o leitor (im)penitente 245
(uma vida através de livros 4
mcr, 18-9-22)
Des méritres comparés du saké et du riz (ilustré para un rouleau japon is du XVII siécle)
O livro de que hoje trato é recente na minha biblioteca e o fato de a ela pertencer deve-se mais a uma série de acasos e manias do que a um propósito definido do leitor (im)penitente.
Sou desde há cerca de trinta anos um admirador da pintura japonesa, melhor dizendo da xilogravura do mesmo país, uma arte que floresceu especialmente entre o século XVII e o XIX embora ainda esteja muito presente nos tempos actuais.
Ao longo dos anos fui pacientemente reunindo álbuns dos grandes mestres, tenho algumas estampas mas não espero ter alguma vez uma colecção como a de Van Gogh ou de Manet que foram alvo de recentes e sumptuosas ediçoes. Não me limito a álbuns ditos clássicos mas estendo a minha curiosidade à arte “shunga” ou erótica que em seus tempos fez as delícias de alguma literatura também ela erótica no Ocidente. Era conhecido o famoso convite dirigido a meninas incautas (ou nem tanto) para ir ao apartamento de um sedutor para ver as suas estampas japonesas. Provavelmente virá daí inconscientemente este meu interesse pela arte japonesa com que me cruzei pela primeira vez em Berlin no longínquo e nem sempre. amável ano de 1970 De facto foi aí na kurtfurstendamm que pela primeira vez vi exemplares do Ukiyo-E. Ainda conservo esse primitivo catálogo e sobretudo a sensação de encantamento que terei sentido no meu 29º ano de vida.
Porém, como dizia, este texto, uma comparação dos méritos do arroz e do saké (aguardente de arroz), mesmo antigo não me suscitava especial interesse. Sou leitor de clássicos japoneses mas confesso que até ter lido este saboroso e divertido texto em que três criaturas dialogam, nunca me lembraria de o compulsar menos ainda de o comprar. No entanto, a menção a um rolo de estampas em contínuo de 732,5 x31,1 cms encheu-me de curiosidade que, no caso dos leitores é um vício temível, admirável e desejado (e caro!)
E foi assim que este clássico fabuloso me veio á mão numa belíssima edição da conhecida editora Diann.e de Selliers, em co-edição com a Biblioteca Nacional de França onde se guarda o manuscrito.
Além do mais, o pequeno manuscrito vem acompanhado de toda uma série de notas e apontamentos que para um maníaco curioso valem quase tanto quanto a obra em si
Como nota adicional, na reprodução (integral) do rolo há uma cena com jogadores de go, um antiquíssimo jogo de estratégia chinês mas em voga sobretudo no Japão onde tem milhões ou dezenas de milhões de entusiastas e praticantes.
E mais uma vez, a história minha se cruza com um livro. De facto, a partir de 73, graças ao Zé Leal Loureiro, desparecido editor de “A regra do jogo”, comecei, a frequentar uma livraria parisiense “L’Impensé Radical” na rue de Medicis mesmo em frente ao jardim do Luxemburgo. Foi aí que descobri Sun Tzu (ou Zu) o autor dos “13 arigos” (ou Arte da guerra) cuja capa reproduzia um tabuleiro de xadrez. O livrinho anda por aí, perdido no meio de milhares de outros e longe do seu local natural. Com este, descobri vários livrinhos de diferentes tamanhos sobre o jogo do go. E com os livros o jogo propriamente dito de que me tornei adepto. Recordo de ir a um café que se chamaria “le trait d’union”(?) na rua de Rennes onde começavam a ofociar os recém convertidos jogadores de go. Com go vieram outros jogos (sam guoki) editados pela mesma livraria e e pelo incansável Luc Thanassekos, um grego alucinado por jogo de estratégia. Frequentei a livraria durante anos até ela, como uma cinquenta outras em Paris, desaparecer. Acabei por jogar raras vezes por absoluta falta de parceiro. O tabuleiro e as peças, juntamente com as embalagens dos outros está cuidadosamente guardado junto a outros jogos (mah-jong, damas chinesas etc) de que a lei da vida (ou da morte) me tem roubado parceiros. Até para o bridge estou reduzido ao computador... mas esse mesmo antigo está ao meu dispor 24 horas por dia. E é usado diariamente, claro. Mas nada dispensa a jovial presença de um grupo de jogadores que se riem, zangam, disputam e acabam a combinar encontrar-se no dia seguinte para mais uma jogatina...
Referencias: “des mérites comparés du riz et du saké (illusré par un rouleau japonais du XVII sécle)
Bibliotheque nAtional de France & Diane de Seliers, ed; 2014
247 pp, 30x28 numerosas il a cores, encadernação cuidados em tela identica à caixa que a encerra, textos de apoio de diversos autores: 185 pp, obra: 27 pp. Ilustrações e comentários sobre o rolo : 95 pp.
A latere: sobre o jogo do go
“petit Traité du jeu de go” S. Padovano; “Petit traité du jeu de go , Go Club Sakta; “Traité du jeu de go” Roger G Girault; todos editados por L’Impensé Radical; Petit Traité invitant a la decouverte de l’art subtil du jeu de go” Pierre Lusson, Georeges Pére et Jacques Roubaud, Chr. Bourgois ed
E uma curiosidade; “ Go et Mao (pour une interpretation de la stratégie maoíst en termes de jeu de go) Scott A Boorman, Seuil, 1969
*Nas vinhetas ilustração da capa e ilustração relativa ao jogo do go constante do rolo.