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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

estes dias que passam 714

d'oliveira, 11.07.22

 

Agora é o ranking!...

mcr, 11-7-22

 

No torrãozinho de açúcar reina mais uma guerra do alecrim e manjerona. Aliás não é mais uma mas sempre a mesma.

Todos os anos, pela mesma altura, um jornal publica o ranking das escolas secundarias, públicas e privadas, e todos os mesmíssimos anos se ergue um vozeario destemperado contra.

Contra?, perguntará a leitora desconfiada. Contra quê? 

Poie, querida leitora que me atura, o berreiro é fundamentalmente mente “contra. Indiscriminadamente, contra. Contra e “prontos”! Como num jogo infantil. 

Todavia, aqui, este contra desdobra-se. Poderia ser contra o facto de se publicar um ranking , como se um jornal estivesse proibido de elaborar tais listas. Ou então é contra o facto de se meterem ao barulho escolas públicas e privadas. Ou do ranking ser apenas baseado nas notas dos exames finais. Ou finalmente de andar a comparar ricos e pobres.

E por aí fora...

O que mais se estranha nesta controvérsia à antiga portuguesa é este eterno retorno à mesma discussão que já leva uns bons vinte anos. 

Há um grupo de irredutíveis defensores do Estado centralizado e omnipresente uma ideia daninha que, aliás, só desserve o Estado, a Sociedade e o País. E essa é de que tudo o que é público, pago com os dinheiros públicos, de resto mal governados, é bom e maravilhoso. E tudo o que é privado pago apenas por quem pode e por quem quer é mau e pernicioso.

Eu venho de um tempo sombrio em que a educação secundaria  era levada a cabo por liceus e escolas industriais ou comerciais. Deixemos de lado estas que, todavia, eram normalmente excelentes, menos onerosas, mais eficazes no domínio de uma profissão e com possibilidade de os alunos, caso quisessem, poderem prosseguir via institutos uma educação superior semelhante à universitária. Ou paralela  caso queiram. 

Os liceus, que não ultrapassariam a centena para todo o país e “império” colonial, eram estabelecimentos de grande prestígio, dotados de professores que além da universidade tinham feito o respectivo estágio e profissional.  O melhor professor que tive em toda a minha vida apanhei-o logo no primeiro ano do liceu, na Figueira da Foz. Só o tive por um ano porquanto, as suas ideias políticas tê-lo-ão levado para outro lugar ou mesmo para a cadeia já não recordo (de resto esta informação é muito posterior ao desaparecimento do dr. Ilídio Sardoeira do nosso pequeno liceu).

Convem dizer que os liceus não eram todos iguais. Este meu liceu só tinha os 2 primeiros anos, o 1ªciclo. Outros paravam no 2ºciclo e no 5º ano. E finalmente havia os liceus com os sete anos completos. No meu tempo, a esmagadora maioria dos liceus er ou de rapazes ou de raparigas. Em alguns, raros, havia raparigas no 3º ciclo  mas mesmo isso foi rareando. Os liceus em obediência à moral vigente eram masculinos ou femininos. 

Tive a sorte de no 2º ciclo frequentar (como no 1º) um liceu misto. Misto é um modo de dizer: meninas para um lado rapazolas para o outro. Ou quase. No meu 1º ano porque havia mais alunas que alunos (!!!) na turma B, a dos rapazes, ainda havia 8 raparigas. E os recreios eram praticamente contíguos pelo que, apesar de tudo, havia uma saudável convivência. 

O facto de haver liceus não impedia a existência de colégios. Por duas razões: havia muitos estudantes cujas terras não tinham liceu pelo que a solução era despachá-los “internos” para um colégio. Depois, os liceus naquele tempo chumbavam quem não estudava (mesmo que por vezes o chumbo tivesse outras razões específicas de que não me vou ocupar). Portanto os colégios, todos os colégios tinham internos, semi-internos e externos.  

Os cábulas caíam nos colégios como tordos e, graças a uma série de factores (turmas pequenas, salões de estudo obrigatórios e vigiados por prefeitos, trabalho de professores. O pobre interno não tinha grandes – nem pequenas- alternativas mais lhe valia estudar pois nada o conseguia tirar do salão de estudo e o prefeito lá estava para lhe vigiar atentamente os movimentos.

Antes que me caiam em cima o Carmo e a Trindade, esclareço  que era baixa muito baixa a percentagem de alunos em todos os graus de ensino. É verdade que a taxa de estudantes foi paulatinamente crescendo mesmo no antigo regime mas nada que se compare com os dias de hoje. Há notoriamente muitíssimo mais estudantes mesmo se, eventualmente, o ensino não seja assim tão bom como alguns o pintam. 

 

Tudo visto, vejamos o que se passa com os rankings. É uma verdade claríssima que para existirem e terem um mínimo de credibilidade há que comparar o que é comparável. Por exemplo as notas finais dos exames nacionais. 

E é neste panorama que se tem verificado crescentemente, velozmente, dramaticamente uma clara afirmação do ensino privado sobre o público. Neste momento as cinquenta primeiras posições são ocupadas por escolas privadas. É provável que o fosso escola pública/privada aumente para o ano e assim sucessivamente. 

Ora esta realidade tem razões claras e não vale a pena vir com desculpas de mau pagador. 

Em primeiro lugar, as escolas privadas são destinadas a quem possa pagar as propinas exigidas. Isso reduz  o universo de candidatos a jovens vindos de famílias com meios. Uma família da média burguesia pode com facilidade ter em casa tudo o que um estudante precisa, desde o quarto próprio, comida sã e suficiente, toda uma série de gadgets desde a televisão à internet, livros, discos, computadores. Provavelmente, os progenitores tem já uma preparação escolar superior à da média, alguma cultura e, eventualmente, tempo para ajudar os filhos. 

Só isto já diz muito sobre a possibilidade de um estudante no privado ter mais possibilidades de estudar e apr ender. Mas há mais.

Nos colégios é provável que o número de horas de trabalho do professor seja inferior às que n ensino público recaem sobre um seu colega. Isto pelos mesmos ordenados. 

Nos colégios privados a administração é levada a cabo por profissionais a tempo inteiro cuja preocupação  é preservar, manter, melhorar o prestígio do estabelecimento. Isso faz com que procure e consiga os melhores professores, o melhor pessoal auxiliar, os melhores dispositivos de ensino e de instalações. 

Depois, os colégios podem escolher os alunos. Não pela riqueza dos parentes mas tão só pela aplicação e brio escolar. Quando o aluno não serve, o colégio dispensa-o sem problemas de qualquer espécie. 

