalistas entusiasmados com uma extraordinária projecção sobre as futuras eleições presidenciais. Ou está toda a gente farta de Marcelo (o que não seria especialmente admirável...) ou então não tem outros jogos malabares para se entreterem.

E então o que temos? Pois Gouveia e Melo à frente das hipóteses, sobretudo se Costa não se candidatar. Percebe-se a razão tanto mais que, neste momento, o Governo está na mó debaixo, mesmo depois da inusitada e inesperada maioria absoluta obtida.

Ainda hoje há quem tente perceber essa estranha eleição legislativa em que as sondagens (todas ou quase todas...) mostravam um PPD ameaçador.

É bem possível que, por isso mesmo, tenha havido um toque de sinos a rebate na Esquerda e o voto útil se ter imposto ainda mais depois das burrices do BE e do PC. De todo o modo estes dois partidos já sabiam (ou deviam saber) que os eleitores, mesmo os mais acirrados, não perdoam e, menos ainda, compreendem, os votos parvos, as obstruções, as condições inaceitáveis postas ao PS para não chumbar um orçamento. 

Todavia a hecatombe à esquerda não justifica sozinha a maioria absoluta. Houve igualmente, uma convulsão à dieita que feriu de morte o CDS e fez disparar as votações no Chega e na IL.

De todo o modo, a realidade do momento é mesmo esta: há fogo, vai haver gogo, arderam mais hectares do que em igual período de 17 e a alguns ministros em justa, justíssima, perda de prestígio. Já nem se fala do cavalheiro das perninhas de banqueiro alemão a tremer pois isso era algo que, mais do que escrito nas estrelas se antevia há muito. E, antevê-se mais porquanto a TAP não descola antes titubeia tanto o u mais que as outras, os comboios ainda estão por comprar e, muito mais, por andar nos carris nacionais.

Aliás o “jovem” Pedro Nuno perdeu pau e bola ao não se atrever a demitir-se. Na ânsia de conservar o lugar deixou-se enredar na teia de Costa e perdeu a confiança de muitos que o creditavam como um homem forte e um político corajoso.

Quem também está frágil ´é a senhora da Saúde. Eu, que dou acusado de estar sempre a apouca-la, nunca duvidei que aquilo era uma bola de sabão. Agora as urgências obstétricas e pediátricas  estão que fervem. Outras se lhes seguirão que a sangria no SNS vai ainda no adro.

Vale a pena repegar em Gouveia e Melo apenas para recordar aos mais desatentos que o almirante veio (para sorte nossa) substituir uma criatura incapaz, politicamente (mal) escolhida que rapidamente mostrou que não servia para gerir o combate à pandemia. Essa escolha sem pés nem cabeça foi da Ministra ou, pelo menos, ela subscreveu-a. Em felizmente poucas semanas o homem a tinha dado com os burrinhos na água e uma providencial crise num hospital que também era da sua responsabilidade deu azo à sua precipitada defenestração.

Todavia, a Ministra, graças à acção de Melo e respectiva equipa de militares, pode adornar-se com alguns louros de uma vitória  para que manifestamente pouco ou nada contribuíra.

Foi muito festejada, incluindo a promoção interesseira de Costa que fingiu que ela era uma concorrente de peso à sua sucessão, a senhora aceitou tudo isso sem perceber emas como acima se disse, a bola de sabão acaba sempre por rebentar.

E pronto, eis aqui, e agora, um divertimento estival, leve e inconsequente. Uma jornalista avança mais alguns nomes (Portas, Marques Mendes, Santos Silva) mas tudo isso é lenha para uma fogueira muito ao gosto e ao desgosto da época.

Pessoalmente sempre desconfiei dos futurólogos, das bolas de cristal  que não tenho nem quero ter e no Verão só me apete ir a banhos,  aviar em boa companhia umas sardinhas ou ganhar o euro-milhões que está gordo  que se farta.  

Dois anos é muito tempo, sobretudo para quem não sabe se ainda por cá estará.

O que for logo se verá.

