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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

o leitor (im)penitente 249

d'oliveira, 29.09.22

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 Uma vida através de livros 8

RABELAIS  O riso demolidor

mcr, 28-09-22

 

ter-me-ei cruzado com o sr François Rabelais, autor de Gargantua et Pantagruel, ainda quase menino, na Bublioteca Pública Fernandes Tomás, na Figueira da Foz.

Até há pouco pensava que teria lido uma adaptação da obra devida  a Adolfo Simões Muller, um escritor de obras infantis e juvenis que adaptou varias obras maiores.

Todavia, depois de consultar a wukipédia não encontrei qualquer referência que abonasse esta falsa recordação pelo que terá sido outra a origem dessa leitura que nunca esqueci.

De ciência certa, tenho que nos anos de 62/63, comprei  pela primeira vez o original francês numa edição da extraordinária Marabout (editora belga) com as ilustrações devidas a Doré.

O antigo encantamento ressurgiu em força e nunca mais parei de adquirir as obras de Rabelais, ao ponto de, finalmente, a medo mas esperançado, ter comprao um exemplar na antiga e saborosíssima escrita original.

A coisa custou mas fui lendo sempre para a frente, teimoso e surpreendido com a plasticidade desse francês antigo, com a sonoridade da língua e com o que ia descobrindo.

Sei que há uma ediçãoo em português (ignoro se completa ou incompleta os famosos 5 livros que constituem a obra. Deve-se à falecida editora Europa América, uma casa de grande qualidade que durante trinta ou quarenta anos publicou muito do melhor que se editava na Europa. E que, obviamente, foi, vezes sem conta, alvo da censura. Aliás o seu editor, Francisco Lyon de Castro conheceu as masmorras s do regime  durante quatro anos, Militou no PCP no PCE (enquanto esteve exilado em Espanha) não aceitou o pacto germano-soviético e viveu sempre sob estreita vigilância policial. Como editor além da excelente Europa América publicou o jornal Ler uma das melhores (e mais perseguidas) publicações regulares portuguesas.

Não sei se ainda há exemplares da edição a que me referi (aliás vou procura-la não tanto para a ler mas porque o meu culto rabelaisiano me obriga).

Quem acompanha estes meus textos sobre livros sabe que não faço qualquer resumo, e resumir Gargantua seria coisa para muitas páginas!, mas apenas me proponho suscitar curiosidade e interesse.

È que a ansia da novidade (e então agora que se edita à mão cheia!) faz esquecer o grandes lássicos, as obras fundadoras do conhecimento científico, artístico e histórico e sobretudo os fundamentos dauilo a que chamamos cultura (europeia e universal).

Ora, Rabelais é um dos mais curiosos, vibrantes e inteligentes exemplos  deste género de cultura literária que herdamos. Isso, a efabulação luxuriante das histórias que conta e o avassalador humor  (para já não falar na crítica devastadora, impiedosa e satírica dos filisteus do seu tempo, de todos os tempos, aliás) merece uma paragem de alguns dias, vá lá de algumas semanas se o riso nos perturbar a digestão e nos engasgar.

 

Fichas:

“Gargantua et Pantagruel “(2 vol) Marabout, Verviers, “  ilustrações de Doré!

 

“Oeuvres completes” 850 pp (em francês corrente) contem um esboço da vidade Rabelais, numerosos ilustrações, enc. de editor, France Loisirs, 1987

“Oeuvres”, La Guilde du Livre, Lausanne, 1958, ex n´2656, enc de editor, 978 pp

“Oeuvres completes” Pleiade, Gallimard, 1942, texto estabelecido e anotado po Jacques Boulenger, 1045 pp, enc de editor

 (texto em francês original)

“Les cinq livres des faits et dits de Gargantua et Pantagruel (edição bilimgue).

Ed de Marie Madeleine Fragonard c/ a contribuição de Mathide Bernard e Nancy Oddo Col Quarto, Gallimard, 1657 pp

“Oeuvres de Rabelais” ill de Robida, Librairie Illustrée. 1855/6, 2 vol, 988 pp notas e glossário (190 pp) de Pierre Jauvet.

Uma curiosidade : “”Le docteur Rabelais et le vin” , . Paul de la Borie. Col Vacchus, Maurice Posot, Ed., 1948 com 13 extra-textos de Van Rompaey.

Uma biografia: “Rabelais par lui-même”, M Diegez, Seuil, 1960

* il de Robida

 

 

 

au bonheur des dames 532

d'oliveira, 27.09.22

Uns perderam-se no labirinto, 

outros aguardaram a sua vez 

à sombra do passado

ou a Direita tem memória e à 

Esquerda sonha com um futuro incerto

 

mcr, 27-09-22

 

Italia bella mostrati gentile

ed i figli tuoi non li abandonnare...

(canção tradicional utaliana)

Isto até poderia chamar-se “tanto se esganiçaram a berrar que aí vinha o lobo que, quando este apareceu, não o reconheceram.

Em se tratando de política italiana, terra com notáveis pensadores políticos e plena de experiências de toda a sorte durante séculos de repúblicas, reinos, ducados e grão-ducados, condottieri   sempre prontos, anarquistas e revolucionários, fica-se com a impressão de que no país que viu nascer a ópera tudo é possível. 

Provavelmente nem sequer é uma impressão mas a simples verdade. O resultado das últimas eleições  não é um acontecimento imprevisível mesmo se, desta vez, três distintas e irreconciliáveis Direitas apareçam momentaneamente unidas e prontas (?!) a governar. 

Com uma surpresa: desta vez há uma mulher pronta a comandar os destinos de um país onde, com raras excepções, as mulheres pouco ou nada tiveram a ver com a política. 

Sei que alguém, que alguma vez perdeu o seu tempo a ler-me, me apontará dois ou três textos em que referi, com amizade e admiração,  Rossana Rossanda e Luciana Castellina duas grandes senhoras da esquerda italiana no terceiro quartel do século passado. Ou mais efemeramente uma senhora Virginia Raggi que foi presidente da Camara de Roma ou as duas netas de Mussolini, Alessandra e Rachelle.

Todavia, em Itália, mesmo agora, há uma cultura anti feminil que atira com as mulheres para muitos lugares (o cinema, a escrita) mas raramente para a política. Que, num país em que vigora, mesmo que actualmente subterraneamente, a ideia de que só há duas mulheres a respeitar, la mamma e a irmã (e ocasionalmente a esposa), ideia que os italianos mais pruentes atribuem à mesmíssimas mães dos cavalheiros que põem e dispõem no pais, apareça uma mulher a reclamar o lugar de primeira ministra mais do que uma novidade é um prodígio, um milagre. Meloni,a conservadora, a senhora do “Deus Patria e Família, vive maritalmente com o pai d sua filha mas, espantem-se, não é casada com ele. Jura por Reagan e João Paulo II  oque não a coloca tão à direita como se pretende mas é contra toda uma série de “conquistas” sociais,  que ela considera imorais e “não italianas (no que talvez não esteja tão enganada como se poderia pensar). É verdade que nasceu para a política nas hostes das juventudes da extrema direita (MSI e vizinhanças) mas recusa quaisquer conotações anti semitas, está contra Putin econtra a invasão ao mesmo tempo que reclama para a Itália maior independência económica e financeira da UE.