Normalmente, as turmas nos colégios são mais pequenas o que torna o ensino mais próximo de cada um dos seus alunos. 

Também é público e notório que os estabelecimentos privados oferecem aos seus estudantes um lote de opções educativas e culturais que uma escola pública sempre à míngua de tesouraria não consegue.

A escola pública recruta os seus alunos na zona de residência, não exclui ninguém e por isso as turmas podem não ser homogéneas e os resultados devido as condições das diferentes classes que o frequentam sofrer o efeito de alguns  alunos não terem as condições mínimas familiares para estudar convenientemente. Não é por acaso que muitas escolas, mesmo em férias mantêm em funcionamento cantinas que alimentam sofrivelmente quem tem (ou nem isso) pior alimentação em casa.  

Aqui chegados, como diria o dr. Marques Mendes,  é fácil perceber que, neste capítulo do ensino, como também noutro essencial, o da saúde, a vantagem é para quem tem dinheiro. Qualquer família, podendo, investe muito na educação dos filhos. Como na sua saúde. 

Pessoalmente, tenho por certo que o simples facto de haver no ensino privado gestores profissionais já é uma vantagem. Depois, segundo apurei, os professores mesmo se recebem ordenados idênticos têm menos tarefas que qualquer pessoa, aliás, poderia levar a cabo. 

Andei, por razões várias, em liceus (bons) e em colégios (um bom e outro assim, assim) Verifiquei que em certas disciplinas éramos tão poucos os alunos que todos os dias gramávamos com chamadas. Não havia hipótese de nos safarmos. Um aluno era “obrigado” a ser pelo menos razoável e era fácil chegar a bom. 

E quem, mesmo no severo regime de internato colegial, conseguia cabular não era apresentado a exame pelo colégio (que queria manter a sua reputação) mas ia num regime mais ou menos a título individual, já não recordo exactamente como se chamava. Ou seja, mesmo há mais de sessenta anos, os colégios defendiam-se dos maus resultados apresentando apenas aos exames finais os alunos que podiam passar. O sistema ter-se-á refinado actualmente. 

Portanto a cruzada anual contra os rankings é estúpida. Há nela o habitual relento da campanha contra os ricos só pelo facto de o serem. Bom seria que o Ministério da Educação, uma espécie de “Titanic” mal amanhado percebesse que sem profissionais de gestão à altura, sem uma clara autonomia de estabelecimento, sem salários decentes, pessoal que chegue para as necessidades, instalações capazes e reconhecimento do mérito individual de professores e funcionários, nunca apagará a continua progressão privada nos rankings. 

A menos que, como já vi (!!!) proposto os proíbam. “Estaline está vivo em certos corações”. Em pleno século XXI... 

 

((nota final: parece estar a despontar a ideia, entre os proprietários de escolas privadas, de criar bolsas de estud para alunos de grande mérito que não podem frequentar estes estabelecimentos por meras razões económicas. Se isto for para a frente, e eu gostaria que fosse, lá se vai mais um argumento dos defensores da rasoira por baixo. E talvez se melhores  o famigerado ascensor social que tem demasiadas panes. ))

 

estes dias que passam 713

d'oliveira, 09.07.22

 

 

 

 

 

 

 

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Na morte física de um ditador do nosso tempo

mcr, 9-7-22

 

Quando refiro morte física, apenas pretendo sublinhar que ZéDu (José Eduardo dos Santos)  estava politicamente morto há um par de anos.

De pouco lhe valeu o que parecia ser uma transição pacífica do poder presidencial para João Lourenço, um homem de confiança vindo do mesmo círculo partidário dentro do MPLA. Cedo JES percebeu que os cargos honoríficos que reservara não serviam para nada, que por exigências de política interna e necessidade de afirmação pessoal, para além da situação catastrófica herdada, da pobreza lancinante de quatro quintos dos angolanos, João Lourenço teria de o fazer entrar numa definitiva sombra, ao mesmo tempo que lhe perseguia os filhos vorazes e enriquecidos para além de todo e qualquer limite plausível (mesmo em África, mesmo em Angola).

Disso mesmo se apercebeu aquele que foi o mais longevo dos presidentes africanos. Ao fim de 38 anos de poder indisputado (ou vitorioso sobre quantos se atreveram a disputá-lo)  JES retirou-se para Barcelona a pretexto de (reais) problemas de saúde. Estava consumada a sua morte política. Nisto a filha Tchizé tem farta  razão mesmo se insista numa necedade: já não era preciso matar o 2º ºresidente de Angola. Era só dar tempo ao tempo, aproveitar a sua ausência, dizimar-lhe os partidários interiores, pôr a nu as negociatas dos familiares, e fazer eleger no próximo congresso os substitutos desta feita apoiantes fervorosos do novo líder. Paralelamente, com vagares prudentes, ir libertando as pessoas do medo ou de prisões mais imediatas, (re)estabelecer uma certa e calma liberdade de imprensa e deixar vir a lume as críticas (muitas, imensas) caladas durante décadas.

E tentar cortar os laços económicos entre a filha mais velha (a mulher mais rica de África) e uma série de empresas estatais angolanas que mungiu violenta mas criteriosamente em seu único benefício.

Como de costume, Portugal deu uma ajuda. Os bens de Isabel dos Santos, pelo menos os mais visíveis e conhecidos, foram arrestados por cá. Terminaram, com farto desgosto de umas dezenas de lojistas de luxo lisboetas as jornadas épicas de compras à porta fechada que a respectiva senhora lhes fazia.

Pouco se falou da gigantesca fortuna amealhada por José Eduardo dos Santos himself. Provavelmente estará mais protegida e escondida mas é de crer que a existência dela seja em Angola apenas um sinal de reconhecimento dos serviços prestados pelo sucessor de Agostinho Neto. De resto, há umas centenas de figuras gradas do MPLA também com largas fortunas feitas à sombra do poder e do petróleo. Não terão a dimensão dos espólios dos oligarcas russos mas também Angola não é a Rússia, que diabo!

O melhor que li sobre JES nos jornais de hoje foi o adjectivo  “controverso”. Palavra simpática, própria da hora da morte (física) e da tentação do elogio fúnebre. Ou, pelo menos , mais suave e mais imprecisa do que “ditador”, “autocrata” também usadas indiferentemente por gente de Esquerda ou de Direita.

Convém, porém lembrar que JED herdou um país devastado, a lembrança medonha de uma guerra civil interna no MPLA (30.000 mortos, outro tanto de perseguidos e aprisionados – até o actual ministro da Economia deste actual Governo-  um silêncio sepulcral sobre a locslização dos corpos dos desaparecidos mesmo se. Timidamente, o Poder vá deixando cair umaque outra desculpa pelo que, os “outros” os “do antigamente “fizeram.

