estes dias que passam 714
Agora é o ranking!...
mcr, 11-7-22
No torrãozinho de açúcar reina mais uma guerra do alecrim e manjerona. Aliás não é mais uma mas sempre a mesma.
Todos os anos, pela mesma altura, um jornal publica o ranking das escolas secundarias, públicas e privadas, e todos os mesmíssimos anos se ergue um vozeario destemperado contra.
Contra?, perguntará a leitora desconfiada. Contra quê?
Poie, querida leitora que me atura, o berreiro é fundamentalmente mente “contra. Indiscriminadamente, contra. Contra e “prontos”! Como num jogo infantil.
Todavia, aqui, este contra desdobra-se. Poderia ser contra o facto de se publicar um ranking , como se um jornal estivesse proibido de elaborar tais listas. Ou então é contra o facto de se meterem ao barulho escolas públicas e privadas. Ou do ranking ser apenas baseado nas notas dos exames finais. Ou finalmente de andar a comparar ricos e pobres.
E por aí fora...
O que mais se estranha nesta controvérsia à antiga portuguesa é este eterno retorno à mesma discussão que já leva uns bons vinte anos.
Há um grupo de irredutíveis defensores do Estado centralizado e omnipresente uma ideia daninha que, aliás, só desserve o Estado, a Sociedade e o País. E essa é de que tudo o que é público, pago com os dinheiros públicos, de resto mal governados, é bom e maravilhoso. E tudo o que é privado pago apenas por quem pode e por quem quer é mau e pernicioso.
Eu venho de um tempo sombrio em que a educação secundaria era levada a cabo por liceus e escolas industriais ou comerciais. Deixemos de lado estas que, todavia, eram normalmente excelentes, menos onerosas, mais eficazes no domínio de uma profissão e com possibilidade de os alunos, caso quisessem, poderem prosseguir via institutos uma educação superior semelhante à universitária. Ou paralela caso queiram.
Os liceus, que não ultrapassariam a centena para todo o país e “império” colonial, eram estabelecimentos de grande prestígio, dotados de professores que além da universidade tinham feito o respectivo estágio e profissional. O melhor professor que tive em toda a minha vida apanhei-o logo no primeiro ano do liceu, na Figueira da Foz. Só o tive por um ano porquanto, as suas ideias políticas tê-lo-ão levado para outro lugar ou mesmo para a cadeia já não recordo (de resto esta informação é muito posterior ao desaparecimento do dr. Ilídio Sardoeira do nosso pequeno liceu).
Convem dizer que os liceus não eram todos iguais. Este meu liceu só tinha os 2 primeiros anos, o 1ªciclo. Outros paravam no 2ºciclo e no 5º ano. E finalmente havia os liceus com os sete anos completos. No meu tempo, a esmagadora maioria dos liceus er ou de rapazes ou de raparigas. Em alguns, raros, havia raparigas no 3º ciclo mas mesmo isso foi rareando. Os liceus em obediência à moral vigente eram masculinos ou femininos.
Tive a sorte de no 2º ciclo frequentar (como no 1º) um liceu misto. Misto é um modo de dizer: meninas para um lado rapazolas para o outro. Ou quase. No meu 1º ano porque havia mais alunas que alunos (!!!) na turma B, a dos rapazes, ainda havia 8 raparigas. E os recreios eram praticamente contíguos pelo que, apesar de tudo, havia uma saudável convivência.
O facto de haver liceus não impedia a existência de colégios. Por duas razões: havia muitos estudantes cujas terras não tinham liceu pelo que a solução era despachá-los “internos” para um colégio. Depois, os liceus naquele tempo chumbavam quem não estudava (mesmo que por vezes o chumbo tivesse outras razões específicas de que não me vou ocupar). Portanto os colégios, todos os colégios tinham internos, semi-internos e externos.
Os cábulas caíam nos colégios como tordos e, graças a uma série de factores (turmas pequenas, salões de estudo obrigatórios e vigiados por prefeitos, trabalho de professores. O pobre interno não tinha grandes – nem pequenas- alternativas mais lhe valia estudar pois nada o conseguia tirar do salão de estudo e o prefeito lá estava para lhe vigiar atentamente os movimentos.
Antes que me caiam em cima o Carmo e a Trindade, esclareço que era baixa muito baixa a percentagem de alunos em todos os graus de ensino. É verdade que a taxa de estudantes foi paulatinamente crescendo mesmo no antigo regime mas nada que se compare com os dias de hoje. Há notoriamente muitíssimo mais estudantes mesmo se, eventualmente, o ensino não seja assim tão bom como alguns o pintam.
Tudo visto, vejamos o que se passa com os rankings. É uma verdade claríssima que para existirem e terem um mínimo de credibilidade há que comparar o que é comparável. Por exemplo as notas finais dos exames nacionais.