Em suma, é claramente de Direita mas está por provar (e só a prática o demonstrará) que se posicione na Extrema Direita como Salvini. 

O grande problema italiano, para quem seguiu entusiasmado o percurso do país a desde os anos sessenta é que não parece ser a Direita que se levanta mas a Esquerda que se foi destroçando com uma rara eficácia e constancia. 

Em traço grosso os últimos anos cinquenta os sessenta e os setenta, os anos do “miracolo italiano”, da afirmação da Itália na Europa e no mundo,  os anos da lambreta e do fiat 500, da grande emigração do sul para o norte (e para a Europa), mostram um país governado por uma poderosa (e legitimada pela Resistencia) Democracia Cristã que sempre percebeu a vantagem de se apoiar nos pequenos partidos à sua Ddireita e à sua esquerda, combatendo com grande eficácia o poderoso Partido Comunista Italiano (também ele uma excepção no movimento comunista internacional graças à independência “possível mas real” dos seus líderes desde Togliatti a Berlinguer) e divertindo-se (é o termo justo) com as desventuras do movimento socialista italiano. Por alto e sem fazer o esforço de noticiar as tropelias tácticas, estratégicas, as luttas de personalidades, as alianças e as traições, as fusões e as (muito mais numerosas) cisões, o panorama do socialismo italiano apresentou no mínimo três partidos todos socialistas todos irreconciliáveis: o PSI, o PSDI e o PSIUP (2ª fase) que a primeira é que foi a antepassada do PSI que aliás também se chamou Partido Socialista dos Trabalhadores Italianos. Note-se que nestes diferentes partidos havia um conjunto de personalidades notabilíssimas desde Pietro Nenni a Saragat, desde Emilio Lussu a Ignazio Silone,  até Sandro Pertini o mais amado dos presidentes da república italianos. Homens com notável passado político, revolucionaio e resistente; políticos com ideias excelentes e inovadoras; democratas convictos e generosos. Mas incapazes de se juntar entre si, bem pelo contrário. 

Em boa verdade também os pequenos partidos italianos, o Radical, o Liberal e o Republicano viram sempre os seus percursos unterrompidos no exacto momento wm que os acasos d política e das eleições os beneficiavam. As vitórias sempre precárias davam origem a toda a espécie de cisões que tornam quase impensável fazer a história sucinta destes 30 anos que referi. 

Também é verdade que a omnipresente e quase omnipotente Democracia Cristã foi alvo de lutas intestinas graves mas, nisso a Direita sabe-a toda, sem pôr em causa o controlo do partido sobre o país. Mais, quando foi preciso, a DC pôs em prática políticas de aliança de centro esquerda como meio de conter alguma duvidosa aliança dos socialistas , fossem eles quais fossem, todos ou só um, com o influente PC. (que também tinha as suas correntes internas como é obrigatório em Itália. A começar pelos emilianos, de forte tradição católica. (Valeria a pena aqui, citar, Giovanni Guareschi o autor das aventuras de D Camilo e Pepone que, mesmo sendo um jocoso ataque aos comunistas tem um fundo de verdade notável. E mais: não é odioso para os comunistas antes os apresenta com bonomia).

O fim dos anos sessenta e sobretudo a primeira metade de setenta viu como este mundo ruia. O assassinato de  Aldo Moro, a morte de Berlinguer  a temível rede negra dos fascistas bombistas, a conspiração maçónica  (melhor dizendo de uma rede que usando a loja P2 como centro de direcção clandestina)  na DC a par com a violência policial repressiva deu “direito de nação” a diferentes grupúsculos de extrema esquerda  que, muito italianamente se criavam como cogumelos e multiplicavam como coelhos. Os índices de violência política, os atentados, os tiros na perna, os assassinatos  mergulharam todo o nore e centro da Itália num medonho ajuste de contas que não diferenciava os inimigos: morreram sindicalistas, militantes socialistas, demo-cristãos e comunistas sempre em nome de uma, aliás várias, linha revolucionaria a que as massas italianas e sobretudo os trabalhadores (em nome dos quais se combatia) assistiam horrorizados.

Ainda hoje, há processos pendentes, prisioneiros a cumprir pena, pedidos de extradição vindos desses anos violentos.

Junte-se a isto que não era pouco, bem pelo contrário, a lenta decomposição dso partidos tradicionais todos eles desaparecidos , desde os socialistas cujo último dirigente conhecido (Betino Craxi) acusado de corrupção optou por fugir e morreu no exílio, até à DC e ao PC  de onde alguns não demasiados militantes conseguiram sair e formar um novo partido (PD) que mesmo central na Esquerda nunca conseguiu obter a popularidade e a massa militante semelhantes ao antigo partido.  

Em números claros, a Esquerda italiana é hoje menos de metade do que era nos anos que referi. 

A direita (DC) caiu por esgotamento (entre outras problemas e sempre pela corrupção) mas a Esquerda soçobrou  por incapacidade estratégica e por uma desenfreada violência política que, mesmo marginal e em certo modo limitada horrorizou a sociedade. E claro, a corrupção...

Não é um caso singular. O mesmo se passa em França onde os partidos comunista e socialista quase se evaporaram enquanto a extrema Direita foi gradualmente conquistando terreno (na maior parte nas zonas ex-comunistas) provando que o cordão sanitário teve poucos anos de êxito. Em boa verdade, convirá lembrar que o afundamento do PC foi-se tornando evidente devido ao crescimento de um PS que Miterrand criou a partir de uma SFIO  que também ia desaparecendo. E o Centro-Direita francês também está em forte crise como se viu na última campanha eleitoral. 

Ora julgo, mas teremos tempo para voltar a este apaixonante tema, que as raízes desta crise que assume foros de escândalo com Giorgia Meloni, deve ser procurada na grande crise dos finais do século passado. Para além, evidentemente, dos novos dados e dos novos desafios a que se assiste. E de uma constatação simples: a Esquerda soube sempre dividir-se, mas foi igualmente incapaz de encontrar as pontes mínimas para criar uma política que suscitasse o entusiasmo dos eleitores. Não é por acaso que esta eleição italiana registou um número recorde de abstenção.