JED leva no balanço de uma inteira vida metade da qual no mais alto e poderoso cargo angolano, a vitória definitiva  sobre a UNITA, a morte de Savimbi, o posterior arrebanhar de alguns adversários políticos comprados para engalanar alguns recuados postos da administração pública angolana. Chamou-se a esta operação um “acto inteligente de apaziguação política” o que não deixa de ser verdadeiro mas é insuficiente. “È preciso que algo mude para que tudo permaneça na mesma” (cito de cor) afirmava o príncipe de Lampedusa ou alguém pertencente a esse extraordinário “Il gattopardo”

Todavia, o estado geral de Angola mesmo com o petróleo a jorrar por todos os lados não é brilhante. Os níveis de pobreza são alarmantes, entre 75 e 80%

dos angolanos vive com um máximo de um dólar por dia, a corrupção campeia, o aparelho de Estado está nas mãos de uma clique cleptocrática, a informação livre é uma piada de mau gosto. É verdade que algumas dezenas de milhares de portugueses andam por lá a trabalhar não porque o regime seja generoso mas apenas porque necessita desesperadamente de técnicos que não tem ou que , vindos como vêm da elite, se desviam para lugares rentáveis e que exigem menos esforço.

JES pertence a uma geração, por sinal a minha, que em Portugal e nas vésperas da descolonização sonhou tudo e mais alguma coisa a fazer nos países libertados. Apesar de, na época imediatamente anterior, final de 60/inicio de 70 ter colaborado com opositores da guerra e mesmo com alguns nacionalistas africanos, nunca tive essa visão beatífica  de "amanhãs que cantam” em que embarcou boa parte dos meus amigos. Vi-os partirem de olhos fechados para as ex-colónias como cooperantes, vi-os regressarm confusos, admirados, arrependidos, indignados. Claro que alguns ficaram lá, “estabeleceram-se” não viram ou fingiram não ver como é que as coisas corriam nos “tristes trópicos”. Houve depois mais vagas de cooperantes armados de uma deslavada sebenta maxista-leninista ou simplesmente marchista-africanista que também não obtiveram grandes resultados. As guerras civis violentas e a depauperada preparação política dos dirigentes principais dos partidos únicos tem agora, à vista, e cruelmente, os seus resultados.

Não se trata aqui de fazer a apologia de um poder incapaz, miserável, infame de colonial que não merece uma única palavra de conforto. Portugal nunca teve meios nem gente capaz em número suficiente para organizar e gerir as colónias em benefício dos colonos e dos colonizados. Ali´s só por muito boa vontadesepode falar de um império de 500 anos. Até meados do século XIX a presença portuguesa assentava numas dezenas de portos costeiros, noutro tanto de pombeiros e exploradores do interior, sem verdadeira colonização. As “pacificações” coloniais militares, a fundação de cidades n interior, a abertura de vias de comunicação  foi tudo obra entre 1850 e 1950. Nunca se tentou criar elites africanas, nem transferir para os raros africanos que tinham uma educação europeia as mínimas responsabilidades politico-administrativas. Aliás, raras vezes as colónias foram mais atraentes do que o Brasil (aqui apesar sa colonização partida do Brasil para Moçâmedes e mais tarde Lubango/Sá da Bandeira), as Américas e finalmente a Europa .

Uma última nota: há quem reconheça em JES uma especial habilidade política que lhe terá permitido governar durante tanto tempo e pacificar na medida do possível a guerra entre fracções do partido único e as relações com as restantes forças políticas emergentes.

JES sucedeu a Agostinho Neto, um poeta medíocre mas um homem ambicioso , inteligente e frequentador próximo dos círculos políticos da estrema esquerda da sua época(PC). Porém, Neto, além da inicial guerra civil contra a UNITA e a UPA ,ganha com a formidável ajuda cubana, com a cumplicidade das últimas autoridades portuguesas, teve mais tarde de aniquilar os nitistas e defender-se da África do Sul. Não foi uma vida fácil. Depois arrostou com o labéu do expurgo interno do partido. Provavelmente, a sua sucessão era tão complicada que se preferiu um engenheiro  formado na URSS mas sem ideologia concreta e reconhecível a um par de candidatos marcados pelo “terror” e pela idade.

Inteligente, também ambicioso, com as mãos livres, sem compromissos especiais dentro do MPLA, Zé du construi uma reputaçãoo, firmou um poder, restabeleceu uma paz baseada no medo, na polícia e na censura férrea e aproveitou a onda dos grandes ganhos petrolíferos. E comprou quantos adversários pode. Assim se construiu um perfil de estadista e um carisma de homem livre de compromissos ideológicos. E o mundo à sua volta também já não era o mesmo, o da guerra fria, que inda marcou a época de Agostinho.  JES mesmo licenciado em Baku nada tinha a dever à Rússia . Nem a Portugal, é bom lembrar.

 

 

(não faço a mínima ideia – nem isso me tira o sono- sobre quando e onde será o enterro de JES. Provavelmente, o bom senso prevalecerá e o corpo irá para Angola para as exéquias de Estado. Mais difícil é saber se as filhas que estão fora de Angola irão comparecer. Sobretudo a azougada Tchizé que jura a pés juntos que o pai foi assassinado pelo Poder angolano e exige uma autópsia . A irmã mais velha tem o passaporte angolano caducado e sabe, de ciência certa, que ali há muita gente interessada em lhe perguntar um par de coisas sobre a sua fortuna e os meios de a adquirir )

estes dias que passam 712

d'oliveira, 08.07.22

 

Aventuras do capitalismo imaturo (para não dizerselvagem)

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mcr, 8-7-22

 

quem me lê sabe que não faço parte dos grupos ditos anti-capitalistas que, cá vão convivendo com o sistema, aproveitando as suas facilidades e juntando-se, de quando em quando para o denunciar. De todo o modo, e ao contrário, fas imensas caravanas de pobres de que se proclamam defensores nunca pensaram em emigrar para qualquer paraíso socialista onde afirmam que se está a caminho da justiça social...

Todavia, ao ver o caos nos aeroportos não posso deixar de pensar que a tremenda confusão instalada tem muito a ver com um sistema de exploração de mão de obra barata que, agora, passada a pandemia, se vê a  braços com uma medonha falta de pessoal. Não so apenas as tripulações dos aviões (sobretudo pessoal de cabine) mas o desastre estende-se aos serviços de terra. Não há gente para o handling, não há gente para a informação, para o registo de bagagens. Perdem-se milhares de mala, cancelam-se centenas de voos, acumulam-se filas ingentes de passageiros desesperados  que perdem voos directos, ligações a outros voos sem que ninguém lhes dê uma explicação capaz, uma garrafa de água, um voucher para refeições ou  para uma dormida.