 

 

estes dias que passam 715

d'oliveira, 15.07.22

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O que arde sem se ver

mcr, 15-7-22

 

o é , seguramente, o fogo, todos os fogos o fogo (com permissão de Cortazar)  que esse vê-se de todo o lado, por todo o lado. 

O que arde é ausência de medidas estruturais que signifiquem verdadeiras opções contra os fogos que todos os anos nos afligem, nos empobrecem e, por vezes, nos matam. 

É evidente que tais medidas demorarão no tempo mas não é menos verdade é que, depois daquele ano negro (e já lá vão cinco longos anos) já está mais que feita a autópsia dos males maiores que se abatem sobre este desgraçado país. 

Também é verdade que o cadastro (ai o cadastro) é uma miragem, que o aquecimento global é uma débil voz no deserto e no negrume dos rescaldos, que isto e e que aquilo. 

Isto não vai com empurrões com a barriga nem com o varrer as culpas para debaixo do tapete. 

Todos nós vimos, vemos e veremos as paisagens a arder, os matos por todo o lado, à beira das casas como se nada fosse.

É verdade que dos terrenos de proprietários desconhecidos o fogo avança sobre os terrenos de gente que pouco tem, que pouco pode fazer, sobre vinhas, pinhal, pomares, hortas  e jardins. Sobre colmeias preciosas por todas as razões e mais uma, que sem abelhas não haverá fruta  que se veja. 

São mais que muitas as casas abandonadas, em ruínas que agora são pasto das chamas e veículo ideal para fogos junto de outras casas essas habitadas por uma população envelhecida, exausta que resiste, que tent sobreviver. 

Não há cadastro e muito menos vergonha. Não há uma merda de uma lei que declare perdido a favor do Estado, dos municípios, das freguesias aquilo que há muito está abandonado onde florescem os matos, e a madeira seca. 

Eu ouvi o Sr Primeiro Ministro apelar aos eventuais proprietários um esforço para cadastrar propriedades que muito provavelmente eles ignoram. A raxões para crer que que de tão divididas as heranças sobre a cada um duas dúzias de metros quadrados desoladamente escondidos na mata que cresceu desordenada, onde os caminhos, se é que os houve desapareceram bem como quaisquer marcos ou sinais identificadores de posse.

A verdade é simples: em cinquenta/setenta anos as populações fugiram, desapareceram, morreram . Sobram raros velhos em aldeias fantasma ou perdidos na lonjura. 

Nada fixou populações no interior sequer nas vilas e cidades. Nem o Estado ajudou quando, paulatinamente, foi extinguindo serviços públicos numa lógica que mostra bem que a famosa regionalização é apenas um verbo de encher em que nem sequer os seus apoiantes verdadeiramente acreditam.

O campo esvaziou-se  e o que resta vazio estará  baldio dentro de uma /duas dúzias de anos. A agricultura produtiva que virá, se vier,  necessitará de muito  pouca mão de obra. E serão jornaleiros, emigrantes trazidos de países exóticos a preço de saldo e sem qualquer vontade de se agarrar ao terrunho.  Só meia dúzia de patéticos arautos de uma nova maneira de viver, urbanos até ao sabugo e desconhecedores de tudo o que é rural é que virão para os novos desertos.

É pessimismo isto?

Antes não fosse mas pelo andar da carruagem com o fogo a aquecer a aragem não se vê  jeitos de a coisa ser diferente.

É verdade que a terá (e a Terra) é mais forte do que muitos apregoam, que a vida renasce a cada canto  mas a criação de uma nova classe de médios camponeses que se sintam confortáveis a viver da terra, a cuidar da mata, a plantar as árvores que serão  frondosas e úteis no tempo de filhos ou de netos não deitará raízes neste labirinto de leis morta de burocracia invasiva de descaso do Estado e de todas as restantes autoridades.

Estamos a meio de Julho, um Julho que, valha a verdade, é o mais quente de sempre (ou um dos mais quentes...) e já ha mais área ardida do que em todo o ano passado. E seria bom verificar se não há mais área ardida do que em todos os Julhos passados mesmo se ainda nos restam duas boas semanas.