 

Em aparte:

Talvez conviesse, em Portugal, pensar nisto...

Eu não temo o Ventura mas apenas a desilusão e a indignação dos eleitores. Não é o “sistema” que está em causa. É que est

ão a fazer com o “sistema”!

Segundo aparte: mesmo sem ser italiano, eu perdi as eleições italianas. Começo a habituar-me pois também perdi as francesas e as suecas... Eis-me de volta aos velhos anos mas sem o viço da juventude. 

Arre!  

au bonheur des dames 531

d'oliveira, 26.09.22

 

 

 

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Saudando as mulheres russas

(e muitas outras...)

Mcr, 26-9-22

 

 

Não sairás daqui vivo,

não te erguerás da neve. 

De espingarda cinco feridas,

vinte oito de baioneta.

Pro amigo roupa nova 

e amarga já costuro.

Gosta do sangue, ele gosta 

do sangue, o solo russo

Ana Akhmatova (só o sangue  cheira a sangue " , Assírio & Alvim, 2000)

 

 

A televisão tem todos os defeitos que quiserem mas só ela, quase em tempo real, mostra os dramas do mundo. Ontem, em vários canais, viam-se as imagens possíveis dos protestos contra a mobilização de reservistas na Rússia.

E eram muitas, mas mesmo muitas, as mulheres presas e arrastadas pelos polícias do regime para carros celulares. Lutavam por pais, maridos, noivos e irmãos mais do que por elas mesmo se também elas se sentissem cidadãs encurraladas na mesma homicida e enlouquecida espiral de terror, violência e insanidade.

Claro que a mobilização de reservistas atinge sobretudo as regiões periféricas, pobres, abandonadas e etnicamente diversas das do povo colonizador, russo, branco e ortodoxo. Por cada morto oriundo de Moscovo há quinze vindos desses territórios longínquos onde o progresso nunca chegou. 

É assim a guerra de Putin e da clique que o apoia lá (e também cá...). De uma só vez manda para a frente da carnificina as minorias esperando não só que matem por eles, mas que morram também por eles e assim se deixem ir desaparecendo como ameaça sempre presente à etnia russa. 

O princípio é exactamente o mesmo  da mobilização nas cadeias e penitenciárias. Seja como for, mortos ou raramente sobreviventes este é um meio eficaz e económico de acabar com um problema. 

E nas zonas periféricas como nos grandes centros urbanos da Rússia, os protestos aumentam, a repressão endurece, as medidas legislativas tornam cada vez mais opressivas, quem pode foge, emigra, exila-se. Ou é preso, condenado e enviado para as frentes de guerra. 

E é por isso que as cidadãs russas, mesmo sabendo que, apesar de tudo e antes dos seus, outros marcharão e morrerão, saem para a rua e gritam. Haverá ainda quem se lembre de há meses uma muito velha senhora, provavelmente sobrevivente do cerco de Leningrado, erguer um cartaz de cartão pobre condenando a guerra. Ou daquela jornalista da televisão oficial que se atreveu a passar por trás da locutora com cartaz semelhante...

Eu que não sou russo, Deus seja louvado, que sou homem e demasiado velho e sem préstimo para qualquer guerra, desde sempre tive claro que a Humanidade  devia muito quase tudo a este tipo de mulheres que se defendiam, defendendo maridos e filhos, pais e irmãos. Porque, também elas, sabem que as guerras acabam por trazer às mulheres, a todas as mulheres, perda de direitos, sangue que cheira a sangue, maus tratos, violações, pobreza e morte.

As russas pagaram um duríssimo tributo durante a invasão alemã, já tinham tido a sua quota parte de desventura durante os anos terríveis da sovietização e dos expurgos, das deslocações maciças de populações para o Extremo Oriente. Foram elas (como as inglesas ou americanas, é bom sublinhar...) que foram mobilizadas para a fábricas e para os campos enquanto os homens combatiam. Foram elas em todos os territórios atingidos pela guerra que foram violadas aos milhares pela soldadesca invasora.

E foram elas que, uma vez terminadas as hostilidades mas não a fome, as privações e a humilhação deitaram, decididas e corajosas, mãos à obra de reconstrução. Por isso se iniciei este folhetim com um poema da admirável e perseguida Ana Akhmatova,  entendi ilustrá-lo com as mulheres de Berlin que, de mãos nuas, começaram a tentar reconstruir a sua cidade. Eram as Trummerfrauen, as mulheres  dos escombros, muitas delas condenadas por terem sido nazis mas outras, tantas ou mais, apenas mulheres vítimas da guerra, sem casa nem comida, sem marido ou noivo, viúvas antes do tempo mas valentes e decididas. 

 

E já agora, que estamos com a mão na massa, recordemos o belíssimo poema de Jacques Prévert, melhor dizendo um seu único verso: “oh Barbra quelle conerie la guerre!

 

(em tempo, uma colunista de um jornal de referência descobriu a pólvora e vem hoje afirmar que as mulheres iranianas não lutam apenas contra o hijab! Arre, que é preciso ser tonta: o hijab é, apenas e sobretudo, o sinal temível da situação a que a grande maioria da muçulmanas está sujeita pelas regras retrógradas e imbecis das autoridades religiosas, chiitas ou sunitas, acaba tudo por vir dar ao mesmo.

(Vai esta para a CG, a Ana, a Teresa, a Luísa, a Irene, a Maria João, a  Isabel  ou a Zé, e para outras que cabem aqui mas não lembro os nomes)

 

 

 

 

 

 

au bonheur des dames 530

d'oliveira, 25.09.22

 

 

 

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A “metade do céu”?...

mcr, 25-9-22

 

Vejo as armadilhas em cada canto

Em todos os cainhos

 Mas, além dos teus caracóis

não há para mim salvação alguma

(HAFIZ)

 

A expressão que dá título o folhetim pertence ao pouco venerável presidente Mao. ( a frase completa é as mulheres são metade do céu, se não estou em erro).

Claro que nem Mao acreditava nisso nem a prática do poder comunista chinês  alguma vez acreditou nela. Ainda hoje, e já lá vão largas dezenas de anos, o papel das mulheres chinesas na sua sociedade é francamente diminuto e fica a léguas do das congéneres europeias  e mesmo bem longe das cidadãs de Taiwan como se sabe.

De todo o modo, não é da China que hoje me quero ocupar mas do Irão onde a palavra de ordem parece ser  “a melhor mulher sem véu é a mulher morta, vá espancada e presa

De facto, a ayatolagem que continua no poder (absoluto) já veio afirmar solenemente que a ordem será mantida custe o que custar.