Faço parte dos indirectamente afectados pois tinha projectos para duas sortidas. Uns dias em Paris antes dos grandes calores e uma viagem a Florença para apresentar a cidade à CG e dar uma pequeníssima volta por Pisa, Arezzo e mais alguma cidade que nos apetecesse.

Claro que à vista do que as televisões me trazem, adiei tudo para as calendas gregas. Com sorte, darei o salto parisiense em finais de Setembro e o resto será quando Deus e o tráfego aéreo me permitirem.

Em boa verdade, mesmo que ninguém contasse com isto, agora, os baixos salários pagos por aeroportos e companhias de aviação já levantavam as maiores dúvidas e indignações. Com a pandemia, esta gentinha despediu trabalhadores à fartazana.

O mesmo sucedeu nas zonas turísticas indígenas, sobretudo no  Algarve. Agora, os hoteleiros e restauradores chiam que se fartam, pedem “providências” ao Estado,  aos municípios, ao SEF, porque os milhares (dezenas de milhares de despedidos, desapareceram, diluíram-se na multidão e não regressaram ordeiramente aos locais da tosquia de salários decentes.

“Ai  turismo, ai esta fonte de rendimento para Portugal...”, guincham de mão estendida.

Não me motivam ódios de classe, eu sou um burguês, reformista, liberal ou semi-libertário. Fui, in illo tempore, advogado de sindicatos, conheço uma boa parte dos truques patronais e outro tanto das políticas sindicais que, também elas, tem muito que se lhes diga.

Às pessoas que para mim trabalharam ou trabalham, tentei sempre pagar decentemente e bem acima dos salários ditos mínimos. Actualmente, a nossa empregada doméstica, ganha rigorosamente o dobro do tal salário mínimo nacional e, por isso, enche-nos de mimos e trata-nos como reis.  Volt e meia aparece com um pudim, quando não é uma travessa de rabanadas. Quando descobriu que a minha sogra que recentemente esteve por cá a passar uma quinzena, trazia-lhe broa de Avintes, regueifas que consolaram a boa senhora. E recusou firmemente, indignadamente, que nós pagássemos. “Era o que faltava! Eu dou por gosto!”

Descobri que, pagando decentemente, acabava por poupar dinheiro, tempo e era bem servido. Exactamente o que as companhias aéreas, os empresários hoteleiros os proprietários de restaurantes geralmente . não fazem.  Agora perdem muito, estão aflitos e viram-se para os poderes públicos (que no caso das empresas que detêm também não se distinguem pela generosidade  ou pela mera justiça salarial...) ou seja, para nós todos, os eternos pagadores a pedinchar “uma ajudinha, pelas almas”...

Não há pachorra!

 

(em tempo: por inépcia minha não consegui responder ao leitor JSP que sobre omeu post de ontem lembrava que Churchill fora o grandeculpado pelo desastre de Glipoli. Tem toda a razõ e creio que indirectamente ( demasiado indirectamente) fazia menção dessa estúpida aventura. Iodavia, Churchill conseguiu ultrapassar essa vergonhosa derrota e vencer Hitler muitos anos (quase 30...) depois. Errou quase sozinho na Turquia e, também bem só conseguiu mobilizar um país e a Comonwealth para fazer frente ao Eixo.. em conclusão: balanço fortemene positivo.  De todo o modo, JSP fez bem em referir esse percalço dramático da 1ª guerra. Um abraço)

 

 

estes dias que passam 711

d'oliveira, 07.07.22

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A debandada

mcr, 7-7-22

 

Na velha e original pátria da democracia (não vale pena vir com Atenas pois esse exemplo perdeu-se por um ou dois milhares de anos e não incluía nem as mulheres, nem os escravos e os estrangeiros, a menos que estes fossem ”hóspedes” de algum cidadão) há leis implacáveis e não escritas  sobretudo em política.

Boris Johnson apesar de truculento foi um bom presidente de câmara (Londres) escreveu um par de livros interessantes evenceu confortavelmente umas eleições gerais. E levou avante o “brexit” quando todos previam um colapso medonho. 

Porém, e num país que respeita e muito as aparências, cometeu um par de pecados que, na aparência veniais, irritaram soberanamente  o povo, a classe política,  e os seus mais directos colaboradores. Boris disse um par de mentirolas  sobre umas vagas festarolas enquanto a pandemia obrigava o Pópulo a quedar-se por casa, chateado e receoso. 

Cá, isso seria um pequeno solavanco mas não daria azo a nada de grave. Basta ver o que vai ocorrendo com o actual Governo, s charadas ministeriais, os ministros incapazes, a notável tolerância de Costa para com eles e tudo o resto. “aqui não se passa nada” como se diz na maravilhosa “Casa de Bernarda Alba”.

Na Grã Bretanha estas patetices pagam-se caro, muito caro. Os britânicos prefere um coxo, um pobre diabo sem pernas a tentar ganhar a maratona do que um mentiroso. E Johnson deixou-se enredar  numa historieta de meia dúzia de copos bebidos à sorrelfa  no nº 10 para festejar já nem sei o quê. 

Eu, sempre ingénuo, até sou capaz de conceder que o diabo do homem nem sequer estivesse presente. Todavia, corre que esteve e sobretudo afundou-se numa poça de mentiras  e afogou-se em dez centímetros d água suja.

E as críticas choveram de todo o lado, incluindo do seu. Primeiro, umas largas dezenas de conservadores tentaram um golpe de mão mas foram batidos pelos adeptos do primeiro ministro.

“Ai isto não vi a bem?”, ter-se-ão perguntado os poderosos dirigentes do partido. “Então vai a mal!” e cinquenta (para já) membros do gabinete, entre ministros e secretários de Estado bateram com a porta, Um desastre! Um escândalo! 

Boris, já não manda no partido, irá eventualmente governar mais dois meses, enfraquecido e impotente, até ao Congresso do seu partido. 

Não sou adivinho nem conheço assim tão bem   a mentalidade britânica mas desconfio que não sobreviverá politicamente a este desaire.

É verdade que Churchill, um seu biografado, sobreviveu a alguns maus, péssimos, momentos mas o velho leão, mais do que um sobrevivente, era de outro estofo. E quando ninguém apostava nele, regressou com estrondo e mostrou que era capaz e genial.  E conduziu a Grã Bretanha da iminente derrota à vitória final.