Sem inocentar os governos sucessivos desta inditoso país, conviria, porém, lembrar que este Governo é o mesmo de há seis anos. Que assistiu à tragédia de Pedrogão; que jurou fazer e acontecer; que criou comissões, encomendou estudos ao desbarato; Tudo isto mais as compras de aviões, a nacionalizaçãoo do SIRESP as eventuais dotções de meios (sempre insuficientes – os famosos meios finitos daquele ministro penteadinho que sucedeu a Cabrita o que se gabava de ter vencido o fogo sem perceber que foi apenas a meteorologia  que o salvou da sua reconhecida falta de qualidade e que permitiu uma trégua nesta “duvidosa batalha”.

Até a guerra na Ucrânia com o seu infinito cortejo de atrocidades, com a destruição total de cidades que demorarão anos a reconstruir, cos a gigantesca debandada de milhões de pessoas espavoridas   (ainda ontem duas universidades, uma clínica, seis crianças fora os restantes vinte mortos mostram para que servem os mísseis certeiros da horda invasora que, desta feita os disparou de submarinos no mar Negro...) foi varrida para os cafundós dos noticiários televisivos que relatam, repetem, repetem as repetições num monólogo sinistro, e em maus português, o que poderia escorreitamente ser dito em dez minutos de verdade e limpos de narizes de cera . 

Mas não, os pivots, os reporters no terreno extasiam-se na descrição repetida do horror, no pormenor, de uma chama, no lamento de um cidadão velho e subitamente ainda mais arruinado não percebendo que tanto drama, vezes sem conta repetido, tão mal tratado e servido, cansa o espctador mesmo o mais voyeur.

E nisso serviço público e privadas competem violentamente, espojam-se em notícias requentadas ao longo d o dia e das emissões. E ouvem o “povo”. E o “povo” agradecido lá diz duas banalidades ou duas asneiras  que só o seu evidente sofrimento perdoa ou justifica. Lamento muito mas a reportagem de cinco minutos sobre “A das vacas de cima” com dois pardieiros a arder e uma mulher a correr com um balde na mão  e um fundo de fumarolas ameaçadores a descer pelas ladeiras da serra não me informa nada, não me ensina nada. A mim e a qualquer outra pessoa que se sinta solidária, responsável mas impotente. 

Nada nos é poupado, sequer um desgraçado cão resgatado pelos bombeiros e deixado morrer pela indiferença de uma megera que era a dona e que deixava para o dia seguinte o tratamento urgente do pobre bicho que, aliás, estaria preso num barracão sem possibilidades de fugir... O cão morreu por falta de ida urgente a um veterinário. Eis uma metáfora esclarecedora do país que temos, do país que somos (they shoot dogs do’nt they ?”- desculpa lá Horace Mc Coy  o enviesado da citação do teu magnífico título- )...

Alguém me virá brandamente (ou não!) avisar que há fogos em Espanha e em França. E na Grécia ou na Turquia. É verdade mas esperem-lhe pelas estatísticas finais e depois comparem. E logo se verá quem é que perdeu mais tendo em linha de conta a superfície do território

 

 

o leitor (im)penitente 236

d'oliveira, 14.07.22

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Um livro importante: “informadores da Pide, uma tragédia Portuguesa”, de Irene Flunser Pimentel

mcr, 14-7-22

 

Não é a primeira vez que aqui se chama a atenção para esta historiadora e para os seus indiscutíveis méritos. Proba, honrada e cuidadosa, Irene Pimentel tem já um lugar captivo na História do Estado Novo e, fundamentalmente, na problemática da violência exercida por este  através da PIDE.

Acaba de sair o volume que consta do título deste folhetim que li num repelão. Faço parte do enorme grupo de vítimas dessa bufaria que IFP agora disseca e, obviamente, lá descobri uma repelente criatura que me denunciou como consta de um dos 14 processos com que fui honrado pela polícia política.

E se cito o caso é apenas por uma razão simples: ou acusado de ter participado numa reunião clandestina em Cantanhede e de nela ter feito a apologia do bombismo.