E vá de disparar contra as multidões que protestam, de matar (e já lá vão umas dúzias de cadáveres para provar que aquilo é a sério) de prender e espancar.  Conenhamos que estas duas últimas hipóteses são apesar de numerosas as menos incómodas para quem desafia o bafiento e imoral poder dos religiosos e s sua merdosa visão da religião.

Em boa verdade, e por muito que custe a alguns piedoso multiculturalistas, o Islão nunca foi uma doutrina de libertação  do homem (e menos, muito menos ainda da mulher).

Nós, ocidentais e, sobretudo, portugueses,  nunca dedicamos especial atenção a essa antiga Pérsia, pais de grandes poetas  (citemos apenas Hafiz ou Omar Khattam) e berço de uma antiga e prestigiosa civilização.

Ainda hoje, ou sobretudo hoje, o Irão é uma potencia regional importante em todo o médio Oriente e no mar Negro. Raptado pelo chiismo e pelos ayatolahs, guardado pelos pasdaran, pretorianos da revolução islâmica, boçais e violentos e por uma polícia da moralidade  que ultrapassa em muito a ficção mais grotesca e medonha, o Irão é hoje em dia uma anomalia perigosa e ameaçadora que recentemente se vai aliando à vizinha Rússia ao mesmo tempo que se vai armando nuclearmente.

É verdade que nunca foi uma democracia, sequer um país tolerante, basta relembrar a dinastia Pahlevi, usurpadora do poder e madrasta dos milhões de deserdados que levaram Khomeini ao poder.

Para cúmulo também alberga uma minoria curda, tão arredada do poder como as restantes minorias siria, iraquiana e turca.

E foi justamente, uma rapariga turca, turista acidental em Teherão que acabou por ser presa, eepancada e assassinada numa esquadra de polícia. Cometera, é verdade, o monstruoso crime de usar véu que esconde a cabeça de forma pouco ortodoxa, permitindo uma visão pecaminosa de parte do cabelo o que certamente inflamaria os homens que a avistassem. Inflamou pelo menos a polícia dos costumes com o resultado já descrito.

Saíram para rua (e continuam a sair) milhares de homens e mulheres, na maioria jovens que, obviamente, são vítimas de gazes lacrimogéneos, balas verdadeiras e tudo o que o arsenal repressivo conta de eficaz contra quem protesta.

Pra cúmulo, as mulheres em revolta queimam os hijabs, suprema afronta aos pais da revolução e defensores da fé!

A padralhada muçulmana e chiita, enquanto espreita com olhar obscenamente  guloso a cabeça nua das criminosas vai dando ordens para lhes tirar as teimas seja de que maneira for. E ameaça tudo e todos.

Eu faço parte da minoria que entende que a países deste teor, teocracias, autocracias e ditaduras de vária ordem e igual violência, não se vai seja como negociante, seja como turista. E sou homem pelo que lá ninguém me obriga a coisa alguma. Acho que esta é a única maneira de mostrar solidariedade com quem é perseguido, exilado, na sua própria pátria.  Disse isto mesmo, a duas outrês amigas (ainda por cima progressistas mas viajeiras, que entenderam ir até tais paragens. Ao aceitar andar por lá de cabelo tapado elas, mesmo não querendo, legitimam a natural e tradicional violência contra as mulheres, essa metade do inferno versão iraniana.

*na vinheta uma ilustração no “Le livre d’or du Divan” de Hafiz, (Pierre Seghers ed, Paris 1978). A tradução em epígrafe é minha e pobre mas pretende ser rigorosa... 

au bonheur des dames 529

d'oliveira, 24.09.22

Reflexões sobre os cordões sanitários

mcr, 24-9-22

 

Chega pra lá

Eu não quero mais te ver

Já cansei de te aturar

Maria Creuza, “chega pra lá”

 

 

Um texto do meu colega e amigo JCP aqui em baixo, sobre o PSD e o Chega,  dá-me oportunidade para revisitar algo que parece estar longe dos focos político-partidários. 

Antes de entrar  na questão, convirá explicar que nunca votei à direita do PS, e apenas uma única e solitária vez votei à esquerda deste partido, mais concretamente numa europeia e a favor do BE (por lá constar como candidato Miguel Portas, pessoa que eu sempre considerei culta, inteligente e eventualmente dialogante). Quando não encontrei razões para votar no PS, refugiei-me na abstenção mas, nunca por nunca, deixei de ir à messa de voto.  Andei demasiados anos a lutar pela democracia, pelo direito de votar, fui mesmo, em 1969, fiscal da oposição numa eleição  (e obviamente ganhei mais um processo na PIDE por esse feio acto). Por duas vezes arrastei-me até à assembleia eleitoral carregado de febre para exercer o que eu julgo ser mais do que um direito, um dever!

Acompanhei desde os alvores de sessenta todas as votações europeias e americanas com especial incidência nas europeias mais importantes  (França, Alemanha, Itália ou Reino Unido) nas americanas e no Brasil. Sempre pelos democratas e sociais democratas, claro que me davam a sensação de vingar a triste situação vivida até meados de 74. 

Tenho assistido com algum pesar à queda de votação na esquerda liberal e social democrática na Europa e à ascensão da diferentes direitas umas mais ou menos conservadoras, ouras retintamente populistas e/ou saudosistas se é que este termo explicita com mais rigor aquela velha e não demasiadamente inteligente (e menos ainda critica) acusação de fascista. 

A palavra fascismo serve para tudo e denota em quem a brande a torto e a direito um absoluto desconhecimento do que o fascismo foi. Na esmagadora maioria dos casos é mal aplicada, pior mesmo do que uma outra acusação que passa bem melhor na comunicação social, a de “comunismo”. 

Em tempos que já lá vão, todos nós, os “oposicráticos”, os que viveram o Estado Novo (ou seja gente com mais de sessenta anos pois não conto a infância nem a adolescência como idades em que se percebe a res política) eram acusados de comunismo!  Era fácil, permitia prisões a esmo, assustava muita gente e excitava outra tanta que via bolchevistas até na sacristia. 

 E agora vamos ao que interessa. HCP congratula-se por mais uma vez o Chega, 3º partido mais votado, não ter chegado à mesa da AR. 

É verdade que não há norma constitucional ou regulamentar expressa que mande distribuir os lugares pelos partidos mais votados e dando sempre a presidência ao que ficou em primeiro lugar.

Mas também é verdade que durante dezenas de anos a prática foi essa e, neste capitulo de costumes constitucionais a coisa tem (ou tinha...) significado. 

Pessoalmente,  preferia que houvesse um regulamento claro porquanto este “cordão sanitário” à volta desse vociferante agrupamento populista e de direita imbecil e radical,   me parece inadequado pouco legitimado pela tradiçãoo e pelos costumes constitucionais e pela prática pregressa da AR. 