(aliás, valia a pena meditar nisto. Depois da guerra, este homem aureolado pela  vitória, pelo reconhecimento unânime dos seus compatriotas e do mundo, acabou por perder umas eleições contra um político trabalhistas razoavelmente medíocre mas portador de novos valores. )

Johnson sai ou sairá pela porta baixa impotente para conter uma debandada de notáveis que querem garantir os seus lugares no parlamento e a credibilidade perante os seus eleitores. 

Esta é uma da vantagens de um deputado ser responsável perante os eleitores e responder sozinho perante eles. Por c´, onde os deputados são eleitos à pazada não há escândalo que permita aos votantes acenar-lhes com um lenço branco.

Aqui ninguém se demite e muito menos é demitido. Pelo menos agora. 

 

 

au bonheur des dames 510

d'oliveira, 06.07.22

“Brasil meu netinho”

mcr, 6-7-22

 

“... ai Portugal que ensinaste

ao Brasil o teu carinho”

(Manuel Bandeira, “Portugal meu avozinho”

 

O título é uma alusão (cópia) descarada a um livro ou texto de um jornalista brasileiro, David Nasser, estrela maior do universo da revista ”Cruzeiro” (anos 40 e 50, sobretudo) e que escreveu um livro com o título “Portugal meu avozinho”. Isto quer dizer que se trata de leituras antiquíssimas, seguramente ocorridas em Lourenço Marques (actual e erradamente Maputo e que a mudar de nome deveria ser Xikunguine nome dado pelos negros autóctones da zona, cfr Alexandre Lobato ). Nasser tinha a língua afiada e inimigos poderosos desde Getúlio Vargas até à Junta militar brasileira dos anos 60 sem esquecer Leonel Brizola, um afogueado líder trabalhista de quem também foi irredutível adversário. 

Explicada parte do título, a que vem o “netinho”? Pois sevida ao facto do sr Presidente da Reública mostrar aos quatro ventos um imoderado amor pelo “país irmão”. Um amor paternalista em excesso que permitiu a Santana Lopes (esse recorrente fantasma político) chamar-lhe 2neo-colonialista”.

Custa-me estar de acordo com Santana. É uma sensação pior do que uma dor de dentes aguda, seguida por cefaleias intensas, diarreia e mal estar geral. Todavia, nisto, e só nisto, o sr. Lopes acerta em cheio.

Os desvelos do dr. Rebelo de sousa pelo Brasil não conseguem mascarar um intenso sentimento  paternal que aliás se exprime, bem, demasiado bem, nesta visita com entrevistas com sucessivos antigos presidentes. Convenhamos que, por mais que se meta mSarney, Temer, Fernando Henrique Cardozo e Lula ao barulho, só o último está ainda na política activa e é claramente candidato a eleições próximas. Os restantes, todos maiores de 80 anos, já não tem pernas para andar mesmo se, dos três só Fernando Henrique mereça menção honrosa.

Ao encontrar-se com o ex-dirigente sindical do PT, o dr. Rebelo de Sousa imiscuiu-se no processo político brasileiro. Mesmo com a atenuante de mostrar um farto desprezo por bolsonaro, um incapaz absoluto vagamente militar que, por milagre terá chegado a capitão,  ex-deputado  mais calado do que uma múmia egípcia durante a sua permanência no parlamento e levado ao poder por todos os saudosos da Direita militar e religiosa (Só no Brasil ...tão longe de Deus e perto do impossível!)

Convém lembrar que nisto de enternecidos olhares coloniais dobre o Brasil, MRS não está sozinho, bem pelo contrário. Só o neo-colonialismo mais extreme justifica um hediondo acordo ortográfico (que nem os brasileiros respeitam, como já não respeitavam os anteriores), o seguidismo acéfalo de toda e qualquer telenovela brasileira seja ela a “Gabriela” ou qualquer sub-produto  actual.  Ou, e lá chegamos esta espécie de benevolência por Lula que mostrou enquanto presidente todos os defeitos dos anteriores a começar pelo famoso “mensalão”. Não vou, sequer perder tempo a tentar saber se foi ou não corrompido com a oferta de um apartamento, ou se os juízes (e foram vários) que o condenaram e depois absolveram, estavam ou não metidos com uma qualquer agenda política . A verdade verdadeira  é que o país adiado está entre varais: ou Lula ou Bolsonaro! 

Deve ser uma punição de um qualquer deus que, ao contrário do que se diz, não é “brasileiro”. Aquela terra magnífica onde tudo se dá merecia outra sorte  mas os ciúmes das divindades condenam-na a est temível escolha. Um militar ignorante  e caserneiro ou um político capaz de permitir o que permitiu só para se conservar no poder.

O dr. Rebelo de Sousa voltará às terras de Santa Cruz para as comemorações da independência. Uma independência com a chancela de um príncipe ambicioso que depois se retirou para Portugal para defender o trono seu e da filha de um usurpador de baixo estofo e fracas capacidades intelectuais e políticas. Irá, o Sr Presidente, comboiar o coração do rei-soldado. A ver vamos como é que será o seu encontro com o outro, o vago soldado capitão que não é o da cantiga “rei capitão soldado ladrão...(menina bonita do meu coração, não quero ter coroa nem arma na mão, nem fazer assaltos com o meu facalhão”...).

Eu, que já espero tudo, temo o aperto de mão o abraço e algum convite para visitar Portugal “o avozinho”...

Ai!...

au bonheur des dames 509

d'oliveira, 05.07.22

 

 

 

 

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Obrigadinhos, meu Santo claviculário

mcr, agnóstico mas grato,  5-7-22

 

Já sei que um agnóstico não deve invocar os santos mas, no  meu caso, a coisa não é para menos. É preciso ter, la em cima, um protector, e dos fortes!, para me amparar numa desgraça que nos últimos anos tem sido frequente: perder as chaves de casa! 

As minhas relações e ralações com chaves, mormente a de casa são difíceis desde sempre. Ou pelo menos, desde que há quase cinquenta anos me instalei neste bairro. Comprei um apartamento que era a inveja dos meus amigos e que teve direito a três reportagens com várias fotografias em outras tantas revistas. Convém dizer que as duas primeiras decorreram antes da compra e a última pilhou-mede surpresa. Eu explico: dois dos arquitectos deste bairro (João Serôdio e Magalhães Carneiro) fizeram um andar modelo para os futuros compradores de casa no prédio onde primeiro morei. Com imaginação, talento e pouco dinheiro mobilaram um T1 de 81 metros quadrados (!!!) com elementos só de madeira, geométricos, pintados de azul (mesa, sofás, estante, cama, messas de cabeceira etc.) Tudo pintado de azul forte. A zona da cozinha ou, melhor a parte que a separava da sala, podia correr e esconder a cozinha graças a um engenhoso dispositivo eléctrico. A sala ficava ainda maior.