Ora, nunca passei por Cantanhede, nem antes nem depois do 25 A e tenho pelo bombismo um absoluto desprezo e profundo horror.  Não entendo nada de armas, a menos que um simples e rudimentar canivete suíço entre nesse grupo.

De facto a informadora “Catarina” tem agora nome civil completo: trata-se de Lucinda Pinto Bilhau, uma miserável criatura inculta e de baixa extração que foi mulher de um excelente amigo, honrado, lutador que esteve em todas as lutas académicas e não só.

João Bilhau, médico, ex-administrador e editor da “Centelha” morreu há muito num desastre de automóvel. Regressava de Peniche onde um dia por semana dava consultas grátis a quem delas necessitasse. Herdara esse encargo de seu pai igualmente médico e na época falecido.

A Catarina/Lucinda não denunciou apenas os amigos e camaradas do João mas incluiu no lote o próprio marido: um carácter!...

Curiosamente, IFP menciona ainda outro, bufo, desta feita estudante de Medicina e “repúblico” que denunciou entre outros estudantes o José Manuel Pais, à altura eleito para a direcção Geral da Associação Académica de Coimbra. JMP foi mobilizado para Angola e lá morreu.

Este bufo andou pelo CITC e enviava ao agente que o controlava, cartas denunciando sem especial relevância os camaradas que o acolhiam.  Tive acesso (graças ao uma sobrinha)  a essa correspondência infecta e mal redigida mas entretanto perdi-lhe o nome embora saiba que há uma dúzia de anos (ou mais) era médico na zona de Lisboa, outra banda se não erro. Dele só recordo que começava sempre as suas histórias de boémia com esta frase “estava eu e o Pipi a beber uma cervejinha...”

Não lhe dávamos qualquer importância mas o pequeno canalha lá ia afiando a dentuça nas nossas canelas em informações para a polícia. Informações pagas, acrescente-se. Dinheiro mal gasto pela polícia pois o bufo era mais ignorante que um periquito e não tinha relevância de qualquer aspecto nos meios político-académicos. Contava o que ia ouvindo e percebendo e bonda!

Há um terceiro bufo que eventualmente conheci se não estou em erro. Um certo Santos, archeiro na Universidade a quem eu e outros mariolas oferecíamos garrafas de whisky em troca de nos serem apagadas as faltas às aulas. Por duas garrafas anuais podíamos faltar quantas vezes nos desse na gana. Pelos vistos, o homem bufava que se fartava. Tenho, contudo, a ideia que nunca terá denunciado os seus “benfeitores” o que se percebe bem. Um estudante na cadeia não manda mais garrafas...

IFP só (que eu tenha reparado) comete um ligeiro erro no capítulo sobre a FAP. De facto cita o nome de um preso, denunciado por outro bufo Acácio Barata Lima mas identifica-o como advogado.  ABL (falecido no ano passado) foi meu amigo e era realmente engenheiro. Foi libertado graças a uma campanha levada a cabo pela Ordem dos Engenheiros, cujo bastonário conseguiu a proeza de libertar os dois únicos engenheiros na altura encarcerados em Peniche (isto depois de largos anos de cadeia). É provável que IFP tenha confundido o meu amigo Acácio com um advogado que, na altura, foi preso depois de se ter destacado como patrono de presos da FAP. Este cometeu um erro de certo modo incomum. Em vez de cumprir a nobilíssima missão de defender presos políticos (e não eram  muitos os advogados dispostos a isso) achou que “um verdadeiro revolucionário” deveria juntar-se aos seus defendidos. Perdeu-se pau e bola. Menos um defensor, mais um preso inútil  e carregado de informações que poderiam (ou puderam) pôr em risco a organização política e os seus militantes.

A ingénua generosidade “revolucionaria” é, nas mais das vezes, perigosa e funesta. Para toda a gente!

Porém, e como já afirmei, um pequeníssimo pormenor, não fere um livro excelente, bem informado, carregado de bibliografia  que, por si só , já permite uma busca de informação importante.