Pior,  o boicote dá ao Chega uma arma: mostra-o como vítima do “sistema” (coisa que ele proclama a torto e a direito, como se sabe. 

Depois, um lugar naquela augusta mesa que hoje se nega aos amigos do senhor Ventura será para futuro um lugar que se poderá negar a qualquer outra agremiaçãoo partidária desde o BE ao PC  ou a qualquer outro mesmo os actualmente maioritários se, porventura e à semelhança do que se passa em França ou Itália se evaporarem  coisa que como se sabe ocorreu há já um largo par de anos em Itália onde nada sobra dos partidos socialistas com assento parlamentar, nem do PC (mesmo que uma pequena parte del, a melhor, ainda subsista na base do PD. A DC desapareceu igualmente e, convenhamos, os que tomaram o seu lugar são bem piores, bem menos democráticos e mais perigoos nas ligações à sub-sociedade civil que em Itália controla muito mais coisas do que em ualquer outro lugar. 

Em França o PS esvaiu-se, o que dele resta, é um cadáver à espera de certidãoo de óbito ou encantado por cair na garra adunca e pouco recomendável de um aventureiro político capaz de tudo e do seu contrário (refiro obviamente o sr Melenchon, uma criatura que de vermelho apenas terá a gravata e de progressista ainda menos). 

E entretanto, nestes dois países eis que a Direita pura e dura cresce, desabrocha, venceu os cordões sanitários e ameaça não só os respectivos equilíbrios nacionais mas também os internacionais. Vê-se que em matéria de cordão sanitário, a medida durou pouco e produziu, como o sono da razão, monstros! 

Não falo de outras latitudes onde esquerdismos infantis (citemos por uma vez Lenin que, mesmo não o seguindo, convinha, pelo menos, perceber). Ainda há escassos dias os “democratas suecos” defenestraram uma primeira ministra decente, eficaz e social democrata.  E como se sabe na Dinamarca sucede o mesmo, no reino Unido a parte mais cavernícola dos conservadores ganha terreno a todo o vapor. 

Pessoalmente entendo que o Chega tem de ser combatido e vencido não por truques contabilísticos de votação da assembleia mas por políticas que lhe retirem a indubit´vel base de apoio que conquistou. Não que me apeteça ver um façanhudo cheguista sentado à direita de Santos Silva como não me alegraria ver um “russista” (amador e proclamador de outra ditadura, dita do proletariado sentadinho nesse local privilegiado que eles, todavia, consideram um antro da burguesia ). 

Depois, e por mera necessidade de verificar cuidadosamente os factos, não vi, o actual líder do PPD  apoiar mesmo que indirectamente a ascensão do Chega à Mesa. Mas posso ter sido míope ou apenas, por razões que acima deixei, não estive especialmente atento a tudo o que realmente afirmou o senhor Montenegro, esse mesmo que ontem fez um mini pacto com o sr Costa com o mudo testemunho do ministro que odeia as perninhas dos banqueiros alemães e que quer um aeroposto na margem sul do tejo ( relembro que ainda há pouco Cravinho, um homem probo, competente, acima de toda a suspeita, afirmava que tal situação para o futuro aeroporto era uma “saloiice”!)

Eu percebo que o meu amigo e colega de blogue não aprecie o espectáculo delirante, esparvoado mas perigoso das contínuas palhaçadas de Ventura. Eu ainda menos por ter na minha já longa vida experimentado durante mais de trinta anos gente parecida ainda que, espantem-se mais educada, mais civilizada menos uivadora e menos populista. 

Porém, vivo em Portugal, sou democrata, creio no voto popular e nas suas virtudes  pelo que , sem estados de alma (que a política deveria sempre evitar) , discordo do cerco trapalhão ao Chega. Creio que esse partido é apenas um balão soprado por múltiplos descontentamentos, alimentado sobretudo por votos de gente menos culta, mais empobrecida  e em vias de se proletarizar. Basta ver a geografia eleitoral da ultima consulta para perceber onde o Chega progrediu e onde as promessas do Poder falharam. Do Poder e de certos contrapoderes como é o caso da alta de votos no Alentejo. Congratular-me-ei com uma eventual e inesperada derrota eleitoral do Chega, coisa para que, apesar de tudo, conto com o CDS libertado daquele rapazola pateta. Creio que ao PPD não interessa de modo algum um Chega como o que cá temos. Suponho que a Iniciativa Liberal não suporta aquele gestcular berrante dos venturas e venturinhas. 

Mas, e já agora, vejamos se o Chega ao dividir votos à direita não deu uma ajuda , e das boas, a quem está do outro lado. O PS ganhou o voto útil à esquerda mas beneficiou do roubo de votos naturais aos antigos parceiros durante a troika! 

Por umas contas de fraca qualidade que fiz o PPD perdeu à vontade oito lugares de deputado que não foram para o Chega ou não foram só para ele que beneficiou do naufrágio do CDS. É que nos círculos mais pequenos uns centos de votos roubados a um dos dois contendores mais fotes dão uma vitória ao outro... e aí o Chega fez, mesmo não o desejando(!!!???)  o frete ao vencedor. 

É por isso e só por isso que não entristecendo (bem pelo contário) com a derrota do Chega também não vejo motivos de tão expressa congratulação.  

Houve, neste momento, uma mudança de paradigma na eleição da mesa da AR  e isso pelos vistos apenas foi uma contabilidade de merceeiro. E, à luz do que vou vendo por esse mundo fora temo as consequências disso. Sobretudo porque esta votação é quase ad hoc e não perspectiva nenhum regulamento mais rigoroso quanto ao preenchimento dos lugares à mesa da AR.

 

Gostaria de acentuar que isto não é, nem será, um ponto de partida para uma qualquer polémica. O tema específico é menor. Apenas pretendo recordar que a luta contra o(s) populismo(s) e outros ismos se faz com políticas concretas que ajudem as pessoas a sair de situações sociais, económicas e financeiras deprimentes e vergonhosas para o século em que vivemos e para a dignidade cidadã que aspiramos para todos. 

E só a Democracia poderá, creio, resolver, sem violência, o actual estado de coisas. Todas as outras maneiras de governar levam a maus caminhos e a consequências que não recomendo a ninguém. E espero que concordem que eu pelos meus primeiros e aventurosos trinta e três anos de vida, sei bem do que falo. 