E é neste panorama que se tem verificado crescentemente, velozmente, dramaticamente uma clara afirmação do ensino privado sobre o público. Neste momento as cinquenta primeiras posições são ocupadas por escolas privadas. É provável que o fosso escola pública/privada aumente para o ano e assim sucessivamente.
Ora esta realidade tem razões claras e não vale a pena vir com desculpas de mau pagador.
Em primeiro lugar, as escolas privadas são destinadas a quem possa pagar as propinas exigidas. Isso reduz o universo de candidatos a jovens vindos de famílias com meios. Uma família da média burguesia pode com facilidade ter em casa tudo o que um estudante precisa, desde o quarto próprio, comida sã e suficiente, toda uma série de gadgets desde a televisão à internet, livros, discos, computadores. Provavelmente, os progenitores tem já uma preparação escolar superior à da média, alguma cultura e, eventualmente, tempo para ajudar os filhos.
Só isto já diz muito sobre a possibilidade de um estudante no privado ter mais possibilidades de estudar e apr ender. Mas há mais.
Nos colégios é provável que o número de horas de trabalho do professor seja inferior às que n ensino público recaem sobre um seu colega. Isto pelos mesmos ordenados.
Nos colégios privados a administração é levada a cabo por profissionais a tempo inteiro cuja preocupação é preservar, manter, melhorar o prestígio do estabelecimento. Isso faz com que procure e consiga os melhores professores, o melhor pessoal auxiliar, os melhores dispositivos de ensino e de instalações.
Depois, os colégios podem escolher os alunos. Não pela riqueza dos parentes mas tão só pela aplicação e brio escolar. Quando o aluno não serve, o colégio dispensa-o sem problemas de qualquer espécie.
Normalmente, as turmas nos colégios são mais pequenas o que torna o ensino mais próximo de cada um dos seus alunos.
Também é público e notório que os estabelecimentos privados oferecem aos seus estudantes um lote de opções educativas e culturais que uma escola pública sempre à míngua de tesouraria não consegue.
A escola pública recruta os seus alunos na zona de residência, não exclui ninguém e por isso as turmas podem não ser homogéneas e os resultados devido as condições das diferentes classes que o frequentam sofrer o efeito de alguns alunos não terem as condições mínimas familiares para estudar convenientemente. Não é por acaso que muitas escolas, mesmo em férias mantêm em funcionamento cantinas que alimentam sofrivelmente quem tem (ou nem isso) pior alimentação em casa.
Aqui chegados, como diria o dr. Marques Mendes, é fácil perceber que, neste capítulo do ensino, como também noutro essencial, o da saúde, a vantagem é para quem tem dinheiro. Qualquer família, podendo, investe muito na educação dos filhos. Como na sua saúde.
Pessoalmente, tenho por certo que o simples facto de haver no ensino privado gestores profissionais já é uma vantagem. Depois, segundo apurei, os professores mesmo se recebem ordenados idênticos têm menos tarefas que qualquer pessoa, aliás, poderia levar a cabo.
Andei, por razões várias, em liceus (bons) e em colégios (um bom e outro assim, assim) Verifiquei que em certas disciplinas éramos tão poucos os alunos que todos os dias gramávamos com chamadas. Não havia hipótese de nos safarmos. Um aluno era “obrigado” a ser pelo menos razoável e era fácil chegar a bom.
E quem, mesmo no severo regime de internato colegial, conseguia cabular não era apresentado a exame pelo colégio (que queria manter a sua reputação) mas ia num regime mais ou menos a título individual, já não recordo exactamente como se chamava. Ou seja, mesmo há mais de sessenta anos, os colégios defendiam-se dos maus resultados apresentando apenas aos exames finais os alunos que podiam passar. O sistema ter-se-á refinado actualmente.
Portanto a cruzada anual contra os rankings é estúpida. Há nela o habitual relento da campanha contra os ricos só pelo facto de o serem. Bom seria que o Ministério da Educação, uma espécie de “Titanic” mal amanhado percebesse que sem profissionais de gestão à altura, sem uma clara autonomia de estabelecimento, sem salários decentes, pessoal que chegue para as necessidades, instalações capazes e reconhecimento do mérito individual de professores e funcionários, nunca apagará a continua progressão privada nos rankings.
A menos que, como já vi (!!!) proposto os proíbam. “Estaline está vivo em certos corações”. Em pleno século XXI...
((nota final: parece estar a despontar a ideia, entre os proprietários de escolas privadas, de criar bolsas de estud para alunos de grande mérito que não podem frequentar estes estabelecimentos por meras razões económicas. Se isto for para a frente, e eu gostaria que fosse, lá se vai mais um argumento dos defensores da rasoira por baixo. E talvez se melhores o famigerado ascensor social que tem demasiadas panes. ))