(a edição é do Círculo de Leitores e da “Temas e Debates”- Tem a data de Maio de 2022 e custou - no Corte Inglês- €20,90) 

 

 

au bonheur des dames 511

d'oliveira, 12.07.22

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Mistérios lusitanos

mcr, 12-7-22

 

 

O alerta fora dado no domingo por Marques Mendes na SIC. Portugal é o 3º pior país da UE em numero de mortes por COVID!

Ignoram-se as razões mas não há dúvida que algo corre mal por cá.

Junte-se-lhe o facto de, sempre na UE, também temos um número expressivo de novos casos (9º lugar).Todavia, neste caso, mesmo comparando com outros países há o factor turismo que pode impulsionar as novas infecções. Isso e os festivais de Verão onde se tem juntado multidões impressionantes. Valeria a pena saber que classes de idade são as mais afectadas já que quanto ao número de mortes há a certeza que são os velhos a pagar a factura.

Um médico, pneumologista e catedrático na faculdade de Medicina, acusa as autoridades de não terem ou não prodigarem retrovirais em quantidade suficiente. A srª ministra diz que há medicamentos à fartazana pelo que compete aos técnicos explicarem a sua  escassa ou a sua não aplicação.

Aguardo com espectativa (e alguma ansiedade, dada a idade que já me pesa)  a explicação (que tarda) da DGS. A srª directora geral que deixe em paz o bacalhau à Brás e diga que diabo de coisa se passa.

É sempre interessante verificar que a sr.ª Ministra da Saúde  volta e meia reclama-se de “não técnica” (verdade lapalissiana...) para tirar o cavalinho da chuva. No resto tudo como dantes, quartel general em Abrantes!  O hospital de Braga voltou a encerrar a urgência de obstetrícia(o que a meu ver, mais do que uma ocorrência, já se transformou num hábito que se manterá agravando-se durante o resto do Verão). Felizmente temos o bacalhau à Brás  no banco dos réus...

 

 

A segunda singularidade lusitana de que há notícia fresquíssima de hoje é o número de organismos consultivos do Estado. Pelos vistos, o Conselho Económico e Social encontrou 408 mas assegura-se que o Estado ignora realmente quantos há no total. Pra já são 408.

 A notícia acrescenta que alguns são redundantes e outros não tem actividade!

Resta saber se tem o quadro preenchido e com os respeitáveis conselheiros a ganhar o seu.

Os exemplos anedóticos abundam (cfr “Público” de hoje, pp. 10 e 11) mas a palma vai para um relativo à banana (o que prova que a república bananeira já não é uma miragem mas apenas uma ameaça) e outro sobre a juventude que duplica um segundo igualmente dedicado a essa nobre causa e a uma geração cada vez menor .

 

(algum/a leitor/a concluirá que eu só ando aqui a dizer mal da pátria ou que tenho uma agenda bolchevista, populista, liberal, capitalista ou mais outra coisa que acabe em ista. Lamento imenso ter de negar mas o meu problema é importar-me com o país onde nasci, onde vivo e onde quase de certeza morrerei. É que gostava de o deixar um pouco melhor, um pouco mais atraente sem recorrer ao turismo do pé descalço e ao servilismo perante a estranja. Provavelmente li demasiadamente a imortal obra  “Dificuldades que  tem um reino velho em emendar-se” da autoria de um cavalheiro chamado Ribeiro Sanches (sec XVII( que foi médico e eminente escritor cuidadosamente exilado da pátria como convinha a um cristão novo perseguido pela Inquisição e pela má vontade de muitos patriotas.

(há uma edição à venda na internet)

Ou então tresli Eça e outros mal pensantes o que, somando-se a um imoderado gosto por bacalhau cozido com todos, à lagareiro e à Brás, me converte num ser daninho e pernicioso. O que vale é que já vou bastante adentrado em anos pelo que já não farei demasiado mal à grei, ao nobre povo, aos heróis do mar e outros  gloriosos abencerragens que povoam o jardim à beira mal plantado e que, ora, corre o risco de se converter em palco de incêndios.

E logo hoje que “está de estorricar os untos” (cfr “Cartas de Fradique Mendes”)

na vinheta: Ribeiro Sanches

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