 

* Os leitores desculparão a citação de uma cantiga da Maria Creuza que eu conheci “mocinha” num espectáculo em Coimbra com Toquinho e o enorme Vinicius de Morais, Naqueles dias cinzentos, aqueles brasileiros, eram uma porta de salvação. Agora, e mais do que nunca, o Brasil precisa de algo do mesmo género mas as possibilidades parecem mais do que escassas...   

o leitor (im)penitente 247

d'oliveira, 23.09.22

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Uma vida através de livros 6

Maníaco? Erotómano? Leitor compulsivo? Viajante imóvel? Curioso, simplesmente?  - Seja o que for!

mcr, 23-9-22

 

Um punhado gordo de amigos já me conhecem. “De ginjeira!” acrescentam os mais afoitos. “este gajo até lê a literatura inclusa nas caixas de medicamentos!” (“mentira”, reponto eu, indignado. “Aquilo é tudo em letras pequeninas! e uma chatice. Já me basta ter de tomar as mezinhas recomendadas  pelo esculápio de serviço, quanto mais entender a coisa...”)

Todavia, alguma verdade há nas críticas bem humoradas dos meus amigos. Eu leio qualquer coisa  que apanhe a jeito. Agora menos por via de uma doença fdp no fundo do  olho. Mas o Japão onde nunca pus os pés (nem porei certamente) atrai-me. Por via da pinuira, de alguma literatura clássica e de documentários vistos na televisão. E dos filmes, ou – melhor- de alguns (imensos) filmes... Com o andar dos anos fui constituindo uma biblioteca japónica sobretudo à base de álbuns de estampas.

Ora nessa floresta genial claro que, mais cedo ou mais tarde, iria desaguar na arte “shunga” ou, melhor dizendo, na pintura erótica. Era ela aliás que servia de ponto de partida a inúmeros sedutores do grande século que acumulavam as gravuras dos grandes mestres com estas que, de resto, se deviam à mesma mão das outras, as sérias, as etéreas, as delicadas ...

E daí existirem, por cá, entre outros, três álbuns que abaixo são descritos em fichas.

O primeiro (e lá vem a menção) destina-se a mãos prudentes, científicas!.

Já o segundo (le poéme de l’oreiller et autres récits) nem sequer refere essa nota pudibunda mas identifica os grandes mestres (Utamaro, Hokusai, Kunioshi et alia )

O terceiro (le printemps des délices) atreve-se a dizer ao que vem: arte erótica do Japão! Toma lá que já bebeste!

Estes apontamentos que vou por aqui deixando são apenas sugestões de leitura. Para os mais curiosos isso basta porquanto, sem grande esforço encontram na internet explicações, notas críticas, descrições bem como preçários – e normalmente estes grandes álbuns são muito menos caros do que à primeira vista se supõe. Alguns encontrei-os na FNAC   outros aparecem em vendas de alfarrabistas. E, como me dizia um deles, aqui do Porto, “o livro vai barato porque já ninguém lê francês!”

 

Le chant de l’oreiller

(l’art d’aimer au Japon)

 

Michel Beurdeley Chinobu Chujo e

Richard Lane

Office du Livre, Fribourg,  1976

275 pp., 36 x 27

Muito Il  a cores epreto e branco

enc de editor., c/ sobre-capa

 

 “esta obra destina-se exclusivamente

aos leitores interessados por razões

científicas e artísticas  e como tal

reconhecidos pelo livreiro

Venda interdita a menores de 21  anos”

(p. 6, logo depois da página de título)

 

Poéme de l’o,eiller et autres récits

(Utamaro, Hokusai et autres artistes

du Monde flotant)

Gian Carlo Calza, Phaido, Paris 2010

483 pp, mais de 500 ilustrações a cor

encadernação de editor

 

Le printemps des délices

(art erótique au Japon)

Philippe Rey, ed.

Catálogo a partir da exposição 

“Lentelust, erotische phantaisien

in Edo, Japon” (2005)

org: Chris Ohlrnbeck e Margarita winkel

Testos de Ellis Tinios, Cecília Segawa Seigle

e Oikawa Shigeru

profusamente ilustrado a cores (400/500 ill)

256 pp, , 30 x 25,5 enc de editor

 

A tempo: há edições portuguesas sobre arte e cultura japonesas. Algumas trazem iconografia de grande qualidade e estudos que valem a pena. Por todos, sem tentar desfazer nos não citados, citaria um excelente livro “Uma istória do  Assombro (Portugal Japão, secs, XVI-XX) de Alexandra Curvelo e Ana Fernandes Pinto  autoras da Introdução ao catálogo da exposição que teve lugar entre 29-11-2018 e 27-3-2019. Estas senhoras sabem (muito e bem) do que falam e o que escrevem é uma bela e profícua entrada a uma cultura que por cá se desconhece  quase inteiramente.    

PSD, Chega!

José Carlos Pereira, 23.09.22

Congratulo-me com o resultado da eleição de ontem para vice-presidente da Assembleia da República. À terceira não foi de vez e o candidato apresentado pelo Chega voltou a não reunir o número mínimo de votos necessários para ser eleito. E também me congratulo com o facto de muitos deputados do PSD não terem seguido o apelo do seu líder parlamentar, e indirectamente do presidente do partido, para estenderem a passadeira vermelha ao representante de um partido xenófobo e que frequentemente desrespeita a instituição parlamentar e os demais agentes políticos.

estes dias que passam 740

d'oliveira, 22.09.22

 

 

 

 

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A leste nada de novo*

mcr, 22 9-22

A notícia mais interessante não é o discurso frouxo de Putin, uma confissão quase patética de impotência (militar e política) mas a morte do 15º magnate russo que, desta feita, caiu de umas escadas altíssimas. Ignoro de que escadas tremendas se trata mas naquelas paragens todas nas imediações políticas e financeiras do Kremlin, a vida de um magnata vale menos do que a de um bacilo de Koch ou de um treponema pálido, duas espécies a que, por defeito meu e mau feitio, associo ao senhor Vladimir Vladimirovitch Putin.

Dir-se-ia que se mata melhor, com mais facilidade e eficácia, dentro da Rússia do que fora, na Ucrânia.

 

Quando no dia da invasão a CG me comunicou a notícia, terei pensado (se é que o não disse) que aquilo duraria uma semana, duas no máximo tal era a desproporção de forças, de riqueza, de armamento de população. Um mês depois, pensei que aquilo iria durar mais um mês, porventura dois.

Eis que duzentos dias depois, as notícias da guerra indicam uma estagnação da frente russa, mesmo aquela que apenas consolidava as regiões separatistas e a Crimeia. Do ponto de vista humano, aquilo é um massacre de soldados russos profissionais e os ganhos russos são todos à custa da aviação, dos misseis de longo alcance e da artilharia pesada de (também) longo alcance. A superioridade em tanques e outros veículos motorizados parece que se esboroou. A tropa da horda quando pode foge a sete pés, tchechenos e criminosos da Wagner incluídos. Generais russos abatidos já somam um quarteirão e a marinha de guerra, à cautela, abandonou Sevastopol, uma base lendária desde a 2ª  guerra, e está agora num porto russo do mar Negro. Se eu tivesse a mínima simpatia pelo agressor ou fosse um mero “russista” aconselharia a que tal porto ficasse a uma distância conveniente da fronteira ucraniana. É que, se por agora os mísseis dados aos agredidos são de curto alcance (300 km no máximo) pode ocorrer que algum americano masi dado ao putinismo se lembre de fornecer material de maior alcance e lá se vão os navios...

