diário político 261
Reliquias, panteões, túmulos, homenagens o que mais há
d'Oliveira fecit, em Agosto
relíquias laicas, religiosas, monumenos túmulos e restante parafernália
d’Oliveira fecit aos 22 de Agosto
Um recente texto sobre relíquias religiosas, aliás um par de dislates sobre o tema, merece que se dedique ao tema um par de observações.
Várias religiões, seguidas por um incontável número de milhões de crentes, em todos os continentes, manifestam um respeito surpreendente por relíquias, sejam elas um dente de Buda ou um fragmento da Cruz.
As religiões sempre produziram monumentos, templos, recintos sagrados, cemitérios, túmulos ou panteões de toda a ordem e grandeza para honrar os deuses e um ou muitos antepassados reais ou míticos.
Os egipcios, embalsamavam os seus faraós e depunham-nos em pirâmides, mastabas ou hipogeus, cercados de uma imensa variedade de objectos familiares que lhes permitissem uma longa viajem pela eternidade. Como, nas mais das vezes, essa bagagem além túmulo era constituída por materiais preciosos, uma das mais lucrativas mas arriscadas profissões da antiguidade até aos nossos dias foi a de violadores de túmulos. Fosse em que local fosse, os gatunos de mortos, prosperaram desde a Escandinávia ao Oriente, da península ibérica aos desertos egípcios.
Todavia, nada impediu povo após povo de levar a cabo cerimónias fúnebres sumptuosas, de levar a cabo edificações tidas por inexpugnáveis, para garantir um repouso eterno para os seus mortos mais ilustres.
Boa parte do que hoje chamamos património cultural da humanidade vem daí. E ressoa na memória colectiva a história das sete maravilhas do mundo de que se mostra uma hipótese de desenho do túmulo de Halicarnasso (ou sepultura de Mausolo)
Do Cambodja a Itália, monumentos de todo o tipo mormente os religiosos assinalam o túmulo real ou mítico de um santo, de um rei, de um herói. O mesmo sucederá na Meso-América . E em zonas menos ricas ou mais pobres em materiais nobres(África sub-sahariana, por exemplo) consegue-se, mesmo assim, assinalar a última morada de um religioso, por vezes de um chefe.
Modernamente aparecem por todo o lado panteões que guardam com laica solenidade figuras públicas que os cidadãos entendem dever realçar como exemplos ou como pais da pátria, artistas de excepcional mérito, o que se queira. E não se julgue que isto afecta ou toca apenas a chamada civilização ocidental, o u o Ocidente laico, republicano e liberal, No muro do Kremlin lá está um horrendo sepulcro de Lenin, onde a criatura jaz para todo o sempre embalsamada, com direito a guarda de honra. As nossas catedrais estão pejadas de túmulos de reis, de guerreiros de bispos e mais personagens ilustres. E nos altares mores ou das capelas guardam-se milhares de relíquias veras ou falsas que mobilizam milhões de fieis.
É conhecida a história do bispo ladrão de Santiago que veio a Braga oferecer um repasto gargantuesco ao bispo local e a todos os seus cónegos e serviçais. Depois de os embebedar com forte dose de vinho alvarinho, aproveitou-se do sono pesado e inocente dos locais para se escafeder para os seus domínios além Minho, carregado de relíquias. Só escaparam as ossadas de S Torcato por estarem noutro sítio...
(para conforto dos leitores mais religiosos ou mais nacionalistas, todas essas relíquias foram sendo restituídas ao longo de muitos e penosos séculos de negociações ásperas e minuciosas.
As relíquias desempenharam sempre um especial papel e ainda hoje o “caminho de Santiago” mais não é do que uma viajem também iniciática ao eventual túmulo e relicário do apóstolo Tiago milagrosamente desembarcada na ria de Areosa que hoje é famosa por outros desembarques menos nobres mas mais lucrativos pelo menos para a máfia galega.
E não se pense que só os fieis, os crentes, ganham com este transito de peregrinos pelos locais onde se recolhem relíquias. Algumas das melhores, mais originais e populares festas tradicionais têm origem nas romarias. Eu meso, laico até ao tutano, sou devoto da Senhora da Encarnação e da festa de Santa Rita de Cassiaonde nunca me canso de ver umas dúzias de senhoras que, no fim da procissão desfilam amortalhadas em roxo (se é que não erro) para publicamente denunciar a sua situação de mulheres maltratadas pelos maridos. A meu ver, valia-lhes mais uma denúncia por violência de género mas não deixo de reconhecer que sem chegar a tais extremos (nem sempre recompensados por uma sentença justa e eficaz, valha verdade) sempre deixam sobre os cônjuges a sombra de uma acusação, o ferrete de uma crítica social.
Troçar destas práticas religiosas não é muito diferente de repudiar os costumes laicos e republicanos que atiram para os panteões os novos pais da pátria como, neste momento vai ser o caso do cadáver do senhor José Eduardo dos Santos, finalmente regressado a Luanda depois de um duelo judiciário de baixa intensidade entre as filhas mais velhas, a viúva, os filhos mais novos e as autoridades actuais de Angola. E não vejo especiais diferenças entre o fervor dos crentes e o inflamado respeito de laicos ultra laicos que enterram Lenin ou Mao como se fossem o imperador Qin, o do exército de terracota. Ou os czares Romanov, o último dos quais uma mediocridade política e militar chamada Nicolau foi canonizado com o resto da família próxima pela Igreja Ortodoxa há uma vintena de anos. Cumpre lembrar que é esta mesma Igreja agora governada por um patriarca Ciril (ou Kiril) a que abençoou a invasão infame da Ucrânia por uma horda de soldados que não recuaram perante nada, pilhando, matando e destruindo tudo à sua passagem perante a condenação de muitos e o recatado silêncio de algumas criaturas que veem em tudo a mão omnipresente da CIA, da NATO e do Ocidente em geral. Os mesmos que troçam das relíquias e pasmam respeitosamente perante o túmulo do embalsamado fundador da URSS. Critérios...
na imagem: Túmulo de Mausolo em Halicarnasso, reconstituição