Dito assim, não tem especial graça mas infelizmente não conservei nem as revistas nem fotografias capazes. A verdade é que caiu no olho das criaturas das revistas de especialmente de uma mocetona, de carnes rijas, olhos risonhos e prometedores que, já eu era proprietário, me pediu para também ela publicar algo sobre a casa. Claro que, movido pela mais miserável licenciosidade, aceitei tudo, no que só fiz bem.

Depois ainda quiseram alugar o apartamento para cenário de um filme mas eu não apreciava o realizador (ou o argumento já nem sei...) e perdi a ocasião de ganhar uns largos tostões.

Ora foi nessa altura que começaram os meus desaguisados com as chaves. Por duas vezes as esqueci dentro de caso e só graças ao vizinho de baixo que tinham terraço e uma escada é que me safei. Comecei a fechar-me à chave o que me obrigava, quando saía a lembrar.me da chave. Nunca mais fiquei "fechado  na rua

Quando me mudei para a minha actual casa, depois de um voluptuoso negocio de venda do apartamento azul a um cavalheiro que ficou entusiasmadíssimo com a casa e pagou o que me pareceu ser um exagero (eu fizera um preço que considerava alto para depois fazer um eventual abatimento generoso. Não foi necessário: a criatura entrou, viu, entusiasmou-se e nem discutiu apesar de declarar que aquilo era “carote”. Era um filho único que saía de casa pela primeira vez e a parentela também achou “carote” mas não repontaram.

Nesta casa, continuei a usar o mesmo método de fechar à chave a casa logo que entrava e lá me fui aguentando sem especiais sobressaltos. Todavia, nos últimos anos perdi as chaves cinco vezes!!!

Convém dizer que eu uso um dispositivo parecido com um “mosquetão” que se prende numa presilha do cinto  o que, em princípio garante que não cai nem se perde. A verdade é que nas primeiras três vezes por mal preso perdi as chaves. Das duas últimas foi o próprio dispositivo, gasto pelo uso de muitos anos que permitiu que a argola caísse.

Com uma sorte inacreditável houve sempre almas caridosas que entregaram as chaves perdidas na tabacaria, no condomínio ou no café. Das duas ultimas vezes valeu-me um pequeno anúncio com o meu nº de telefone afixado depois do desastre.

Hoje, foi no correio: o mosquetão dividiu-se em dois e as chaves lá ficaram. Quando aflito lá voltei, o funcionário que meia hora antes me atendera nem me deixou falar: “vem por umas chaves?  Claro que vinha e depois de agradecer com muitas vénias e sorrisos corri para o meu antigo sapateiro agora detentor de uma casa que faz tudo, vende tudo mas, infelizmente, já não trata de calçado.

E descobri que o mosquetão estava mais que gasto a pedir reforma urgente. Veio outro, novinho em folha e uma chapinha com o meu nº de telefone  (cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém).

O melhor da história é que não precisei de anunciar a perda momentânea À CG. Evitei, S Pedro seja três vezes louvado, um sermão dos grandes, pior do que os do monsenhor Palrinhas, padre na igreja de S Julião, na Figueira e famoso pelos copiosos sermões que praticava.

Por três euros e meio estou preparado para quase tudo, incluindo novas perdas.

E poupando quantias absurdas de instalação de nova fechadura (também já aconteceu e que me custou umas largas centenas de euros...). Já que estou em boa maré fui à tabacaria fazer mais uma apontas no euromilhões. Quem sabe se a maré, a boa maré, continua?

 

 

au bonheur des dames 508

d'oliveira, 04.07.22

 

 

 

 

 

 

 

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Uma banhoca em Copacabana

mcr, 4-7-22

 

Em tempos que já lá vão eu era capaz de fazer duzentos e tal quilómetros para mergulhar por um dia/dia e meio nas incríveis águas do Índico. Esses quilómetros eram a distância entre Nampula e o Mossuril, frente à Ilha de Moçambique.

Mais propriamente, a praia onde aterrávamos tinha o singular nome de praia das Chocas e consistia num areal imaculado, com coqueiros até ao mar, meia dúzia de pequenos bungalows que a Administração alugava aos turistas. A praia estava semeada de “parrots” ou seja de pequenas e toscas construcções que consistiam numa cobertura de folhas sobre quatro ou cinco pais largos e grossos. A coisa servia para aguentar o sol forte e o calor intenso. As águas eram cristalinas, povoadas de peixes lindíssimos e ricas em lagostas.

Logo que nos instalávamos aprecia um pescador  que oferecia os seus serviços para o fornecimento de lagostas. Tinha apenas duas medidas, ambas a preço irrisório: lata grande e lata pequena. As latas eram de gasolina ou óleo para automóveis. As maiores davam para quase uma dúzia de lagostas as pequenas não ultrapassavam as cinco. Como normalmentese ia em grupo de amigos, tudo gente pronta a devorar tudo o que lhe aparecesse pela frente, o meu pai optava pelas latas grandes e, às escondidas dos outros, avançava uma gorjeta generosa.

Digo às escondidas pois havia sempre alguém que achava que “os pretos não precisavam de muito” e convinha não os apaparicar. O pater apreciador de boa comida e de bom coração não ia nessas cantigas coloniais. “Se queres ser bem servido paga bem!”

Era por essa razão, e provavelmente por amizade que durante todo o tempo em que viveu em Nampula (15 anos) tivemos o melhor cozinheiro da cidade, o “sr. Tesoura” (era assim que a minha mãe o tratava. Ela só tratava por tu o Mário, criado de casa que se embebedava tremendamente. O cozinheiro e o “mainato” (um autentico cavalheiro muçulmano) eram senhores. Claro que as amigas e olegas de canasta troçavam um pouco mas provavelmente a minha Mãe também só queria um bom serviço. E, na verdade, nunca tivemos outros serviçais. Eu e o meu irmão éramos tu cá tu lá com ele se eles connosco. Quando vínhamos de férias (para a estudantada do ultramar criara-se um regime de exames em Dezembro, prolongando assim a época de Outubro. Ou seja as férias de Verão duravam imenso tempo. Nós só regressávamos em Novembro já fartos de sol e África.