No meio disto tudo, o chamado “partido comunista russo” (irmão de alguns de nome e espécie idêntica mas firmes defensores da paz!...) continua a pedir uma mobilização geral, a declaração de guerra com mais veemência ainda do que um outro partido crismado de nacional-bolchevista que junta ultra-nacionalistas e comunistas dissidentes na mesma e habitual bandeira.

Por aqui se vê que a lição do pacto Ribentropp –Molotov não aconteceu por acaso, bem pelo contrário e só acabou porque os nazis eram ainda mais pérfidos e aventureiros do que os homens de Stalin.

Agora, que a guerra está instalada e estragar os desvairados planos da ala putinesca, conviria recordar que nos meses que a antecederam apenas americanos e ingleses clamavam no deserto. Nem os ucranianos acreditavam numa invasão. É bom recordar que até o diário bartoon do Pública trazia, e não poucas vezes, um boneco vestido de soldado americano, a chatear os indígenas porque não começava a guerra. Ou seja, o cartoonista também achava que aquela hipótese era ridícula e inimaginável. Enganou-se! Mas os desenhos lá estão publicados e, a menos que se use, uma estratégia muito soviética de apagar o passado literário/jornalístico e fotográfico, aquilo está ao dispor de quem tiver paciência para uma breve pesquisa dos últimos seis meses do Público antes da guerra...

Ontem, só nas duas cidades de Moscovo e S. Petersburgo. Houve quase duas mil prisões de manifestantes anti-guerra. Por outras palavras, agora começa mesmo que brutalmente sufocada, a manifestar-se uma opinião pública que não quer os seus boys a morrer fora de portas, numa guerra ainda mais estúpida e imoral do que a do Vietnam.

É bom lembrar aos mais esquecidos  que a guerra do Vietnam foi perdida nas salas de estar com televisão da América. Aquilo que começara sob a égide de Kennedy só acabou com o reconhecimento de Nixon, ex-soldado na 2ª Guerra e republicano (!!!) que percebeu que aquele chão, mesmo com a “república do Vietnam do Sul” a combater, nunca daria uvas. Não estou, obviamente, a diminuir a coragem dos vietnamitas (mais de um milhão de mortos, entre guerrilheiros, soldados do Exército regular do Norte e civis apanhados entre dois fogos).

Tivessem os dirigentes da Ucrania, os dirigentes europeus mais próximos e com um passado de ocupação soviética, mais discernimento (ou fossem mais seguramente pessimistas) as armas que só a partir de Abril/Maio e sempre às pinguinhas, lhes foram fornecidas e a invasão russa teria sido sufocada em poucas semanas. É que pode muito quem se defende. E pode mais ainda quem se defende com armas semelhantes às do agressor...

Não estou a futurar uma vitória da Ucrânia mas, creio ainda menos numa vitória russa. Com referendos ou sem esse falsíssimo expediente, mesmo tendo por certo que nos territórios russófonos haverá muito boa gente que se sente irmã do povo russo , não creio que haja hipótese de alguém de boa fé poder acreditar nos resultados que, de resto, nenhuma testemunha imparcial poderá sequer verificar.  

Deixo aos partidários do diálogo à outrance (do diálogo enquanto há tiros e ocupação e destruição diários) a sua vergonhosa tentativa de à imagem e semelhança dos cúmplices ocidentais de Hitler (que aceitaram tudo, que acreditaram em tudo e que, muitas vezes, depois, colaboraram em tudo...) continuar a guinchar por negociações sentando à mesma mesa agredido e agressor. É com eles... Nem toda a gente pode, sequer, apreciar a coragem ou a decência. E menos ainda, ter respeito pela verdade dos factos.

Conheço gente dessa desde os meus anos sessenta. Lutei contra essa gente desde essa altura. E sempre a desprezei.

Sou pouco dado à adiração beata pela guerra, não aprecio especialmente heróis. Mas do que não gosto, mesmo nada, é de colaboracionistas com os criminosos venham eles donde vierem. E neste caso, a escolha é, de facto, extremamente simples e clara.     

* o título refere um grande livro de Erich Maria Remarque  (apenas onde se lê leste, deveria ler-se oeste. Há tradução porrtuguesa mas duvido que haja alguma edição recente. De todo o modo há sempre alfarrabistas... 

Au bonheur des dames 528

d'oliveira, 21.09.22

A morte por companhia

mcr, 21-09-22

 

Não, não é à finada Rainha  que me refiro mesmo se valesse a pena tirar do espectáculo do funeral um par de comentários. Na verdade, os bifes, nisto de simbólico, sabem-na toda. Aquilo foi feito com precisão cirúrgica. Ou militar.  A monarquia, que, por lá,  alguns rapazes com borbulhas, querem enterrar, está, pelos vistos viva e luvrativa.  Nçai sei onde vi ou ouvi que este imenso velório de onze dias trouxe um fortunão ao Reino Unido. Até internamente, os vendedores de flores e de “recuerdos” amealharam muitas e boas libras esterlinas que lhes terá coberto as contas do ano todo. 

 Nem quero imaginar os direitos faraónicos das transmissões televisivas para não falar do facto de Londres, Windsor e outras localidades terem ganho balúrdios na restauração e na hotelaria. 

Para além deste negocio fica ainda a nota de qualidade e cuidado posto em tudo o que a Grã Bretanha entendeu mostrar. 

A começar, pela dignidade popular, pela exemplar segurança montada, pela disciplina. Receber 500 chefes de Governo, Presidentes Reis e outros altos dignitários , a bem dizer todo o mundo excepto uma meia dúzia de párias (merecidamente párias, diga-se para já) que lá teráo ficado no seu lúgubre canto a remoer insultos e indignações. 

Terminemos este aparte sobre a monarquia (e é bom que explique que nada tenho a ver com tal instituição) e passemos ao dia a dia. No dia em que a Raínha foi sepultada, morreu uma ex-cunhada minha, mulher que nos anos duros teve a vida dura, muito dura, da resistente e da emigrada política. Levou a cabo, com (demasiada impetuosidade, sou eu que digo)  forte abnegação  várias tarefas partidárias e sindicais. Sempre com a ameaça do cancro a pairar. Já tardiamente, cismou em voltar aos estudos, licenciou-se e doutorou-se tendo mesmo chegado a dar aulas no ensino superior. Aguentou setenta e oito anos (os últimos muito difíceis!) e deixou claras instrucções para o seu enterro_ nada de flores, traje de todos os dias adequados à estação, caixão fechado e cremação. Partiu pouco tempo depois de ser visitada pelo filho mais novo.  Mas a sua morte estava anunciada há meses. 

