estes dias que passam 751
Les temps sont difficiles (suite)
Ou
Por uma unha negra
mcr, 30-10-22
no momento em que estou para aqui a dar ao dedo ainda não sei se o ainda actual presidente do Brasil já se deu por derrotado.
Diga-se que lhe vai ser difícil confessar a derrota sobretudo quando esta lhe vem demonstrar que a culpa é dele e quase só dele.
De facto o seu partido (ou a Direita onde o PL é agora a maior força) ganhou folgadamente nas eleições para o Senado e para a Câmara dos Deputados pelo que o desastre (por uma unha negra, mas desastre, de todo o modo) presidencial só se pode atribuir à boçalidade, à impreparação e à arrogância do candidato.
Também é verdade que o sr Lula da Silva não pode cantar uma grande vitória pois, nem 51% dos votos conseguiu. E foi preciso que todo o Centro (e provavelmente alguma Direita mais envergonhada) saltasse para a arena no que alguém chamou defesa da democracia.
Lula, no inicio do seu discurso de vitória foi igual a si próprio pelo menos no descaramento: isto de agradecer a Deus a escassíssima vitória depois de anos e anos de laicismo exacerbado mostra bem as possíveis futuras dificuldades que ele vai enfrentar.
Eu não sei exactamente como é que num país tão imprevisível como o Brasil, alguém vai governar sem apoio suficiente dos poderes legislativos.
Ainda não tenho o número excto de Governadores estaduais conseguido pelo PT e eventuais aliados mesmo se já se saiba que os Estados mais ricos (à excepção de Minas Gerais) caíram nas mãos da Direita.
A maioria dos comentadores afirma que a Democracia se salvou no último round. É verdade mas convenhamos que resultado do que, bem ou mal, se convencionou apelidar de campo anti-democrático é, no mínimo preocupante
Faço parte daqueles que acreditam que com outro candidato, a “Esquerda” ou a “Democracia”, poderia ter tido um resultado muito mais claro, melhor e de maior segurança.
E, já agora, suspeito que a Direita com um candidato menos detestável do que Bolsonaro poderia ter facilmente arrebatado a eleição.
Dada a minha venerável idade, ainda recordo Café Filho, Juscelino, Jânio Quadros para falar de presidentes anteriores à Ditadura dos Generais. E digo ditadura dos generais porquanto ainda recordo Getúlio Vargas um presidente saído de um golpe de Estado e mais tarde reeleito até ao seu suicídio que, recordo-o
bem, me impressionou muito. Li todas as histórias sobre esse momento numa revista muito famosa chamada “Cruzeiro” que chegava a Lourenço Marques do mesmo modo que para a miudagem chegavam o “Guri” e o “Gibi” que em Moçambique substituíam o “Cavaleiro Andante” e “O Mundo de Aventuras”.
Se cito estas duas publicações infanto-juvenis é apenas porque, algumas vezes, os desvarios da certa política brasileira lembram mais histórias fantásticas para adormecer meninos mal comportados do que o dia a dia normal de uma sociedade democrática.
O Brasil está permanentemente na cabeça de muitos portugueses, nem sempre pelas melhores razões. Mesmo se Jorge Amado escreveu “O país do Carnaval” o carnaval do Rio (ou da Baía) não resume, não representa e muito menos, mostra um outro, e mais temível, Brasil que continua a ser um país onde o racismo vive às claras e confortavelmente. Basta olhar para uma fotografia do Congresso para perceber que ali os negros estão em absoluta minoria para já não falar nos índios que devem ser inexistentes e que são chacinados na Amazónia sem que os poderes se mostrem demasiadamente perturbados.
Entretanto, é Lula quem vai, apesar dos seus cansados 77 anos, governar um país que parece mais dividido do que nunca.
O grande problema é que, nestes anos bolsonaristas (para não falar nos ano Dilma) Lula criou o deserto à sua volta e sacrificou o malogrado Hadad (que agora perdeu S Paulo) que poderia ter sido um eventual presidente não fora ter sido atirado às feras com um único propósito “salvar” Lula. A verdade é que nesse salvamento, naufragou ele e é duvidoso que possa ser repescado para novas aventuras eleitorais.
Lula fanha, finalmente, porque o Centro (o “centão”) engoliu uma imensidade de sapos só para não ver um desvairado “imbrochável” regressar ao Palácio do Planalto.
Os tempos que se avizinham mesmo sem bolsonaro vão ser difíceis, muito difíceis.