Tudo isto para dizer que eu compreendo bem a mania viajeira para o Brasil do sr Presidente da República. Ao mínimo pretexto, ei-lo que se passa para a antiga colónia. Desta vez, terá sido a propósito de alguma comemoração da independência: já que o coração de D Pedro 1V ia até lá, o Presidente mesmo republicano entendeu que deveria também ir.

(a propósito de D Pedro IV, circulava na nossa família uma historieta: um amigo do meu avô seria monárquico legitimista e, sempre que passava, na praça do nome do rei  onde este está de estátua equestre, resmungava, virando-se de costas. “Não consigo encarar o “safardana da mula verde””).

Portanto, eis que o dr. Rebelo de Sousa foi até ao Rio de Janeiro. Aqui para nós também eu iria se me pagassem a viagem. Uma vez na “cidade maravilhosa” entendeu o mais alto magistrado da nação  dar uns mergulhos em Copacabana, coisa que também eu gostaria de fazer apenas pelo amor da água e sem olhar para as jovens mulheres em flor naqueles biquínis reduzidíssimos. Só  pelo mergulho, claro!...

Todavia, o sr Presidente iria também almoçar com o seu colega brasileiro e mais tarde encontrar-se, sabe-se  lá porquê com três “ex presidentes” brasileiros.

Aqui para nós, pessoas intriguistas e de mau carácter, só um interessava, Lula mais que presuntivo candidato mesmo se as eleições ainda não venham tão cedo e as candidaturas serem apenas as presumidas (e no caso já absolutamente confirmada).

Bolsonaro pode ser (e é) aquilo que sabemos  (mas não dizemos para evitar processos de difamação...) mas não assim tão néscio que não perceba de onde sopra o vento. E, vai daí, com o seu habitual tacto diplomático, “desconvidou” Marcelo.

Este fingiu que a indelicadeza não existia e assobiou para o lado. E lá se encontrou com Lula da Silva o candidato que ainda não é candidato muito embora, à vista de todos, aja como tal.

E lá tivemos direito ao mergulho presidencial na hora nobre dos noticiários. E Lola lá teve o apadrinhamento que, de todo, não é apadrinhamento, do presidente português que, por nada deste mundo, se atreveria a meter o respeitabilíssimo bedelho nas eleições brasileiras...

*quem esperava que, na  vinheta,  eu pusesse Lula com MRS enganou-se: não quero imiscuir-me nas eleições brasileiras...

estes dias que passam 710

d'oliveira, 03.07.22

Entradas de leão...

mcr, 3-7-22

 

Os/as leitores/as (eu não vou na gramática inclusiva e abusiva dos advogados dos sexos “não binários” que aliás não são obrigados a ler.me...) conhecerão o resto dessa frase. A cautela, aqui vai: “saídas de sendeiro”. 

E, estou em crer, sabem ao que venho e que enche televisões, rádios e jornais: sempre a triste anedota do ministro peru que se tomou por pavão.

Eu ando, e desde há muito, a afirmar, que agora a vergonha é um pecado três vezes mortal e que, por isso, se evita a todo o custo. 

E como, por isso, ninguém tem vergonha na cara, ninguém, por mais aleivosias que lhe façam, se demite. Quem nasce com vocação para capacho nunca chega a tapete, mas é o que temos. Parece que a nossa sina é sermos o alvo das padas de quem, na europa, nos segue divertido e com um vago desprezo. 

A historieta do ministro Pedro Nuno e da sua ânsia em se agarrar ao poder que, agora, é pouco ou nenhum, mostra bem que género de classe política (ou de certa classe política) nos foi dado   ter. 

Eu, desde a famosa (e ridícula) declaração de desafio aos banqueiros alemães, sempre afirmei que a criatura deveria ter ficado no seu cantinho. Não ficou porque alguém, seguramente mal avisado, achou que a criatura ornamentaria um governo eficaz. E foi o que se viu: uma passagem por sucessivos gabinetes sem especial brilho mas com muito parlapié. E apareceu o “pedro-nunismo” uma versão parola da “esquerda socialista com uma queda indubitável para o “geringoncismo” mesmo quando desnecessário como é o caso, actualmente.

Agora ouvem-se vozes que juram que estavam à espera e à espreita de um tropeçâo do género deste que foi dado. Cheira-me mais a aquela velha teoria que manda que os prognósticos só se deem depois do jogo.

No pequeno círculo do “sétimo de praia com latim e grego por fora” assomou Y que jura que “à  semelhança dos palermas e palermoides há astros e asteroides”. Ou seja que nem tudo o que luz é oiro. K. Por sua vez (esta  troca de impressões está mais concorrida que as festas da Agonia), K corrigiu: “nem isso, o  criaturo é um cometa de cauda curta em rota perdida. E os cometas causam sarilhos quando embatem na Terra.”

Para já o sarilho reduz-se a um despacho e respectivo contra-despacho e uma humilhante auto-crítica. Poderia ser pior se, por exemplo, a coisa fosse mesmo para a frente. Já imaginaram o que era começar-se a construir Montijo e a fazer os projectos de Alcochete sem sequer haver uma ideia de qual seria a posição do PSD  que, em ganhando as eleições poderia deitar tudo a perder?

Alguém consegue explicar de onde é que viriam os oito a dez mil milhões de euros para Alcochete? Alguém poderá dizer que, num país que já leva uns dois ou três bons séculos de obras de Santa Engrácia, essa dezena de milhões não se alargasse desmesuradamente? 

Só numa mente fantasista é que cabe a esperança de que essa dinheirama toda viria outra vez, uma vez mais, dos donos das perninhas que tremem. É que confiança se pode ter num político que se diz socialista mas que, à vista de todos, se assume como um “inocente útil” às ordens de um ou dois debilitados partidos radicais de extrema esquerda, cujas propostas vão todas no sentido de menos Europa (ou nenhuma) de mais dívida pública, mais Estado como se este não fosse já demasiadamente gordo e ineficaz como se vê todos os dias em capítulos tão diversos como a saúde, a educação ou a segurança social que regista uma altíssima taxa de queixas junto da Provedora de Justiça?

Eu não faço parte dos que acham que este estúpido fait divers derrube a curto ou a médio prazo o Governo. Porém cá dentro ou lá fora a imagem deste foi abalada. Não sei se a oposiçãoo vai ou não aproveitar esta tragicomédia lusitana nem isso me importa demasiadamente. A mim, o que me espanta, é a permanência do Ministro por tibieza ou sofisticado e mal intencionado cálculo político do Primeiro Ministro. 