Todos os dias morrem pessoas e a nós, os velhos, a morte é já quase uma companhia conhecida. Pouco a pouco, vão desaparecendo os nossos amigos, alguns bem mais novos, mesmo, vamo-nos sentindo cada vez mais sós e, custa confessá-lo, habituados já, quase indiferentes, à morte que ronda. 

É a vida!...

 

o leitor (im)penitente 246

d'oliveira, 19.09.22

 

 

 

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(Uma vida através de livros 5)

Uma busca de anos

mcr, 20 -9-22

 

Não tenho a certeza sobre a data em que me encontrei com o primeiro volume de uma obra de que ignorava tudo. Todavia, depois de uma breve inspecção comprei o que eu pensava ser um livro único e, como fora uma barata feira, preferi informar-me junto de um alfarrabista da minha confiança.

Foi assim que soube que a obra cuja ficha se segue tinha oito fortes volumes e era muito procurada.

Estive para desistir. Oito volumes dão um trabalho doido a reunir sobretudo se se trata de algo “muito procurado”, logo caro.

Todavia, o meu informante tinha dois volumes e por estarem desirmanados, fez-me um preço notoriamente baixo. E começou o meu périplo de três ou quatro anos à procura dos restantes. O último volume, aliás o oitavo foi-me vendido por um excelente alfarrabista que me fez um desconto porque “faltavam seis extra-textos!”  Entendi que daí não viria mal ao mundo, à minha biblioteca tanto mais que sndo sócio da Sociedade de Geografia de Lisboa poderia pedir que me fotocopiassem as gravuras em falta. Descobriu-se então que no exemplar da SGL tais folhas também faltavam. O mesmo ocorreu em mais duas colecções completas o que me fez concluir que tais gravuras nunca tinham sido publicadas apesar de figurarem no índice. Investigações posteriores aumentaram para nove as edições com a mesma falta. Os meus amigos alfarrabistas aceitaram os meus argumentos pois aquilo parecia ser coincidências a mais.

Devo acrescentar que não só se trata de uma das melhores obras sobre viagens de descoberta em África mas também das mais bem ilustradas (cfr ficha auase 900 ravuras!...) e das mais completas quanto aos povos atravessados e estudados. De resto a “Espedição...” foi extremamente bem organizada, recolheu um imenso espólio de espécies de pantas, mas sobretudo apresenta um sólido conhecimento daquelas partes de África que se estendem de Malange Angola até ao interior da actual República Democrática do Congo

Como se aponta na ficha, Henrique de Carvalho, não se limitou a este tema antes passou por outras colónias portuguesas de todas trazendo um manancial de informações importante. Ainda há poucos anos, houve naSGL um colóquio de dois inteiros dias (seguido de exposição) onde ficaram visíveis as suas qualidades de viajante e explorador.

Costuma dizer-se que do seu trabalho resultou um engrandecimento de 25% da superfície de Angola, exactamente o quarto superior norte/leste. E não fora entretanto ter-se concluído a Conferencia de Berlim mais território se teria juntado à colónia porquanto Henrique de Carvalho, hábil diplomata negociara um farto lote de tratados com potentados locais no interior do que viria a ser o Reino do Congo oferecido a Leopoldo da Bélgica

 

Ficha:

 

Expedição Portuguesa ao Muatiânvua

(1884-1888) ,  Lx. Typographia Nacional

Henrique de Carvalho

1 O clima e as produções das terras de Mlnge à Lunda

 Autor : Agostinho Sizenando Marques 1889,

(717 pp, ill , quadros e mapas em extra-texto) 30 il, 15 ET a cores

 

2 Etnographia e História Tradicional dos Povos da Lunda

(731 pp, 200 il, 1 mapa,extrta-texto, ed 1890. IN)

 

3 Methodo Práctico para falar a Língua da Lunda

(391 pp, ed 1890, IM) obviamente não é ilustrado

 

4 Meteorologia, Climatologia e Colonização

(587 pp, 61 il.,  4 mapas em eetra-texto,  1892, IN)

5/6/7 e 8:

Descripção da viajem de Luanda à Mussumba

Do Muatiânvua

- De Luanda ao Cuango: (628 p; 139 ill  -38 em et e 1 mapa)

 

- Do Cuango ao Chicapa (908 pp; 112 il., 38 em et 1 em chromo

 1 mapa )

 

- Do Chicapa ao Luembe (949 pp;174 il, 32 ET  4 chromo  4 mapas

 

- Do Luembe ao Cahnahi e regresso a Lisboa (821pp;124 il,

20 Et mas faltam 7    1 map)

 

 

Erradamente há quem junte a esta obra imensa uma outra obra de Henrique de Carvalho:

Memoria: A Lunda  e os Estados do Muatiânvua (comprovados pela antiga expansão e influência

dos portugueses, convenções com as Nações Estrangeirase Estado Livre do Congo sobre a divisão política do  Continente Africano, tratados, declarações e convenções Com os diversos potentados dos Estados indígenas, Embaixadas que teem vindo a Luanda e ainda pela   orrespondência oficial trocada entre o Chefe da Expedição Portuguesa ao Muatiânvua de 1881-1888 Com as diversas autoridades portuguesas e indígenas)

Lisboa, Adolpho, Modesto & Cia Lisboa, s/d -1890?, 122 pp   obra muito rara

 

 

Existe também  Álbum da Exposição ao Muatiânvua

(Henrique de Carvalho Sertório de Aguiar) que é um  “reprint” of the original from 1887,

EDC reprint providedby National Library of Portugal Infelizmente a qualidade das fotografias deixa muito a desejar Tal, porém, não me impediu de o encomendar e lhe dar o mesmo tratamento dado aos oito volumes já citados acimaO mesmo aliás ocorreu com

Guiné, apon tamentos inéditos pelo general Henrique AD de Carvalho, Agência  Geral das Colónias, Lisboa ,1946  (248 pp), 

O Lubulo algumas observações sobre o livro do Sr Latrobe Bateman intitulado The first ascent of the Kasai,  Lisboa,  Imprensa Nacional 1880

E uma biografia  Henrique de Carvalho, uma vida ao serviço da pátria da autoria de seu neto  coronel João Augusto de Noronha Dias de Carvalho, Lisboa, 1975 (349 pp,  ed de autor?)

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 vinhetas: gravura do livro 1ª da viajem (5º volume)

os 8 volumes da  Expedição Portuguesa ao Muatiânvua 

 

 

 

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