Da desesperada vocação  de lapa agarrada ao rochedo do poder  que se verifica em PNS pouco se me dá. Não digo que a esperava mas também me não surpreende. Conheci ao longo de uma vida  longa muita gente assim. Nos últimos anos vi casos de tentativa de sobrevivência política idênticos ou parecidos. Vi criaturas a deixarem-se assar lentamente ao fogo da opinião pública e dos remoques da comunicação social sem perceberem que à sua simples vista as pessoas se riem. O poder ou o cheiro dele enlouqueceu-as. Mas espanta-me que, no caso em apreço, ainda se fale de uma fracção do PS com gente dentro do parlamento, pronta a seguir um chefe de fancaria.  Será (ainda) verdade?  Deus nos proteja desta malta!

estes dias que passam 709

d'oliveira, 01.07.22

"Despacharam" o  despacho

Mcr, 1 -7-22

 

A silly season costuma começar lá mais para o Verão, ou seja para a temporada de banhos, Agosto. 

Desta feita começou bem mais cedo pelos vistos com o estranho caso de um despacho despachado para a sargeta da História. 

Passa-se isto noutra geografia mais pitoresca , a coisa daria para a costumeira risota dos mais indulgentes e para a afirmação sempre agressiva de que “aquela gente” daquelas excêntricas paragens não é igual a nós mas claramente inferior.

No entanto, isto foi anteontem e em Portugal, país com pergaminhos de oito séculos de História . E o protagonista, mesmo pitoresco e vagamente pindérico, é Ministro! Ministro, reparem bem, mesmo se um ministro já aureolado e conhecido pelas suas bombásticas declarações  que normalmente não ultrapassam o fragor de tiros na água.

Se não estou em erro, o sr Pedro Nuno dos Santos entrou no círculo dos famosos quando propôs não pagar a dívida e, com essa atrevida e caloteira atitude,  pôr  as “perninhas” dos banqueiros alemães a tremer. 

Diga-se que a ameaça não teve sequer o efeito de uma bola de sabão, pelo menos no que toca aos membros inferiores dos cavalheiros teutónicos. 

Ou porque não sabiam português, ou não tinham pernas ou, finalmente, as deles não tremem com estes arremedos patéticos e patetas de ameaça vã. 

Portanto, anteontem, enquanto o dr. Costa andava, como já vem sendo costume , pela Europa  eis que os portugueses foram surpreendidos com uma notícia: o famoso aeroporto de Lisboa que jamais seria construído na margem sul, ia de fato arrancar em Alcochete provavelmente transferida honorariamente para norte do Tejo. 

A coisa aliás era mais complicada. Numa 1ª fase faziam-se umas obras em Lisboa, gastava-se a bagatela de 600  milhões no Montijo e depois começava a grande obra em Alcochete, coisa para terminar (miraculosamente  num país sempre adiado e sempre com adiamentos) em 2035!

Pelos cálculos mais baixões, parece que a empreitada ficaria em 10.000 (dez mil) milhões de euros desconhecendo-se, como também é hábito nacional, de onde viria essa pipa de massa. 

O azougado ministro Pedro Nuno dos Santos veio dizer, e por mais de uma vez, que assim é que é, nada de esperas pelo PSD, nada de tremores agora nas pernas nacionais, nossas:  para a frente é que é caminho, mesmo que tudo isto parecesse uma corrida de lemings para o abismo.

O Quarto Pastorinho, digo, o Sr Presidente da República quando interrogado declarou não conhecer o despacho ministerial. O sr Primeiro Ministro, terá dado um uivo desde Madrid e ameaçado o sr PSN: ou se demite ou é demitido.

Este, encolheu as unhas e veio de corda ao pescoço afirmar que errara que era o melhor amigo de Costa e mais duas ou três toliçadas. E o despacho foi prontamente anulado e tudo pareceu esquecido. Tudo? 

Temo bem que não!

O sr Presidente da república, numa declaração tão breve quanto agreste, veio dizer que era ao Governo que cabia a responsabilidade, que queria uma solução clara, boa, “consistente” e mais não sei quê.

Os sr.s Costa e Santos estiveram uma hora à conversa mas disso não transpirou nada. Moita, carrasco!  

E tudo voltou, mas mais tremido que as perninhas alemãs, à primeira forma: aguarda-se que o PSD diga o que entender. Tornando-o assim, caso o seu líder queira, fiel da balança. 

Para um Governo com maioria absoluta é obra! 

Para um candidato a 1º Ministro foi um tiro no pé.

Para um Primeiro Ministro, uma valente canelada na tíbia esquerda. 

Para os portugueses, tristemente habituados a estas acrobacias  vaudevilescas, mais uma ocasião para sorrir amarelo e para lamentar o estado bananeira da República. 

Isto vai ser uma tourada à antiga portuguesa” manda-me em mail a Juju Cachimbinha. “Ou uma garraiada infantil à moda do antigo Casino Peninsular da Figueira” contrapõe W, alvoroçado mas com farta experiência destas “portuguesices”. 

Os restantes membros do “”Sétimo de praia com latim e grego por fora”, amável grupo de velhos velhíssimos compinchas rebolam de riso (amarelo, desolado e envergonhado).

E mandam-me um recado: “M, vê lá se acertas o passo a esta gentinha, sobretudo ao pimpão das infra-estruturas”. 

Eu faço o que posso mas há algo que me incomoda. Então este senhor PN  tem trinta (30!!!?) deputados às ordens no Parlamento? Dispostos a seguir o chefe, o líder, o conducatore até ao fim do mundo ou até ao cargo de 1ª Ministro? Será possível tal ataque de louca cegueira partidária, de brutal autismo político?  

E onde param esses famosos 10.000 milhões de que se fala, fora os desvios sempre previsíveis e quase certos ou isto não se passasse no torrãozinho de açúcar à beira mar plantado? 

Que um ministro fora da caixa permaneça, já estamos habituados. Só, por uma e irrepetível vez, um foi corrido (o dr. João Soares) . Os restantes arrastaram a carcaça  moribunda longos, longíssimos meses porque o sr. Costa não gosta de remodelar. Ou gosta de ter no rebanho que dirige uns piões das nicas que lhe evitam ser atingido pelas críticas.

Já imaginaram o efeito que estas coisas têm lá fora?  Na Europa, para onde, consta, o sr. Costa gostaria de ir? Alguém acredita que depois destas aventuras circenses e do seu, até agora, desfecho, ainda haja quem lhe queira confiar responsabilidades europeias? 

E falam em habilidade política? Uma habilidade que transforma os choque violentos de opinião (e acção) num drama de faca e alguidar, numa telenovela sensaborona, numa paz dos cemitérios? 

 

Será que merecemos isto? 

Que aceitamos isto? 

Responda quem souber.

 

 

 

 

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